Lição 7. A SOCIEDADE E A NATUREZA DO DELITO COMO FENÔMENO INDIVIDUAL E COLETIVO A SOCIEDADE A E NATUREZA DO DELITO COMO FENOMENO INDIVIDUAL E COLETIVO a) O aparecimento da vida e do homem A doutrina do pecado original é um dos princípios mais poderosos da crença hebraico-cristã. Segundo a concepção cristã, o homem era inocente e bom e o mundo um jardim (do Éden), um paraíso. Mas o homem foi tentado, sucumbiu e nunca mais irá recuperar sua inocência original. São Paulo declarou que o homem é carnal e pecador, acrescentando: em sua carne habitam coisas ruins e o pecado habita nele. Aliás, essa idéia da maldade como uma das características do ser humano se encontra também no campo da Biologia com Charles Darwin, como ainda no da Psicologia e da Psicanálise, com Sigmund Freud. Contestando a perspectiva cristã do aparecimento da vida e do homem, e do próprio deusismo, Darwin estabelece outra hipótese sobre a origem do homem, defendida em suas obras On the origen of Species e The Descent of Main, escritas em 1859 e 1871, respectivamente. Darwin entendia que o homem evoluiu a partir de animais não humanos, sofrendo mutações e percorrendo um longo caminho até chegar ao estágio humano. É o que prega em sua Teoria da Evolução, contestada veemente pelos representantes da igreja, mas cuja influencia na classe intelectual até hoje é bastante razoável. Conquanto não aceita a teoria darwiniana sobre a origem do homem, também existe uma certa controvérsia em se admitir cegamente que a espécie humana está imersa em pecado devido á sua herança de Adão e Eva. Importa, em suma, que o universo é resultado de uma criação de Deus com finalidade.
b) A Sociedade e o Crime Durkhein afirmava que os fenômenos sociais são fatos naturais e devem ser estudados pelométodo natural, isto é, pela observação e, quando for possível, pela experimentação. Ora, o crime é um fenômeno social e a criminalidade depende do estado social. Tenha o crime na sua gênese um fator exclusivamente endógeno (biológico) ou exclusivamente exógeno (meio ambiente), ou a combinação de ambos os fatores, é inegável que o crime é uma manifestação de vida coletiva, não fosse a existência de apenas duas pessoas considerada um grupo social. Não pode existir criminalidade fora de um estado social qualquer. Sendo o homem um animal gregário, sua vida em sociedade não implica, porém, em que não haja uma unidade de consciência social, pois esta nada mais é que a resultante das consciências individuais, que vão compor a maioria da unidade social. A noção de uma igualdade humana, dentro do grupo, é radicalmente falsa. A natureza animal não conhece a igualdade e toda filosofia zoológica repousa na desigualdade dos seres vivos e, entre eles, as desigualdades mais acentuadas são as que se verificam no ser humano. A desigualdade social é que induz á situações de conflitos, que podem terminar em criminalidade, entendo-se esta como todos os atos que constituem infração penal. A criminalidade, que não se concebe fora da vida grupal, nasce e se desenvolve dos interesses colidentes de seus componentes. É como se a criminalidade fosse uma oposição do indivíduo á sociedade. Por isso que também deriva de interesses personalíssimos. O crime, social na sua etiologia, visto que suscitado pela existência em
sociedade, é antisocial nos seus efeitos. Distingue-se, assim, a criminalidade, por firmar um conflito de vontades: de um lado a vontade da sociedade, soma das vontades de seus integrantes ou resultado da volição da maioria, e, de outro lado, a vontade individual de quem perpetra o crime, ou seja o delinqüente. O crime, portanto, é o produto de dois fatores: o indivíduo (criminoso) e a sociedade. c) O Fato criminoso E. Glover, na obra The Roots of Crime, abordando o criminoso nato, comenta: o crime representa uma das parcelas do preço pago pela domesticação de um animal selvagem por natureza(o homem), ou, é o resultado de sua domesticação mal sucedida. Infere-se, desse conceito, que o homem, não sendo tratado como ser humano, transforma-se no mais violento e perigoso dos animais, posto que é o único que raciocina. Incontestável é que o crime emana, primordialmente, de fatores sociais e, como tal, adquire a imagem de uma fenomenologia individual e coletiva. d) O crime como fenômeno individual e coletivo As causas imediatas do crime se resumem nas condições do meio em que ele se verificou e na personalidade de seu autor no momento da ação. As condições ambientais e circundantes, na ocasião do crime, abrangem as circunstancias que permitiriam o desencadeamento do próprio ato, entre elas aquelas que tornaram permissível o seu cometimento e, por isso, prevalentes, como também as que teriam funcionado como inibidora do evento, mas que foram reprimidas. Assim, a miséria (que via de regra é a responsável por grande gama de delitos, figurando quase sempre como preponderante sobre
circunstancias outras) pode, em determinada situação, não prevalecer, como o simples fato do indivíduo que iria praticar o crime e, á última hora, deixou de fazê-lo por temor ao respectivo castigo ou pena que, uma vez descoberto,viria a sofrer. O castigo funcionou, aí, como freio inibidor. A outra causa do crime, ou seja, a personalidade do indivíduo na ocasião em que comete o crime, consiste naquilo que permite uma predição de como uma pessoa agirá em uma determinada situação. Essa personalidade do homem, com suas vivencias atuais e, de outra forma, sempre condicionada pelo modo de ser relativamente constante ou habitual do indivíduo, aí residindo as características dessa decantada personalidade. No fato, por exemplo, do marido que surpreende a mulher em adultério, a reação difere de um para outro indivíduo. Existem aqueles que reagem violentamente (matando um ou ambos), e aqueles que enfrentam a tragédia passivamente (separação, perdão, reconciliação). Todos esses mais diversos comportamentos são comportamentos justificados pelas vivências e pela forma de ser de cada um desses indivíduos, resumidas na personalidade de cada um. Essas capacidades ou predisposições, ou tendências, denominam-se disposições individuais. É evidente que se a disposição daquele que optou pelo crime, no caso do adultério, por exemplo, for de tal monta que revela tendência para a prática futura de outros delitos, ele deve ser encarado como um indivíduo perigoso para a sociedade. Mas, nem sempre é assim, pois, o homicida por adultério, tem um prognóstico relativamente favorável no terreno da criminalidade, visto que sua infração resultou de um forte abalo moral que, provavelmente, não repetir-se-á. O mesmo não se pode dizer do estelionatário habitual, no qual a mentira fraudulenta praticamente passou a fazer parte de sua segunda natureza e até de sua personalidade. De frisar que, na eclosão do crime, a personalidade e suas disposições que conduzem á prática do crime, são o resultado de uma evolução complexa, que vem desde o nascimento do indivíduo, o qual passa a possuir certas disposições, chamadas de tendências hereditárias, vindo a desenbocar na
criminalidade hereditária. Goring sustentou que o elemento herdado não é a criminalidade como tal, mas sim, a inteligência deficiente. Na realidade, não há provas de que exista o denominado criminoso nato. Ninguém tem uma hereditariedade tal que deva ser inevitavelmente um criminoso, independentemente das situações em que é colocado ou das influencias que sobre ele exercem. Um temperamento fleugmático, que permite supor ser herdado, pode preservar uma pessoa de ser criminosa num ambiente, e torná-la criminosa noutro. Na formação da causalidade devem ser incluídos tanto o traço individual como a situação; nem um nem outra atuam isoladamente na produção do delito. Toda pessoa é um criminoso potencial, mas são imprescindíveis contatos e direção de tendências para torná-la criminosa ou desrespeitadora da lei. Ressalte-se, então, que as tendências hereditárias, constituídas por um mecanismo endógeno, têm a influenciá-las, por outro lado, o meio ambiente, isso ao longo de toda a vida do indivíduo. No campo da atuação do meio sobre as tendências hereditárias, devem ser consideradas, principalmente, a alimentação, a educação no lar e na escola, a influencia de parentes e outras pessoas, a convivência comunitária, a condição econômica, etc. A par disso, de realçar as influencias cósmicas, do clima, os hábitos de higiene e as condições de vida, as intoxicações, o alcoolismo, enfim, o chamado meio de desenvolvimento do indivíduo. Tratado o crime como fenômeno individual, assinale-se que a vida do homem em grandes centros urbanos implica em que ali sejam perpetrados inúmeros crimes. Isso demonstra, indesmentivelmente, o caráter de fenômeno coletivo da criminalidade. Isso aponta a criminalidade como fenômeno da vida societária, pouco valendo o argumento daqueles que, procurando combater o caráter de fenômeno coletivo da delinqüência, aduzem que esta outra coisa não é senão a somados crimes individuais.