Estudo da articulação temporomandibular em portadores de Síndrome de Down



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Transcrição:

Artigo Original Almeida et al. Estudo da articulação temporomandibular em portadores de Síndrome de Down Investigation of the temporomandibular joints in Down syndrome individuals Resumo Objetivo: O portador da síndrome de Down apresenta maloclusão e hipotonia muscular, o que sugere risco para disfunção temporomandibular (DTM). Este estudo avaliou a presença de DTM e seus possíveis fatores etiológicos em indivíduos portadores de Síndrome de Down através de exames anamnésico, físico e radiográfico. Metodologia: Cinqüenta sujeitos Down sindrôminos, foram divididos em dois grupos: 1) indivíduos com idade entre 12 e 14 anos, e 2) indivíduos com idade entre 20 e 30 anos. Estes grupos foram avaliados por exames anamnésico, físico e radiográfico, quanto à presença de sinais e sintomas de DTM. Resultados: A presença de sinais caracterizados como fatores etiológicos de DTM foi observada em ambas as faixas etárias, mas a presença de DTM ocorreu somente no grupo 2. Houve associação entre a presença de DTM e hiperexcursão condilar. Conclusão: Os resultados sugerem que o portador de síndrome de Down apresenta sinais e sintomas de DTM, havendo associação com maior faixa etária. Palavras alavras-chave: Síndrome de Down; articulação temporomandibular; desordens temporomandibulares Solange Maria Almeida a Mônica Beltrame b Frab Norberto Boscolo a Flávio Ricardo Manzi c a Departamento de Radiologia, FOP/UNICAMP, Piracicaba, SP, Brasil b Departamento de Diagnóstico Bucal, UEFS, Feira de Santana, BA, Brasil c Departamento de Radiologia, PUC/MG, Belo Horizonte, MG, Brasil Abstract Purpose: Subjects with Down syndrome have malocclusion and muscular hypotonia, which suggest higher risk for temporomandibular disorders (TMD). This study evaluated the presence of TMD and its possible etiologic factors in subjects with Down syndrome by means of anamnesis, physical exam, and radiographs. Methods: Fifty subjects with Down syndrome were divided into two groups: 1) subjects aged between 12 and 14 years-old, and 2) subjects aged between 20 and 30 years-old. These groups were evaluated by using a structured interview, physical exam, and TMJ radiographs. Results: Signs characterized as etiologic factors for TMD were recorded for both age groups, but TMD was present only in group 2. There was association between presence of TMD and condilar hyper excursion. Conclusion: The results suggest that subjects with Down syndrome show signs and symptoms of TMD, with association with older age. Key words: Down syndrome; temporomandibular joint, temporomandibular disorders Correspondência: Mônica Beltrame Av. ACM, 771/608 Itaigara Salvador, BA Brasil 41850-000 E-mail: iros@terra.com.br Recebido: 09 de maio, 2007 Aceito: 19 de novembro, 2007 Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):15-19 15

ATM e síndrome de Down Introdução A Síndrome de Down é decorrente de uma alteração genética devido à presença de um cromossomo a mais no par 21, sendo também conhecida por Trissomia do 21. Os portadores desta alteração genética apresentam inteligência e raciocínio lógicos, porém desenvolvimento físico e mental mais lentos em comparação com indivíduos não-sindrôminos. A presença de maloclusões e hipotonia muscular generalizada sugere comprometimento articular, principalmente de estruturas mais complexas como a articulação temporomandibular (1). Disfunção ou Desordem Temporomandibular (DTM) ou Craniomandibular (DCM) são termos genéricos que envolvem grande número de problemas clínicos dos músculos da mastigação, da ATM e de estruturas associadas (2-4). Dentre as várias causas consideradas potencialmente desencadeantes de DTM, citam-se: desarmonias oclusais, perfil psicológico (4), injúrias musculoesqueletais, hábitos parafuncionais (5), estresse emocional, lassidão do tecido conjuntivo, trauma (6,7), fatores anatômicos e patofisiológicos. Em relação à oclusão dentária, alguns autores citaram que a maloclusão é um fator etiológico primário das disfunções mandibulares (8,9). Outros pesquisadores (10,11) acreditam que as maloclusões contribuam para um pequeno agravamento da patologia já instalada e outros (12,13) não encontram diferenças significativas entre as Classificações de Angle (Classe I, Classe II, Classe III), sobressaliências, sobremordidas, contatos prematuros, bruxismo e DTM. A dor é o sintoma mais comum relatado por pacientes com disfunção temporomandibular (14,15), seguida de som durante os movimentos mandibulares (16,17). A limitação dos movimentos mandibulares também é um fator indicativo de DTM (18), uma vez que a fisiologia do osso mandibular permite a realização de movimentos em todas as direções, com amplitude média de 10 mm para os lados direito e esquerdo e 9 mm para protrusão. O posicionamento condilar na fossa mandibular tem sido estudado por vários pesquisadores e parece haver um consenso sobre a associação de uma posição condilar posteriorizada na relação de máxima intercuspidação com dor, disfunção e deslocamento do disco, assim como uma hiperexcursão condilar no movimento de abertura bucal máxima, em portadores de DTM (5,7,19). Assim, este estudo em indivíduos portadores de Síndrome de Down propôs-se a verificar: 1. a presença de sinais e sintomas que caracterizem DTM, considerando-se portadores de disfunção os indivíduos que apresentem a tríade: dor na região da ATM ou do ouvido, som articular nos movimentos de abertura e/ou fechamento bucal e função mandibular irregular ou com desvio; 2. se a presença de DTM ocorre em indivíduos adolescentes e adultos. 3. se há correlação de DTM com a posição e a excursão condilar observadas radiograficamente. Metodologia Após aprovação pelo Conselho de Ética e Pesquisa (CEP- FOP/UNICAMP, registro 89/99), foram selecionados 50 portadores de Síndrome de Down, de ambos os sexos, divididos em duas faixas etárias: uma composta por 20 pacientes com idade entre 12 e 14 anos (grupo 1) e outra formada por 30 indivíduos com idade entre 20 e 30 anos (grupo 2). A avaliação foi realizada pelos exames: anamnésico, clínico e radiográfico. A anamnese foi realizada utilizando uma ficha clínica padronizada sobre dados de identificação e saúde geral. No exame clínico, os pacientes foram examinados em relação a: 1. Função: a amplitude de deslocamento mandibular nos movimentos de abertura bucal, lateralidade e protrusão foram registradas através do uso de uma régua milimetrada (18). 2. Sons Articulares: estalido (som único de curta duração) e crepitação (vários sons, de longa duração) nos movimentos de abertura e fechamento bucal das ATMs direita e esquerda, com o auxílio de um estetoscópio (18). 3. Maloclusão: presença de Classe I,II ou III de Angle, mordida cruzada, aberta ou profunda. Os pacientes foram submetidos ao exame radiográfico da ATM, para os lados direito e esquerdo, pela técnica transcraniana. Utilizou-se um aparelho odontológico periapical DabiAtlante 7010 (70 KVp, 10 ma), acoplado ao cefalostato PTR 2000, utilizando chassi metálico com ecran de terras raras de velocidade média, na dimensão de 13x18cm. Os pacientes foram protegidos com avental plumbífero e protetor de tireóide, acomodados em banco giratório, com o plano sagital mediano perpendicular ao solo e o plano horizontal de Frankfurt paralelo ao plano horizontal. A angulação do cilindro foi determinada pela própria inclinação do suporte do aparelho, calibrada de fábrica em 25. O tempo da exposição variou em função do biotipo do paciente em 0,7 e 1,0 décimo de segundo, para os lados direito e esquerdo, nas posições de oclusão, repouso e abertura bucal. Foram avaliadas no exame radiográfico a excursão e a posição condilar. A translação do côndilo em relação ao ápice da eminência articular no movimento de abertura bucal foi delimitada de acordo com a obtenção de linhas tangentes às vertentes anterior e posterior da eminência articular (linhas a e a ) e do côndilo (linhas b e b ), cujas bissetrizes determinaram o ponto médio na superfície do tubérculo articular e do côndilo (pontos t e c, respectivamente). Os pontos t e c foram projetados no plano horizontal (linha h) e denominados t e c. A distância entre eles foi medida com régua plástica milimetrada (20). Quando t e c coincidiam era considerada a posição de normo excursão, quando t c diferiam, os valores além da eminência corresponderam à translação do côndilo além do tubérculo articular, e foram classificados em hiperexcursão. Caso c permanecesse aquém de t, considerou-se hipo- 16 Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):15-19

Almeida et al. excursão (ura 1). A posição ocupada pelo côndilo na fossa mandibular nas posições de repouso e oclusão foram registradas de acordo com um gabarito (21) composto de duas guias: a primeira para determinar as inclinações médias para a fossa mandibular e a segunda para mensurar os espaços articulares anterior e posterior. ig.1. Desenho esquemático da excursão condilar. A translação do côndilo em relação ao ápice da eminência articular no movimento de abertura bucal foi delimitada de acordo com a obtenção de linhas tangentes às vertentes anterior e posterior da eminência articular (linhas a e a ) e do côndilo (linhas b e b ), cujas bissetrizes determinaram o ponto médio na superfície do tubérculo articular e do côndilo (pontos t e c, respectivamente). Os pontos t e c foram projetados no plano horizontal e denominados t e c. Resultados e Discussão a a c b b Na anamnese (ura 2), o grupo 1 apresentou menos sintomas que o grupo 2. No grupo 1, 3 dos portadores de Síndrome de Down apresentaram dores freqüentes na cabeça e nos ombros ou pescoço. Nenhum integrante do grupo 1 relatou sentir tensão ou dor muscular ao mastigar nem dor na região da ATM. No grupo 2, 10 da amostra tinha dores no ombro e pescoço e 93% relataram dores freqüentes de cabeça, além de apresentarem dor no ouvido ou na região da ATM (83%). Estes dados sugerem um agravamento na sintomatologia do portador de Síndrome de Down em função da idade. Quanto aos sons articulares, mais da metade da amostra de ambos os grupos (56%) não apresentou nenhum tipo de som nos movimentos de abertura e fechamento bucal e este sinal quando presente ressoou como estalido para as duas populações estudadas (ura 3). A presença de som articular é um sinal importante para compor o diagnóstico da DTM (16). Este sinal geralmente está associado à alterações de posicionamento do disco articular ou alterações ósseas degenerativas, sendo que o aparecimento deste sinal ocorre tardiamente, a não ser em casos agudos. Um desequilíbrio biomecânico entre os músculos mastigatórios e a ATM também pode levar à produção de sons articulares (17). A presença de som articular geralmente está associada a distúrbios oclusais t c funcionais e parafuncionais, principalmente mordida cruzada e bruxismo (4). Todas essas características foram encontradas na amostra estudada. Além disso, todos os indivíduos apresentaram algum tipo de maloclusão, sendo que as mais freqüentes para ambos os grupos foram as mordidas cruzadas, uni ou bilaterais (ura 4). Maior prevalência de Classe III (71,4%), seguida de mordidas cruzadas posteriores e mordida aberta anterior foi encontrada em amostra de 200 pacientes adultos Down sindrôminos (9,11). 9 8 7 4 3 2 1 Traumatismo Medicamento Dor durante a mastigação Dor de cabeça Dor no ombro ou pescoço Dor de ouvido Dor cervical ig.2. Resultado da avaliação geral através da anamese. 10 9 8 7 4 3 2 1 7 4 3 2 1 ig.3. Presença e tipo de som articular. Classe I Classe II Classe III ig.4. Avaliação da oclusão. Sim Não Estalido M ordida cruzada unilate ral direita M ordida cruzada unilate ral esquerda Mordida cruzada bilateral M ordida cruzada anterior M ordida aberta anterior Mordida profunda Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):15-19 17

ATM e síndrome de Down Na Tabela 1 estão relacionados os resultados de medidas obtidas no exame clínico. As médias dos valores obtidos para abertura bucal máxima, lateralidades direita e esquerda e protrusão não diferiram significativamente entre os sexos e entre os grupos. Os valores obtidos nos grupos 1 e 2 de portadores de Síndrome de Down foram iguais ou ligeiramente maiores que os valores de normalidade relatados na literatura, os quais variam entre 40 e 60 mm (18). Em contrapartida, consideraram-se como limitação patológica da abertura bucal e indicativo de sintoma de DTM valores inferiores a 40 mm, abaixo de 37 mm e entre 10 e 25 mm (4), respectivamente. Os padrões classificados como anormais podem ser considerados somente variações anatômicas, principalmente quando não estão associados à sintomatolo-gia dolorosa. Portanto, a amostra do presente trabalho apresentou grau de abertura bucal normal. Para os movimentos de lateralidade, os valores de deslocamento mandibular nos grupos 1 e 2 não foram significativamente diferentes das médias relatadas na literatura para indivíduos normais (18). Avaliando-se a posição do côndilo na fossa mandibular, do lado direito, em oclusão, nos dois grupos, houve maior freqüência da posição anteriorizada, sendo que no grupo 1 nenhum portador de Síndrome de Down apresentou o côndilo posteriorizado. Já no grupo 2 somente um indivíduo apresentou esta relação. Para o lado esquerdo, em oclusão, a posição anteriorizada também foi a mais freqüente para ambos os grupos. Em repouso, a posição condilar anteriorizada na fossa mandibular foi mais freqüente no grupo 1, para ambos os lados direito e esquerdo; no grupo 2 a posição centralizada foi a mais freqüente para ambos os lados. Embora muitos autores tenham estudado o posicionamento do côndilo na fossa mandibular, há controvérsias quanto à sua relação com a DTM. A posição posteriorizada do côndilo na fossa mandibular estaria relacionada a um quadro de dor, disfunção e deslocamento do disco (5,19). Já outros afirmaram que os côndilos situam-se aleatoriamente na fossa mandibular quando o disco está normal, porém o côndilo mantém-se posteriorizado em desordens degenerativas (7). A normoexcursão foi a categoria mais freqüente na avaliação da excursão dos côndilos mandibulares para ambos os grupos 1 e 2. De acordo com os resultados obtidos nos exames anamnésico, clínico e radiográfico, foram considerados portadores de DTM os pacientes que apresentaram: dor na região da ATM ou no ouvido, som articular e função mandibular irregular ou com desvio (16). (Tabela 2) Houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, indicando uma progressão da sintomatologia com manifestação da patologia em função da idade. Entretanto, pelo exame radiográfico do grupo 1 não foi possível avaliar os componentes ósseos articulares, uma vez que os indivíduos ainda não haviam atingido a maturação óssea desses constituintes da ATM, o que ocorre por volta de 20 anos em indivíduos normais. Houve também uma associação positiva entre portadores de Síndrome de Down adultos e DTM. Assim, maior atenção deve ser dada à presença de maloclusão nesses indivíduos, avaliando-se a necessidade de tratamento preventivo e/ou corretivo. Tabela 1. Estatística descritiva das variáveis Abertura Bucal Máxima (mm), Lateralidades direita e esquerda (mm), e protrusão (mm), em ambos os sexos do grupo 1 Variáveis Média Sexo: FEMININO DP Sexo: MASCULINO IC 95% IC 95% Média DP LIC LSC LIC LSC GRUPO 1 Abertura Bucal Máxima 48,70 1,75 47,00 51,00 51,60 2,05 49,00 54,00 Lateralidade Direita 8,50 0,64 7,80 9,30 9,25 0,33 8,00 9,20 Lateralidade Esquerda 8,55 0,70 8,00 9,00 8,48 0,35 8,00 9,10 Protrusão 8,46 0,24 7,80 9,30 8,27 0,21 7,80 9,00 GRUPO 2 Abertura Bucal Máxima 52,45 1,75 51,28 53,63 53,89 2,05 52,91 54,88 Lateralidade Direita 7,97 0,64 7,54 8,40 8,11 0,33 7,95 8,27 Lateralidade Esquerda 7,84 0,70 7,36 8,31 8,06 0,35 7,89 8,23 Protrusão 6,22 0,24 6,06 6,38 6,23 0,21 6,13 6,33 IC: Intervalo de confiança; LIC: Limite inferior de confiança; LSC: Limite superior de confiança. Tabela 2. Presença de DTM no grupo 1 e no grupo 2 Frequência Porcentagem (%) GRUPO 1 Presença de DTM 0 0 Ausência de DTM 20 100 GRUPO 2 Presença de DTM 19 63,3 Ausência de DTM 11 36,6 18 Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):15-19

Almeida et al. Conclusões Os resultados obtidos sugerem que: A presença de sinais caracterizados como fatores etiológicos para DTM foi observada em ambas as faixas etárias; A presença de DTM foi observada somente nos indivíduos na faixa etária de 20 a 30 anos, havendo associação significativa entre DTM e idade nesta amostra; Houve associação entre a presença de DTM e hiperexcursão condilar. Referências 1. Down JL. Observations on an ethnic classification of idiots. Clin Lect. 1956;3:259. 2. Solberg WK. Epidemiology, incidence and prevalence of temporomandibular disorders: a review [Review]. In: LASKIN DM. et al. The president s conference on the examination diagnosis and management of temporomandibular joint disorders. Chicago: American Dental Association; 1983. p. 30-39. 3. Macneill C. Temporomandibular disorders: guidelines for classification, assessment and management. 2 nd ed. Chicago: Quintessence; 1993. p.11, 39. 4. Okeson JP., Hayes DK. Long-term results of treatment for temporomandibular disorders: an evaluation by patients. J Am Dent Assoc. 1986 Apr; 112(4):473-8. 5. Mongini F. The importance of radography in the diagnosis of TMJ dysfunctions; a comparative evaluation of transcrianial radiographs and serial tomography. J Prosthet Dent. 1981 Feb; 45(2): 186-98. 6. Parker MW. A dynamic model of etiology in temporomandibular disorders. J Am Dent Assoc. 1990 Mar;120(3):283-90. 7. Pullinger AG., Hollender L. Variation in concyle fossa relationships acdording to different methods of evaluation in tomograms. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1995; 79(3):367-74. 8. Gelb H, Calderone JP, Gross SM, Kantor ME. The role of the dentist and the otolaryngologist in evaluating temporomandibular joint syndrome. J Prosthet Dent 1967;18(5):497-503. 9. Mohl ND. Temporomandibular disorders: the role of occlusion, TMJ imaging and electronic devices a diagnostic update. J Am Coll Dent.1991; 58(3):4-10. 10. Greene CS. Orthodontics and the temporomandibular joint. Angle Orthod. 1982 Apr; 52(2):166-72. 11. Howel S., Morel G. Orthodontic treatment needs in Westmead Hospital Dental Clinical School. Aust Dent J. 1993 Oct; 38(5): 367-72. 12. Molin C, Carlsson GE, Friling B, Hedegard B. Frequency of symptoms of mandibular dysfunction in young Swedish men. J Oral Rehabil. 1976 Jan;3(1):9-18. 13. Agerberg G, Carlsson GE. Function disorders of masticatory system. I. distribution of symptoms according to age and Sex as judged from investigation by questionnaire. Acta Odontol Scand. 1972 Dec;30(6):597-613. 14. Andrasik F, Holroyd KA, Abell T. Prevalence of headache within a college student population: a preliminary analysis. Headache. 1979;19(7):384-7. 15. Magnusson T. Mandibular dysfunction and recurrent headache [thesis]. Sweden: University of Gothemburg; 1981. 16. Fonseca DM, Bonfante G, Vale AL, Freitas FST. Diagnóstico pela anamnese da disfunção crianiomandibular. RGO. 1994;42(1): 23-8. 17. Palacius Moreno AM, Chivalquer I, Luz JGC. Achados radiográficos, sinais e sintomas nas disfunções da articulação temporomandibular. Rev Fac Odontol Sao Paulo. 1997;11(4): 273-8. 18. Okeson JP. Fundamentos de oclusão e desordens temporomandibulares. 2ª ed. São Paulo: Artes Médicas; 1992. Cap. 8, p.136-164. 19. Weinberg LA. The role of stress, occlusion and condyle position in TMJ dysfunction pain. J Prosthet Dent. 1983;49(4): 532-45. 20. Duarte MSR. Hipermobilidade da ATM como fator etiológico de disfunção craniomandibular. Rev Fac Odontol São José dos Campos. 2001;4(3):52-9. 21. Bóscolo FN., Almeida SM., Paganini GA. Estudo da imagem da ATM por duas técnicas radiográficas. Rev Gaucha Odontol. 1998;46(4):222-9. Rev. odonto ciênc. 2008;23(1):15-19 19