PRISÕES TEMPORÁRIAS E RESTRIÇÕES DE DIREITOS DESCONHECIDOS

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Transcrição:

PRISÕES TEMPORÁRIAS E RESTRIÇÕES DE DIREITOS DESCONHECIDOS Fernando Pascoal Lupo Promotor de Justiça Novamente retornamos ao tormentoso problema da falta de inclusão de dados nos registros competentes que acabam colaborando para a impunidade no nosso país. A partir de artigos anteriores logramos obter regulamentações administrativas a fim de que as transações penais e suspensões condicionais do processo em decorrência de infrações de menor potencial ofensivo, nas justiças comum estadual e eleitoral, fossem comunicadas ao órgão concentrador das informações criminais. Da mesma maneira, está sendo providenciada pela Polícia Civil de São Paulo a regulamentação da obrigatoriedade da fundamentação na hipótese de não indiciamento pelo delegado de polícia em inquérito policial. Agora, passamos a tratar de graves problemas que prejudicam a perfeita aplicação da lei penal, da lei processual penal e da respectiva execução relacionadas com a prisão temporária e com as medidas restritivas de direitos em geral. Com efeito, nos termos da Lei 7.960/89 a prisão temporária é cabível quando imprescindível para as investigações do inquérito policial, quando o suspeito não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade, quando houver fundadas razões de autoria ou participação em determinados crimes graves. 1

Dessa maneira, por conta de representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, decretada a prisão temporária, expedir-se-á mandado de prisão, em duas vias, uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa e a prisão executada depois da expedição do respectivo mandado judicial. Então, o mandado de prisão temporária em duplicata é enviado ao delegado de polícia, que passa a realizar as diligências tendentes a cumpri-lo, porém a existência dele é reservada apenas àquela autoridade policial e a seus agentes, o que é um absurdo, uma vez que o órgão centralizador e armazenador das informações criminais sequer toma conhecimento do mesmo e, por via de consequência, não registra a ordem de prisão. Logo, os demais integrantes dos órgãos de segurança pública, na qual se insere o próprio Poder Judiciário, desconhecem a existência do referido mandado de prisão temporária, o que não se pode admitir. Isso possibilita ao destinatário da ordem de prisão temporária, lamentavelmente, que ele seja levado ao cárcere apenas pelo portador daquele mandado ou sua equipe. Assim, para que tenhamos o mínimo de eficiência no cumprimento das ordens de prisão temporária, a decretação desta deveria ser comunicada imediatamente ao instituto de identificação, a exemplo do que ocorre com a transação penal e com a suspensão condicional do processo, por conta do Provimento 14/01-CGJ, em que pese a eventual falta de indiciamento do suspeito, para que o registro fosse lançado no sistema e ficasse acessível aos órgãos de Justiça ou a qualquer agente policial que pesquisasse os antecedentes do indivíduo, nas mais variadas circunstâncias. 2

Não se pode conceber que passados 26 anos da vigência da lei da prisão temporária ainda tenhamos que conviver com essa situação. Por outro lado, as penas restritivas de direitos consistem, dentre outras, na limitação de fim de semana, na prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas e na interdição temporária de direitos. Ademais, diversas outras medidas restritivas de direitos, alternativas ou despenalizadoras são aplicadas ao suspeito, ao autor dos fatos, ao acusado ou ao sentenciado que acabam escapando do controle ou fiscalização pela ausência do registro das informações no banco de dados da Polícia Civil. Com efeito, nos casos de transação penal, de suspensão condicional do processo e da pena, de livramento condicional, de regime aberto e semiaberto e de prisão domiciliar podem ser impostas ao sujeito restrições de direitos, obrigatórias ou facultativas, que vão constar apenas do título judicial ou de eventual caderneta que deverá ficar na posse do destinatário. E o descumprimento das obrigações na maioria das vezes importa em causa de revogação facultativa ou obrigatória do benefício ou na imposição de outras sanções correlatas, dentre as quais, em alguns casos, na conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, no prosseguimento do curso do processo ou na regressão de regime, sanções que acabam sendo inviabilizadas. 3

As medidas restritivas de direitos aplicadas ao sujeito de forma cautelar, no início do processo, antes dele ou para evitá-lo, como pena ou no curso da execução criminal, por sua vez, podem consistir na proibição de frequentar determinados lugares, tais como bares, casas noturnas, casas de jogos ou lupanares e estabelecimentos congêneres, na abstenção de uso de bebidas alcoólicas ou substâncias análogas, no recolhimento durante o período noturno e nos dias de folga ou à habitação em hora fixada, na proibição de trazer consigo armas ou objetos capazes de ofender a integridade de outrem. Na imposição de restrições de direitos ou obrigações, conforme o caso, pode estar incluído o trabalho ou o estudo, a frequência a determinados cursos profissionalizantes, de segundo grau ou de ensino superior, a proibição de frequência a lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante para evitar o risco de novas infrações. Em outras hipóteses, o beneficiário deverá informar o lugar onde pode ser localizado durante o gozo da benesse. Igualmente, a proibição de se aproximar de determinada pessoa, de se ausentar da comarca ou de se retirar do domicílio no período noturno e nos dias de folga sem autorização judicial, a obrigação de permanecer no local de trabalho nos dias e horários estipulados, a obrigatoriedade do uso de monitoração eletrônica são medidas restritivas que podem ser aplicadas. Outrossim, para a concessão do regime aberto o juiz poderá estabelecer ao sentenciado condições especiais, como a permanência no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados, dentre outras. 4

De outro giro, as penas restritivas, como dito, podem consistir na interdição temporária de direitos, dentre as quais a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo; proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos. As restrições pertinentes ao livramento condicional estarão inseridas em cadernetas ou salvo-conduto, cujas condições constam apenas dos referidos documentos. Mas o controle disso tudo fica fadado ao fracasso, colaborando para a impunidade e desprestigiando o sistema de segurança pública em geral pela ausência do abastecimento de dados no prontuário criminal do destinatário. Como cediço, no Estado de São Paulo o instituto de identificação Ricardo Gumbleton Daunt, criado em 1904, armazena os dados dos indiciados em inquéritos policiais, dos processados, dos condenados no juízo criminal e dos autores dos fatos nas infrações de pouca capacidade ofensiva. No entanto, nem todas as penas ou medidas despenalizadoras, alternativas ou restritivas de direitos dos institutos supramencionados constam da mencionada ficha criminal, mas deveriam estar ao acesso dos juízos criminais e agentes policiais sempre que houvesse a necessidade de pesquisa. A situação provoca diariamente um sem número de situações que impedem a fiscalização dos benefícios e imposição das sanções pelo descumprimento. 5

Basta imaginar a corriqueira hipótese de uma blitz policial realizada em casa noturna. Efetuada a abordagem e caso algumas das pessoas estejam proibidas de frequentar aquele local, tal fato passará despercebido, pois o agente público não terá acesso à informação e o infrator deixará de ter sua conduta avaliada pela autoridade competente. O ideal seria que além de o instituto de identificação acrescentar nos registros criminais ( DVCs ) dados sobre esses tipos de reprimenda, os próprios policiais portassem consigo ou em viaturas aparelhos eletrônicos com aplicativos ligados a tais registros. Regularizando-se a situação, todos os juízos criminais deveriam ser orientados a informar ao instituto de identificação, no caso de quaisquer dos aludidos benefícios, restrições ou imposições a aplicação dos mesmos para que constem dos cadastros individuais da pessoa. E para a implantação dessas providências em relação ao instituto de identificação não vislumbramos quaisquer dificuldades para que fossem criados campos próprios nas fichas criminais que deveriam ser abastecidas com tais informações, assim como ocorre com os indiciamentos e as informações processuais e de execução penal. Adotadas essas medidas, certamente contribuiríamos para uma melhor aplicação da lei e fiscalização das prisões temporárias e das penas ou medidas restritivas de direitos. 6