2 Percentuais constitucionais de gastos mínimos no ensino e na saúde



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Transcrição:

Restos a pagar, despesas de exercícios anteriores e fiscalização do cumprimento do percentual mínimo de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde Laura Correa de Barros Graduada em Administração de Empresas e Ciências Contábeis. Atualmente cursando Direito. Mestre em Administração Pública. 1 Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagrou a importância dos investimentos públicos no ensino e na saúde, estabelecendo percentuais mínimos de gastos a serem realizados por cada uma das esferas de governo. A fiscalização do cumprimento dos percentuais é realizada pelos respectivos Tribunais de Contas, em cada esfera governamental. Um dos instrumentos utilizados para essa fiscalização é a análise formal das contas prestadas anualmente pelos governantes. A partir dessa análise, os técnicos dos Tribunais de Contas verificam a correta contabilização das receitas e das despesas que compõem as bases de cálculo desses percentuais. No que diz respeito às despesas registradas nas contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores, ainda não há consenso absoluto entre os órgãos regulamentadores, executores e fiscalizadores, sobre o tratamento a ser dado a estas contas, em especial sua apropriação, no cálculo dos percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde. Assim, o presente artigo tem por objetivo comentar a jurisprudência deste Tribunal de Contas mineiro a respeito do tema, à luz de uma análise dos respectivos instrumentos normativos dos princípios contábeis e de possíveis aperfeiçoamentos do procedimento da análise formal de contas. 2 Percentuais constitucionais de gastos mínimos no ensino e na saúde Preceitua a Constituição de 1988 que o descumprimento dos percentuais mínimos de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde é motivo para a intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal (art. 34, VII, e), e dos Estados em seus municípios (art. 35, III). 219

Nesse sentido, de acordo com o art. 212 da Carta Magna, A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Ademais, importante ressaltar que a aplicação de receitas em tais percentuais é uma exceção ao princípio da não vinculação de receitas, expressa no art. 167, IV, da Carta Magna: Art. 167. São vedados: (...) IV a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, 2, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, 8, bem como o disposto no 4 deste artigo. (...) Art. 198. (...) (...) 2 A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anual mente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (...) 3 Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I os percentuais de que trata o 2 (...) No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais TCEMG, a fiscalização de tais percentuais está regulada pelas Instruções Normativas n. 13/2008 e 19/2008. A Instrução Normativa TCEMG n. 13/2008 especifica as receitas que são consideradas para fins de aplicação do percentual mínimo de 25% de gastos no ensino, por parte do Estado e dos municípios, bem como as despesas que podem ser computadas no percentual. Essa instrução explica também a forma como os dados deverão ser organizados e enviados ao TCEMG para fins de fiscalização. O 220

texto da referida instrução normativa explica o detalhamento dessas receitas, despesas e dados. De forma semelhante, a Instrução Normativa TCEMG n. 19/2008 dispõe sobre as bases de cálculo para apuração dos percentuais mínimos de gastos na saúde 12% para o Estado e 15% para os municípios, bem como sobre a forma como os dados deveriam ser enviados ao Tribunal de Contas mineiro, aspectos estes que também podem ser interpretados do texto da referida instrução. 3 Restos a pagar e despesas de exercícios anteriores 3.1 Definição No intuito de realizar a correta contabilização dos restos a pagar e despesas de exercícios anteriores nos percentuais de gastos com educação e ensino, é necessária uma breve digressão sobre o tema. Nesse sentido, tem-se que os Restos a Pagar e as Despesas de Exercícios Anteriores, de acordo com a Lei Federal n. 4.320/64, estão definidos da seguinte forma: Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas das não processadas. Comentando a Jurisprudência Parágrafo único. Os empenhos que sorvem a conta de créditos com vigência plurienal, que não tenham sido liquidados, só serão computados como Restos a Pagar no último ano de vigência do crédito. Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica. O art. 92 da Lei Federal n. 4.320/64 impõe, ainda, a necessidade de registro dos Restos a Pagar por exercício e por credor. A mesma exigência deveria ser imposta às Despesas de Exercícios Anteriores, pois é indiscutível a necessidade de identificar a quais exercícios específicos tais despesas se referem. No âmbito do TCEMG, várias consultas já se debruçaram sobre o tema. Nesses termos, a Consulta n. 653.862, de relatoria do Conselheiro Moura e Castro, assim tratou dos Restos a Pagar: (...) Ora, findo o exercício, as despesas nele empenhadas e não pagas, processadas ou não processadas, desde que as obrigações tenham sido adimplementadas no exercício da emissão de empenho, são insertas em restos a pagar (art. 36, Lei 4.320/64). 221

Como é do conhecimento geral, os restos a pagar dividem-se em processados e não processados. Aqueles guarnecem as despesas empenhadas e liquidadas, restando apenas a etapa final, a do efetivo pagamento, eis que a despesa foi legalmente autorizada (art. 58, Lei n. 4.320/64) e o material ou serviço incorporado ao patrimônio público. A par disso, não há como cancelar empenho dessa estirpe, sob pena de enriquecimento sem causa, já que a obrigação de pagar nasceu para a Administração. A despesa pertence ao exercício em que foi criada e empenhada, mas o seu pagamento poderá ocorrer no exercício seguinte, como despesa extraorçamentária. Todavia, as não processadas são despesas apenas empenhadas, ausentes, ainda, a liquidação (efetiva entrega do bem ou serviço por parte do contratado) e o pagamento, caso em que é possível o cancelamento, pois o que existe de jurídico nessa situação é apenas o pedido de um bem ou serviço, não havendo, portanto, nascimento da obrigação de pagar. Como se vê, despesas assim, passíveis de cancelamento, não foram efetivamente realizadas. Logo, merecem acompanhamento de per si, objetivando impedir descumprimento de lei, caso contrário, daria margem para que a unidade gestora pudesse empenhar todo o orçamento não executado para, ao final do exercício, inscrevê-lo em restos a pagar, sem dispor dos recursos financeiros correspondentes, acarretando a utilização de recursos correntes no pagamento de restos a pagar de exercício anterior, infringindo o art. 2 da Lei n. 4.320/64 (princípio da anualidade). No que diz respeito às Despesas de Exercícios Anteriores, a Consulta n. 3.189, de 13/08/1991, esclareceu que: (...) as despesas de exercícios anteriores correspondem a despesas realizadas e não processadas por motivos imprevistos, devidamente comprovados, para os quais existia dotação orçamentária específica, com saldo suficiente para seu atendimento, ou cujo compromisso reconheceu-se posteriormente. Não se enquadrando a despesa neste conceito, a sua regularização somente poderá ser feita através de crédito especial. 3.2 Anulação da despesa não liquidada em 31 de dezembro O Decreto Federal n. 93.872, de 23/12/1986, que trata da unificação dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, dispõe, em seu art. 35, que: Art. 35. O empenho de despesa não liquidada será considerado anulado em 31 de dezembro, para todos os fins, salvo quando: I vigente o prazo para cumprimento da obrigação assumida pelo credor, nele estabelecida; II vencido o prazo de que trata o item anterior, mas esteja em curso a liquidação da despesa, ou seja de interesse da Administração exigir o cumprimento 222

da obrigação assumida pelo credor; III se destinar a atender transferências a instituições públicas ou privadas; IV corresponder a compromissos assumidos no exterior. Assim, os Restos a Pagar não processados, definidos conforme o art. 36 da Lei Federal n. 4.320/64, devem ser anulados em 31 de dezembro, exceto nos casos descritos pelo supracitado art. 35 do Decreto Federal n. 93.872/86. 3.3 Vedação ao restabelecimento de valor em Restos a Pagar e contabilização das Despesas de Exercícios Anteriores De acordo com Sérgio Jund 1 (2008, p. 212), é vedado o restabelecimento dos empenhos anulados em Restos a Pagar. O reconhecimento do direito do credor, em exercício diverso daquele ao qual a despesa pertence, deverá ser realizado por meio de nova Nota de Empenho e será contabilizado em Despesas de Exercícios Anteriores conta esta que comporá a prestação de contas de ano posterior. Se a despesa estava regularmente inscrita em Restos a Pagar, o autor afirma que podem ocorrer duas situações: a) se o valor inscrito é inferior ao valor real a ser pago, a diferença deverá ser empenhada à conta de Despesas de Exercícios Anteriores; e b) se o valor inscrito é superior ao valor real a ser pago, o saldo remanescente deverá ser anulado. Após essa anulação, caso o saldo remanescente seja reclamado posteriormente, deverá ser contabilizado em Despesas de Exercícios Anteriores, conforme dispõe o art. 69 2 do Decreto Federal n. 93.872/86. Comentando a Jurisprudência 3.4 O regime contábil das despesas inscritas em Restos a Pagar e em Despesas de Exercícios Anteriores Na contabilidade pública, as despesas devem obedecer ao regime de competência. Conforme Sérgio Jund (2008, p. 211), o regime de competência exige que as despesas sejam contabilizadas conforme o exercício a que pertençam. De acordo com o art. 35 da Lei n. 4.320/64, pertencem ao exercício financeiro as despesas nele legalmente empenhadas. Dessa forma, é necessário considerar os Restos a Pagar como despesas do exercício em que foram realizados os respectivos empenhos. As Despesas de Exercícios Anteriores, conforme o próprio nome diz, referem-se a exercícios anteriores. Nesse caso, o empenho deveria ter sido realizado no exercício correspondente, mas é feito em exercício diverso em decorrência de circunstâncias especiais. Apesar de o reconhecimento e o respectivo empenho terem sido feitos intempestivamente, ou seja, desobedecendo 1 JUNDI, Sérgio. Administração, orçamento e contabilidade pública. 3. ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 2 BRASIL. Decreto 93.872, art. 69: Após o cancelamento da inscrição da despesa como Restos a Pagar, o pagamento que vier a ser reclamado poderá ser atendido à conta de dotação destinada a despesas de exercícios anteriores. 223

o comando do art. 35 da Lei Federal n. 4.320/64, isso não impede que a despesa pertença ao exercício ao qual se refere, em obediência ao regime contábil de competência para as despesas públicas. No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, a Consulta n. 455.647, aprovada unanimemente em Sessão Plenária do dia 08/10/1997, expressou entendimento no sentido de que, devido ao regime da competência, as despesas públicas do exercício são aquelas nele legalmente empenhadas. Na mesma consulta, foi consolidado o entendimento de que os Restos a Pagar são considerados como despesa do ano em que foram empenhados. 3.5 Aplicação do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal aos Restos a Pagar e considerações sobre as Despesas de Exercícios Anteriores O art. 42 da Lei Complementar n. 101 de 2000 Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) assim dispõe: Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício. Esse dispositivo tem como objetivo evitar que os compromissos assumidos em uma gestão ultrapassem a sua capacidade de pagamento e reduzam a receita disponível para o mandato seguinte. Nesse sentido, é possível concluir que o comando legal supracitado determina a irregularidade dos registros de valores em Restos a Pagar quando não existirem valores correspondentes em disponibilidades de caixa. Da mesma forma, apesar de não haver disposição legal expressa nesse sentido sobre as Despesas de Exercícios Anteriores, em decorrência da boa fé e da necessidade de transparência das contas públicas, deveriam ser realizadas estimativas, pelo gestor, de forma prudente e na medida do possível, das despesas que poderiam ser reconhecidas em anos posteriores, e da reserva de disponibilidades de caixa suficientes para a cobertura dessas despesas. Essa medida evitaria o comprometimento das receitas de exercícios seguintes, principalmente no período de transição entre mandatos. Em consequência, do ponto de vista da fiscalização, a análise adequada pelo Tribunal de Contas sobre as despesas registradas nas contas de Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores, em especial no período de transição entre mandatos, dependeria de informações adicionais, prestadas pelos jurisdicionados, que permitissem identificar adequadamente as responsabilidades específicas de cada gestor. 224

Em sessão do dia 16/04/1997 (Consulta n. 442.374, relator Conselheiro José Ferraz), antes mesmo da promulgação e publicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, o plenário do Tribunal de Contas mineiro já apontava a necessidade de obediência ao art. 59 da Lei Federal n. 4.320/64, que contém as seguintes disposições, similares às que hoje estão contidas na LRF: Artigo 59. O empenho da despesa não poderá exceder o limite dos créditos concedidos. 1 Ressalvado o disposto no artigo 67 da Constituição Federal, é vedado aos municípios empenhar, no último mês do mandato do Prefeito, mais que o duodécimo da despesa prevista no orçamento vigente. 2 Fica, também, vedado aos municípios, no mesmo período, assumir, por qualquer forma, compromissos financeiros para execução depois do término do mandato do Prefeito. 3 As disposições dos parágrafos anteriores não se aplicam aos casos comprovados de calamidade pública que não é o caso. 4 Reputam-se nulos e de nenhum efeito os empenhos e atos praticados em desacordo com o disposto nos parágrafos 1 e 2 deste artigo, sem prejuízo da responsabilidade do Prefeito no caso anterior nos termos do artigo 1, inciso V, do Decreto-Lei n. 201, de 27 de fevereiro de 1967. Comentando a Jurisprudência Após a promulgação e publicação da LRF, o TCEMG, por meio de diversas consultas, buscou esclarecer o comando contido no art. 42 da referida lei. Uma delas é a Consulta n. 660.552 (Sessão Plenária do dia 08/05/2002), na qual foram feitas as seguintes importantes observações sobre o art. 42 da LRF: Infere-se, da simples leitura do texto legal, que as normas trazidas a lume nos transcritos dispositivos legais têm cunho moralizador, pois visam a evitar que despesas feitas sem planejamento sobrecarreguem a execução financeira e orçamentária do exercício financeiro seguinte. (...) Conforme se vê, trata-se de norma de restrição na medida em que não permite contrair obrigação de despesa nos dois últimos quadrimestres, ou oito últimos meses, do mandato de titular de Poder ou Órgão referido no art. 20 do mesmo diploma. Mas a vedação somente se impõe se não existirem recursos financeiros suficientes para liquidar as obrigações contraídas entre maio e dezembro do último ano do mandato, seja em relação às parcelas vencidas e não pagas até o encerramento do respectivo mandato, seja em relação às parcelas vincendas a partir de janeiro do exercício financeiro seguinte ao término do mandato. 225

A interpretação desse dispositivo legal (...) também não pode ser meramente literal. É indispensável que seja sistemática, isto é, deve abranger o texto legal como um todo aberto, em total harmonia com os princípios e normas de direito financeiro e orçamentário, a fim de se entender com clareza o alcance almejado pelo legislador. (...) Diante das razões retroexpendidas, é forçosa a conclusão de que as disposições do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal não alcançam aquelas despesas empenhadas nos últimos dois quadrimestres, ou últimos oito meses, de mandato de titular de Poder ou Órgão, e que foram geradas em decorrência de obrigações assumidas anteriormente a esse período. Até mesmo porque seria absurdo vedar a continuidade de programa ou ação governamental em execução, sob pena de inviabilizar o atendimento de serviços públicos essenciais à comunidade, engessando a Administração por oito meses, e, o que é mais grave, vulnerar o já mencionado princípio da continuidade do serviço público. A segunda expressão ou comando a ser perscrutado é que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito. (...) Por outro lado, se for contratada obra a ser executada em mais de um exercício financeiro, o titular de Poder ou Órgão não está obrigado, consoante as disposições do aludido art. 42, a prover recursos financeiros para pagar as parcelas da obra que serão executadas com dotações dos orçamentos dos exercícios financeiros seguintes. (...) Assim sendo, é patente a conclusão de que os contratos para a execução de obras ou de serviços serão empenhados e liquidados no exercício financeiro, não pelo valor total, mas pelo valor das parcelas executadas no exercício financeiro, conforme o estabelecido no necessário e respectivo cronograma físicofinanceiro de execução. Nesse caso específico, há de ressaltar que o início de realização de obra ou serviço de duração plurianual, que não tenha o caráter da essencialidade ou da emergência, nos oito últimos meses do mandato, deverá ter motivação ainda mais sólida e clara, a fim de não ser vulnerado o espírito maior da Lei de Responsabilidade Fiscal, o princípio da responsabilidade no gasto do dinheiro público, em período eleitoral. 226

(...) Assim, se a disponibilidade de caixa líquida apurada no fluxo financeiro for suficiente para pagar a despesa nova, o titular de Poder ou Órgão poderá assumi-la. Caso contrário, a obrigação de despesa nova não poderá ser assumida, sob pena de o ordenador ser incurso em crime contra as finanças públicas, conforme previsão na Lei n. 10.028, de 19 de outubro de 2000 (Lei de Crimes Fiscais). Em resumo, e por tudo o que foi exposto, concluiu-se que as disposições do art. 42 não se aplicam à despesa cuja obrigação foi assumida anteriormente aos últimos oito meses do mandato de titular de Poder ou órgão, por força de lei, contrato, convênio, ajuste ou qualquer outra forma de contratação, mas que venham a ser empenhadas nesse período, pois contrair despesa não é sinônimo de empenhar despesa. E, ainda, que o art. 42 estatui que a assunção de obrigação de despesa, nos últimos dois quadrimestres de mandato, não deve ter respaldo, apenas, na Lei Orçamentária, mas também contrapartida de recursos financeiros suficientes para pagá-la até o final do exercício financeiro, ou no ano seguinte, se inscrita em Restos a Pagar. Comentando a Jurisprudência A Consulta n. 654.853 (sessão do dia 08/05/2002, relator Conselheiro Sylo Costa) também tratou do assunto: Depreende-se que o art. 42 disciplina a realização de despesas no período compreendido entre 1 de maio e 31 de dezembro do último ano de mandato do titular de Poder ou órgão, que não poderá, sob pena de responsabilização, contrair despesas que não possam ser pagas integralmente dentro do ano ou deixem obrigações a serem pagas no exercício seguinte, a não ser que disponha de recursos financeiros suficientes para esse fim. Observe-se que o artigo não veda propriamente a realização de despesas, mas restringe os gastos à mesma medida da realização das receitas. O parágrafo único chama atenção para a necessidade de serem considerados os compromissos assumidos até 31/12, na determinação das disponibilidades de caixa, devendo ser programadas as receitas e despesas de tal forma a evitar déficits financeiros, garantindo-se, assim, a continuidade normal das atividades na gestão seguinte. A Consulta n. 653.862 (sessão do dia 06/02/2002, relator Conselheiro Moura e Castro), a seu turno, contém alerta sobre a obediência do art. 42 da LRF, cujo desrespeito pode ensejar a aplicação de sanções previstas no Código Penal, incluídas pela Lei Federal n. 10.028/2000, em especial as seguintes: 227

Inscrição de despesas não empenhadas em Restos a Pagar Art. 359-B. Ordenar ou autorizar a inscrição em Restos a Pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei: (Incluído pela Lei n. 10.028, de 2000) Pena detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.(incluído pela Lei n. 10.028, de 2000) Assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura Art. 359-C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa (...) (Incluído pela Lei n. 10.028, de 2000). 4 Fiscalização, pelos Tribunais de Contas, dos percentuais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde A fiscalização dos percentuais constitucionais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde implica a utilização de dois instrumentos básicos: a) a análise formal das contas, que consiste na verificação da regularidade das informações prestadas pelos jurisdicionados, constantes da prestação de contas anual ou de outros registros e documentos; b) a inspeção in loco, que consiste no deslocamento de uma equipe técnica do respectivo Tribunal de Contas para o ente a ser fiscalizado. Enquanto a análise formal apenas atesta a regularidade dos dados contidos em documentos preenchidos pelos próprios jurisdicionados, a inspeção in loco tem como objetivo a coleta de elementos adicionais sobre registros em meio eletrônico, sobre outras documentações e registros em meio físico e a obtenção de demais elementos probatórios. A análise formal subsidia a emissão de pareceres, pelos Tribunais de Contas, sobre as contas anuais dos titulares dos Poderes públicos. As inspeções in loco realizadas pelos técnicos dos Tribunais de Contas são instrumentos valiosos, pois ultrapassam a formalidade dos dados e documentos apresentados pelos jurisdicionados, objetivando atestar a existência física de bens, serviços e obras e o montante real dos gastos realizados. No exercício de sua função de fiscalização, os Tribunais de Contas analisam as prestações de contas elaboradas pelos jurisdicionados. Entretanto, é necessário lembrar que a regularidade formal de todas as informações enviadas pelos jurisdicionados ao Tribunal de Contas não é suficiente para elidir esses jurisdicionados de responsabilidade por outras irregularidades formais ou materiais detectadas durante inspeções in loco. 228

5 Prevalência da essência das transações sobre a forma, Restos a Pagar, Despesas de Exercícios Anteriores e os percentuais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde O parágrafo 2 do art. 1 da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) n. 750/93 expressa uma regra máxima da Contabilidade: Na aplicação dos princípios fundamentais de Contabilidade há situações concretas, a essência das transações deve prevalecer sobre seus aspectos formais. A Resolução CFC n. 1.111/07, por sua vez, aprova o Apêndice II da Resolução CFC n. 750/93, o qual constitui uma interpretação dos princípios de Contabilidade, expressos na Resolução n. 750/93, sob a perspectiva do setor público. Na interpretação do princípio da oportunidade, sob a perspectiva do setor público, a mesma regra máxima está presente: a integridade e a fidedignidade dizem respeito à necessidade de as variações serem reconhecidas na sua totalidade, independentemente do cumprimento das formalidades legais para sua ocorrência, visando ao completo atendimento da essência sobre a forma. Ao considerar a aplicação dessa regra em relação aos gastos mínimos no ensino e na saúde, é possível concluir que o cumprimento efetivo dos percentuais deve ser priorizado em detrimento das formalidades inerentes a esse cumprimento. Nesse sentido, o exame formal das contas deverá preocupar-se com a real aplicação dos gastos no ensino e na saúde, para o que se faz necessário, conforme já mencionado neste trabalho, o envio de informações adicionais sobre despesas classificadas nas contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores. Essa complementação visaria aumentar a transparência das contas públicas, facilitando o controle dos percentuais constitucionais mínimos de gastos no ensino e na saúde. Comentando a Jurisprudência Assim, a fiscalização pelos Tribunais de Contas deveria dar ênfase às despesas efetivamente realizadas, entendidas como aquelas que completaram o ciclo básico empenho liquidação pagamento. As contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores deveriam registrar apenas despesas em situações especiais, que não pudessem completar o referido ciclo por motivos devidamente justificados. O registro de montantes expressivos nessas contas revela uma distorção no planejamento e execução de despesas, o que ocasiona uma necessidade de exame mais minucioso pelos Tribunais de Contas. Dessa forma, os Tribunais de Contas deveriam priorizar a análise dos percentuais mínimos de aplicação no ensino e na saúde com base, primeiramente, apenas nas despesas efetivamente realizadas. A análise das despesas registradas nas contas Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores deveria ser secundária, realizada apenas nos casos em que as despesas efetivamente realizadas não tivessem alcançado os percentuais mínimos. 229

No que diz respeito especificamente às Despesas de Exercícios Anteriores, tais despesas não entram na prestação de contas do exercício ao qual se referem, mas na prestação de contas de exercício posterior. Com isso, as Despesas de Exercícios Anteriores não compõem o percentual mínimo de gastos do exercício em que deveriam ocorrer. Da mesma forma, as Despesas de Exercícios Anteriores não podem ser computadas no percentual mínimo de gastos do exercício em que foram efetivamente reconhecidas e pagas, em obediência ao regime contábil da competência, aplicável às despesas públicas. Assim, as Despesas de Exercícios Anteriores que caracterizem aplicação de recursos no ensino e na saúde não são consideradas no percentual de gastos de nenhum ano. Entretanto, como sustentado anteriormente, se a essência dos gastos prevalece sobre a forma que assumem, é importante obter informações adicionais sobre o pagamento de todas as despesas de competência do ano em análise, inclusive sobre Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores. Portanto, as despesas efetivamente pagas, naturalmente, deveriam ser computadas nos percentuais de gastos no ensino e na saúde, enquanto as despesas não pagas não deveriam entrar no cálculo desses percentuais. O TCEMG, em suas já mencionadas Instruções Normativas n. 13/2008 e 19/2008, não regulamenta o tratamento a ser dado às Despesas de Exercícios Anteriores. Entretanto, as referidas instruções vedam a inclusão de Restos a Pagar não processados nos percentuais de aplicação no ensino e na saúde, permitindo a inclusão de Restos a Pagar processados, desde que os valores estejam apresentados de forma individualizada. No que diz respeito ao ensino, a Instrução Normativa n. 13/2008 3 contém disposição sobre a inclusão dos Restos a Pagar não processados no percentual do ano em que forem processados. Ainda que notória a finalidade, desses dispositivos das referidas instruções normativas, de preservar a efetividade das despesas computadas nos percentuais anuais mínimos, a metodologia de cálculo dos percentuais e de análise formal das contas poderia ser reestruturada, tendo em vista o regime de competência das despesas e o princípio da prevalência da essência sobre a forma. Nesse sentido, é relevante empreender uma análise comparativa da supracitada permissão da Instrução Normativa n. 13/2008 de inclusão dos Restos a Pagar não processados no percentual do ano em que forem processados, e não do ano em que foram regularmente empenhados, com o teor de um entendimento do Pleno, expresso anteriormente na apreciação do mérito da Consulta n. 704.555, sessão do dia 26/04/2006, de relatoria do Conselheiro Elmo Braz. Esse entendimento, que reforça o conteúdo dos pareceres emitidos na Consulta n. 455.647, de relatoria do Conselheiro Simão Pedro Toledo, do dia 08/10/1997, e na Consulta n. 450.981, sessão do dia 15/10/1997, de relatoria do mesmo conselheiro, é no sentido de que os Restos a Pagar devem ser considerados despesas pertencentes ao exercício no qual foram realizados os respectivos empenhos, e as Despesas de Exercícios Anteriores como despesas do ano ao qual se referem, independentemente da época em que tenha sido realizado o empenho. 3 A questão sobre disponibilidade de caixa, disciplinada em instruções normativas anteriores, foi retirada devido ao fato de que, na prática, parte dos recursos que deveriam honrar as despesas do exercício só seriam liberados no ano seguinte, comprometendo a integridade da análise formal das contas anuais. 230

Em consonância com o entendimento esposado nas citadas consultas, uma possível reestruturação da fiscalização quanto à metodologia de cálculo dos percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde poderia ocorrer da seguinte forma: considerar-se, primeiramente, a despesa total empenhada e paga no ano de análise; caso o percentual mínimo não seja atingido, e verificar se, em ano posterior, o efetivo pagamento de despesas registradas em Restos a Pagar e em Despesas de Exercícios Anteriores referentes ao ano em análise. 6 Considerações finais sobre a inclusão de Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores na apuração dos percentuais mínimos de aplicação no ensino e na saúde Conforme já sustentado, ao fiscalizar a aplicação mínima de recursos no ensino e na saúde, os técnicos dos Tribunais de Contas deveriam considerar todas as despesas referentes ao exercício específico em análise que completaram o ciclo básico empenho liquidação pagamento, ainda que tais despesas tivessem completado o ciclo em ano diverso ao de sua competência. Na mesma linha de raciocínio, se alguma despesa inscrita em Restos a Pagar ou em Despesas de Exercícios Anteriores, por algum motivo, não fosse paga posteriormente, tal despesa deveria ser excluída do cômputo do percentual mínimo. Comentando a Jurisprudência Se a apreciação formal das prestações de contas, bem como das informações adicionais prestadas pelos jurisdicionados, for efetuada com ênfase apenas nas despesas de competência do exercício analisado que tenham completado o ciclo empenho liquidação pagamento, o risco de se apurar percentuais anuais fictícios de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde diminuiria consideravelmente. Contudo, em que pese ser um grande passo em direção ao aspecto material do cumprimento dos percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde, a apreciação das informações, enviadas pelos jurisdicionados, com base apenas nas despesas que completaram o ciclo empenho liquidação pagamento não é suficiente para garantir a plena efetividade desse cumprimento. Nesse sentido, além da análise dessas informações, o Tribunal de Contas deverá realizar inspeções in loco, conforme já mencionado, objetivando a obtenção de elementos suficientes de modo a atestar a realidade dos gastos mínimos no ensino e na saúde. Dessa forma, a definição, pelos Tribunais de Contas, da metodologia de apuração formal dos percentuais mínimos de aplicação no ensino e na saúde deve ser clara e objetiva, evitando o surgimento de dúvidas no âmbito dos entes fiscalizados. Nesse sentido, as considerações aqui explicitadas representam apenas um primeiro esforço teórico no sentido de diagnosticar uma possível necessidade de aperfeiçoamento da análise das informações apresentadas pelos jurisdicionados aos Tribunais de Contas e de sua própria sistemática de apuração desses percentuais. 231

6.1 Sugestão de aperfeiçoamento da metodologia de análise formal dos percentuais constitucionais mínimos de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde Com o intuito de contribuir para a efetivação da análise formal dos percentuais constitucionais mínimos de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde, em consonância com o princípio da prevalência da essência das transações sobre a forma, algumas sugestões podem ser apresentadas. Em relação à análise formal das contas, as etapas de fornecimento de informações pelos jurisdicionados e de análise pelos Tribunais de Contas poderiam ser as seguintes: 1. O Estado e os municípios enviariam suas prestações de contas por meio eletrônico ao Tribunal de Contas; 2. Os técnicos do Tribunal de Contas verificariam se as receitas e as despesas indicadas no cálculo informado pelos jurisdicionados estão listadas conforme o disposto nas Instruções Normativas TCEMG n. 13/2008 e 19/2008; 3. Caso fosse detectada alguma divergência, os técnicos realizariam ajustes nas bases de cálculo das receitas e das despesas para apurar o percentual real de gastos; 4. Inicialmente, os técnicos deveriam considerar apenas as despesas não inscritas em Restos a Pagar, ou seja, as despesas que tenham completado todo o ciclo empenho liquidação pagamento. Caso os percentuais mínimos fossem atingidos, não haveria necessidade de análise adicional quanto a esses percentuais situação ideal; 5. Se os percentuais mínimos não fossem atingidos, a equipe técnica deveria analisar as despesas regularmente contabilizadas em Restos a Pagar processados, que pertençam ao exercício em análise, de forma a obter evidências de que tais despesas foram efetivamente pagas posteriormente; 6. Em seguida, os técnicos deveriam realizar a mesma análise em relação às despesas registradas em Restos a Pagar não processados; 7. Se, após tais procedimentos, o percentual mínimo ainda não tivesse sido atingido, os técnicos deveriam fazer a mesma análise quanto às Despesas de Exercícios Anteriores de prestações de contas posteriores que se referem ao ano em exame e que tivessem completado o ciclo empenho liquidação pagamento, posteriormente. É importante ressaltar que essas verificações adicionais (itens 5, 6 e 7) sobre os Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores ensejariam o envio de informações complementares pelos jurisdicionados, bem como das respectivas justificativas, na forma e prazos próprios a serem fixados pelo Tribunal de Contas em instrução normativa. A fixação desse prazo é de extrema importância, tendo em vista que o próprio Tribunal de Contas possui prazos a cumprir, especificamente no que se refere à emissão de pareceres sobre as contas dos titulares dos Poderes públicos. 232

Esse procedimento preservaria a integridade anual da apuração dos gastos mínimos, tendo em vista que seria devidamente observado o regime da competência para as despesas consideradas nos cálculos. Contudo, a análise formal dos percentuais mínimos nos moldes propostos aumentaria o volume de informações enviadas pelos jurisdicionados e, consequentemente, analisadas pelos técnicos do Tribunal de Contas. Se acatadas as sugestões, as novas instruções normativas sobre a matéria deveriam explicitar a forma de envio adicional de informações pelos jurisdicionados. 6.2 Comentários sobre a aplicação do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal aos Restos a Pagar referentes a despesas com ensino e saúde Tendo em vista as restrições impostas pelo art. 42 da LRF, alguns aspectos que se referem à apuração dos percentuais mínimos de aplicação de recursos no ensino e na saúde merecem atenção. A regra do citado art. 42 da LRF deve ser estritamente observada, principalmente em relação às despesas que compõem os percentuais mínimos de gastos no ensino e na saúde. Assim, as despesas inscritas em Restos e Pagar do último ano de mandato do gestor só poderiam ser consideradas no cômputo do percentual mínimo de gastos se regulares, ou seja, se o valor dessas despesas correspondesse a valor igual ou superior ao registrado em disponibilidades de caixa. Comentando a Jurisprudência A regra do art. 42 da LRF poderia ser flexibilizada, caso houvesse atraso de repasse de recursos pela União ou pelo Estado ou seja, por motivo que foge à competência do ente em análise (Estado ou municípios). Isso porque, nessa hipótese, o ente, cuja prestação de contas esteja sendo analisada, não pode ser responsabilizado. Essa situação deveria ser justificada pelo gestor dentro do prazo para envio da prestação de contas, ou em outro prazo fixado pela Corte de Contas. A análise dessa justificativa pelo técnico do Tribunal de Contas deveria ser realizada a partir da ponderação das peculiaridades do caso concreto. Ressalte-se que o titular de Poder ou órgão que houvesse regularmente inscrito despesas em Restos a Pagar no último ano de mandato teria dificuldades em obter informações, junto ao novo gestor, de que tais despesas foram efetivamente pagas no ano seguinte. Neste sentido, deveria constituir irregularidade atribuível ao novo gestor o não pagamento dessas despesas com os recursos disponíveis à época e devendo ser transferida para esse novo gestor a responsabilidade pelo envio dessas informações adicionais, na prestação de contas de seu primeiro ano de mandato. Sobre esse assunto, o Tribunal de Contas de Minas Gerais, em Sessão Plenária do dia 16/04/1997 antes mesmo da promulgação e publicação da LRF, apreciou o mérito da Consulta n. 442.374, de relatoria do Conselheiro José Ferraz, que expressa entendimento de que o prefeito municipal não poderia deixar de pagar as despesas empenhadas em ano anterior. Tais despesas, 233

segundo o entendimento do Tribunal de Contas, são consideradas como aplicação no ensino do ano em que foram empenhadas, em obediência ao regime de competência aplicável às despesas. Esse entendimento só reforça o que foi dito sobre o período de transição de mandatos, o qual merece atenção redobrada dos técnicos do Tribunal de Contas. O mesmo entendimento sobre a obrigatoriedade de pagamento das despesas regularmente registradas em Restos a Pagar pelo gestor do exercício seguinte foi reiterado na Consulta n. 635.993 de relatoria do Conselheiro Simão Pedro de Toledo, apreciada pelo Pleno do TCEMG em 07/03/2001: (...) Os valores inscritos em Restos a Pagar deverão ser sempre pagos, integralmente, no exercício seguinte, considerando a disponibilidade de caixa, pois, a contrário senso, não poderiam existir, tampouco serem lançados nessa natureza. Considerando, então, a disponibilidade de caixa para o pagamento dos Restos a Pagar, não há fundamento legal da ocorrência de sua preterição a favor da realização de investimentos previstos na lei orçamentária. Para que as Despesas de Exercícios Anteriores pudessem integrar o cálculo dos referidos percentuais, deveria ser considerado o montante de recursos disponíveis (ou que deveriam ter sido disponibilizados) no ano ao qual pertenciam. Entretanto, nas prestações de contas referentes ao último ano de mandato do gestor responsável, duas são as situações possíveis: 1. Caso as disponibilidades de caixa do último ano de mandato do antigo gestor fossem suficientes para cobrir as Despesas de Exercícios Anteriores, referentes a esse último ano, tais despesas poderiam integrar o percentual de gastos realizados pelo antigo gestor; se tais despesas não fossem devidamente quitadas no ano seguinte, o novo gestor deveria ser responsabilizado; 2. Caso as Despesas de Exercícios Anteriores, referentes ao mandato do antigo gestor, tivessem que ser quitadas com receitas pertencentes a exercício do mandato do novo gestor, a situação deveria ser cuidadosamente analisada pelo Tribunal de Contas, a partir da ponderação das peculiaridades do caso concreto. Nesse caso, a disponibilidade de recursos e o cálculo do percentual mínimo anual de cada um dos gestores não deveriam ser prejudicados por atos irregulares do outro gestor. 6.3 Comentários adicionais sobre o atraso no repasse, entre diferentes esferas governamentais, de recursos vinculados aos gastos com ensino e saúde Alguns comentários adicionais sobre o atraso no repasse de recursos vinculados aos gastos com ensino e saúde de um ente a outro são necessários. Caso a União ou o Estado atrasasse o repasse de recursos que deveriam compor a receita, tomada como base de cálculo o ano em análise, independentemente do momento em que ingressarem no Município, esses recursos deveriam ser considerados como integrantes dessa base de cálculo, como pertencentes ao ano em que o repasse deveria ter sido realizado. 234

Esse raciocínio ensejaria uma flexibilização da regra do regime de caixa aplicável à receita pública, com o objetivo de evitar uma inadequação dos cálculos, prevenindo, assim, uma possível confusão entre a responsabilidade de gestores de diferentes mandatos. Ao mesmo tempo, essa flexibilização protegeria, por exemplo, um gestor municipal da responsabilização por um erro cometido pela União ou pelo Estado. Tendo em vista a necessidade de correta aferição das bases de cálculo para a apuração dos gastos anuais, considerar as receitas atrasadas como receitas do ano em que deveriam ter ingressado garantiria a integridade anual do cálculo dos percentuais mínimos do ano em análise e do ano em que tais receitas ingressaram, de fato. Entretanto, isso só seria possível a partir do envio de informações adicionais pelos jurisdicionados aos Tribunais de Contas. Adotando esse posicionamento, os técnicos dos Tribunais de Contas, ao analisar o período de transição entre mandatos, deveriam ter especial atenção quanto: 1. Às receitas que compõem a base de cálculo para aplicação dos percentuais anuais de gastos mínimos, considerado os possíveis atrasos no repasse de receitas que possam ter afetado a base de cálculo; Comentando a Jurisprudência 2. Às disponibilidades reais, observando, também, os possíveis atrasos no repasse de receitas que possam afetar o montante das disponibilidades, para fins da aplicação da regra do art. 42 da LRF; 3. Ao compromisso do novo gestor de quitar as despesas já regularmente inscritas em Restos a Pagar ou Despesas de Exercícios Anteriores com recursos que já estavam (ou deveriam estar) nas disponibilidades do ano em que foram ou deveriam ter sido realizados os respectivos empenhos; 4. À responsabilidade do novo gestor de enviar informações adicionais sobre Restos a Pagar e Despesas de Exercícios Anteriores pagas no ano em curso. Conforme explicado anteriormente, tais receitas estão vinculadas aos propósitos do ensino e da saúde, por força de dispositivo constitucional, portanto, não poderia, o Estado ou o Município, sofrer com o atraso do repasse, nem mesmo supri-lo, ainda que temporariamente, porque isso poderia comprometer outras despesas dos entes federativos. Ademais, o atraso do repasse poderia gerar outros encargos, como o pagamento de correção monetária, o que deveria ser suportado pelo ente responsável pelo atraso e não pelo Estado ou pelo Município. O Tribunal de Contas deverá estar atento às justificativas dadas tanto pelo ente responsável pelo atraso quanto pelo ente responsável pela aplicação dos recursos. 235

7 Conclusão Tendo em vista a importância dada pela Carta Magna aos gastos mínimos anuais com o ensino e a saúde, é necessário aperfeiçoar continuamente a análise das contas dos entes responsáveis, de forma que os resultados dessa análise espelhem o cumprimento real desses gastos. Nesse sentido, as considerações aqui expendidas objetivam contribuir para esse aperfeiçoamento, tendo em vista tratarem de implicações dos Restos a Pagar e das Despesas de Exercícios Anteriores na apuração formal desses percentuais mínimos. Assim, as sugestões apresentadas, com vistas ao aperfeiçoamento da análise formal de contas, propõem também uniformizar o tratamento dado aos jurisdicionados por parte dos Tribunais de Contas, de forma que a responsabilização seja específica em relação a cada gestor e que os percentuais anuais mínimos de aplicação estejam resguardados. Nota: As considerações aqui realizadas são compatíveis com os dispositivos do Projeto de Lei n. 229 de 2009, de autoria do Senador Tasso Jereissati, em tramitação no Congresso Nacional, que versa sobre normas gerais sobre plano, orçamento, controle e contabilidade pública, voltadas para a responsabilidade no processo orçamentário e na gestão financeira e patrimonial, altera dispositivos da Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, a fim de fortalecer a gestão fiscal responsável e dá outras providências. O referido projeto contém, ainda, disposição expressa sobre a revogação da Lei Federal n. 4.320/64. 236