5.º Congresso do Neolítico Peninsular

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Transcrição:

estudos & memórias 5.º Congresso do Neolítico Peninsular VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA eds. CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA 8

5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011

5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011 VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA, eds.

estudos & memórias Série de publicações da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa) Direcção e orientação gráfica: Victor S. Gonçalves 8. GONÇALVES, V.S.; DINIZ, M.; SOUSA, A. C., eds. (2015), 684 p. 5.º Congresso do Neolítico Peninsular. Actas. Lisboa: UNIARQ. Capa, concepção e fotos de Victor S. Gonçalves. Pormenor de uma placa de xisto gravada da Anta Grande da Comenda da Igreja (Montemor o Novo). MNA 2006.24.1. Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa. Paginação e Artes finais: TVM designers Impressão: Europress, Lisboa, 2015, 400 exemplares ISBN: 978-989-99146-1-2 Depósito Legal: 400 321/15 Copyright, os autores. Toda e qualquer reprodução de texto e imagem é interdita, sem a expressa autorização do(s) autor(es), nos termos da lei vigente, nomeadamente o DL 63/85, de 14 de Março, com as alterações subsequentes. Em powerpoints de carácter científico (e não comercial) a reprodução de imagens ou texto é permitida, com a condição de a origem e autoria do texto ou imagem ser expressamente indicada no diapositivo onde é feita a reprodução. Lisboa, 2015. Volumes anteriores de esta série: 1. LEISNER, G. e LEISNER, V. (1985) Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz. estudos e memórias, 1. Lisboa: Uniarch. 2. GONÇALVES, V. S. (1989) Megalitismo e Metalurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada. 2 Volumes. estudos e memórias, 2. Lisboa: CAH/Uniarch/INIC. 3. VIEGAS, C. (2011) A ocupação romana do Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve central e oriental no período romano. estudos e memórias 3. Lisboa: UNIARQ. 4. QUARESMA, J. C. (2012) Economia antiga a partir de um centro de consumo lusitano. Terra sigillata e cerâmica africana de cozinha em Chãos Salgados (Mirobriga?). estudos e memórias 4. Lisboa: UNIARQ. 5. ARRUDA, A. M. ed. (2013) Fenícios e púnicos, por terra e mar, I. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 5. Lisboa: UNIARQ. 6. ARRUDA, A. M. ed. (2014) Fenícios e púnicos, por terra e mar, 2. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 6. Lisboa: UNIARQ 7. SOUSA, E. (2014) A ocupação pré-romana da foz do estuário do Tejo. estudos e memórias 7. Lisboa: UNIARQ.

Novos contextos neolíticos nas espaldas setentrionais do Maciço Calcário Estremenho: o caso do sítio do Freixo (Reguengo do Fetal, Batalha) MARCO ANTÓNIO ANDRADE 1 RESUMO Os trabalhos realizados no Freixo, situado nas encostas setentrionais da Serra de Candeeiros, permitiram identificar ocupações do Neolítico antigo e Calcolítico final, sendo o primeiro período estatisticamente mais expressivo. Do espólio recuperado, salienta -se a cerâmica impressa (incluindo de «filiação cardial»), incisa e com elementos de preensão/suspensão, pedra lascada, polida e afeiçoada, faunas mamalógica e malacológica. Não se conservando níveis de ocupação in situ, conservaram -se as associações artefactuais, colocando este sítio numa fase terminal do Neolítico antigo cardial, antevendo uma etapa referente ao Neolítico antigo evoluído, legitimando a sua importância no contexto regional em que se inclui e nos processos de consolidação das primeiras comunidades neolíticas na fachada atlântica. Palavras chave: Neolítico antigo; Cerâmica cardial; Maciço Calcário Estremenho. ABSTRACT The works conducted in Freixo, located in the northern slopes of Candeeiros mountain range, allowed identifying Early Neolithic and Late Chalcolithic occupations, being the first period statistically more expressive. In the set of recovered artifacts, we emphasize the pottery with printed decoration (including «cardial affiliation»), incised decoration and with prehension/suspension elements, polished stone, flacked stone and ground stone tools, mammalogical and malacological faunas. With no occupancy layers conserved in situ, the associations of artifacts are still preserved, placing this site in the terminal stages of cardial Early Neolithic, anticipating a stage that is refered to evolved Early Neolithic, legitimizing its importance in the regional context in which it is included and in the consolidation process of the first neolithic communities of the atlantic facade. Key words: Early Neolithic; Cardial pottery; Estremadura Limestone Massif. 1. Localização geográfica O sítio do Freixo situa se na freguesia do Reguengo do Fetal, concelho da Batalha. Localiza se nas encostas Noroeste do Maciço Calcário Estremenho, no sopé da Serra da Barrosinha, um dos bastiões mais avançados da Serra de Candeeiros, na área genérica do inter flúvio Lena/Lis (Fig. 1). Implanta se sobre um esporão alongado (com orientação NE SW), na confluência de dois cursos de água subsidiários da Ribeira da Várzea, numa paisagem de relevos marcados e vales encaixados. Geologicamente, situa se sobre calcários do Oxfordiano a Kimeridgiano (Jurássico), entre argilitos e calcários margosos do Kimeridgiano (Jurássico). Registam se igualmente, na envolvência imediata, algumas manchas de conglomerados do Aptiano Albiano a Cenomaniano (Cretácico). 2. Contextos de intervenção O sítio foi identificado e intervencionado por equipas da CRIVARQUE Trabalhos Geo Arqueológicos, Lda. dirigidas pelo signatário e por Adelaide Pinto, no âmbito de acções de minimização do projecto IC9 São Jorge/ Fátima. Neste contexto foram realizadas 10 sondagens de diagnóstico na área de concentração de espólio arqueológico, sucedidas pela escavação em área contabilizando um total de 110 m 2 de área escavada. Logo desde as primeiras observações de superfície, foram identificadas ocupações relativas ao Neolítico antigo (cerâmica com decoração impressa e incisa, geométricos) e Calcolítico final (campaniforme inciso, pontas de seta) realidade confirmada pelos trabalhos de escavação. Apesar de o espólio arqueológico se dispersar ao longo de todo o esporão (numa área de cerca de 2 hectares), regista se uma concentração evidente no seu extremo Sudoeste (Locus A Freixo). Com efeito, sondagens de diagnóstico realizadas no extremo Nordeste 198 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR

(Locus B Tendeira) permitiram a recolha de escasso e incaracterístico espólio tendo se concentrado a escavação na primeira área referida (Fig. 2). Não se tendo ainda concluído o estudo do espólio arqueológico, o presente trabalho seguirá uma abordagem linear ao sítio, sendo que as leituras apresentadas são, obviamente, provisórias. 3. Estratigrafia observada e contextos de recolha Fig. 1 O sítio do Freixo (indicado pelo acrónimo FRX) no contexto do Neolítico antigo entre o Tejo e o Mondego. Os contextos com cerâmica cardial encontram se representados pelos círculos vazios. Base cartográfica: Google Maps, 2010. A área central do Freixo regista depósitos seriamente perturbados, devido à erosão característica de ambientes calcários de topo (encontrando se o calcário lapializado de base praticamente à superfície em algumas áreas), à exploração manual de pedra registada até meados do século passado e à agricultura de pequena escala efectuada até à actualidade. Não foram, assim, identificados contextos de ocupação in situ muito embora se tenha recolhido em abundante número termoclastos (cerca de 200 kg) e nódulos de argila queimada que poderão ter pertencido a estruturas de combustão coevas com aquelas que têm vindo a ser recentemente identificadas para contextos de Neolítico antigo do Sudoeste peninsular. A estratigrafia registada é simples e comum a todas as áreas escavadas tendo sido referenciadas, genericamente, quatro unidades estratigráficas (Fig. 3). As UEs 1 e 2 tratam se, basicamente, do mesmo depósito com diferentes graus de perturbação correspondendo a UE 1 à camada superficial composta por sedi Fig. 2 Oro hidrografia da área envolvente do sítio do Freixo, com indicação do Locus A Freixo (áreas de escavação representadas à direita) e Locus B Tendeira. As sondagens de diagnóstico estão indicadas a azul, a escavação em área está indicada a vermelho. 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR 199

Fig. 3 Exemplos da estratigrafia observada no sítio do Freixo: Área 1 e Área 6. mento siltoso bastante solto e a UE 2 a uma camada com características semelhantes sendo contudo bastante mais compacta. Estes depósitos continham, sem diferenciação vertical, espólio atribuível ao Neolítico antigo e ao Calcolítico final (este último período especialmente representado nas Áreas 3 e 7). A UE 3 trata se, basicamente, de uma camada interfacial entre a UE 1/2 e a terra rossa, sendo composta pela mistura de ambas. A presença de materiais arqueológicos nesta camada dever se á a fenómenos de argiloturbação originando a migração de elementos de uma camada para a camada subjacente. O facto de conter exclusivamente espólio referente ao Neolítico antigo permite supor que este fenómeno terá ocorrido anteriormente à ocupação referente ao Calcolítico final conservando se, assim, as associações artefactuais referentes ao Neolítico antigo. Esta camada encontra se cortada em certas áreas pelas «bolsas» resultantes da exploração manual de pedra (UE 4), preenchidas com sedimento semelhante à UE 1/2 com presença de clastos calcários e ausência de espólio arqueológico. 4. Espólio arqueológico Para a apresentação do espólio recolhido no sítio do Freixo, este foi dividido em seis categorias base: cerâmica, pedra lascada, pedra polida, pedra afeiçoada, fauna e outros artefactos e objectos. Refira se mais uma vez que o estudo do espólio ainda não se encontra concluído, apresentando se aqui apenas observações baseadas no inventário preliminar. O espólio cerâmico é o elemento com maior peso percentual dentro do conjunto artefactual do Freixo, correspondendo a cerca de 68% do espólio recuperado. Os exemplares com elementos caracterizadores dividem se entre registos referentes ao Neolítico antigo (22,6%) e ao Calcolítico final (1,5%), registando se uma larga percentagem de cerâmica lisa (75,9%). Desta maneira, percebe se que a ocupação principal do sítio (e o grosso da informação artefactual) corresponderá ao Neolítico antigo. Poder se á sempre argumentar que uma qualquer parte da cerâmica lisa poderá corresponder à ocupação campaniforme no entanto, a comparação morfológica entre as pastas dos elementos lisos e aqueles com elementos caracterizadores permite incluir grande parte do conjunto da cerâmica lisa no Neolítico antigo. Os exemplares com elementos caracterizadores relativos ao Neolítico antigo dividem se entre exemplares com decoração impressa (21,4%), decoração incisa (50,4%), decoração plástica (4,7%), decoração compósita (4,7%) e elementos de preensão/suspensão (19,7%). Os motivos impressos (Fig. 4) incluem cerâmicas decoradas com impressões de «filiação cardial» (formando bandas abaixo da linha do bordo), ungulações, impressões espatuladas, puncionamentos simples (sob o bordo ou em bandas no colo), puncionamento arrastado (punto y raya formando bandas abaixo da linha do bordo por vezes rematadas por grinaldas); impressões a pente ou matriz denteada, impressões em espiga («falsa folha de acácia» por vezes associada a punto y raya) e entalhes sobre o lábio (denteado). Nesta categoria, por cerâmica de «filiação cardial», entendem se os motivos que, ainda que se enquadrando neste tipo decorativo, não se tratam de cardiais «típicos» tendo se recolhido apenas dois fragmentos (Fig. 4a e b). O primeiro, um vaso «tipo Caldeirão» (esferóide com asa de rolo arrancando do bordo, estando contudo ausentes as aplicações plásticas «tipo botão») apresenta uma banda de impressões abaixo do bordo não oferecendo a típica matriz denteada da cerastoderma edule, tendo sido possivelmente realizada com a área do bordo da valva junto ao umbo. O segundo fragmento apresenta igualmente uma banda impressa abaixo do bordo sendo que as impressões são demasiado rectilíneas (tendo em conta o seu comprimento) para terem sido realizadas com uma valva de cerastoderma edule (que resultaria em impressões 200 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR

mais curvilíneas), levantando se a hipótese de terem sido obtidas com a valva inferior de um pequeno pectenídeo agindo como rodízio. Ambas suposições foram comprovadas experimentalmente. Os motivos incisos (Fig. 5) incluem cerâmicas decoradas com traços simples, linhas simples paralelas (horizontais e oblíquas), caneluras paralelas (horizontais e oblíquas), incisões dispostas em bandas e grinaldas, incisões em espiga, linhas ziguezagueantes verticais, bandas de linhas incisas delimitando incisões oblíquas e bandas de incisões em retícula. Os motivos plásticos incluem cerâmicas com cordões plásticos e mamilos aplicados abaixo do bordo sem ergonomia evidente. Os motivos compósitos caracterizam se por cerâmicas decoradas com associações entre motivos incisos e motivos impressos (genericamente, entalhes sobre o bordo) e entre motivos incisos ou impressos e decoração plástica. Na categoria dos recipientes com elementos de suspensão/preensão, contabilizam se exemplares com elementos de suspensão com perfuração vertical e horizontal, asas de fita, asas de rolo, asas com aplicação plástica e pegas alongadas. Será de referir a homogeneidade destes exemplares, a nível de pastas e tratamento de superfícies tratando se genericamente de recipientes de pasta compacta a semi compacta, com elementos não plásticos maioritariamente quartzosos, de cozeduras redutoras com arrefecimento oxidante. As superfícies apresentam se maioritariamente alisadas, registando se alguns poucos elementos com superfícies almagradas (apenas em um caso coincidente com exemplar decorado). Tratam se genericamente de recipientes de pequena a média dimensão com formas derivadas de esfera (esferoidais e taças em calote), sendo de registar a escassez de grandes vasos de armazenamento, representados apenas por alguns escassos fragmentos incaracterísticos. Na indústria de pedra lascada (Fig. 6), o sílex apresenta se como suporte preferencial para o talhe (70%). O quartzo e o quartzito (15,2% e 14,3%, respectivamente) servem como suporte quase exclusivamente a macro utensilagem embora se registe a presença de lamelas e respectivos núcleos em quartzo. Artefactos sobre quartzo hialino apresentam um valor residual (0,7%), assim como outras matérias primas (jaspe e lidito, com 0,1%). Dentro do conjunto dos elementos em sílex, a larga maioria corresponde a produtos de debitagem brutos (55%), seguido pelos produtos de preparação/reavivamento (23,7%) e utensílios (10,5%). Estes últimos encontram se produzidos maioritariamente sobre lasca (58,5%, contabilizando lascas retocadas/com sinais de uso, entalhes, denticulados, raspadeiras e furadores que usem lascas como suporte). De referir a fraca representatividade da componente geométrica (2%), representada por crescentes e trapézios. Outros utensílios usando produtos alongados como suporte contabilizam 28,3% Fig. 4 Cerâmica com decoração impressa: impressões de «filiação cardial» (a b), ungulações (c), impressões espatuladas (d), puncionamento arrastado associado a impressões em espiga (e), puncionamento arrastado (f ). 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR 201

Fig. 5 Cerâmica com decoração incisa: incisões em espinha larga (a), incisões «barrocas» (b), incisões em espinha (c), bandas de caneluras oblíquas (d), bandas de caneluras horizontais (e), bandas reticuladas (f ), bandas de caneluras rematadas por grinaldas (g), faixas ziguezagueantes verticais (h). Fig. 6 Artefactos de pedra lascada: núcleos prismáticos de pequenas lâminas (a) e lamelas (b d), furador taladro sobre lamela (e), geométricos crescentes (f g), geométricos trapézios (h i), lamelas (j m). 202 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR

correspondendo a pequenas lâminas e lamelas retocadas/com sinais de uso, taladros e entalhes. Os núcleos (com exemplares prismáticos, discóides e bipolares alguns deles exaustos) representam 8,1% dos artefactos de sílex. Blocos de matéria prima bruta ou sumariamente conformados correspondem a 2,6% do conjunto. De referir, na afirmação das já mencionadas associações artefactuais, a identificação de lascas de preparação associadas a blocos de matéria prima numa área circunscrita de 4m 2 (Área 2) Da mesma maneira, foi possível a remontagem entre um núcleo prismático de pequenas lâminas e um flanco de núcleo recolhidos em quadrados contíguos (Área 3). Assim, a recolha de blocos sumariamente conformados, produtos de preparação/reavivamento e núcleos em todos os estádios de exploração indicam que todos os passos da cadeia operatória teriam lugar na área de habitat. Seriam utilizados blocos/nódulos e pequenos seixos de sílex sendo que a análise do córtex permite definir três modelos distintos de aprovisionamento: posição primária (córtex sem rolamento), posição secundária em depósitos de vertente (córtex com rolamento ligeiro) e posição secundária em depósitos aluviais (córtex com rolamento extremo). As matérias primas siliciosas apresentam igualmente origens geológicas diversas, com sílex proveniente de contextos de Cenomaniano superior (Cretácico) e Oxfordiano (Jurássico) em proporções sensivelmente idênticas, registando se um valor residual de sílex proveniente de contextos do limite Batoniano Bajociano (Jurássico). Tratam se, obviamente, de matérias primas disponíveis regionalmente com fontes disponíveis localmente (dentro de um raio de 5 a 30 km). Não será de excluir igualmente a recolecção de seixos de sílex nos terraços quaternários como os recentemente identificados na área de Leiria e Porto de Mós. Artefactos de pedra polida estão representados por escassos registos, destacando se dois machados de secção circular/oval e a extremidade proximal de uma pequena enxó de fibrolite. A escassez de elementos deste género é comum em contextos habitacionais referentes ao Neolítico antigo, onde os artefactos de pedra polida são manifestamente minoritários. A pedra afeiçoada encontra se representada por vários elementos. Foram recolhidos principalmente artefactos de utilização ocasional, como percutores e bigornas de talhe. Recolheram se ainda uma tampa discóide de arenito, um esferóide igualmente em arenito e dois elementos mó dormentes (sobre blocos de arenito e quartzito). Estes elementos de mó correspondem a exemplares de pequena dimensão podendo referir se a elementos de moagem em pequena escala, não necessariamente de produtos cerealíferos. Na fauna mamalógica, foram identificados exemplares de Bos, ovis capra e lagomorpha. Identificou se ainda um possível fragmento de úmero muito deteriorado de mamífero robustos (Bos juvenil, Cervus ou Sus) contando se ainda com a recolha de esquírolas e fragmentos ósseos inclassificáveis, alguns deles carbonizados ou com marcas de corte (o que atesta o seu manuseamento antrópico). Apesar de estatisticamente pouco significativo, a identificação de tais espécies reflecte a exploração de economias quase exclusivamente pecuárias (se aqui também se considerarem os elementos de Bos, sp.) embora, dado o contexto cronológico identificado, não seja de excluir a exploração de economias mistas, com recurso a actividades cinegéticas e pecuárias. No grupo da fauna malacológica, foram identificados apenas dois elementos: fragmento de valva de cerastoderma edule e fragmento de valva de ostrea, sp. Tais elementos atestam relações com a costa o que não deve ser sobrevalorizado, visto que o sítio arqueológico se distancia cerca de 35 km em linha recta da costa atlântica. Na categoria de outros artefactos e objectos contam se artefactos possivelmente ideotécnicos. Foram recolhidos vários fragmentos de artefactos cerâmicos interpretados como «idoliformes», concentrados principalmente na Área 2 (registando se em menor número ou mesmo não existindo nas restantes Áreas), divididos pelas seguintes porções conservadas: fragmentos de base plana de perfil troncocónico; fragmentos de corpo, de perfil cilíndrico; fragmentos de topo, com dupla protuberância «corniforme». Se pertencentes ao mesmo tipo de artefactos, a reconstituição gráfica destas peças permitiu definir as suas características morfo tipológicas, tratando se de artefactos de pequena dimensão (cujo diâmetro da base não ultrapassa os 6 cm), de base plana de perfil troncocónico e rebordo, corpo cilíndrico e topo rematado por dupla protuberância «corniforme» (Fig. 7). Fig. 7 Reconstituição gráfica, a partir dos fragmentos recolhidos, dos artefactos possivelmente relacionados com o sagrado. 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR 203

Tais artefactos não correspondem aos arquétipos dos «ídolos de cornos» calcolíticos, principalmente devido à relação comprimento largura. O número relativamente elevado destes artefactos (e a sua presença na UE 3), contrastando com a escassez de elementos referentes ao Calcolítico, poderá sugerir que não se referirão à ocupação calcolítica do Freixo. Da mesma maneira, seria natural registar a presença de «ídolos de cornos» típicos o que, efectivamente, não sucede. Por outro lado, em contextos exclusivamente campaniformes, este tipo de artefacto parece estar ausente (surgindo apenas em sítios com ocupações anteriores podendo corresponder assim e somente às ocupações do Calcolítico incial/pleno destes sítios). 5. As observações possíveis: o sítio do Freixo e o Neolítico antigo entre o Tejo e o Mondego Defendendo um esquema de análise de amplitude absoluta, considera se que o estudo de um sítio arqueológico não se pode imiscuir nunca da definição do sistema de povoamento em que este sítio se incluiria exercício indispensável para o estudo e compreensão dos padrões de ocupação do território das antigas comunidades camponesas, a nível de exploração e rentabilização do mesmo. A delimitação de povoados e respectivas áreas de exploração de recursos, definindo a articulação entre os diversos sítios de um mesmo sistema de povoamento, torna se claramente imprescindível para uma melhor percepção da distribuição espacial das comunidades neolíticas e o papel de um sítio enquanto factor particular de um panorama geral coerente. Em relação ao sítio do Freixo, foram realizadas prospecções na envolvente com o objectivo de responder principalmente a duas questões base: que áreas de aprovisionamento imediato de recursos líticos estariam disponíveis e que outros sítios crono culturalmente coevos estariam relacionados com o Freixo. Se para a primeira questão ainda não se obtiveram respostas rigorosamente esclarecedoras, para a segunda poder se á sugerir a ocupação do Vale da Quebrada com abundantes formações geológicas do tipo abrigo, tendo sido possível observar em alguns deles cerâmicas neolíticas à superfície. No entanto, e como dito acima, o estudo do sítio do Freixo encontra se ainda em fase incipiente e com perspectivas de continuidade, esperando se que num futuro breve as observações aqui apresentadas se transformem em conclusões. Analisando numa perspectiva macroscópica a distribuição geográfica referente ao povoamento do Neolítico antigo cardial na Estremadura portuguesa (Fig. 1), inferem se três áreas de ocupação «preferencial» na afirmação das primeiras comunidades camponesas. São elas o vale do Mondego/Serra do Sicó, os rebordos do Maciço Calcário Estremenho e a área do Baixo Tejo interior. Neste contexto, o Maciço (entendendo se por este conceito, no que se refere à ocupação do território no Neolítico antigo, não apenas a área das serras propriamente ditas mas também as bacias de drenagem adjacentes) assume se sempre como «área preferencial», com contacto geográfico directo com as duas outras áreas. De um modo geral, o sítio do Freixo fundamenta a sua importância na sua localização geográfica específica. Situando se nas espaldas setentrionais do Maciço, permite inferir ocupações do espaço em toda a orla desta figura geográfica com evidente predomínio nas espaldas austrais, possivelmente devido a um maior investimento de investigação (cf. Carvalho, 2008). Obviamente que um sítio não compõe um sistema de povoamento, mas permite supô lo levantando a possibilidade de se atestar a ocupação/exploração neolítica das áreas setentrionais do Maciço, que terá sido efectivamente mais densa do que aquilo que os dados disponíveis actualmente permitem definir (excessivamente esparsa, tendo em conta aquilo que já é conhecido para as áreas austrais da mesma unidade geográfica). Seja como for, reforça se a importância «estratégica» do Maciço nos processos de neolítização permitindo, pela área Sul, um fácil acesso ao Tejo e, pela área Norte, um fácil acesso ao Atlântico. Trata se, genericamente, de uma área geográfica ocupada desde as fases iniciais do Neolítico antigo, embora sem continuidade aparente com as ocupações mesolíticas. Com efeito, os sítios conhecidos no rebordo do Maciço datáveis deste período (Bocas, Forno da Telha, Pessegueiros, Costa do Pereiro...) serão contemporâneos das fases mais antigas dos concheiros de Muge (em especial, Moita do Sebastião), registando se assim um aparente hiato ocupacional de vários séculos entre as últimas comunidades mesolíticas e as primeiras comunidades neolíticas a explorar a área do Maciço (Carvalho, 2008). Tal facto, aliado à aparente contemporaneidade entre o início do Neolítico nesta área e o final do Mesolítico em Muge, suporta a ideia da ocupação por parte das comunidades neolíticas de um território «disponível» (um povoamento exógeno?) e não de uma evolução interna das comunidades mesolíticas (Zilhão, 2001). Nas espaldas Norte, a situação poderia ser semelhante, embora e mais uma vez, a escassez de trabalhos não permita traçar um quadro preciso sobre esta matéria. Com efeito, são poucos os sítios mesolíticos conhecidos, destacando se os sítios de Quinta do Bispo (Zambujo e Carvalho, 2005) e Valongos (escavações do autor, trabalho em curso). A sua situação geográfica não permite, contudo, relacioná los directamente com a área estrita do Maciço, localizando se em áreas de paleo estuários com acesso preferencial à costa atlântica. Para as duas outras áreas, a situação parece ser idêntica, não havendo uma continuidade clara entre o Mesolítico e o Neolítico antigo, apesar da coincidência espacial entre sítios de ambos períodos, em especial na área do Mondego/Sicó (Jorge, 1979; Vilaça, 1988; Moura e 204 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR

Aubry, 1995). Na área do Baixo Tejo interior, é curioso notar que as evidências do mais antigo povoamento neolítico se situam nas áreas periféricas de ocupação mesolítica (cf. Casas Novas em Gonçalves, 2009), sendo que na área específica dos concheiros se registam apenas ocupações referentes ao Neolítico antigo evoluído, por vezes em espaços coincidentes com aqueles (Ferreira, 1974). Por outro lado, regista se uma estranha escassez de sítios do Neolítico antigo cardial na área da baixa Estremadura, com contextos dominados pelas cerâmicas incluídas no designado «Grupo da Furninha», caracterizado especialmente pelos motivos em «falsa folha de acácia» (Guilaine e Ferreira, 1970; Carvalho, 2005) exceptuando se o caso de Carrascal (cf. neste volume a contribuição de J. L. Cardoso). No entanto, se tivermos em conta as datações obtidas para sítios como São Pedro Canaferrim (Beta 164714: 5301 5069 CAL BC 2σ, Beta 164713: 5299 5053 CAL BC 2σ, ICEN 1152: 5207 4830 CAL BC 2σ e ICEN 1151: 5053 4737 CAL BC 2σ, seg. Simões, 1999 e 2003), Correio Mor (ICEN 1099: 5473 5149 CAL BC 2σ e Sac 1717: 5422 5090 CAL BC 2σ, seg. Cardoso, Carreira e Ferreira, 1996), Salemas (ICEN 351: 5260 4620 CAL BC 2σ, seg. Cardoso, Carreira e Ferreira, 1996) ou Encosta de Sant Ana (Sac 1990: 5210 4830 CAL BC 2σ, seg. Angelucci et al., 2007), e apesar de todas as problemáticas que poderão ser levantadas sobre a leitura de datações, estas são aparentemente coincidentes com as datações obtidas para a gruta do Caldeirão Horizonte NA2 (OxA 1034: 5480 5070 CAL BC 2σ, OxA 1034: 5370 4980 CAL BC 2σ e OxA 1033: 5300 4840 CAL BC 2σ, seg. Zilhão, 1992). Refira se que em qualquer um daqueles contextos estão ausentes as cerâmicas cardiais, sendo atribuíveis àquilo que se designa culturalmente como Neolítico antigo evoluído, sugerindo assim a coexistência teórica de dois universos culturais distintos. Contudo, convém lembrar que datações não são datas, e o que pode ser teoricamente contemporâneo, poderá estar afastado por vários séculos, tendo em conta os intervalos de tempo apresentados (por vezes excessivamente amplos). De qualquer das maneiras, assinala se durante o Neolítico antigo evoluído a disseminação cultural por toda a área da Estremadura portuguesa, registando se um contínuo temporal na ocupação do Maciço durante todo o Neolítico antigo. Independentemente do patamar cronológico em que se encontram dentro do Neolítico antigo, reconhecem se nesta unidade geográfica vários tipos de sítios, definindo modelos específicos de ocupação/utilização do território: 1) grutas naturais, utilizadas como necrópole e ocasionalmente como abrigo (Almonda, Carrascos, Caldeirão, Nossa Senhora das Lapas, Nossa Senhora da Luz); 2) pequenos habitats temporários (Gafanheira, Cerradinho do Ginete, Laranjal do Cabeço das Pias, Cabeço do Porto Marinho); 3) habitats permanentes (Forno do Terreirinho); 4) abrigos temporários (Pena d Água, Picareiro, Bocas). A dicotomia entre habitats permanentes (obviamente numa lógica de ocupação sazonal) e habitats temporários foi definida (seg. Carvalho, 2003a e 2008) de acordo com o registo arqueológico identificado nos diversos sítios escavados. Assim, os povoados temporários caracterizam se por uma reduzida área de ocupação, pela ausência de grandes vasos de armazenamento (sendo os recipientes exclusivamente de dimensão pequena/média) e estruturas domésticas não mais complexas que lareiras evidenciando «indíces de mobilidade relativamente acentuados e ocorrendo [...] no quadro de estratégias de mobilidade residencial» (Carvalho, 2003b, p. 78). Do outro lado, tendo como paradigma Forno do Terreirinho, interpretado como acampamento base, os habitats permanentes caracterizam se por uma maior área ocupada e pela presença de grandes vasos de armazenamento. Neste sentido, dado a área de dispersão de espólio, o sítio do Freixo poderia corresponder a um habitat permanente. É certo que não foram identificadas estruturas domésticas circunstância que será resultado das sérias perturbações sofridas pelo sítio, visto terem sido recolhidos abundantes termoclastos e nódulos de argila queimada que sugerem a existência de estruturas de tipo lareira e forno. Por outro lado, regista se a notável escassez de grandes recipientes de armazenamento. No entanto, tendo em conta a super estrutura económica da comunidade que se analisa, a mobilidade seria factor decisivo na formação do registo arqueológico. Expedições logísticas de aprovisionamento de recursos exigiriam a deslocação de pelo menos um segmento da comunidade. Da mesma maneira, uma super estrutura económica baseada na caça e na pastorícia, de acordo com os dados obtidos em Pena d Água (Valente, 1998), reconhecendo se a exploração de ambos recursos desde inícios do Neolítico, obrigaria igualmente a um grau de mobilidade relativamente elevado estando a fixação destas comunidades dependentes das movimentações de animais, sejam eles peças de caça ou rebanhos... A nível de datação relativa para o contexto identificado no Freixo, várias observações são igualmente possíveis baseadas principalmente na observação da cultura material disponível. Como referido acima, a área do Maciço conhece ocupações durante toda a extensão cultural do Neolítico sendo que, genericamente, o Neolítico antigo nesta área reparte se em duas crono culturas: Neolítico antigo cardial, balizado entre 5500 e 5100 CAL BC, e Neolítico antigo evoluído, balizado entre 5100 e 4400 CAL BC (Zilhão e Carvalho, 1996). O primeiro destes «períodos» culturais divide se ainda em outras duas sub culturas: uma é caracteri 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR 205

Gráfico 1 Datações absolutas (CAL BC 2σ) obtidas para sítios do Neolítico antigo na área do Maciço Calcário Estremenho (seg. Zilhão, 1992 e 2001; Carvalho, 1998 e 2008) zada por cerâmicas cardiais (ou impressões a pente congéneres) com decoração «barroca» recobrindo parte considerável do recipiente, exemplificada por Almonda e talvez Bocas (Zilhão, 2009; Gonçalves et al., 1987; Carreira, 1994); outra é caracterizada por impressões cardiais limitadas a bandas abaixo do bordo, representada no Caldeirão Horizonte NA2, Pena d Água Eb base e Cerradinho do Ginete (Zilhão, 1992; Carvalho, 1998 e 2008). A segunda crono cultura caracteriza se pela ausência de cerâmicas cardiais, sendo os motivos decorativos dominados principalmente pelas decorações incisas (caneluras, grinaldas, motivos em espinha, bandas reticuladas, faixas ziguezagueantes...), estando representada em sítios como Caldeirão Horizonte NA1, Carrascos, Cabeço das Pias, Pena d Água Eb topo e Cabeço do Porto Marinho IIIS (Zilhão, 1992, Gonçalves e Pereira, 1974 77; Carvalho e Zilhão, 1994; Carvalho, 1998 e 2008). Assim, onde se encaixa crono culturalmente o Freixo? Efectivamente, reúne paralelos, a nível da cultura material e principalmente no que respeita aos catálogos decorativos dos recipientes cerâmicos, com sítios da fase terminal do Neolítico antigo cardial (como Caldeirão, Pena d Água e Cerradinho do Ginete) por um lado e sítios do Neolítico antigo evoluído (como Cabeço das Pias, Gafanheira, Forno de Terreirinho e Cabeço do Porto Marinho) por outro. Sugere se assim o seu enquadramento na transição do 6º para o 5º milénio a.n.e., situando se algures entre Horizonte NA 2 e o Horizonte NA1 do Caldeirão. Encontra se em estudo a possibilidade de efectuar datações sobre as amostras osteológicas recolhidas, esperando que a sua realização possa responder a esta questão. Assim, a modo de resumo, poder se á dizer que o sítio do Freixo se inscreve no quadro das comunidades neolíticas da transição cultural do Neolítico antigo cardial para o Neolítico antigo evoluído (cerca de 5000 CAL BC) reforçando o carácter do Maciço Calcário Estremenho como «área chave» dos processos de neolitização do Extremo Ocidente peninsular e na plena afirmação das primeiras comunidades camponesas, mantendo óbvios contactos com outras áreas «preferenciais», como a área do Mondego/Sicó e área do Baixo Tejo interior, sugerindo igualmente caminhos de penetração para o interior beirão (pelo Mondego e Zêzere) por um lado e interior alentejano (pelo Tejo e seus afluentes) por outro. Mas isso são já outras histórias... Torres Novas, Maio de 2011 1 UNIARQ Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (Grupo de Trabalho sobre as Antigas Sociedades Camponesas) folha de acacia@iol.pt REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANGELUCCI, D. E.; SOARES, A. M.; ALMEIDA, L.; BRITO, R.; LEITÃO, V. (2007) Neolithic occupations and mid Holocene soil formation at Encosta de Sant Ana (Lisbon, Portugal): a geoarchaeological approach. Journal of Archaeological Science. 34, p. 1641 1648. CARDOSO, J. L.; CARREIRA, J. R.; FERREIRA, O. V. (1996) Novos elementos para o estudo do Neolítico antigo da região de Lisboa. Estudos Arqueológicos de Oeiras. Oeiras. 6, p. 9 26. CARREIRA, J. R. (1994) Pré História recente do Abrigo Grande das Bocas (Rio Maior). Trabalhos de Arqueologia da EAM. Lisboa. 2, p. 47 144. CARVALHO, A. F. (1998) O Abrigo da Pena d Água (Rexaldia, Torres Novas): resultados dos trabalhos de 1992 1997. Revista Portuguesa de Arqueologia. Lisboa. 1: 2, p. 39 72. 206 5.º CONGRESSO DO NEOLÍTICO PENINSULAR

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