Agora que são elas: as mulheres como líderes eclesiais

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Transcrição:

Artigos ANNALES - ISSN 2526-0782 V.2 N.4 (2017): 75-82 Agora que são elas: as mulheres como líderes eclesiais Graziela Rodrigues da Silva Chantal * RESUMO: As mulheres vêm assumindo cada vez mais um lugar de destaque na sociedade, seja, no meio organizacional, educacional, na política e nossa proposta é ressaltar a religião. O objetivo dessa comunicação é compreender o porquê que o espaço da religião, ainda possui obstáculos para as mulheres assumirem cargos de liderança. No entanto, vamos apresentar dados de uma pesquisa de campo, ainda em andamento, que mostram que as mulheres vêm assumindo cargos de liderança no meio eclesial. O que configura uma mudança nesse contexto. A questão central dessa primeira parte da pesquisa é que as mulheres ao assumirem cargos de liderança a partir de um chamado de Deus, e não dependem de uma autorização de um pastor. A pesquisa de campo foi realizada em três igrejas evangélicas do bairro General Carneiro em Sabará/MG, através de entrevistas semi-estruturadas. O referencial teórico utilizado será Sandra Duarte de Souza, Elizabeth Schüssler Fiorenza, Ivone Gebara. PALAVRAS-CHAVE: Mulheres. Liderança. Religião. * Mestranda em Ciências da Religião e Psicóloga pela Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista CAPES. Especialista em Psicologia Hospitalar pelo IEP Santa Casa de Belo Horizonte. Email: coachgrazielachantal@gmail.com. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 75

Introdução As mudanças religiosas ocorridas no século XX não são mais as mesmas que caracterizam a vivência religiosa hoje. Há evidentes transformações no campo político, social, econômico e também religioso. Esse último teve um crescimento e um fortalecimento institucional com o aparecimento de novos movimentos religiosos. Observamos hoje que um novo fenômeno religioso vem promovendo mudanças no meio evangélico. Este fenômeno está relacionado com as igrejas lideradas por mulheres. As mulheres vêm ganhando espaço na economia, na política, na sociedade e na religião não seria diferente, podemos confirmar isso por meio de pesquisas já realizadas sobre igrejas lideradas por mulheres. Citamos como exemplo a pesquisa de Rosane Aparecida de Souza Guglielmoni (2015), realizada no mestrado em Ciências da religião da PUC Minas, com o tema Igrejas Evangélicas fundadas por mulheres na região industrial de Contagem, Minas Gerais, a pesquisadora concluiu que as mulheres pastoras possuíam cargos de liderança eclesiástica, mas sob a autoridade de um homem. No entanto, elas rompem com a autoridade hierárquica, rompem com a denominação de origem e fundam suas próprias igrejas. A pesquisa de Janine Targino (2012), realizada no programa de mestrado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com o tema Lideranças pentecostais Femininas: um estudo sobre a fundação de igrejas evangélicas por mulheres em Nova Iguaçu-RJ mostrou que as mulheres ao fundarem suas igrejas, são impulsionadas pela vontade de viver sua fé, de uma maneira alternativa, sem a necessidade de submissão a liderança de um homem, que muitas vezes não delegam cargos de lideranças a parcela feminina. Outro exemplo é a pesquisa de doutorado de Claudirene Bandini (2008), pela Universidade Federal de São Carlos- São Paulo, intitulada Costurando certo por linhas tortas: um estudo das práticas femininas no interior de igrejas pentecostais a pesquisadora mostra como as mulheres pastoras rompem com as práticas patriarcais vigentes e como podem reproduzir essas práticas. Por meio desses três exemplos, vemos que a temática gênero e religião vem ganhando destaque de pesquisa no meio acadêmico, mas ainda sabemos que há muito o que avançar. Essa comunicação faz parte do conjunto geral de uma pesquisa de mestrado ainda em andamento. Para esse trabalho, vamos apresentar parte dos dados coletados da pesquisa de campo, que apontam que as mulheres pastoras entrevistas, fornecem indícios nos discursos que para abrirem suas igrejas não tiveram uma autorização do pastor que eram seus líderes em outras igrejas, as quais faziam parte, mas que se empoderam a partir do que elas denominam de chamado de Deus. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 76

A pesquisa mais ampla visa entrevistar as três pastoras, caso haja as suas auxiliares e dois membros de cada igreja, um homem e uma mulher. Para fins dessa comunicação, visto que a pesquisa ainda esta em andamento, vamos apresentar os dados referentes coletados das pastoras. 1. A pesquisa de campo e sua metodologia A pesquisa de campo foi realizada, por meio de estudo de caso, em três igrejas diferentes, por meio de entrevistas semi-estruturadas em que todas se denominam pentecostais. A pesquisa já passou pelo conselho de ética da PUC Minas e foi aprovado para iniciar às entrevistas. O número de três igrejas foi delimitado para que assim o maior número de informações fosse coletado e analisado com maior precisão. As entrevistas foram gravadas e transcritas mediante autorização das pastoras. O que propiciou uma investigação das opiniões e os valores das pastoras, o que contribui para a argumentação do tema proposto. Importante salientar, que até ir ao campo de pesquisa, não sabíamos como as pastoras denominavam as suas igrejas. Foi no contato com as pastoras que elas dizem que são pentecostais 1. A seguir vamos apresentar dados referentes às entrevistas realizadas com as três pastoras evangélicas. 2 2. Dados importantes sobre o local da pesquisa A pesquisa foi realizada no bairro discutir General Carneiro- Sabará/MG, município de 135.196 habitantes, segundo dados do IBGE 2016. General Carneiro é um bairro de periferia, a população é carente, com pessoas de classe média baixa, com alto índice de violência. Segundo dados do Ministério da Saúde/ DATASU do ano de 2013. General Carneiro possui muitas igrejas que se denominam evangélicas. Dado esse ainda em fase de pesquisa, visto que a Secretária da fazenda do Município se negou a fornecer o levantamento estatístico do numero de igrejas registradas no Município. Mas segundo observação da pesquisadora esse número é considerável. Essas informações só são possíveis, pois a pesquisadora reside no bairro desde a infância e vem observando o 1 Pentecostalismo se distingue do protestantismo histórico por acreditar na contemporaneidade dos dons do Espírito Santo, com ênfase nos dons de línguas e cura, e por sustentar a crença em preceitos e práticas do cristianismo primitivo, tais como a expulsão de demônios e a realização de milagres. 2 Evangélico é um termo que abrange todas as denominações cristãs originárias, de forma direta ou não, da Reforma Protestante, ocorrida no século XVI. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 77

número crescente de igrejas ditas evangélicas e muitas dessas igrejas lideradas por mulheres. 3. Leitura inicial da pesquisa 3.1 Características das igrejas pesquisadas Para apresentar cada igreja irei denominá-las de A, B e C. A igreja A fica situada em uma região muito perigosa do bairro General Carneiro, onde há relatos de muita violência, assassinatos e tráficos de drogas. É uma igreja simples e pequena, com bancos de madeira e pouca ornamentação. Algo que chama a atenção é o fato da igreja, que pelo menos no dia da visita, que 99% das pessoas são negras, de maioria jovem. Isso pode ser devido ao fato do que a pastora fala sobre sua igreja ser uma igreja que acolhe qualquer tipo de pessoa, traficantes, usuários de drogas, homossexuais. Na igreja B, situada na rua principal do bairro, temos uma igreja um pouco maior que a primeira, simples com cadeiras de plástico, mas com uma apresentação estética mais apresentável. O público é variado, mas freqüentado por pessoas de uma mesma família. Sendo que toda a família da pastora faz parte da igreja. Observa-se que são pessoas simples, de raça/etnia variadas. A igreja C fica situada em uma boa localização do bairro em questão, a igreja funciona na garagem da pastora auxiliar, com cadeiras de plástico, um ambiente simples, com quase nenhuma ornamentação. A maioria dos membros é de jovens, um público de 90% de mulheres, entre adolescentes e adultos. Todas as três igrejas ainda estão em fase crescimento, isso não somente é discursado pelas pastoras, mas também observado pela pesquisadora. São igrejas simples, o número médio de membros de cada igreja é de aproximadamente 40 membros, pessoas que residem no bairro General Carneiro. 3.2 Características das pastoras As pastoras apresentam idade de 38, 45 e 51 anos de idade. São casadas e possuem filhos. Somente duas delas afirmam que a profissão é ser pastora e a outra é técnica em mineração, mas está sem exercer a profissão. Uma possui ensino fundamental, a outra possui ensino médio e a terceira ensino médio técnico. Das três pastoras da pesquisa, duas se dizem negras e uma parda, as três afirmam que os maridos são pastores, mas não exercem o ministério. E toda a família é evangélica, segundo o discurso das mesmas. Todas residem no bairro General Carneiro. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 78

3.2.1 Agora que são elas! As três mulheres pastoras entrevistas afirmam que abriram suas igrejas não por uma questão feminista, mas tiveram um chamado de Deus e nas igrejas que faziam parte, onde os líderes eram pastores homens elas não eram designadas pastoras e nem possuíam cargos de liderança. Mas segunda as mesmas, após um chamado de Deus, saíram dessas igrejas e fundaram as suas igrejas. Algo curioso é que 100% das pastoras afirmam que suas igrejas são para pregar o que realmente diz a palavra de Deus, porque as pessoas precisam ouvir exatamente o que diz as escrituras. Também afirmam que suas igrejas possuem um viés de restauração de pessoas que saíram de outras igrejas magoadas com a liderança anterior, pessoas feridas e que precisam de restauração. 3.3 A questão da liderança Ao que tange a liderança das igrejas, foi questionado às pastoras sobre quem manda em suas igrejas, majoritariamente a resposta foi eu, ou seja, as três pastoras assumem a liderança e acham que os membros apóiam e respeitam. Também apresentam concordância sobre a análise que fazem de suas lideranças, dizem que firme disse a pastora da igreja A, exigente a pastora da igreja B e forte da igreja C. Todas as três pastoras, afirmam que a liderança é direcionada por Deus, por isso não encontram problemas, e quando precisam corrigir e disciplinar algum membro, não há dificuldades por serem mulheres, pois usam da autoridade dada por Deus, o que para elas facilita a relação com os membros, pois respeitam e aceitam a liderança das mesmas. 4. Referencial Teórico Como ressaltamos na introdução muitas pesquisas vêm sendo realizadas mo âmbito da religião, ao que tange as lideranças femininas. Dentro desse universo plural da religião, as lideranças eclesiásticas femininas têm ganhado espaço. Segundo Sandra Duarte de Souza e Naira Pinheiro dos Santos (2015), a relação de gênero e estudos feministas possui pouca abrangência nos estudos sobre religião, em contrapartida a religião também não tem muito espaço de pesquisa dentro dos estudos feministas. No âmbito dos estudos de religião, os Estudos Feministas permitiram o questionamento e a desconstrução dos discursos de verdade baseados na evocação de pressupostos religiosos para afirmar e perpetuar desigualdades de gênero. (SOUZA, 2015, p. 15). A temática gênero e feminismo, por exemplo, são temas importantes da contemporaneidade, e precisam ganhar mais destaque de pesquisa e de discussão, nas universidades e nos espaços eclesiais. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 79

Maria José Rosado Nunes (2007) diz que o século XX sofreu mudanças significativas no campo religioso. Uma dessas mudanças está relacionada com as ideias feministas e com as conquistas de novos espaços dentro da espiritualidade. Esses acontecimentos abriram os caminhos para que as mulheres passassem pouco a pouco a resistir ao poder disciplinador da religião tradicional. O campo religioso no século XX foi o que mais sofreu impactos das ideias feministas, que modificou práticas sociais, políticas e padrões culturais. Segundo Anete Roese (2015), a crise da religião no Ocidente é a crise da religião patriarcal, a autora ressalta isso, quando diz que as práticas opressoras das religiões dominantes devem ser rompidas,. Pela primeira vez na história do cristianismo, as mulheres usam do discurso divino, ou seja, elas afirmam que tem um chamado de Deus (GUGLIELMONI, 2015). Assim elas rompem com o discurso patriarcal, de que não há uma ordenação eclesiástica das mulheres e rompem com a ideia de que precisam de uma autorização masculina para ser uma liderança pastoral. Para Schüssler Fiorenza (1992), as mulheres são oprimidas enquanto líderes e o seu poder é rechaçado pela opressão de dominação do patriarcalismo, justificado pelos textos bíblicos, principalmente no Novo Testamento, em que as mulheres são colocadas à margem da história bíblica. Por vezes, as mulheres são lembradas somente como algo negativo, assujeitadas em um lugar de submissão e servidão. A teóloga e freira católica Ivone Gebara (2000) ressalta sobre o conceito de gênero e de como é difícil para as mulheres no meio eclesial, lidarem com as hierarquias dentro da realidade cristã. Onde as mulheres mesmo com um histórico de excelência em fé cristã, marcadas pela força de luta revolucionária, como trabalhadoras e pensadoras, encontram dificuldades na teologia patriarcal, mas rompem essa cultura com uma voz que ecoa e passam a exercer um novo jeito de viverem a igreja. Fiorenza (1992) afirma que a conquista das mulheres como líderes religiosas possibilita para elas o alcance de um lugar que não abrange somente a vida doméstica, mas chegam a despertar os interesses de outras mulheres, em outros âmbitos da sociedade. Segundo a mesma autora, as mulheres quando se propõe a ensinarem ou pregarem ou realizarem algum papel de liderança nas igrejas, são vistas como ameaças ao domínio patriarcal. A religião como instituição social não consegue impor sobre as mulheres a dominação conservadora imposta pelo patriarcalismo masculino, pois as feministas também buscaram seu empoderamento dentro dos espaços religiosos e não aceitaram a submissão direcionada a elas. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 80

Conclusão A partir dos dados coletados com as entrevistas das pastoras, podemos perceber que as mulheres vêm ganhando espaço dentro da religião, não de um poder dado pela cultura patriarcal, ou seja, autorizado pelos líderes eclesiais, mas um empoderamento dado por Deus. O que as pastoras denominam de chamado de Deus, isso pode ser visto como uma legitimação divina do pastorado dessas mulheres, sem intermediação humana, isto é, sem a necessidade de aprovação dos homens ou das instituições. O meio evangélico é permeado por tensões sobre essa liderança. Ao assumirem cargos de liderança nas igrejas, ainda que algumas igrejas aceitem mulheres como pastoras, a figura masculina impõe uma hierarquia. Há também o fato de alguns membros não aceitam mulheres como pastoras. Ao receberem o chamado para exercerem o pastorado, essas mulheres não acham espaço nas igrejas que pertencem para viabilizá-lo. E ao assumirem as lideranças das suas igrejas, essas pastoras tomam posse dessa liderança e matem o domínio dessa liderança, isso é confirmado quando elas qualificam a postura de liderança delas. Como pesquisadora não avalia tal postura como algo que elas façam para se igualarem à liderança dos homens pastores, mas que se empoderam do lugar que lhes é dado por uma autoridade que é superior à cultura patriarcal, a autoridade de Deus. No entanto, podemos dizer que para mais mulheres assumam a liderança dentro dos ambientes eclesiais precisam deixar de cumprir dupla e até tripla jornada de trabalho doméstico, pois possuem vários papéis na sociedade: mães, esposas, do lar, trabalhadoras. As igrejas precisam de novos modelos onde as mulheres possam assumir cargos de liderança e deixem de ser invisíveis, até porque muitos espaços foram conquistados por elas. Outro ponto a ser trabalhado para que as mulheres tenham poder, é trabalhar as questões de gênero com os homens, para que possam desconstruir o paradigma patriarcal criado por eles mesmos e tenham uma nova visão crítica. Referências FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher: uma nova hermenêutica. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. GEBARA, Ivone. Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. GUGLIELMONI, Rosane Aparecida de Souza. Religião e gênero: Igrejas evangélicas fundadas por mulheres na região industrial de Contagem, Minas Gerais, 2015. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião- PUC Minas. Belo Horizonte, 2015. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 81

IBGE. Censo demográfico 2015. Obtido em http://ibge.gov.br/cidadesat/painel/populacao.php?lang=_pt&codmun=315670&search =minas-gerais sabara infograficos:-evolucao-populacional-e-piramide-etaria. Acesso em 07 de Maio de 2017. IBGE. Censo demográfico 2016. Obtido em http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/sim/dados/cid10_indice.htm. Acesso em 07 de Maio de 2017. NUNES Maria José Rosado. A sociologia da religião. In USARSKI, Frank (Org.). et al. O espectro disciplinar da ciência da religião. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 109-116. ROESE, Anete. Religião e feminismo descolonial: Os protagonismos e os novos agenciamentos religiosos das mulheres no século XXl. Revista Horizonte PUC Minas, Belo Horizonte, v.13, n.39, p. 1534-1558, 2015. SOUZA, Sandra Duarte; SANTOS, Naira Pinheiro dos Santos. Estudos Feministas e religião: tendências e debates. In SOUZA, Sandra Duarte; SANTOS, Naira Pinheiro dos Santos. 1ed. Curitiba: Primas, 2015, p. 7 e 15. TARGINO, Targino Lideranças pentecostais femininas: um estudo sobre a fundação de igrejas evangélicas por mulheres em Nova Iguaçu-RJ. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 82