Matrícula n º 096108058



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Transcrição:

1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO DESMATAMENTO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA AMAZÔNICA: DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA ANDRÉ ALBUQUERQUE SANT ANNA Matrícula n º 096108058 Orientador: Prof º Carlos Eduardo Frickmann Young DEZEMBRO 1999

As opiniões expressas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor 2

3 Para Clarice, minha filha querida.

4 Agradecimentos Agradeço à minha filha Clarice, estímulo primordial para a redação desta monografia. À minha mulher, Paula, e sua família, pelo apoio, carinho e compreensão durante este período. Aos meus pais, minhas irmãs, sobrinhos e avó, pela dedicação e amor ao longo da minha vida. Ao meu orientador, Cadu, pela seriedade, dedicação e, sobretudo, pelo incentivo essencial que mudou o rumo da minha vida. Agradeço ainda à Beatriz David e à sua equipe de pesquisa, principalmente à Gabriela. Por último, lembro de todas as pessoas que me ajudaram, de alguma forma, a realizar esta monografia.

5 Resumo Nesta monografia, apresenta-se uma aproximação entre os fenômenos da violência e do desmatamento na fronteira Amazônica. A relação é estabelecida a partir da observação do processo histórico de ocupação da região e da identificação da natureza da ocupação das terras e da dinâmica do desmatamento. Para a comprovação da existência de tal relação, foram utilizados mapas e dados estatísticos que comprovam a coincidência geográfica dos fenômenos. Assim, pôde-se concluir que o desmatamento e a violência na Amazônia possuem uma matriz comum, que é a exclusão ao acesso à terra, a qual é submetida boa parte da população.

6 SUMÁRIO I INTRODUÇÃO 8 II HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA 10 III VIOLÊNCIA E DESMATAMENTO NA FRONTEIRA AMAZÔNICA 3.1 Violência na fronteira Amazônica 3.1.1 Violência e apropriação da terra 3.1.2 Violência e direitos de propriedade 3.1.2.1 Processo de titulação 3.1.2.2 Estrutura Analítica 21 21 21 23 24 25 3.2 Desmatamento na fronteira 26 IV AS DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA 32 V CONCLUSÃO VI REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 43 45

7 Mapas e Tabelas Mapa 1 Principais rodovias federais, Região Norte Mapa 2 Origem do nascimento de pessoas beneficiadas por assentamentos Mapa 3 Número de assentamentos em 1996 Mapa 4 Vítimas fatais de conflitos ocorridos no campo 1985/96 Mapa 5 Áreas críticas de desmatamento na região Amazônica Tabela 1 Índice de Gini para concentração fundiária Tabela 2 Extensão do desmatamento Tabela 3 Vítimas de conflitos na Amazônia Legal 16 35 36 39 40 32 42 42

8 I - INTRODUÇÃO Este estudo propõe-se a abordar os temas da violência e do desmatamento na região de fronteira agrícola da Amazônia Legal. Restringe-se aqui o conceito de violência à situação de conflitos fundiários. O interesse por esses temas deve-se, em primeiro lugar, ao fato de serem fenômenos que vêm ocorrendo ao longo da história do país, desde tempos coloniais. Em segundo, porque refletem problemas de natureza social e ambiental, gerados, em parte, por políticas econômicas que não levam em consideração seus impactos sobre esses problemas 1. Por último, devido ao agravamento das condições de vida nesta região, é urgente encontrar possíveis caminhos para a solução dos dois problemas. O objetivo deste estudo é, portanto, buscar compreender se existe uma relação entre os dois fenômenos, de modo a contribuir para as discussões sobre os temas em questão. Este trabalho está organizado em três capítulos. O capítulo II apresenta um breve histórico da ocupação da região Amazônica, privilegiando um enfoque que demonstra que as migrações para essa região estão ligadas a períodos de crescimento econômico nesse local. Observa-se que, a partir do período do governo militar, houve um grande aumento de migrações para a Amazônia, em virtude dos incentivos governamentais. Como parte dessa estratégia, foram sendo criados, ao longo do tempo, diferentes programas de desenvolvimento. No capítulo III, faz-se uma seleção bibliográfica sobre os temas propriamente ditos. A violência na fronteira Amazônica é abordada sob duas perspectivas: a da questão do processo de apropriação da terra e a da forma como os direitos de propriedade são estabelecidos. Assim, direitos de propriedade mal definidos acabam por ser o principal causador da violência na fronteira (Alston et alli, 1996). Quanto ao desmatamento na fronteira, este é observado a

partir da natureza da ocupação das terras e da dinâmica do próprio desmatamento. Verifica-se, então, o papel relevante da especulação sobre o preço da terra no processo de desmatamento. O capítulo IV está dedicado a expor as interrelações entre violência e desmatamento, explorando empiricamente os temas previamente discutidos neste trabalho. Através da análise comparativa de mapas de conflito e de desmatamento, e de séries históricas com dados a esse respeito, demonstra-se que o argumento desenvolvido ao longo desta monografia é consistente com as estatísticas levantadas. Além disso, é efetuado um exercício que demonstra que desmatamento e conflito estão correlacionados estatisticamente. Desse modo, o objetivo deste trabalho é mostrar se desmatamento e conflito configurando-se como dois lados de uma mesma moeda vêm a ser manifestações do mesmo processo de exclusão do acesso à terra. 9 1 Para um estudo mais aprofundado sobre o impacto das políticas econômicas sobre o desmatamento, ver Young (1997).

10 II- HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DA REGIÃO AMAZÔNICA A ocupação da região Amazônica teve seu início no século XVI. Nesse primeiro período, foram os espanhóis as figuras centrais da aventura. (Reis, 1971, p.91). Comandados por Francisco de Orelana, adentraram a região seguindo o curso do Pacífico até atingir o Atlântico. Durante o caminho combateram indígenas que lhes pareciam as lendárias amazonas, o que os fez mudar o nome do rio que seguiam de Orelana para Amazonas. Após este primeiro contato com a região, a coroa espanhola forneceu concessões, na região, que, no entanto, não foram utilizadas para uma ocupação efetiva da área. Segundo Reis (1971), nenhum dos beneficiários teve consciência do real valor de suas concessões, não exercendo, portanto, qualquer tipo de posse e domínio. Deste modo, a Espanha não teve como se estabelecer definitivamente naquele espaço, sendo, então substituída pelos ingleses e holandeses, que logo se encarregaram da ocupação e exploração do vale do Amazonas. Construíram fortes; aliaram-se a tribos da região; trouxeram escravos negros; iniciaram a cultura de algodão, tabaco e cana e, sobretudo, começaram o extrativismo vegetal e a pesca, que caracterizaram a dinâmica da economia amazônica durante sua história. A presença anglo-batava representava as companhias de comércio sediadas em Londres e Amsterdã, que, por sua vez, refletiam e conduziam os interesses de seus Estados. A presença de holandeses e ingleses, contudo, não foi muito duradoura. Em 1616, estes são definitivamente expulsos pelos portugueses, que, no mesmo ano, fundam a cidade de Belém do Pará. Neste sentido, são antes motivos políticos que determinaram a fundação. (Prado Júnior, 1976, p. 69). No seu princípio, a base econômica da colonização portuguesa foi a lavoura da cana-de-açúcar. Contudo, em virtude das condições naturais adversas, a agricultura encontrou sérias dificuldades para progredir. Para ser bem sucedida, a agricultura

demandava esforços enormes para submeter as contingências naturais, esforços esses que a colonização incipiente não os podia fornecer. [Assim,] A agricultura, que requer um certo domínio sobre a natureza, apenas se ensaiou. (Prado Júnior, 1976, p. 69). Tendo em vista a impossibilidade da atuação agrícola na região, a extração de um grande número de gêneros naturais comerciáveis, tais como o cravo, a canela, a salsaparrilha e o cacau, além de madeira e a caça e pesca, constituíram-se na base econômica da colonização amazônica. Para tanto, os colonos contaram com mão-de-obra relativamente fácil e abundante: a população indígena. A utilização dos indígenas na Amazônia foi, ao contrário das outras regiões do país, bem sucedida porque as suas tarefas eram as mesmas que eles já desempenhavam antes da colonização (Prado Júnior, 1976). Portanto, (...) o índio se amoldou com muito mais facilidade à colonização e domínio do branco. Não se precisou do negro. (Prado Júnior, 1976, p. 70). A penetração na extensa região foi realizada, a partir da segunda metade do século XVII pelas ordens religiosas, em especial, os jesuítas. Estes instalaram missões ao longo de todo o imenso território. Estas missões constituíram, nas palavras de Prado Júnior (1976), importantes empresas comerciais. Os padres jesuítas organizaram um sistema de exploração dos índios, onde estes, primeiramente, construíam as instalações da missão e depois, se dividiam entre aqueles destinados a uma pequena agricultura para a sustentação da comunidade e aqueles que partiam em expedições de colheita dos produtos da floresta, de caça e da pesca. O que se obtinha destas expedições era exportado, gerando grandes lucros para as ordens que controlavam estas missões, o que lhes conferiu, (...) na primeira parte do século XVIII, grande poder e importância financeira. (Prado Júnior, 1976, p. 71). Assim, até meados do século XVIII, os padres usufruíram de uma situação monopolista na exploração da mão-de-obra indígena e na extração das especiarias voltadas à exportação. 11

Contudo, em 1755, o Marquês de Pombal, livre da influência dos jesuítas na corte portuguesa, aboliu o poder dos padres nas missões indígenas, entregando-o a administradores laicos. A ausência dos padres foi, então, aproveitada pelos colonos, que eram impedidos por aqueles de se infiltrar na região. Neste sentido, os colonos se fixaram nas antigas missões, posto que essas já apresentavam índios domesticados, ou seja, mão-de-obra abundante e relativamente preparada. O povoamento da Amazônia reflete o padrão da produção local. Isto é, a colheita natural demanda uma vasta extensão territorial, uma vez que as espécies vegetais apresentam freqüência irregular. Portanto, a grande dispersão da população amazonense é explicada pela dispersão das espécies relevantes para a economia local. Ademais, as comunidades são, via de regra, ribeirinhas, em virtude do caminho oferecido pelos rios. Assim, de acordo com Prado Júnior (1976, p. 72) Numa forma de atividade em que as fontes de produção se dispersam irregularmente, sem pontos de concentração apreciável, não são elas, como se deu na agricultura ou na mineração, que fixam o povoador; mas sim a via de comunicação. 12 A desorganização do sistema de exploração indígena criado pelos jesuítas foi responsável, na visão de Furtado (1976), pela decadência da economia amazônica do final do século XVIII. A base da economia amazônica continuava a ser as especiarias extraídas da floresta e que tornaram a penetração dos jesuítas possível na região. Contudo, a desorganização do sistema imposto pelos padres trouxe à tona uma grande dificuldade na exploração dos produtos de extração: (...) a quase inexistência da população e a dificuldade de organizar a produção com base no escasso elemento indígena local. (Furtado, 1976, p. 129). Na segunda metade do século XIX, o preço da borracha começou a apresentar uma tendência de forte ascensão. A borracha seria a matéria-prima de mais rápida expansão na demanda mundial, devido ao surgimento da indústria de automóveis, fator dinâmico das economias industrializadas, durante (...) o último decênio do século passado e os três

primeiros do presente. (Furtado, 1976, p. 130). A evolução da economia da borracha é identificada por este mesmo autor como um fenômeno com duas fases distintas: a primeira representou uma solução emergencial para o problema de oferta do produto; e a segunda se caracterizou pela produção de borracha em bases racionais. A primeira fase da economia da borracha foi um fenômeno amazônico, já que a organização da produção de borracha no oriente foi posterior e caracterizou, portanto, a segunda fase dessa economia. Segundo Furtado (1976), a produção de borracha, na Amazônia, era perfeitamente elástica em relação à mão-de-obra. Assim, o crescimento de 500% observado em quarenta anos na sua produção foi resultado exclusivo do influxo de mão-de-obra proveniente de fluxos migratórios de nordestinos para a Amazônia. Furtado (1976, p.131) estima em cerca de meio milhão de pessoas destacadas para a região amazônica. A pressão demográfica existente no Nordeste tornou-se evidente em algumas subregiões, na segunda metade do século XIX. As ondas de prosperidade, proporcionadas pelo desenvolvimento da cultura algodoeira, contribuíam para a criação de um desequilíbrio estrutural na economia de subsistência local, a saber, a pecuária. Na seca de 1877 80, grande parte do gado da região desapareceu, gerando, pois, um período de intensa miséria, que levou à morte de cerca de duzentas mil pessoas. A solução encontrada para a situação foi a promoção da emigração para outras regiões do país, em especial, a amazônica. Esta corrente migratória para a região norte foi subsidiada pelos estados amazônicos, posto que foi a grande corrente migratória que fez possível a expansão da produção da borracha na região amazônica (...) (Furtado, 1976, p. 133). No entanto, a situação do nordestino que fugia da seca não podia ser considerada muito melhor na Amazônia. O homem já começava o seu trabalho endividado, pois tinha que pagar os gastos com a sua viagem, com os instrumentos de trabalho e com despesas extras para sua instalação. Ademais, o empresário que para lá o 13

levara monopolizava o acesso aos produtos de primeira necessidade, reduzindo o nordestino a, de fato, um regime de servidão 2 (Furtado, 1976). Assim, com o fim do ciclo expansivo da borracha no Brasil, os nordestinos que para a Amazônia haviam ido viviam sob a miséria, como antes, e sem meios para regressar e na ignorância do que realmente se passava na economia mundial do produto, lá foram ficando. (Furtado, 1976, p. 134). Neste sentido,... o grande movimento de população nordestina para a Amazônia consistiu basicamente em um enorme desgaste humano em uma etapa em que o problema fundamental das economia brasileira era aumentar a oferta de mão-de-obra. (Furtado, 1976, p.135). 14 Após este período de grande fluxo migratório para a Amazônia em virtude do ciclo da borracha, a região passou por um longo período de estagnação econômica resultante da Crise da Borracha de 1912. "[Foi] somente com a Constituição de 1946, através do Artigo n. 199 é destinado 3% da Renda Tributária Nacional para investimentos na região Norte." (Ferreira, 1999, p.269). No Brasil, a política de ampliação da fronteira sempre foi uma maneira de se tentar resolver o problema do excesso de mão de obra rural sem que fosse necessário realizar uma reforma agrária nas áreas já ocupadas (Young, 1997). Este tipo de política teve seu auge, ao longo do período do regime militar. O governo militar que tomou o poder após o golpe de 1964 logo definiu uma estratégia específica para a Amazônia. Não foi apenas o conceito de uma fronteira com recursos para serem explorados para o desenvolvimento nacional que moveu o novo regime; havia outros objetivos, dentre eles os geopolíticos, que visavam à proteção da soberania nacional. Os projetos e ações concebidos para a região não passaram por nenhum teste de viabilidade econômica. Os primeiros estudos dos maiores recursos naturais só começaram depois que os projetos já haviam sido iniciados e, em muitos casos, grandes investimentos já estavam implementados sem análise de custo-benefício. A maior preocupação dos militares 2 Vale ressaltar que Schneider (1994) apresenta perspectiva mais favorável sobre as condições de vida do

era ocupar rapidamente as imensas áreas despovoadas da Amazônia brasileira sem se preocuparem com a sustentabilidade econômica e muito menos com a ambiental do processo. Pensava-se que ocupando-se assim as vastas áreas despovoadas da Amazônia estaria-se prevenindo eventuais pretensões das potências estrangeiras sobre a região. Um lema freqüentemente ouvido nos anos setenta, para a Amazônia, era use-o ou deixe-o. Em 1965 instituiu-se a Operação Amazônia, para implementar a nova estratégia, cujo principal instrumento foi o abatimento de taxas e incentivos financeiros para o investimento privado. Grande parte dos projetos contemplados eram agropecuários, sobretudo os relativos à criação extensiva de gado. Nos anos sessenta ocorreu também a construção da auto-estrada Cuiabá- Porto Velho que mais tarde iria levar um grande número de colonos do Centro- Sul para Rondônia. Nos anos setenta os militares intensificaram as políticas para promover a ocupação da Amazônia. O principal instrumento foi o Programa de Integração Nacional (PIN), que combinava grandes investimentos na construção de estradas na Amazônia com tentativas de curta duração na implementação de modelos agrícolas públicos para pequenos fazendeiros e colonos (Schneider, 1994). Virtualmente todas as terras públicas dos estados da região passaram para o controle do governo federal. O programa de construção de estradas, que pretendia cortar toda a Amazônia com rodovias, foi extremamente ambicioso. A rodovia Transamazônica cruzou a região de leste a oeste e pretendia-se construir estradas ao longo do perímetro de maior parte da fronteira internacional da Amazônia. Porém, somente parte do projeto foi realmente construído. Essas estradas foram fundamentais para a colonização da margem sul da Amazônia, dando acesso a áreas previamente ocupadas apenas por florestas. Pode-se observar no mapa 1, apresentado a seguir, uma visão da idéia da integração Amazônica por meio de rodovias. 15 nordestino migrante na Amazônia do que Furtado (1976).

16 Mapa 1 3 Principais rodovias federais, Região Norte 3 Fonte: Home-Page: www.transportes.gov.br, consulta feita em dezembro/1999

Visando ao alivio das pressões demográficas do Nordeste, os militares incentivaram, através do Projeto de Integração Nacional, a ocupação ao longo da parte oriental da rodovia Transamazônica. Ao mesmo tempo, projetos de colonização modelo foram criados no então Território Federal de Rondônia, com o objetivo de atrair pequenos produtores rurais do sul com alguma experiência em agricultura moderna (Schneider, 1994; Young e Clancy, 1999). O programa de incentivos fiscais também foi intensificado entre 1966 e 1972. Neste período, áreas substanciais de terra foram incorporadas aos projetos agrícolas. A maior parte dos projetos de incentivos fiscais está localizada numa grande área, compreendendo o nordeste do Mato Grosso, o leste do Pará, o norte do Tocantins e o sudoeste de Maranhão. Os altos preços mundiais da carne no início dos anos setenta levaram o regime militar a anunciar que a Amazônia em breve se tornaria o maior exportador dessa commodity. O Projeto de Integração Nacional pretendia por outro lado, ter um fluxo ordeiro de imigrantes do nordeste e do sudeste ocupando partes da Amazônia, para produzir bens de subsistência e fornecer mão de obra para outros projetos de desenvolvimento, e ainda, ter uma iniciativa privada estimulada pelos esquemas de incentivos fiscais, aumentando a quantidade de produtos agrícolas tanto para o mercado doméstico quanto para a exportação. Desse modo, a região seria incorporada à economia nacional, pondo de lado o receio de uma intervenção estrangeira. Entre 1975 e 1979 ocorre uma mudança nos instrumentos utilizados. Por causa da crise do petróleo nessa década, os eventos não se materializaram como esperado, reduzindo a taxa de crescimento do país e tornando mais difícil a obtenção de recursos para o programa de construção de estradas, tendo como resultado a diminuição no número de rodovias construídas (Ferreira, 1999). Esse período testemunhou considerável mudança nas táticas da ocupação da Amazônia. Após 1974, o conceito de pólos de desenvolvimento foi introduzido, concentrando os esforços nas áreas de maior potencial para evitar a dispersão de recursos. 17

Os projetos de colonização públicos passaram a apresentar contratempos. Houve muitos problemas administrativos, a tecnologia agrícola aplicada pelos colonos não era a mais apropriada e eles tiveram dificuldades em se adaptar ao meio ambiente da região. Consequentemente, a colonização modelo começava a degringolar. Entretanto, um fluxo muito maior de imigração espontânea havia começado, formado por pequenos produtores e trabalhadores rurais desalojados pela modernização da agricultura no centro-sul, o que obrigou o governo a continuar implementando projetos de colonização de modo a remediar a situação. Porém, essa imigração espontânea foi tão intensa que a demanda por terra logo excedeu as áreas disponíveis nos assentamentos, provocando aumento das invasões de terras, tanto em Rondônia como na Amazônia oriental. As ocupações em terras públicas foram logo perdoadas pelo governo, porém aquelas em terras privadas freqüentemente resultavam em violência (Almeida, 1992). Os projetos de colonização privada ganharam força particularmente do período de 1976 a 1981, com o fim do entusiasmo pela colonização pública. De acordo com Almeida (1992), o governo passa a oferecer créditos subsidiados para a implementação de projetos privados de colonização destinados principalmente aos colonos com algum capital e experiência do sul do Brasil. A maior parte dos projetos se deu à margem da floresta ao norte do Mato Grosso e áreas de transição entre a selva e o cerrado. O tamanho das fazendas vendidas tinham geralmente de 100 a 500 hectares e o principal objetivo era para lavouras de cultivo comercial. Assim, os altos preços internacionais e uma política ambiental favorável logo tornaram o norte do estado do Mato Grosso num importante produtor de grãos de soja. Apesar de, no fim dos anos setenta, os assentamentos terem diminuído um pouco de ritmo por causa de novas regras estabelecidas que proibiram projetos no coração da floresta amazônica, grandes projetos de investimentos foram postos em prática como o Projeto Jari no leste da Amazônia, o qual, embora fosse privado, teve grande apoio do governo dando mostras de qual seria o novo caminho para o desenvolvimento da Amazônia. 18

Entre os anos 1980 e 1988 foram efetuados os grandes programas de pólos de desenvolvimento e a expansão descontrolada de projetos de incentivos. Os dois maiores programas amazônicos do período foram o Polonoroeste 4 e o complexo da Grande Carajás na Amazônia oriental. Este último foi um imenso programa multisetorial baseado na extração, transformação e exportação de minerais, numa clara orientação voltada para o mercado externo. Os incentivos agrícolas no projeto Carajás foram modestos porém o grande número de migrantes atraídos para a sua área de influência resultou em grandes impactos em termos de desmatamento. Além disso, o projeto apresentava componentes controversos, como a utilização de madeira vinda de florestas nativas como carvão para a fundição de minério de ferro. Na tentativa de criar ordem sobre a ocupação descontrolada de Rondônia e do Mato Grosso, estabeleceu-se o Programa de Desenvolvimento Integrado da Fronteira Noroeste (Polonoroeste), parcialmente financiado através de empréstimos obtidos junto ao Banco Mundial (Redwood III, 1993). Aquele projeto visava melhorar as condições nas áreas de migrantes, além de reduzir a degradação ambiental e proporcionar maior proteção às populações indígenas. No entanto, a pavimentação da rodovia entre Cuiabá e Porto Velho parece ter sido o principal resultado do Polonoroeste. Na década de oitenta houve uma expansão quase descontrolada de projetos de incentivos fiscais. Porém os insucessos sugeriam que essa linha de ação deveria ser descontinuada. Contudo, a pressão política de grupos de interesse fizeram esse esquema seguir em frente. Os incentivos fiscais foram reduzidos em 1987 e temporariamente suspensos em 1989 por um decreto governamental. Contudo, a constituição aprovada em 1988 manteve o mecanismo de incentivos fiscais como um instrumento de desenvolvimento regional e há o 19 4 Young e Clancy (1999) estimam a área desmatada por este projeto em 990.000 ha.

perigo do recomeço dos projetos agrícolas no futuro. Neste momento, eles só podem ocorrer em áreas já degradadas ou nas regiões de cerrado da Amazônia Legal. Em suma, de acordo com Ozório de Almeida e Campari (1995), uma combinação de fatores legais, políticos, econômicos e agrícolas expulsou os pequenos produtores de suas áreas já estabelecidas nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do país. Além disso, a ditadura militar promoveu uma política de ocupação da Amazônia em um período de fácil acesso à finança internacional para projetos de larga escala. Desta forma, houve uma melhoria nos transportes e telecomunicações que, junto ao crédito agrícola e incentivos fiscais, incentivaram a agroindústria e agricultura comercial. Assim, foi a conjunção destes dois fatores que promoveu uma intensa migração interregional para a fronteira amazônica. A destruição da floresta Amazônica é freqüentemente relacionada a um aumento da pressão populacional. Neste sentido, a conservação da floresta equatorial só seria possível via controle da migração para a região e redução da população local. No entanto, a partir dos anos noventa, o padrão de ocupação de novas terras da fronteira passou por uma alteração. Os exploradores das novas fronteiras não são mais oriundos de outras regiões, eles provêm das regiões anteriores de fronteira, das quais foram expulsos (Ozório de Almeida e Campari, 1995). Para comprovar seus argumentos, os autores mostram que, tendo em vista o declínio das taxas de fertilidade, assim como das taxas de crescimento da população e a generalização do processo de urbanização no país, não se pode esperar uma forte pressão populacional de outras regiões. Contudo, tanto o crescimento do êxodo rural na Amazônia quanto a dificuldade de os pequenos produtores manterem suas fazendas vêm incrementando as migrações intra-amazônicas e o desmatamento de terras mais ao interior da floresta, promovendo o deslocamento da fronteira. 20

21 III- VIOLÊNCIA E DESMATAMENTO NA FRONTEIRA AMAZÔNICA Importantes análises teóricas sobre a violência e o desmatamento na fronteira amazônica vêm surgindo, nos últimos anos, em virtude da aceleração destes processos. Apresenta-se, neste capítulo, uma seleção bibliográfica sobre os temas, de forma a atender os objetivos deste trabalho. 3.1 - Violência na Fronteira Amazônica 3.1.1 - Violência e apropriação da terra A natureza da utilização da terra e os agentes de sua apropriação privada constituem, para Becker (1991), elementos imprescindíveis para a compreensão da escalada dos conflitos fundiários na fronteira amazônica. De acordo com a autora, a criação de gado bovino para corte é a principal forma de organização da atividade produtiva nas terras de fronteira. Esta escolha pela pecuária extensiva pode ser explicada pela sua capacidade em capitalizar a agricultura a curto prazo e, ao mesmo tempo, justificar a apropriação de grandes quantidades de terra por poucos (Becker, 1991). A autora identifica dois grupos de agentes que possuem grande parcela das terras na região: as empresas agrícolas e os fazendeiros individuais. Além destes dois grupos, há ainda outros dois tipos de agentes importantes para a compreensão da disputa pela posse da terra na fronteira: os pequenos produtores e os grileiros. Segundo Becker (1991), a empresa agropecuária consolidou o seu predomínio na região, na década de 1970, uma vez que o governo considera impraticável a colonização baseada em pequenos e médios proprietários (...). [Logo,] É o próprio governo (...) que avaliza e credita subsídios aos empresários (...) (Becker, 1991, p. 26).

Este processo de apropriação da terra baseado em empresas subsidiadas pelo governo alterou a estrutura da concentração fundiária na região, uma vez que algumas [fazendas] constituem unidades gigantes (Becker, 1991, p. 26), e, por conseqüência, a estrutura social, ao expulsar os posseiros e induzir os fazendeiros a vender suas terras. Estas empresas, em virtude de sua maior capacidade financeira, desmatam áreas maiores e em ritmo intenso. O grande fazendeiro individual é, de acordo com Becker (1991), pecuarista por tradição e utiliza a terra não só como reserva de valor, mas também como fator de produção. No entanto, o fazendeiro dispõe de menos recursos do que a empresa agrícola. Sendo assim, aquele contrata menos trabalho assalariado para a implantação do pasto e desmata menos, embora de forma contínua. Os pequenos produtores, em geral posseiros, pequenos proprietários, meeiros e rendistas, representam uma parcela significativa da população, mas não em área apropriada. Os posseiros continuam ocupando terras na fronteira, uma vez que ainda há estímulo econômico para a ocupação de terras. No entanto, estes agentes são os que mais sofrem a ação violenta na região, já que o movimento de expansão das empresas empurra os pequenos produtores para terras menos férteis e/ou menos acessíveis, através do violento processo de expulsão e expropriação de suas terras. (Becker, 1991, p. 30). Apesar da violência à qual são geralmente submetidos e da política governamental favorecedora de grupos de interesse poderosos, há, de acordo com Becker (1991), três razões que asseguram a sobrevivência da pequena produção, quais sejam: a produção de alimentos baratos para a crescente população urbana; a possibilidade eventual da venda de sua força de trabalho; por último, as estratégias de sobrevivência do produtor, seja mediante uma resistência pacífica, seja através da luta organizada pela terra. Finalmente, o grileiro é um agente cujo expediente para obter extensões de terra é a falsificação de títulos de propriedade (Becker, 1991, p. 31). Trata-se de um personagem 22

clássico na expansão das fronteiras agrícolas brasileiras, (...) [tendo] um papel central nas áreas de dominância de empresas e fazendas (Becker, 1991, p. 31). A generalização da violência na fronteira, nas duas últimas décadas, é identificada, tanto por Becker (1991, p.38) quanto por Almeida (1992, p.260), como uma característica estrutural do tipo de desenvolvimento capitalista da região, posto que as inovações técnicas decorrentes têm (...) função nitidamente conservadora porquanto não podem ser dissociadas do monopólio da terra, dos mecanismos de imobilização e de atos coercitivos como forma de resolução de conflitos agrários. (Almeida, 1992, p.260). Pode-se dizer que as ações promovidas pelo Estado, grosso modo, contribuíram para a intensificação dos conflitos fundiários, ao favorecer, sobretudo, grupos empresariais e grandes fazendeiros. De acordo com Almeida (1992), os conflitos eram interpretados pela tecnocracia estatal como fatores inerentes à modernização da agricultura, onde a concentração fundiária seria o caminho natural da apropriação da terra na fronteira. Não obstante a interpretação do autor, constata-se que a retórica da integração e da colonização, também presentes nas políticas estatais, deixam entrever a existência de objetivos conflitantes que apontam para dificuldades no planejamento estatal para a ocupação da Amazônia. 23 3.1.2 - Violência e direitos de propriedade A violência existente nas fronteiras agrícolas é, na visão de Alston et alli (1996), associada a conflitos sobre os direitos de propriedade da terra. Expomos, a seguir, esta questão sob duas perspectivas: como se dá o processo de titulação das terras e qual é a sua estrutura analítica.

24 3.1.2.1 - Processo de Titulação De acordo com a legislação brasileira, as terras ocupadas e lavradas podem ser reivindicadas após um ano, no caso de terras devolutas, e após cinco anos, no caso de terras privadas. Estes prazos facilitam que o demandante de títulos possa repassá-los, num curto espaço de tempo, podendo, pois, sair em busca de novas posses e, assim, avançando sobre a fronteira. As reivindicações de títulos, então, devem passar por agências governamentais que irão, pois, verificar a concordância com as leis fundiárias, processar os pedidos de títulos e, finalmente, fornecê-los. Em geral, é necessária a organização em grupo dos colonos, porque as agências emissoras de títulos de posse - suscetíveis ao poder da corrupção - aguardam um certo número de pedintes para então averiguar se as condições necessárias são atendidas. No caso do estado do Pará, estudado por Alston et alli (1996), tanto o governo federal quanto o estadual estiveram envolvidos na emissão de títulos. Nos municípios com grande parcela de terras federais, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) foi o responsável pelo processamento de reclamações de terras. Já nos municípios cuja maior parte das terras pertencia ao estado, foi a agência estadual (ITERPA), a responsável pelo processo. Ademais, naquele estado, a migração foi estimulada através de programas de colonização subsidiados pelo governo federal. Os fazendeiros e empresários foram subsidiados pela SUDAM (Superintendência do desenvolvimento da Amazônia), ao passo que, os pequenos produtores foram estimulados pelo INCRA a se estabelecerem na região, gerando violentos conflitos entre os dois grupos, em especial no sudeste do Pará. Isto reflete a incapacidade do Estado brasileiro em formular uma política coerente para a região a despeito de seu caráter centralizador.

25 3.1.2.2 - Estrutura Analítica Em geral, direitos de propriedade exclusivos sobre a terra fornecem a garantia subsidiária aos fazendeiros para o acesso a mercado de capitais; promoção de investimentos específicos, redução de custos privados na defesa da propriedade e aumento no valor da terra mediante a expansão de seu mercado. Quando o valor da terra é baixo e, de certa forma, estável, os modos informais de posse da terra são os mais apropriados e, portanto, a ocorrência de violência é não é tão verificada. A situação acima descrita limita a competição e, desta forma, fornece, para os pretendentes relativamente homogêneos, um acordo sobre os direitos de propriedade. Ao sair da fronteira para os mercados centrais, a renda proveniente da terra tende a aumentar, intensificando, consigo, a competição pelo seu controle. Neste sentido, arranjos informais tornam-se ineficazes, uma vez que, private enforcement costs will increase, uncertainty of control will rise, and violent conflict becomes more likely. (Alston et alli, 1996, p. 160-161). Nesta situação, os indivíduos terão incentivos para formar grupos de pressão política a fim de conseguir que o governo lhes conceda títulos de posse da terra. Assim, quanto mais forte for o lobby exercido por estes grupos, maior será a sensibilidade dos políticos em relação às suas demandas. Entretanto, os custos de se prover os títulos também são importantes componentes de decisão da classe política, uma vez que esta tem que responder às pressões de diversos grupos com um dado limite orçamentário. Neste sentido, more remote sites on the frontier involve greater administrative costs, and hence from a cost perspective should receive fewer titling services. (Alston et alli, 1996, p.161) Nas áreas de fronteira, portanto, a distância do mercado é o fator determinante do valor da terra. Logo, a partir de uma certa distância, os custos de transporte se tornam grandes o suficiente a ponto de tornar a atividade econômica inexeqüível. Deste ponto em diante, a

terra não é ocupada, logo, não é desmatada. Assim, conclui Alston et alli (1996), aqueles que ocupam a fronteira possuem custos de oportunidade relativamente baixos. 26 3.2 Desmatamento na fronteira O desmatamento na fronteira é observado, basicamente, a partir dos seguintes problemas: a natureza da ocupação das terras e a dinâmica própria daquele. O processo de desmatamento por que passa a Amazônia não é homogêneo, ou seja, varia entre as diferentes partes da região. O desmatamento é resultado, principalmente, de diversos usos não florestais na região (Fearnside, 1992). Dentre as diferentes formas de uso da terra, a pecuária bovina é a que adquire maior importância, de modo que as pastagens dominem o uso da terra em áreas desmatadas na Amazônia brasileira. (Fearnside, 1992, p. 208) Tendo em vista o fraco desempenho da criação bovina e as perspectivas pouco promissoras, a longo prazo, das pastagens, as razões que explicam a dominação da paisagem por este uso da terra só podem ser outras. (Fearnside, 1992, p. 210). Os incentivos fiscais dado aos grande fazendeiros da região pelo governo brasileiro é uma das razões encontradas por Fearnside (1992) para explicar o porquê de tal criação de gado. Assim, a pecuária subsidiada ainda é um importante fator no desmatamento, porém a crise econômica do país tem reduzido a quantidade de dinheiro disponível para este fim. (Fearnside, 1992, p. 210). Neste sentido, o segundo e principal fator de explicação para a predominância das pastagens é o papel chave deste uso da terra na especulação imobiliária. (Fearnside, 1992, p. 211). Isto porque o valor das terras, num contexto inflacionário, tende a aumentar, posto que o retorno dos ativos reais é mais seguro do que o retorno de ativos monetários. A terra funciona, portanto, como uma reserva de valor, ao invés de funcionar como um fator de produção. Ademais, o valor da terra aumenta significativamente quando sua posse é legalizada, o que ocorre mais facilmente quando a floresta é substituída por pastagens, já que,

assim, há uma justificativa para a concessão de títulos definitivos, além de protegê-la contra posseiros, outros fazendeiros e programas de reforma agrária. De acordo com Fearnside (1992), as empresas agrícolas são responsáveis por uma pequena porção da área desmatada, podendo, porém, aumentar no futuro. A silvicultura, a produção de álcool, as culturas perenes e o desenvolvimento da várzea não lograram o êxito esperado, refletindo, então o pequeno impacto dessas atividades sobre o desmatamento. A exploração madeireira, todavia, vem aumentando sua parcela sobre o desmatamento, pois as florestas tropicais africanas e do sudeste da Ásia, melhores para a extração de madeira, estão praticamente dizimadas do ponto de vista comercial. Neste sentido, as exportações da Amazônia estão aumentando para suprir a demanda mundial. Assim, o esgotamento dos recursos naturais em outras partes, junto com o progresso tecnológico no aproveitamento das espécies disponíveis, aumentam a probabilidade de o cavaqueamento se tornar um fator importante na destruição de florestas da Amazônia. (Fearnside, 1992, p. 217). 27 Para o autor, outro fator no desmatamento da região é a agricultura pioneira. Isto é, os pioneiros que chegam (...) provenientes de outras partes do país, cortam e queimam a floresta (...), porém (...), eles deixam as roças em pousio durante um curto tempo (insuficiente para regenerar a capacidade produtiva da parcela) ou, com mais freqüência, plantam a área com pastagens. (Fearnside, 1992, p. 218). Os pequenos agricultores, que realizam este tipo de agricultura, o fazem por falta de opção de sobrevivência. Assim, segundo Fearnside (1992), apenas um programa de reforma agrária seria capaz de alterar o curso daquela expansão. No entanto, o governo prefere realizar uma distribuição de terras públicas, ao invés da reforma agrária, utilizando, então a Amazônia como válvula de escape para o assentamento de camponeses sem-terra. Esta solução representa, contudo, (...) um desastre, do ponto de vista tanto do sacrifício da floresta como da implantação de uma forma não sustentável de agricultura em grande escala. (Fearnside, 1992, p. 219).

Em relação à dinâmica do processo de desmatamento, de acordo com Ozório de Almeida e Campari (1995), os pequenos produtores que desmataram a floresta amazônica, durante as décadas de setenta e oitenta, eram migrantes de fora da bacia do Amazonas. Porém, a maior parte dos pequenos produtores que desmatam, na década atual, são oriundos da própria região. A maior ameaça para a floresta, portanto, parece vir, agora, de migrações intrarregionais. Neste sentido, a saída não está mais em prevenir o desmatamento a partir de migrações do resto do país, mas sim assegurar que os produtores já estabelecidos na região fiquem onde já desmataram, reduzindo, pois, a migração e o desmatamento para novas fronteiras. Para isso, é necessário que se estabeleça um tipo de produção sustentável nas áreas desmatadas. Ozório de Almeida e Campari (1995) argumentam que é improvável que a Amazônia receba novos fluxos migratórios de fora da região, uma vez que as taxas de fertilidade e o crescimento populacional estão caindo; o país está bastante urbanizado e a experiência passada mostrou que a migração para a região é uma tarefa árdua. A mudança abrupta das condições econômicas durante a década passada mudou o padrão das migrações intrarregionais. Ao passo que o governo federal se enfraquecia, os governos locais ganhavam força. A transição para a democracia e a descentralização fiscal ampliaram as receitas dos governos locais, inclusive da região amazônica. No entanto, a região perdeu diversas formas de incentivos federais. A fronteira teve suas atividades primárias alteradas. Passou de uma ocupação agrícola e extrativista, nos anos setenta, para o atendimento das necessidades urbanas. Na década atual, uma grande parte dos ocupantes originais abandonou suas terras, que vêm sendo compradas por uma classe média urbana local. Esta, ligada pelo comércio à região Sudeste (industrial), compra terras como uma reserva de valor em resposta à crise econômica nacional. É necessário, pois, que se aprenda com os erros passados para que a sustentabilidade nas fronteiras velhas cresça. Durante a década passada, as oportunidades de emprego e os salários reais caíram. Assim, os pequenos produtores da fronteira tiveram seus custos de 28

oportunidade de trabalho e capital cobertos 5. Entretanto, como a instabilidade macroeconômica aumentou o preço da terra, nessas condições, tornou-se mais interessante ser um fazendeiro itinerante, vendendo nas fronteiras velhas e comprando nas novas, do que ficar no mesmo local. Assim, para que se reduza o desmatamento, os incentivos econômicos à mudança dos produtores devem ser alterados. Este tipo de agricultura itinerante não é, necessariamente, prejudicial aos pequenos produtores. Embora vários deles não tenham rendimentos provenientes da agricultura suficientes para resistir à venda de suas terras, com preços inflados pela especulação rural local, eles, ainda assim, estão em melhor situação do que se procurassem outras alternativas, dado os baixos salários no resto da economia. Isto indica, segundo Ozório de Almeida e Campari (1995), que a estabilização econômica e salários crescentes no resto da economia tenderiam a reduzir o desmatamento, já que, assim, o custo de oportunidade de se produzir na fronteira iria aumentar. Na fronteira, os pequenos produtores auferem uma renda maior do que se estivessem no mercado de trabalho e conseguem rendimentos melhores do que no mercado financeiro. Assim, dadas as condições político-econômicas atuais, vale mais a pena lavrar nas terras da fronteira, realizar ganhos de capital com a venda daquelas e, portanto, mudar-se no sentido de ampliação da fronteira. Neste sentido, concluem Ozório de Almeida e Campari (1995), os benefícios distributivos da colonização de pequenos produtores na Amazônia foram substanciais. Todavia, não foram acompanhados por uma estabilização da população nas áreas de desmatamento originais. Os pequenos produtores que não mudaram foram aqueles com alta produtividade agrícola. No entanto, estes são, também, os que mais desmatam. Neste sentido, uma produção agrícola bem-sucedida impede o desmatamento de novas fronteiras, mas ao custo da exaustão das antigas. 29 5 Isto é, os custos de oportunidade, para os pequenos produtores, eram menores do que as expectativas de ganho na fronteira, valendo a pena, pois, a sua ocupação.

Segundo Ozório de Almeida e Campari (1995), os produtores cuja fonte principal de renda seja a agricultura reduzem o desmatamento quando o preço da terra sobe e a renda cai. Sob as mesmas condições, os especuladores tendem a desmatar mais. Ao longo dos anos oitenta, o aumento do preço da terra nas fronteiras antigas levou a um grande aumento do desmatamento por razões especulativas. Neste sentido, o estímulo econômico à agricultura na região declinou, levando os colonos a reduzir a produção agrícola e a se tornarem menos sensíveis a políticas de estímulo agrícola. O desmatamento, para Ozório de Almeida e Campari (1995), é influenciado pelas características de origem dos migrantes. No entanto, atualmente, as características locais, em especial o acesso ao crédito, possuem maior poder de determinação sobre o desmatamento. Portanto, políticas que melhorem a performance agrícola dos pequenos produtores são essenciais na redução do ritmo de desmatamento nas fronteiras velhas. Ozório de Almeida e Campari (1995) propõem medidas de política econômica, nas fronteiras antigas da Amazônia, que restrinjam as migrações intrarregionais para novas fronteiras: promoção de agricultura produtiva mediante zoneamento apropriado; extensão rural, comercialização e crédito voltados para intensificação agrícola em áreas já desmatadas; taxação de rendas agrícolas a fim de penalizar a tendência crescente dos produtores bemsucedidos a desmatar; punição para a especulação através da taxação de ganhos de capital baseados em transações com a terra; e, finalmente, uma forma de penalização para os desmatadores, através de mecanismos de taxação. Tais medidas proveriam, indiretamente, as condições econômicas necessárias para uma colonização sustentável da fronteira. O sucesso da implementação de tais medidas, porém, dependeria de mudanças institucionais, tais como,... environmental authorities must understand and support new economic instruments; economic authorities must do the same for new environmental objectives; local governments must take on new executive responsibilities; federal governments must assume new coordinating roles; international organizations (...) must contribute more broadly to the building of institutions; and settlement agencies must learn from the mistake of the past. (Ozório de Almeida e Campari, 1995, p.7) 30

Apresentaram-se, ao longo deste capítulo, algumas abordagens sobre a violência e o desmatamento na região Amazônica, sobretudo na sua fronteira agrícola. Todavia, nenhum dos trabalhos apresentados trata da relação existente entre os dois problemas supracitados. Neste sentido, faz-se necessário uma tentativa de compreensão conjunta dos dois fenômenos, uma vez feita a constatação empírica de sua coincidência geográfica. 31

32 IV- AS DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA Segundo Galeano (1979), da estrutura fundiária do Brasil colonial provém em linha reta o latifúndio de nossos dias. Caracterizada pela grande concentração de terras, observa-se a seguinte comprovação: Índice de Gini para a Concentração Fundiária 6 Tabela 1 Estado/Ano 1950 1960 1970 1975 1980 1985 1995 Acre 0,89 0,91 0,60 0,61 0,68 0,61 0,71 Amapá 0,60 0,92 0,87 0,85 0,69 0,86 0,79 Amazonas 0,91 0,96 0,66 0,92 0,85 0,81 0,80 Bahia 0,79 0,78 0,79 0,81 0,82 0,84 0,83 Ceará 0,74 0,74 0,78 0,78 0,77 0,81 0,84 Distrito Federal n.d. 0,77 0,79 0,77 0,74 0,76 0,79 Espírito Santo 0,51 0,53 0,59 0,61 0,64 0,66 0,68 Goiás n.d. n.d. 0,74 0,75 0,74 0,76 0,73 Maranhão 0,93 0,91 0,88 0,92 0,91 0,91 0,83 Mato Grosso 0,84 0,87 0,91 0,94 0,92 0,91 0,79 Mato Grosso do Sul 0,82 0,91 0,92 0,91 0,86 0,85 0,81 Minas Gerais 0,75 0,75 0,74 0,74 0,75 0,76 0,76 Pará 0,88 0,76 0,85 0,86 0,83 0,82 0,81 Paraíba 0,80 0,81 0,82 0,84 0,82 0,84 0,83 Paraná 0,72 0,69 0,69 0,72 0,73 0,74 0,73 Pernambuco 0,83 0,84 0,83 0,82 0,82 0,82 0,82 Piauí 0,79 0,83 0,88 0,89 0,89 0,89 0,86 Rio de Janeiro 0,78 0,77 0,78 0,78 0,80 0,81 0,78 Rio Grande do Norte 0,80 0,80 0,85 0,86 0,85 0,85 0,84 Rio Grande do Sul 0,75 0,75 0,74 0,74 0,75 0,75 0,75 Rondônia 0,92 0,90 0,66 0,62 0,65 0,65 0,76 Roraima 0,53 0,66 0,61 0,88 0,78 0,75 0,79 Santa Catarina 0,66 0,65 0,63 0,64 0,66 0,67 0,66 São Paulo 0,76 0,79 0,77 0,77 0,77 0,76 0,75 Sergipe 0,81 0,82 0,85 0,85 0,84 0,85 0,83 Tocantins n.d. n.d. 0,68 0,69 0,73 0,71 0,64 n.d. - não disponível Fonte: elaboração própria, a partir de dados do IBGE (1996). 6 O índice de Gini, normalmente utilizado na mensuração da concentração de renda, foi adaptado, neste trabalho, para a mensuração da concentração da terra.

Conforme pode ser observado na tabela 1, a estrutura fundiária é, historicamente, demasiado concentrada por todo o Brasil, sobretudo na região Nordeste. Neste sentido, o padrão de distribuição da terra demonstrado acima cria uma massa de mão de obra rural excedente, uma vez que os pequenos produtores não conseguem obter, em geral, o suficiente para a subsistência de sua família, posto que sua produção é pouco capitalizada, tendo que, muitas vezes, recorrer ao emprego temporário e sazonal, para conseguir complementar uma renda que seja suficiente para a sobrevivência de sua família. Além disso, os latifúndios são, em geral, pouco intensivos em trabalho, visto que o uso da terra, nas grandes propriedades brasileiras, é baseado, em grande parte, na pecuária extensiva, ou na agricultura mecanizada (Young, 1997). O grande fluxo migratório para a região amazônica, em especial, até o início da década de oitenta 7, foi, em grande parte, uma conjunção da estrutura da concentração e uso da terra no Brasil, acima descritos, com uma política de grande estímulo estatal à ocupação da 33 região 8 com vistas à garantia da soberania nacional sobre aquele vasto território. Neste sentido, a Amazônia experimentou um processo de povoamento baseado no modelo clássico de migrações inter-regionais (Ozório de Almeida e Campari, 1995), que resultou em uma forte expansão da fronteira agrícola durante o período. Note-se que a região Nordeste, cujos estados têm, historicamente, as maiores taxas de concentração fundiária (tabela 1), é, também, a maior fonte de migrantes para a Amazônia. Tendo em vista a alta concentração de terra supracitada, o imobilismo social, em parte decorrente daquela, e a proximidade geográfica, é de se esperar que mudanças nos custos de oportunidade 9 dos indivíduos provoquem grandes fluxos migratórios para a região de fronteira. Isto é, expectativas de grandes ganhos na fronteira impulsionam a migração, haja vista os exemplos do ciclo da borracha, dos projetos de colonização e da corrida ao ouro (Serra Pelada). 7 Ver mais a respeito no capítulo II. 8 Almeida (1991) apresenta uma detalhada descrição sobre este tipo de política. 9 A saber: taxa de juros, preço da terra e salário na região de origem, segundo Ozório de Almeida e Campari (1995)

A seguir, dois mapas são apresentados: o mapa de número 2 localiza a origem do nascimento das pessoas beneficiadas por assentamentos. Verifica-se que o local que concentra o maior número de beneficiários é a região Nordeste. Em relação ao mapa de número 3, pode-se perceber que os assentamentos realizados pelo governo são concentrados, essencialmente, na região Norte, sobretudo na área da fronteira agrícola. 34

35 Mapa 2 Origem do nascimento de pessoas beneficiadas por assentamentos Fonte: David et alli (1998)

36 Mapa 3 Número de assentamentos em 1996 Fonte: David et alli (1998)

Não por coincidência, o processo de desmatamento ganhou força no período das migrações interregionais (década de 70, principalmente), já que a grande quantidade de pequenos produtores que chegavam à fronteira, assim como hoje em dia, precisava realizar a limpeza do terreno, a fim de poderem lavrar a terra. Também neste período os conflitos pela posse da terra crescem em importância. Isto porque a pressão demográfica (...) era verificada agora internamente à região Amazônica, funcionando como móvel de antagonismos. Os conflitos estavam sendo reconhecidos nas chamadas áreas de destino. (Almeida, 1991, p. 267). A redução na taxa média de crescimento anual da população de 5,02%, no período 1970-80, para 3,96% na década seguinte (Ozório de Almeida e Campari, 1995, p.12) e para 2,43% no período 1991-1996 (IBGE, 1999) foi resultado da diminuição das migrações interregionais para a Amazônia. Não obstante, a expansão da fronteira passou a ter uma dinâmica própria, na qual, de acordo com Ozório de Almeida e Campari (1995), as migrações intrarregionais constituem um dos fatores daquela expansão. Na medida em que o preço da terra aumenta, a fronteira vai se tornando "velha" 10. Neste sentido, a competição por títulos de propriedade da terra se intensifica, posto que a definição dos direitos de propriedade valoriza a terra ainda mais, gerando, assim, um grande potencial de conflitos (Alston et alli, 1996). Logo, In many cases, the conflicting objectives of rent-seeking speculative purchasers and the claims for land of genuine but landless farmers has resulted in violent conflicts. (Young e Clancy, 1999, p. 39) 37 Neste processo, os posseiros e pequenos proprietários são, em geral, os mais prejudicados, posto que se põem a enfrentar fazendeiros e grileiros com maior poder político, econômico, que lhes permite expulsá-los através do uso da violência ou da corrupção. Isto é, para expulsar os posseiros, estes grupos com maior poder corrompem as agências que 10 Ou seja, quando os direitos de propriedade vão se definindo e reduzindo as oportunidades de acesso a terras.

comandam o processo de titulação da terra, ou se utilizam da violência (Alston et alli, 1996; Young e Clancy, 1999). Assim, resta a esta população expulsa de suas terras duas opções: continuar na fronteira velha a trabalhar como assalariado, posto que há uma crescente urbanização da fronteira (Becker, 1991; Ozório de Almeida e Campari, 1995; Torres, 1991), ou então, migrar para abrir uma nova região de fronteira. Em outras palavras, In most cases, the only feasible option for the expelled farmers is to squat on forest margins, clearing land and expanding the social agricultural frontier in the Amazon. (Young e Clancy, 1999, p.39) 38 Nesse sentido, as migrações intrarregionais, identificadas por Ozório de Almeida e Campari (1995), como fator relevante para a dinâmica do desmatamento na Amazônia, são, em parte, resultado da violência resultante dos conflitos pelos direitos de propriedade da terra na fronteira antiga.

39 Mapa 4 Vítimas fatais de conflitos ocorridos no campo - 1985/96 Fonte: David et alli (1998)

O mapa anterior mostra que a área dos conflitos, na Amazônia, é coincidente com o chamado arco do desmatamento. Este, de acordo com a home-page do INPE, inicia-se no nordeste do Pará, segue em direção ao sul, margeando o noroeste do Maranhão e Tocantins, entra pelo nordeste de Mato Grosso e prossegue pelo norte, em direção à Rondônia, atravessando-o até atingir o meio-leste do Acre. Este arco está concentrado regionalmente na fronteira agrícola, onde a terra é convertida para o uso agrícola e pecuário (Young, 1997), conforme pode-se observar no mapa a seguir: Mapa 5 11 Áreas críticas de desmatamento na região Amazônica 40 11 Fonte: home-page www.inpe.br