LIBERAÇÃO DE Trichogramma pretiosum RILEY (HYMENOPTERA: TRICHOGRAMMATIDAE) PARA O MANEJO DE LEPIDÓPTEROS-PRAGA DA CULTURA DA SOJA RELEASE OF Trichogramma pretiosum RILEY (HYMENOPTERA: TRICHOGRAMMATIDAE) FOR MANAGEMENT OF LEPIDOPTERAN-PEST IN SOYBEAN BRUNA CATOIA¹; BRUNA MAGDA FAVETTI¹; REGIANE CRISTINA OLIVEIRA DE FREITAS BUENO¹; JOANINA GLADENUCCI¹* ¹Departamento de Proteção Vegetal, Faculdade de Ciências Agronômicas FCA/UNESP, Rua José Barbosa de Barros, nº 1780, Fazenda Lageado, Botucatu/SP. 18610-970. * jogladenucci@gmail.com RESUMO A infestação de lepidópteros-praga caracteriza-se como um dos maiores problemas para a cultura da soja e atualmente o controle destas pragas é quase que exclusivamente realizado com pulverização de inseticidas sintéticos. No entanto, de acordo com a premissa do manejo integrado de pragas (MIP) a utilização conjunta de táticas de controle é desejável. Nesse sentido, a liberação de Trichogramma pretiosum é a estratégia mais efetiva no controle de lepidópteros. Assim, este trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência de T. pretiosum para controle de lepidópteros-praga na cultura da soja. O experimento foi realizado nas Fazendas de Ensino, Pesquisa e Extensão (FEPE) da FCA/UNESP, Campus Botucatu SP, na safra 2015/2016. Foram instalados dois tratamentos (com liberação de T. pretiosum e testemunha) e três repetições em plantio de soja na cultivar BMX Potência RR. Foram realizadas três liberações de T. pretiosum, respectivamente nos estágios R1, R3 e R4. A amostragem de lagartas foi realizada com o uso do pano-de-batida em 20 pontos/parcela. Em ambos os tratamentos, a população de lagartas não atingiu o nível de controle e a desfolha não alcançou 30%. Sendo assim, é possível afirmar que a utilização de T. pretiosum manteve a população de lepidópteros-desfolhadores abaixo do nível de controle ao longo do cultivo da cultura. INTRODUÇÃO A Soja (Glycine max) é uma das culturas mais importantes para o agronegócio brasileiro. Na safra 2015/2016, a produção foi estimada em aproximadamente 102.110,5 493
milhões de toneladas. O Brasil destaca-se no cenário mundial como o segundo maior produtor do grão no mundo (CONAB, 2016). Um dos principais problemas ocorrentes na cultura da soja é o ataque de insetos-praga, que estão presentes desde a emergência da plântula até a fase de colheita. Um grupo de inseto de grande importância para a soja são os lepidópteros que, na fase larval, causam desfolha, reduzindo a taxa fotossintética da planta com reflexos na produção final (EMBRAPA, 2013). Atualmente, as principais espécies desfolhadoras são Chrysodeixis includens (Walker, 1858) (Lepidoptera: Noctuidae), Anticarsia gemmatalis (Hübner, 1818) (Lepidoptera: Noctuidae) e algumas espécies de Spodoptera que tem se destacado como importantes desfolhadores na cultura, como S. eridania (Cramer, 1782), S. frugiperda (J.E.Smith, 1797) e S. cosmioides (Walker, 1858) (Lepidoptera: Noctuidae), bem como, lagartas da subfamília Heliothinae (EMBRAPA, 2013). O controle desses insetos é prioritariamente a partir de inseticidas químicos. Porém, esta prática tem sido feita de forma abusiva e errônea, acarretando vários problemas à saúde humana, contaminação do solo e da água, seleção de insetos-praga resistentes a moléculas químicas, redução da fauna benéfica, bem como, aumento nos custos de produção (SOSA- GÓMEZ e OMOTO, 2012). A partir disso, o controle biológico vem cada vez mais se desenvolvendo no Brasil tornando-se uma importante ferramenta no Manejo Integrado de Pragas (MIP) (BUENO et al., 2012).O uso de inseticidas biológicos minimiza os problemas do cenário abusivo e irracional de defensivos químicos, usados na agricultura brasileira, uma vez que estes inimigos naturais se adaptam melhor às necessidades de uma produção mais segura para o trabalhador e ao consumo humano e com menor impacto ao ambiente. O agente biológico Trichogramma pretiosum Riley (Hymenoptera: Trichogrammatidae) tem como objetivo reduzir a infestação de populações de insetos-praga da ordem Lepidoptera, ocorrentes em várias culturas de interesse econômico, propiciando menor impacto ambiental e alimento mais saudáveis. É o parasitoide de ovos mais utilizado no mundo, devido à facilidade da criação em hospedeiros alternativos e agressividade no parasitismo de ovos de insetos-praga, uma vez que é uma espécie generalista (PARRA et al., 1997). O modo de ação de T. pretiosum inicia quando a fêmea oviposita os ovos dentro dos ovos das pragas. Então, a larva do parasitoide torna-se hospedeira e vai crescendo e se alimentando dentro do ovo da praga, matando-o antes mesmo de causar o dano. 494
Assim, a utilização de liberações de T. pretiosum vem atraindo cada vez mais produtores tornando-se um bem necessário para o novo cenário agrícola brasileiro. Com isso, o presente trabalho objetivou avaliar a eficiência no uso do inseticida biológico T. pretiosum para o controle de lepidópteros-praga na cultura da soja. MATERIAL E MÉTODOS O experimento foi conduzido na Fazenda de Ensino, Pesquisa e Extensão FEPE, na Faculdade de Ciências Agronômicas, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - FCA/UNESP, Campus Botucatu, SP, em duas áreas (22º48 08.85 S 48 25 26.75 O e 22 48 21.60 S 48 25 36.41 O) de cultivo de soja (BMX Potência RR) contendo três hectares cada, sendo estas, divididas em três parcelas de um hectare cada. Foram realizados dois tratamentos, um com liberação de T. pretiosum, outro sem liberação e três repetições de cada tratamento. Em ambas as áreas foram realizadas o monitoramento de insetos, sendo, 20 pontos/parcela, pelo método de metro linear até o estádio V4 da cultura e posteriormente pelo método de pano de batida até o fim do ciclo da cultura. Em cada ponto de monitoramento, foi caracterizada a desfolha (CORRÊA-FERREIRA, 2012) coletada uma planta para a amostragem de ovos e avaliação de parasitismo, totalizando 20 plantas por parcela. Cada planta foi acondicionada em saco de papel e levadas ao laboratório para a vistoria de ovos. A população de ovos dava um indicativo para o posicionamento das liberações. Foram realizadas três liberações de T. pretiosum contendo 120 mil parasitoides/ha/liberação, de acordo com a recomendação comercial, nos estágios R1, R3 e R4 a partir da presença de ovos nas plantas. Na área testemunha não houve a liberação de parasitoides. Os dados de ocorrência foram apresentados de forma descritiva e, a predominância das espécies, a partir de porcentagem. A flutuação populacional foi representada pela média dos valores encontrados e, a desfolha, a partir da escala diagramática na forma de porcentagem. Os dados de parasitismo nas áreas foram apresentados em forma de média. RESULTADOS E DISCUSSÃO Espécies e frequência de lepidópteros ocorrentes 495
Em toda a safra foi observada a ocorrência de C. includens, A. gemmatalis, Omiodes indicata (Fabricius, 1775) (Lepidoptera: Pyralidae), Spodoptera spp. e algumas espécies de Heliotíneos. A espécie de maior ocorrência foi C. includens apresentando 74,6% na área testemunha e 75,1% na área com liberação de T. pretiosum. Anticarsia gemmatalis foi à espécie com a segunda maior ocorrência (20,5% na testemunha e 22,6% na área com liberação) de todos os lepidópteros ocorrentes em toda a safra. Em áreas de cultivo de soja nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul também é constatado o predomínio de C. includens em relação às outras espécies de lagartas desfolhadoras, caracterizando-se como uma praga-chave da cultura (GUEDES et al., 2010). A espécie O. indicata (lagarta-enroladeira) também ocorreu em todas as fases de desenvolvimento da cultura, sendo maior na área testemunha (2,5%) quando comparado com a área com liberação (1,1%). Apesar de ser amplamente distribuída no Brasil, é considerada praga secundária (DEGRANDE; VIVAN, 2011). Foi possível observar que, a partir do estágio reprodutivo da cultura, a ocorrência de algumas espécies de Spodoptera spp. sendo S. cosmioides e S. eridania (1,7% na testemunha e 0,5% na área com liberação de T. pretiosum) as mais ocorrentes. Nessa fase da cultura, constatou-se a presença de lagartas da subfamília Heliothinae (0,6% na área sem liberação e 0,7% na área com liberação). As lagartas das espécies Spodoptera e Helicoverpa (Heliotíneos) são polífagas e consideradas como de difícil controle e alto potencial de danos à cultura (SANTOS et al., 2005). Flutuação populacional e potencial de desfolha A população de lagartas aumentou progressivamente ao longo do desenvolvimento da soja em ambos os tratamentos. No estágio vegetativo da cultura a quantidade de lagartas foi baixa e, a partir do reprodutivo, houve um aumento populacional (Figura 01). No momento da primeira e segunda liberação de T. pretiosum (R1 e R3) a população de lagartas se manteve baixa, porém, na terceira liberação do parasitoide, ocorreu um incremento na população. A partir de R5, notou-se uma diminuição no número de lagartas, que, pode ter sido ocasionada pelas liberações do parasitoide. Em nenhum estágio de desenvolvimento da cultura a população de lagartas atingiu o nível de controle (20 lagartas por metro) (Figura 01). 496
No estado do Paraná, safra 2013/2014, em áreas de cultivo de soja com o uso do manejo integrado, a ocorrência de A. gemmatalis (pico populacional) foi no começo do estágio vegetativo, sendo que, C. includens obteve maior incidência no final do período reprodutivo, caracterizando os diferentes comportamentos dessas lagartas (CONTE et al., 2014). Esse padrão foi observado no presente estudo, no qual, no início do desenvolvimento da cultura as lagartas iniciaram a infestação, mas somente no período reprodutivo os picos populacionais foram atingidos. A desfolha aumentou gradativamente desde o estágio vegetativo até o fim do ciclo da cultura em ambos os tratamentos e não atingiu 30% (Figura 01). Figura 01. Flutuação populacional de lagartas em área de cultivo de soja com e sem liberação de T. pretiosum, Botucatu-SP, safra 2015/2016. Setas vermelhas indicam as três liberações de liberação de T. pretiosum. Parasitismo por Trichogramma pretiosum Na primeira de liberação das vespas (R1), o parasitismo de ovos por T. pretiosum atingiu aproximadamente 45%. No estágio R2, o parasitismo foi de 35% e, em R3, na 497
segunda liberação, houve uma queda, atingindo 20%. No momento da terceira liberação, em R4, a porcentagem de ovos parasitados estava próxima de 25%. Em R5, houve um incremento no parasitismo após todas as liberações. Houve parasitismo nos ovos da área testemunha, sendo este natural em campo (Figura 02). Figura 02. Parasitismo em ovos de lepidópteros-praga da soja antes e após liberação de T. pretiosum, na área com e sem liberação, em diferentes estádios de desenvolvimento da cultura. Setas vermelhas indicam as liberações. A vespa T. pretiosum apresenta um grande potencial no sucesso no MIP Soja para o manejo de lepidópteros desfolhadores, porque é um parasitoide generalista, apresentando potencial para controle de várias espécies do complexo de lepidópteros-praga existentes no ciclo da cultura (BUENO, 2008). Esse agente biológico apresenta, em laboratório, um parasitismo em torno de 80% em ovos de C. includens a 25 C (BUENO, 2009) e, em ovos de A. gemmatalis, o parasitoide pode apresentar 70% de parasitismo em condições ideais (NAVA et al., 2007). Em campo, Bueno (2008) relatou um parasitismo de 70,02% 24h após a liberação de T. pretiosum e 41,41% no quinto dia (120h) após a liberação, resultados estes superiores ao encontrado no presente estudo. 498
As liberações de T. pretiosum foram essenciais para a manutenção da população de lagartas desfolhadoras abaixo do nível de controle (20 lagartas/m) e contribuiu para a não utilização de inseticidas químicos. Uma análise comparativa dos custos com defensivos químicos em áreas com diferentes formas de manejo de pragas da soja no estado do Paraná indicou que, os custos do uso do MIP + Controle Biológico ou apenas o MIP são equivalentes a 2,41 sc/ha, enquanto no método convencional esse valor alcança 5,03sc/ha, expondo a viabilidade do uso de T. pretiosum em escala comercial tanto para controle de lagartas, quanto para a diminuição dos custos do produtor rural (CONTE et al., 2014). Sendo assim, são notáveis as contribuições do controle biológico na redução do uso e nos custos com agrotóxicos para o controle de pragas na soja, bem como, na manutenção das populações de lagartas, permitindo também a ação de agentes benéficos de ocorrência natural, tornando, em longo prazo, o agroecossistema mais sustentável. CONCLUSÃO Conclui-se que as liberações de T. pretiosum contribuíram com a manutenção da população de lagartas abaixo do nível de controle (20 lagartas/m) e, portanto, não houve a necessidade de controle com inseticidas químicos. Isto evidencia a importância do controle biológico no controle de lepidópteros-praga da cultura da soja de forma mais sustentável, viável e equilibrada. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem a empresa Koppert pelo suporte na pesquisa e por cederem os parasitoides para as liberações e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão das bolsas de estudos. REFERÊNCIAS BUENO, A.F.; SOSA-GÓMEZ, D.R.; CORRÊA-FERREIRA, B.S.; MOSCARDI, F.; BUENO, R.C.O.F. Inimigos naturais das pragas da soja. In: HOFFMANN-CAMPO, C.B.; CORRÊA-FERREIRA, B.S.; MOSCARDI, F. (Ed.). Soja: manejo integrado de insetos e outros artrópodes-praga. Brasília: Embrapa, 2012. p. 493-629. BUENO, R.C.O.F. Bases biológicas para utilização de Trichogramma pretiosum Riley, 1879 (Hymenoptera: Trichogrammatidae) para controle de Pseudoplusia includens 499
(Walker, 1857) e Anticarsia gemmatalis Hübner, 1818 (Lepidoptera: Noctuidae) em soja. 2008. 119 f. Tese (Doutorado em Entomologia) Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2008. BUENO, R.C.O.F.; PARRA, J.R.O.; BUENO, A.F.; HADDAD, M.L. Desempenho de Tricogramatídeos como Potenciais Agentes de Controle de Pseudoplusia includens (Walker, 1857) (Lepidoptera: Noctuidae). 2009. CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento de safra brasileira: grãos, Safra 2013/2014. Sétimo levantamento, abril 2015. Brasília: Conab. Disponível em:<http://www.conab.gov.br/olalacms/uploads/arquivos/15_04_10_09_22_05_boletim_ graos_abril_2015.pdf>. Acesso em: 07 set. 2015. CONTE, O.; OLIVEIRA, F.T.; HARGER, N.; CORRÊA-FERREIRA, B.S. Resultados do Manejo Integrado de Pragas da Soja na Safra 2013/14 no Paraná. Embrapa Soja, Londrina, 2014, 56p. (Documentos 356). CORRÊA FERREIRA, B.S. Amostragem de pragas da soja. In: HOFFMANN-CAMPO, C.B.; CORRÊA-FERREIRA, B.S.; MOSCARDI, F. (Ed.). Soja: manejo integrado de insetos e outros artrópodes-praga. Brasília: Embrapa, 2012. p. 631-672. DEGRANDE, P.E.; VIVAN, L.M. Tecnologia e Produção: Soja e Milho 2011/2012. Fundação MS. 2011. p. 195-202. EMBRAPA. Ações emergenciais propostas pela Embrapa para o manejo integrado de Helicoverpa spp. em áreas agrícolas. Brasília, 2013. 19p. GUEDES, J.C.; STECCA, C.S.; RODRIGUES, R.B.; BIGOLIN, M. Alterações na época de ocorrência, intensidade e proporção de espécies de lagartas desfolhadoras na cultura da soja. Revista Cultivar, n. 139, 2010. NAVA, D.E.; TAKAHASHI, K.M.; PARRA, J.R.P. Linhagens de Trichogramma e Trichogrammatoidea para o controle de Stenoma catenifer. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.42, n.1, p.9-16, 2007. PARRA, J.R.P.; ZUCCHI, R. A.; SILVEIRA NETO, S. Biological control of pests through egg parasitoids of the genera Trichogramma and/or Trichogrammatoidea. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 1997 v. 82, p. 153-160. SANTOS, K.B., P.J. NEVES & A.M. MENEGUIM, 2005. Biologia de Spodoptera eridania (Cramer) (Lepidoptera: Noctuidae) em diferentes hospedeiros. Neotropical Entomology, 34: 903-910. 500
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