MUNICIPALIZAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: UMA ANÁLISE INSTITUCIONAL, TENDO COMO ESTUDO DE CASO O MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS, MS

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Transcrição:

MUNICIPALIZAÇÃO DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL: UMA ANÁLISE INSTITUCIONAL, TENDO COMO ESTUDO DE CASO O MUNICÍPIO DE TRÊS LAGOAS, MS Mariane Elisa Pagotto(*), Denise Gallo Pizella *Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Departamento de Biologia e Zootecnia, email: marianepagotto@gmail.com. RESUMO A Constituição Federal de 1988 incorporou os princípios já presentes na Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981. Os municípios, neste sentido, passam a controlar e fiscalizar as atividades potencialmente poluidoras desenvolvidas em seus territórios. A Resolução CONAMA 237/97, por sua vez, atribui aos municípios que tiverem Conselhos Municipais de Meio Ambiente de caráter deliberativo, além de órgãos ambientais com estrutura administrativa adequada, a competência para licenciar atividades que ocasionem impactos locais. No entanto, a maioria dos municípios brasileiros possuem dificuldades que impedem a efetivação desta competência, dada pela ausência de corpo técnico qualificado e com formação multidisciplinar; estrutura administrativa adequada para a tramitação dos processos; Conselhos Municipais de Meio Ambiente pouco efetivos; deficiências quanto à participação social nas audiências públicas que possam ocorrer durante os processos de licenciamento e cooptação do Poder Público por parte de empreendedores. Por outro lado, a municipalização do licenciamento ambiental é vista por muitos como uma forma de agilizar os processos que demoram para ser analisados pelos órgãos estaduais, além de trazer as tomadas de decisão para aqueles que de fato conhecem a realidade local dos municípios, fator importante para a prevenção de problemas ambientais. Tendo em vista a necessidade de conhece a realidade dos municípios brasileiros em termos do licenciamento ambiental local, este trabalho teve por objetivo analisar as potencialidades e dificuldades presentes no município de Três Lagoas, localizado no Mato Grosso do Sul. Para tanto, foi realizada uma análise documental da legislação correlata ao tema, obtido por meio de consultas ao sítio eletrônico dos órgãos ambientais estadual e municipal e à sede física do município, além de realizada uma entrevista semi-estruturada a um gestor ambiental que atua na Secretaria. A gestão da Política Municipal de Meio Ambiente de Três Lagoas é realizada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agronegócio, Pecuária, Ciência e Tecnologia, na qual se encontra o Departamento de Preservação, Licenciamento e Educação Ambiental, responsável pelo licenciamento ambiental, dentre outras questões. Há uma certa multidisciplinaridade no corpo técnico responsável pelo licenciamento. No entanto, o Conselho Municipal de Meio Ambiente possui caráter consultivo e não deliberativo, como previsto pela CONAMA 237/97. Os principais problemas apresentados pelo entrevistado foram a falta de preparo do pessoal lotado no Departamento responsável, enquanto que a agilização dos processos foi apontada como a maior potencialidade do licenciamento ambiental no município. PALAVRAS-CHAVE: descentralização, gestão ambiental, CONAMA 237/97. INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 trás em bojo uma série de inovações em termos de direitos difusos e mecanismos de divisão de poderes entre os entes federativos. Em relação aos direitos difusos ou de terceira geração, apresenta um capítulo especialmente dedicado ao meio ambiente, que se inicia com o enunciado: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, Cap.VI, artigo 225, 1988) Em termos de competências para implementar a legislação ambiental brasileira, a Carta Magna determinou a gestão compartilhada entre os todos os entes federativos, ou seja, entre União, Estados e Municípios, concedendo a estes um novo status político e jurídico, com autonomia e potencialidade de auto-organização no tocante à gestão ambiental. Em matéria ambiental, a Constituição Federal consolidou, neste sentido, o princípio de descentralização administrativa já presente na Política Nacional de Meio Ambiente (Lei No. 6938/81). Deste modo, os municípios passaram a ter a competência para o controle e fiscalização de atividades capazes de ocasionar degradação ambiental, assim como de elaborar normas e padrões de qualidade necessários à garantia da qualidade ambiental, de forma complementar e suplementar ao estado e à União (BRASIL, 1981; SCARDUA; BURSZTYN, 2003). IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 1

Deste modo, coube aos municípios, de forma compartilhada com os demais entes da federação, a gestão ambiental, a qual, quando realizada em âmbito local, pode ser compreendida como um processo político-administrativo onde cabe ao poder público local, por meio das figuras do Executivo e Legislativo, a tarefa de formular, implementar e fiscalizar as políticas ambientais em conjunto com a sociedade, de modo a garantir aos seus cidadãos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (PHILIPPI JR; BRUNA, 2004). A Política Nacional de Meio Ambiente de 1981 (Lei n. 6938/81) tem como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (BRASIL, 1981). Para alcançar tal objetivo, foram elaborados instrumentos de gestão ambiental, assim como definidos os entes responsáveis por seu desenvolvimento, execução e fiscalização, que se apresentam como parte do SISNAMA. Dentre os instrumentos de gestão, há o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, cuja regulamentação se deu por meio da Resolução CONAMA 237/97, que dispôs sobre os critérios e procedimentos utilizados para o licenciamento ambiental, incluindo os órgãos do SISNAMA responsáveis por sua execução e fiscalização, definindo-o do seguinte modo: [...] procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. (CONAMA, 1997, artigo 1º, inciso I) Deste modo, fica claro o papel do licenciamento ambiental como um instrumento utilizado pelo Poder Público para a proteção e preservação ambiental, que visa garantir a efetivação do direito fundamental da coletividade ao ambiente saudável e equilibrado. Conforme Fernandes (2010), no aspecto formal, o licenciamento ambiental permite que a Administração Pública exerça seu poder de polícia, já que impõe regras e limites a qualquer empreendimento que esteja sujeito ao procedimento de licenciamento. Já no aspecto material, se objetiva a ponderar todos os valores e interesses relacionados ao empreendimento, tanto particulares quanto coletivos, compatibilizando interesses econômicos, sociais e ambientais. Quanto às atividades efetiva ou potencialmente poluidoras sujeitas ao licenciamento ambiental, a Resolução CONAMA 237/97 as lista em seu Anexo 1, a qual não é exaustiva, visto que órgão ambiental competente possui a atribuição de enquadrar outras atividades passíveis de se serem licenciadas, considerando para tanto seu porte, riscos ambientais que possam ocasionar dentre outras peculiaridades (CONAMA, 1997). Para que uma atividade efetiva ou potencialmente poluidora possa se instalar e operar, foram estabelecidos um conjunto de licenças a serem concedidas ou não pelos órgãos competentes do SISNAMA, por meio das quais são estabelecidas condições, restrições e ações de controle ambiental a serem realizadas pelo empreendedor, sendo necessários estudos ambientais que atestem a viabilidade ambiental do empreendimento, considerando sua tipologia e capacidade de suporte do meio, sendo que, em comum, todos fazem parte de um mesmo instrumento presente na Política Nacional de Meio Ambiente, qual seja, a Avaliação de Impactos Ambientais (CONAMA, 1997). De modo geral, foram estabelecidas três tipos de licenças ambientais: a licença prévia (LP), de instalação (LI) e de operação (LO), a serem emitidas de forma sucessiva ou não e que conferem, respectivamente: a aprovação da concepção e localização do empreendimento, por meio da análise do estudo ambiental apresentado, sendo dada pela LP; a instalação do empreendimento, desde que haja o cumprimento das exigências constantes na LP e haja a adoção de medidas efetivas de controle ambiental, com a obtenção da LI e, por fim, a permissão para a operação da atividade, mediante a obediência aos condicionantes das licenças anteriores e que se dá por meio da LO (CONAMA, 1997). Em termos de atribuições para a realização do licenciamento, a PNMA estabeleceu, de forma inovadora, a descentralização da gestão ambiental, como mencionado, ao conferir aos órgãos municipais a função de controlar e fiscalizar as atividades que sejam consideradas capazes de ocasionar degradação ambiental, além de lhes conferir a possibilidade de elaborar normas ambientais, de modo suplementar e complementar as normas e padrões federais e estaduais (BRASIL, 1981). Deste modo, a repartição das atribuições quanto ao licenciamento ambiental entre os órgãos 2 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

do SISNAMA foi realizada mediante o conceito de significância e abrangência do impacto ambiental direto decorrente do empreendimento efetiva ou potencialmente poluidor, do seguinte modo (MMA, 2014): IBAMA: Quando o impacto ambiental for de âmbito nacional ou regional, ou seja, nos casos de empreendimentos localizados ou desenvolvidos pelo Brasil e país limítrofre, no mar territorial, na zona econômica exclusiva, que afetem dois ou mais estados, cujo empreendimento envolva material radioativo, além de bases ou empreendimentos militares; Órgãos estaduais ou órgão distrital de meio ambiente: nos casos de empreendimentos localizados ou desenvolvidos em mais de um município ou em Unidades de Conservação de domínio estadual, localizados em áreas de preservação permanente, cujos impactos afetem dois ou mais municípios ou quando a atribuição para licenciar seja delegada pela União aos Estados ou ao Distrito Federal; Órgãos municipais de meio ambiente: nos casos de empreendimentos que ocasionem impactos locais (no âmbito do município) ou quando os estados delegarem a competência ao município por meio de lei ou convênio. Apesar de existir a competência para licenciar, a Resolução CONAMA 237/97 determina a presença, em qualquer um dos entes federados (União, Distrito Federal, Estados e Municípios), de Conselhos de Meio Ambiente legalmente instituídos (representados pelos Conselhos Municipais de Meio Ambiente em âmbito local) e de profissionais legalmente habilitados para a função. Este fato restringe o potencial de diversos municípios brasileiros para o exercício do licenciamento ambiental, na medida em que não apresentam tais requisitos. Além das dificuldades relacionadas ao processo de licenciamento em si, os desafios que se apresentam ao licenciamento ambiental nos municípios propriamente são os seguintes (FURRIELA, 2012): Diversidade de sistemas de licenciamento existentes, sendo difícil distinguir cada etapa do processo; Falta de corpo técnico especializado para avaliar os estudos ambientais apresentados e tomar decisões com respaldo científico; Possíveis cooptações do órgão licenciador aos interesses do empreendedor, dado o potencial de geração de empregos e aumento da arrecadação municipal com a operação da atividade a ser licenciada; Deficiências de participação popular nas audiências públicas, as quais muitas vezes são realizadas apenas para legitimar o processo de licenciamento e não para interferir sob o mesmo. No estado do Mato Grosso do Sul, a competência para licenciar em âmbito estadual é dada ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL), por meio do Decreto 12.725 de 2009. Tal órgão, subsequentemente, tem incentivado os municípios a exercerem o licenciamento de atividades de impacto local, sendo que, até o momento, somente doze possuem a estruturação adequada para desempenhar tal função, qual seja: a presença de uma Política Municipal de Meio Ambiente, Sistema de Licenciamento Ambiental Municipal e Conselho de Meio Ambiente deliberativo. Para que tenha a atribuição de licenciar, o município deve, também, firmar convênio com o Estado (IMASUL, 2014). Dentre os municípios conveniados para efetuar o licenciamento ambiental encontra-se Três Lagoas, situado na divisa com o estado de São Paulo, com população de aproximadamente 110 mil habitantes, sendo a terceira cidade mais populosa do estado. Tendo à disposição energia elétrica, recursos hídricos abundantes, matéria-prima e mão-de-obra, tem passado por um rápido processo de industrialização nos últimos anos, se destacando como polo econômico regional, principalmente no ramo de papel e celulose. Considerando o atual período de crescimento econômico do município e os potenciais impactos ambientais decorrentes, este trabalho tem por objetivo identificar, de forma não exaustiva, as potencialidades e dificuldades existentes no município de Três Lagoas quanto ao licenciamento ambiental. OBJETIVO Este trabalho tem por objetivo identificar, de forma não exaustiva, as potencialidades e dificuldades existentes no município de Três Lagoas, MS, quanto ao licenciamento ambiental em termos institucionais. METODOLOGIA Foi coletado material bibliográfico referente ao Sistema de Licenciamento Ambiental Municipal, a fim de identificar os requisitos institucionais necessários para que o município implemente o licenciamento ambiental. As informações foram adquiridas juntamente ao sítio eletrônico dos órgãos ambientais estadual e municipal e à sede física do município. IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 3

RESULTADOS No estado do Mato Grosso do Sul, a competência para licenciar em âmbito estadual é dada ao Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL), por meio do Decreto 12.725 de 2009, que possui vinculo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico SEMADE. Tal órgão, subsequentemente, tem incentivado os municípios a exercerem o licenciamento de atividades de impacto local, sendo que, até o momento, somente doze possuem a estruturação adequada para desempenhar tal função, qual seja: a presença de uma Política Municipal de Meio Ambiente, Sistema de Licenciamento Ambiental Municipal e Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo (IMASUL, 2014). Para que tenha a atribuição de licenciar, o município deve, também, firmar convênio com o Estado (IMASUL, 2014). Dentre os municípios conveniados para efetuar o licenciamento ambiental encontra-se Três Lagoas, situado na divisa com o estado de São Paulo, localizado na Bacia Hidrográfica do Paraná e apresenta em seu território duas sub-bacias, a do Rio Verde e a do Rio Sucuriú, como mostra na Figura 01, ocupando uma área de 10.206,949 Km² e com população estimada de 113.619 habitantes, sendo a terceira cidade mais populosa do estado (IBGE, 2015). Figura 01: Localização do Município de Três Lagoas MS. Fonte: Mapas Brasil (2016). A gestão da Política Municipal de Meio Ambiente de Três Lagoas - MS é competência da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Agronegócio, Pecuária, Ciência e Tecnologia, na qual se encontra o Departamento de Preservação, Licenciamento e Educação Ambiental, responsável pelo licenciamento ambiental, dentre outras questões. Segundo o Termo de Cooperação Técnica Nº 01/2016, entre o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul e o Município de Três Lagoas, é responsabilidade do município manter estrutura administrativa, legal e técnica com corpo técnico multidisciplinar habilitado e compatível com as atividades desenvolvidas, inclusive com estruturação e efetivo funcionamento do Conselho Municipal de Meio ambiente, com caráter deliberativo e efetiva participação social. Em termos legais, foi instituída a lei N. 2.298, de 2008, da Prefeitura Municipal de Três Lagoas, a qual cria o Sistema de Licenciamento Ambiental SILAM, que visa controlar e evitar impactos ambientais causados por construção, instalação, ampliação e funcionamento de atividades usuárias de recursos ambientais ou de empreendimentos potencialmente poluidores. No tocante à estrutura administrativa, há o Departamento de Preservação, Licenciamento e Educação Ambiental, como mencionado, que conta com um corpo técnico de oito fiscais ambientais e três técnicos ambientais, sendo que, dentre os fiscais, há dois engenheiros agrônomos, dois engenheiros ambientais, três biólogos e um técnico ambiental, havendo, portanto, uma certa multidisciplinaridade no quadro de agentes que atuam no licenciamento ambiental. 4 IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais

Em relação ao Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente CONDEMA -, sua criação se dá antes da Lei referente ao licenciamento ambiental municipal, por meio da lei N.1328 de 1997, sendo um órgão consultivo e não deliberativo, como proposto no Termo de Cooperação Técnica entre o IMASUL e a Prefeitura de Três Lagoas, e que assessora esta em suas questões ambientais. Os membros efetivos do Conselho são indicados pelo Prefeito Municipal, tendo um mandato de três anos de duração. Há paridade no Conselho, ou seja, metade de seus representantes são do Poder Público e metade fazem parte da sociedade civil. De acordo com o gestor ambiental entrevistado, as principais dificuldades presentes na municipalização recente do licenciamento ambiental são a ausência de capacitação técnica do pessoal responsável pela análise dos processos e da fiscalização dos empreendimentos licenciados, assim como a quantidade reduzida de funcionários lotados no Departamento, frente às suas necessidades. Já em termos das potencialidades da municipalização, se encontram a agilização nos processos que antes eram analisados pelo IMASUL, assim como o maior conhecimento da realidade local por parte dos tomadores de decisão. CONCLUSÕES O licenciamento ambiental municipal, apesar de necessário para uma gestão ambiental mais ágil e participativa requer, por parte dos municípios, uma estrutura ambiental adequada difícil de ser encontrada na maior parte das cidades brasileiras. O estado do Mato Grosso do Sul definiu que a transferência de responsabilidade do município para licenciar atividades de âmbito local será concedida, mediante convênio, somente se este possuir um Sistema de Licenciamento Ambiental, uma Política Municipal de Meio Ambiente e um Conselho de Meio Ambiente que possua caráter deliberativo. Neste sentido, somente doze municípios atendem à esta exigência, sendo um deles o município de Três Lagoas, objeto de estudo deste trabalho. Apesar de atender aos requisitos presentes no IMASUL, o corpo técnico presente no Departamento responsável pelo licenciamento ambiental do município, não possui profissional da área de Ciências Humanas que analise os Estudos Ambientais em termos dos potenciais impactos sociais que as atividades ocasionem. Além disto, o Conselho Municipal de Meio Ambiente não possui caráter deliberativo, mas sim consultivo, o que leva ao questionamento de sua influência real sobre as tomadas de decisão quanto ao licenciamento ambiental. Considera-se importante também a ampliação e capacitação do corpo técnico lotado no Departamento responsável pelo licenciamento ambiental, para que a municipalização traga mais eficácia ao mesmo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BRASIL. Lei No. 6938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. 2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. 3. CONAMA. Resolução n o 237, de 19 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. 4. FERNANDES, J.N. Licenciamento Ambiental Municipal: Um instrumento local de efetivação de Direitos Fundamentais, Brasil 1988-2008. Curitiba: Juruá, 2010. 5. FURRIELA, R.B. Aspectos Jurídicos do EIA-RIMA. Revista eletrônica da Ebah. 2012. Disponível em http://www.ebah.com.br/content/abaaafr84ak/aspectos-juridicos-eia-rima. Acesso: 22 de maio de 2014. 6. IBGE. Três Lagoas. População e área da unidade territorial. 2015. Disponível em http://cod.ibge.gov.br/1009. Acesso em: 27 de setembro de 2016. 7. IMASUL. Licenciamento Ambiental. 2014. Disponível em http//www.imasul.ms.gov.br. Acesso em: 15 de maio de 2014. 8. Mapas Brasil. Mapa Rodoviário do Mato Grosso do Sul MS. Disponível em: http://www.mapasbrasil.net/mato-grosso-sul.htm. Acesso: 03 de outubro de 2016. 9. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Competências para o Licenciamento. 2014. Disponível em http://www.mma.gov.br/governancaambiental/portalnacionaldelicenciamentoambiental/licenciamentoambiental/co mpet%c3%aancias-para-o-licenciamento. Acesso em: 20 de maio de 2014. 10. PHILIPPI JR., A; BRUNA, G.C. Política e Gestão Ambiental. PHILIPPI JR., A.; ROMÉRO, M.A.; BRUNA, G.C. (Editores). Curso de Gestão Ambiental. Barueri: Manole. p. 657-711, 2004. 11. SCARDUA, F.P.; BURSZTYN, M.A.A. Descentralização da Política Ambiental no Brasil. Sociedade e Estado, v.18, n.1/2, p. 291-314, 2003. IBEAS Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais 5