RELAÇÕES FILOGEOGRÁFICAS ENTRE POPULAÇÕES DE LAMBARIS DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO PHYLOGEOGRAPHIC RELATIONSHIPS AMONG LAMBARI'S POPULATIONS FROM SÃO FRANCISCO RIVER BASIN Resumo Renan Rodrigues Rocha (1) Rosana de Mesquita Alves (1) Snaydia Viegas Resende (2) Rubens Pazza (3) Karine Frehner Kavalco (4) Entre os gêneros de peixes neotropicais, Astyanax é um dos mais distribuídos. Um de seus representantes é Astyanax rivularis, espécie distribuída na bacia do Rio São Francisco (Minas Gerais, Brasil), pertencente ao complexo de espécies Astyanax scabripinnis. São peixes de pequeno porte que tendem a viver nas cabeceiras dos rios, criando assim isolados populacionais. Marcadores moleculares são ferramentas úteis para determinar diversos aspectos populacionais e de espécie, como filogeografia, por exemplo. O objetivo do presente trabalho foi construir a filogeografia de Astyanax rivularis utilizando de dados de sequências dos genes mitocondriais da ATP sintase subunidades 6 e 8, obtidos de oito populações, com a geração de uma rede de haplótipos. Os dados moleculares evidenciaram que o centro de dispersão da espécie se deu em rios que se encontram antes da represa de 3 Marias. Indivíduos do córrego Curral das Éguas, Rio do Boi e Abaeté mostraram-se com grande diversidade haplotípica. A conexão entre os rios aparentou ser de grande importância para estabelecer ligações entre os diversos haplótipos. O gene analisado mostrou-se bastante útil para construir a filogeografia do grupo, sendo indicado para ser usado em uma expansão do trabalho atual. Palavras-chave: Astyanax. ATP sintase. Filogeografia. Neotropical Abstract Among the genera of neotropical fish, Astyanax is one of the most widely distributed. One of its species is Astyanax rivularis, which has a distribution in the São Francisco River Basin and is a constituent of the A. scabripinnis species complex. They are small fish and tend to live in the headwaters of rivers, thus creating populations. Molecular markers are useful tools to determine numerous populational and species aspects, such as phylogeography. The objective of this study was to build the phylogeography of A. rivularis using mitochondrial DNA data. Sequences of mitochondrial gene subunits 6 and 8 of the ATP synthase, obtained from eight populations, were used to generate a haplotype network using the Network software. The molecular data showed that the species dispersion center occurred in rivers that are located before the 3 Marias Dam. Individuals from Curral das Éguas, Rio do Boi and 1 Bacharel em Ciências Biológicas pela UFV CRP. Endereço eletrônico: renan.r.rocha@ufv.br. Endereço para correspondência: UFV - CRP, LaGEevo, BR 354 - km 310. 38810-000 - Rio Paranaíba, MG - Brasil - Caixa-postal: 22. 2 Mestranda em Manejo e Conservação de Ecossistemas Naturais e Agrários pela UFV Campus Florestal. 3 Doutor em Genética e Evolução pela UFSCAR. Docente do ICBS da UFV CRP. 4 Doutora em Ciências Biológicas pela USP. Docente do ICBS da UFV CRP
Abaeté showed a significant haplotype diversity. The connection between rivers appeared to have great importance to establish connections between the haplotypes. The gene proved to be useful to build the phylogeography, being indicated to be used in a future expansion of this current work Keywords: Astyanax. ATP synthase. Neotropical. Phylogeography 1. Introdução Astyanax é um dos gêneros mais diversificados da família Characidae, de grande abundância nas bacias hidrográficas brasileiras (ORSI et al., 2004). Dentro do gênero, Moreira-Filho e Bertolo (1991) sugeriram a existência do complexo de espécies Astyanax scabripinnis. O complexo envolve atualmente 14 espécies (BERTACO E LUCENA, 2006), de distribuição de diversos riachos brasileiros e número diploide variável de 2n = 46 a 2n = 50 (MAISTRO et al., 2000). Dentre tais espécies encontra-se Astyanax rivularis Lutken 1874, espécie distribuída na bacia do Rio São Francisco. Graças às suas características morfológicas e comportamentais tendem a se concentrar em isolados populacionais e geográficos, devido à dificuldade em superação de barreiras. (SHIBATA et al., 2002). Assim, os rios podem se apresentar como impedimento abiótico ao deslocamento de peixes, limitando o fluxo gênico entre as populações. Um dos ramos da ciência responsável pela elucidação dos princípios e processos que levam à distribuição das diferentes populações de uma espécie é a Filogeografia (AVISE, 2000). Esta é uma área que tenta explicar o que pode ter ocorrido para que a espécie mantenha sua distribuição atual, detectando possíveis centros de origem e rotas de colonização. Comumente são utilizados genes mitocondriais para a construção da filogeografia, sobretudo regiões controle e da ATPase subunidades 6 e 8, devido às suas taxas de mutação (BERMINGHAM e MARTIN, 1998; REEVES e BERMINGHAM, 2004). O objetivo do presente trabalho foi reconstruir a filogeografia de populações de A. rivularis utilizando-se de trechos de DNA mitocondrial do gene ATPase subunidades 6 e 8. 2. Materiais e métodos Tecidos de 8 populações de Astyanax rivularis presentes no banco de tecidos do Laboratório de Genética Ecológica e Evolutiva LaGEEvo, do Campus UFV Rio Paranaíba foram utilizados para a extração de DNA para análises. As populações correspondem aos seguintes pontos de coleta: Córrego Tiros, Rio Borrachudo, Ribeirão do Boi, Curral das Éguas, Vereda, Açude no rio Abaeté e Usina no rio Abaeté.
Utilizando o DNA extraído foram realizadas reações em cadeia da polimerase (PCR) para amplificação do gene mitocondrial ATPase subunidades 6 e 8 com os primers ATP 8.2_L8331 e CO3.2_H9236 (SIVASUNDAR, 2001). O resultado da amplificação foi visualizado em gel de agarose 1% corado com brometo de etídio e visualizados utilizando-se transiluminador e enviado a empresa terceirizada para sequenciamento das amostras. As sequências obtidas foram alinhadas com o algoritmo ClustalW 6 (THOMPSON et al., 1994) e foi gerado uma rede de haplótipos utilizando-se o software Network 4.6. 3 Resultados e discussão A rede de haplótipos criada a partir dos dados do gene ATPase permite fazer suposições a respeito da distribuição e dispersão das populações de A. rivularis, baseado na presença dos haplótipos em cada haplogrupo (Figura 1). Considerando a frequência, pode-se inferir que o centro de dispersão da espécie se dá nos rios que antecedem a Represa de Três Marias. Devido ao fato do haplótipo de maior frequência (Haplótipo 3) apresentar indivíduos de diversas populações, acaba impossibilitando delimitar com maior precisão o rio que serviu como centro de dispersão. Essa é uma situação muitas vezes observada na filogeografia de peixes, sobretudo quando acabam apresentando altas taxas de migração entre as populações (SIVASUNDAR, 2001). FIGURA 1 - Rede de Haplótipos gerada a partir das sequências de ATPase 6/8. Cada traço entre as ligações representa passos mutacionais ocorridos. Cada cor corresponde uma população: Amarelo (Córrego Tiros), Laranja (Rio Borrachudo), Azul (Curral das Éguas), Preto (Ribeirão do Boi), Rosa (Córrego Lage), Verde (Vereda Grande), Marrom (Açude Rio Abaeté), Cinza (Usina Rio Abaeté)
É possível observar também que os indivíduos do córrego Curral das Éguas apresentam grande dispersão de seus haplótipos, pois se relacionam tanto com o haplogrupo do centro de dispersão como com o haplogrupo do Rio Abaeté, embora separados por um maior número de mutações. A população de Vereda Grande apresentou grande diversidade haplotípica, com cada indivíduo representando um haplótipo único, embora todos eles estejam proximamente relacionados com o haplogrupo do centro de dispersão. O haplótipo 2 apresenta apenas indivíduos do córrego Tiros encontrando-se entre aqueles que caracterizam o centro de dispersão (separados por apenas uma mutação) e os haplótipos mais recentes (separados por sete mutações). Os indivíduos da usina do rio Abaeté também apresentaram grande diversidade haplotípica, embora alguns ainda se agrupem com indivíduos do açude. Esse agrupamento pode ser explicado devido à conexão entre os pontos, visto que se trata do mesmo rio. As populações de Lage e Tiros mostraram-se ser mais estruturadas, com todos os haplótipos de seus indivíduos pertencendo a apenas um haplogrupo. Isso pode indicar um isolamento maior dessas populações em relação às outras, que possuem haplogrupos compostos de haplótipos de diversas populações. Conexão entre os rios, como já observado por Perdices e colaboradores (2002), mostra-se como principal fator que influencia na ligação entre populações e espécies, explicando a proximidade de haplótipos que apresentem esta conexão. A grande exceção fica aos haplótipos relativos aos indivíduos do Córrego Curral das Éguas, que se mostraram altamente dispersos entre os haplogrupos. Uma possível explicação para essa observação pode ser a ocorrência de peixamentos nos rios, que consiste na operação de povoamento e repovoamento de rios com estoques de alevinos. É uma prática bastante comum na Bacia do Rio São Francisco e nos rios da área da Represa de Três Marias (CEMIG, 2015). Assim, espécimes de A. rivularis provenientes do córrego Curral das Éguas podem ter sido levados para estes rios ou rios que possuam algum tipo de conexão com eles. 4. Conclusão O gene da ATPase mostrou-se eficiente para a construção da filogeografia das populações amostradas. A distribuição dos haplogrupos, no geral, condiz com a distribuição geográfica e conectividades dos rios. A ampliação do número de locais de coleta seria de grande valia para esclarecer completamente a história da distribuição da espécie. Apoio Financeiro: FAPEMIG e CNPq
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