Um Raio no Céu Azul. Antônio Carlos Fontes dos Santos. Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro



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Transcrição:

Um Raio no Céu Azul Antônio Carlos Fontes dos Santos Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro Contextualização O artigo de Joseph R. Dwyer nos mostra o quanto a ciência ainda desconhece sobre os relâmpagos, mas dá pistas importantes que podem enriquecer o exame, com os alunos desse fenômeno, que, ao longo da história, sempre despertou temor e curiosidade. Propostas de Atividades A simples menção de qualquer acontecimento envolvendo raios pode constituir um forte motivador para o envolvimento da classe. É interessante apontar algumas curiosidades históricas sobre os relâmpagos e estimular a turma a pesquisar as lendas e superstições referentes ao tema, e também fenômenos correlatos, como relâmpagos-bola, fogo de santelmo. Enfatize as diferenças semânticas. Chama-se relâmpago o processo de descarga elétrica atmosférica, devido à corrente de elétrons produzida por nuvens carregadas em tempestades, terremotos e erupções vulcânicas. Pode acontecer entre nuvens, entre nuvem e o solo e entre nuvem e o ar. Por outro lado, um raio é caracterizado apenas por uma descarga entre uma nuvem e o solo. Ou seja, um raio é um relâmpago, mas este nem sempre é um raio. Os elétrons ao colidirem com as moléculas atmosféricas fazem com que o ar ao redor se ilumine, resultando em um brilho intenso. Quando o local de incidência do raio é próximo, o som do trovão -- efeito sonoro provocado pela expansão abrupta do ar aquecido pela descarga elétrica -- pode ser ensurdecedor. Após essas explicações, examine com a turma o circuito elétrico atmosférico global, que funciona como um grande capacitor esférico: o solo atua como a placa negativa, e a camada conhecida como eletrosfera, a cerca de 25 km, faz as vezes de placa positiva, pois se trata de uma região condutora graças à presença de moléculas ionizadas pelos raios cósmicos (fig. 1). A diferença de potencial (ddp) entre as placas é de cerca de 300 Publicado em Scientific American Brasil: Aula Aberta, n. 15, p. 64-65 (2013). 1

kv, e o campo elétrico aponta para baixo. Como exercício, os alunos podem calcular a capacitância do sistema Terra-elestrofera e outras grandezas com a fórmula: ort R C 4 R R e T e em que o = 8,85 10-12 F/m é permissividade elétrica do ar, R T = 6.370 km é o raio da Terra, R e = 6.395 km é o raio da eletrosfera. Eles devem obter C = 0,18 F, valor muito grande para capacitâncias. Para a energia armazenada nesse capacitor (CV 2 /2) vão encontrar o valor aproximado de 10 3 J -- equivale a um milhão de baterias de automóvel de 12 V e 100 Ah. A capacitância gera uma carga entre 0,5 MC e 1,5 MC na superfície da Terra. Com isso, a ddp entre os pés e a cabeça de uma pessoa na superfície da Terra pode chegar a 300 V. É provável que surja a pergunta: por que não levamos um choque? A resposta está na alta condutividade elétrica do nosso corpo em comparação com o ar. Figura 1 A Terra como um grande capacitor. A condutividade da atmosfera permite que flua uma corrente média de 1 ka entre a Terra e a eletrosfera (fig. 2), que poderia descarregar o capacitor em menos de uma hora, se não houvesse as tempestades, que, atuando como um gerador, recarregam o capacitor terrestre. A distribuição típica de cargas em uma nuvem carregada caracterizase por cargas positivas no topo e negativas na base. O movimento de zigue-zague do relâmpago resulta do desvio por bolsões de cargas positivas existentes na atmosfera. 2

Figura 2 Modelo do capacitor atmosférico sob tempo bom (esquerda) e sob tempestade (direita). As setas indicam a direção local do campo elétrico (E). Encarregue os alunos de determinar a distância de um relâmpago. Considerando as velocidades do som e da luz no ar, eles podem realizar esse cálculo contando o intervalo de tempo decorrido entre a percepção visual do relâmpago e a chegada do som correspondente. Uma forma prática é contar os segundos até o soar do trovão e dividir esse tempo por 3. Por exemplo, se demorar 9 segundos para ouvir o trovão, o raio estará a cerca de 3 km de distância. Se o evento for a mais de 20 km de distância, dificilmente será ouvido. Como se proteger de um raio? Boa parte das mortes por raios pode ser evitada e, por isso, é importante explorar o tema da proteção, porque os mitos a respeito de segurança contra raios ainda existem. Por exemplo, deixe claro que os raios podem cair várias vezes no mesmo lugar. Peça aos alunos que pesquisem sobre os fatores de risco com o objetivo de preparar para a comunidade escolar uma exposição sobre raios e procedimentos de segurança. Essa pesquisa deve ressaltar alguns comportamentos recomendáveis, como buscar áreas cobertas (a probabilidade de ser atingido diretamente por um raio aumenta mil vezes se a pessoa estiver em área aberta. Oriente a pesquisa para a diferença entre descargas diretas e indiretas; estas últimas são responsáveis pelo maior número de vítimas. Por exemplo, a probabilidade de um raio 3

atingir uma árvore é 100 vezes maior que de atingir uma pessoa, mas se esta se abrigar sob a copa da árvore, estará dentro a zona de alcance da corrente (cerca de 50kA) do raio pelo solo. Apresente algumas questões que incentivem a turma a deduzir as respostas: qual a influência da área de contato da pessoa com o solo, a fim de reduzir os efeitos da corrente em seu corpo? Como ela estará mais segura, em pé ou abaixada? Por que não deve ficar deitado no solo? Se ela estiver próxima de uma árvore, como devem ficar seus pés, na mesma linha radial com a árvore ou equidistantes dela? Juntos ou separados? Depois da discussão e das respostas dos alunos, explique: Ao atingir a árvore, o raio libera uma corrente (da ordem 50 ka) que se propaga, grosso modo, simetricamente ao longo da distancia r da árvore (fig. 3), criando uma diferença de potencial V E r. Se a pessoa estiver a 1 m da árvore e a distância entre seus pés for de 30 cm, a diferença de potencial será da ordem 500 kv. Como essa diferença de potencial depende da distância entre os pés, r, é mais seguro ficar com os pés juntos do que separados. Da mesma forma, é mais seguro manter ambos os pés equidistantes da árvore em vez de dispostos radialmente, assim como evitar ficar deitado no solo. A melhor posição é aquela na qual o nível da cabeça fique abaixo do nível dos objetos próximos e com menor área de contato com o solo. Se a árvore estiver úmida, a corrente elétrica flui através da fina camada externa de água não causando grandes danos. Por outro lado, se estiver seca, o fluxo de elétrons pode ser transportado através da seiva, provocando aquecimento e até incêndios. Figura 3 Distribuição de corrente nas proximidades de um raio. 4

Sugestões de leitura M. A. Ulman, The lightning discharge, Acad. Press Inc., Londres (1987). O. Mendes Jr. e M. O. Domingues, Introdução à Eletrodinâmica Atmosférica, Rev. Bras. Ens. Fís. 24, 3 (2002). M. Tavares e M. A. M. Santiago, Eletricidade Atmosférica e Fenômenos Correlatos, Rev. Bras. Ens. Fís. 24, 409 (2002). Internet Grupo de eletricidade atmosférica: www.inpe.br/webelat/homepage/ 5