OPTIMIZAÇÃO DAS TARIFAS DE ELECTRICIDADE EM PORTUGAL

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N.SINDALA Henrique Gomes Ex-Secretário de Estado da Energia OPTIMIZAÇÃO DAS TARIFAS DE ELECTRICIDADE EM PORTUGAL 1. ENERGIA E COMPETITIVIDADE 1.1. A Energia na Europa Por toda a Europa, após os excessos dos últimos anos, a energia passou para o centro do debate sobre competitividade (Figura 1). Ao mais alto nível da União Europeia, nas conclusões do Conselho de Energia de 22 de Maio de 2013, afirma-se que devemos mobilizar todas as nossas políticas de apoio à competitividade, ao emprego e ao crescimento, sendo crucial o aprovisionamento das nossas economias em energia sustentável e a preços acessíveis. Ao nível dos Estados os custos da energia estão sob intenso escrutínio, resultando em muitos casos na revisão em forte baixa, quer das ajudas concedidas 1, quer da remuneração das energias renováveis. 1.2. A Energia em Portugal A energia é frequentemente associada apenas à electricidade, o que constitui uma abordagem redutora dado que, no caso de Portugal, a electricidade assegura o abastecimento de apenas 25% do consumo final de energia. No entanto, pelas suas características e nível de desenvolvimento, o sector eléctrico é um instrumento poderosíssimo de política. Este facto é bem evidente no papel que a electricidade tem hoje no cumprimento das metas assumidas em matéria de penetração das fontes de energia renováveis e de eficiência energética, no âmbito da descarbonização da economia. A título de exemplo, o compromisso de, em 2020, 31% do consumo final de energia ser abastecido a partir de fontes de energia renováveis, obrigará o sistema eléctrico a contribuir com uma quota de produção de origem renovável de 60% 2. Como a electricidade representa cerca de um quarto do consumo de energia final do País, tal significa que os consumidores de electricidade suportarão cerca de metade dos custos totais do cumprimento dessa meta. Esse impacto já hoje se traduz nos preços que pagamos e com as correspondentes consequências (Figura 2): Perda de competitividade da indústria nacional, particularmente a intensiva Perda de poder de compra dos consumidores domésticos Criação de défices tarifários recorrentes Trajectória de insustentabilidade económico-financeira do sector. Assim, não só os consumidores de electricidade não conseguirão continuar a suportar, praticamente sozinhos, o peso das metas da descarbonização da economia, como as empresas do sector eléctrico têm beneficiado das ineficiências de um sector de bens não transaccionáveis com contratos que lhes asseguram rendas e sobrecustos excessivos. Num âmbito mais alargado da energia, o mercado dos combustíveis líquidos depende decisivamente das políticas de transportes e de ordenamento do território com efeitos de muito longo prazo. O sector do gás natural em Portugal, apesar de abastecer um nível de consumos equivalente ao do sector eléctrico, encontra-se 1 Ver artigo A Energia e a Grande Farra de H. Gomes, publicado no J. Negócios em 1AGO13. 2 De acordo com a recente revisão do PNAER Plano Nacional de Ação para as Energias Renováveis (RCM n.º 20/2013, de 10ABR). 16

FIGURA 1 FIGURA 2 numa fase de desenvolvimento menos madura do que este último, quer em termos das infra-estruturas quer ao nível da concorrência no aprovisionamento. Esta característica e o facto de depender dos consumos e do mix de produção de electricidade condicionam negativamente os preços do gás natural cobrados aos consumidores, sendo o desenvolvimento das infra-estruturas nacionais e de interligação com o mercado europeu um processo essencial para aumentar a concorrência em toda a cadeia de valor e para obtermos preços competitivos no âmbito dos espaços ibérico e europeu. 2. CUSTOS DO SISTEMA ELÉCTRICO NACIONAL FIGURA 3 2.1. Fonte de informação e estrutura de custos Os documentos sobre as tarifas de energia eléctrica que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) elabora anualmente, no final de cada ano, para vigorarem no ano seguinte, são uma boa fonte para conhecer e analisar os custos e proveitos (a preços correntes) do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) 3 e essenciais para nos apercebermos das dimensões e tendências dos custos do mesmo. A facturação global das empresas do sector eléctrico compreende os proveitos regulados e a facturação dos fornecimentos no mercado livre. Por sector de actividade, os custos decompõem-se entre: Energia e sua Comercialização (variáveis) e Acesso às Redes (fixos) Quanto à regulação, o Acesso às Redes é regulado, assim como parte da comercialização da Energia. O processo de liberalização da comercialização da energia estabelece que a parte que ainda é regulada se liberalize, na sua totalidade, até 2015;. Nos últimos anos, o Estado não tem conseguido repercutir a totalidade dos custos regulados e limita os proveitos que permitem ao sector recuperar anualmente, passando o excedente para dívida tarifária. Os proveitos permitidos com as tarifas de Acesso às Redes decompõem-se em 2 componentes: Redes, que integram os proveitos relacionados com as Redes de Transporte (concessionada à REN) e com a Rede de Distribuição (concessionada à EDPD), cujos custos são regulados pela ERSE. Uso Global de Sistema (UGS), que inclui os Custos de Interesse Económico Geral (CIEG), os Custos das Medidas de Politica Energética e Ambiental, assim como os Custos da Gestão Global do Sistema, a que se subtraem as medidas de sustentabilidade de mercados, alisamentos e diferimentos, determinados em âmbito legislativo. 2.2. Custos do SEN e sua evolução recente Os custos totais do SEN atingirão em 2014 os 7050 M, mas somente 5853 M destes proveitos serão permitidos recuperar pelo sector nesse ano, induzindo um aumento próximo de 1200 M no défice tarifário. A figura 3 mostra a decomposição e evolução dos custos desde 2010 até 2014, já incorporando o efeito dos 2 pacotes de medidas que 3 De notar que, sendo documentos de previsões, a comparação inter-anual da informação não reflecte exactamente quando ocorreram esses custos e proveitos; esses desvios, de segunda ordem, são compensados (primeiro provisória e depois definitivamente) nas propostas dos 2 anos seguintes, introduzindo assim um atraso temporal na imputação dos acertos. Ex: Em 2012, o Custo Efectivo do SEN terá sido de ca. 7000 M, aumentando o défice tarifário em 1100 M ; no entanto, o valor das Medidas de Estabilidade apresentadas foram (apenas) 591 M. 17

o Governo lançou em Maio de 2012 e Outubro de 2013, tendo em vista preservar o objectivo de sustentabilidade do SEN. Em 2014, verificamos que: As componentes de Redes e de Energia perdem peso relativo à da UGS. Hoje, no conjunto dos proveitos permitidos, isto é, não considerando as Medidas de Estabilidade, o peso das Redes é praticamente igual ao do UGS, sendo o da Energia cerca de 45%. As Redes estarão ao nível de 1626 M, tendo subido, nos 2 últimos anos, cerca de 2,8% ao ano. A Rede de Transporte representará, em 2014, um valor de 376 M, sendo os restantes 1250 M relativos à Rede de Distribuição. Nos 4 anos do período, o custo do conjunto Energia + UGS + Medidas de Estabilidade sobe 36% a uma taxa de crescimento anual média de 8,0%; contudo, considerando apenas o conjunto Energia + UGS 4, teremos subidas de 28% e 6,3%, respectivamente. As Medidas de Estabilidade (os custos que se empurram para o futuro) sobem dos 600 M no início do período, para os 1100 M em 2013 e em 2014, apesar de já repercutirem as medidas dos pacotes governativos. Os CIEG (UGS + Medidas de Estabilidade) passarão de 1723 M em 2010, para 2787 M em 2014. Destes, somente 1590 M serão proveitos permitidos incluir na tarifa do próximo ano. Se fosse permitido que todos os custos reconhecidos fossem repercutidos na tarifa, os preços teriam, para além do previsto, uma subida adicional de 20%! Para expurgar o efeito de quantidade, podemos observar os custos unitários, das várias componentes de formação do custo da electricidade, na figura 4: O custo total unitário sobe para 158,1 / MWh, com os CIEG (UGS+M. Estabilidade) a valerem 62,6 /MWh, representando subidas respectiva e relativamente ao ano anterior, de 3,5% no custo total e de 14,6% na componente de CIEG. Representando 2825 M (97,4% do total dos CIEG) existem 5 rubricas de que convém dar nota / identificar. Por ordem decrescente de importância, são as seguintes: Sobrecusto da Produção em Regime Especial (PRE): 1766 M Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC): 480 M Rendas de Concessão da Distribuição em BT (autarquias): 257 M Sobrecusto dos CAE: 166 M Convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira: 156 M. Da estabilidade relativa deste conjunto só o sobrecusto da PRE destoa, com subidas anuais significativas, embora os CMEC e os CAE possam apresentar variações importantes em função da hidraulicidade, preços de mercado e preços de combustíveis. 2.3. A produção de electricidade Com o Mercado Único da Energia em desenvolvimento, suportado por um complexo edifício jurídico e pelas Directivas Comunitárias, os produtores são obrigados a vender em mercado. No nosso mercado regional, o Mercado Ibérico de Energia (MIBEL), os produtores e comercializadores, portugueses e espanhóis, encontram-se para determinar o preço da electricidade. Em Portugal, porém, há excepções: À Produção em Regime Especial (PRE) são garantidas tarifas (FIT) e a prioridade no escoamento da produção. À maior parte da Produção em Regime Ordinário (PRO), através de contratos de aquisição de energia a longo prazo (os CMEC e os CAE), são garantidas rentabilidades e um negócio tendencialmente de risco nulo. À restante PRO que não se encontra abrangida por CMEC ou CAE, é pago um subsídio Garantia de Potência, que complementa as receitas obtidas na venda da produção em mercado. Todas vendem a sua produção em mercado, mas depois o sistema reconhece-lhes o complemento para garantir as rendas, custos e sobrecustos, normalmente excessivos, dos contratos ou tarifas pré-existentes. As Figuras 5 e 6 representam, em energia e em valor, a produção contratada e o consumo em termos de energia fornecida e comercializada. Numa abordagem simples e sem computar as perdas do sistema, notamos que, no período de 2011 a 2014, e realçando o próximo ano: A PRO representará 44% (19,8 TWh) do mercado em energia, mas só 35% (1,8 mil M ) em valor. Desde 2011 que o seu valor anual oscila entre os 1,8 mil M e os 2,0 mil M. Com uma produção de 25,8 TWh em 2011, reduz nos dois últimos anos e chegará a 2014 com 19,8 TWh. O preço médio ponderado da energia sobe de 77,5 /MWh em 2011 para 90,9 /MWh em 2014, A PRE terá 46% (20,5 TWh) do mercado em energia, com 60% (3,1 mil M ) do seu valor. No período considerado subiu anualmente 7,9% em energia e 15,7% em valor. O preço médio ponderado da energia sobe de 122 / MWh em 2011 para 150 /MWh em 2014, FIGURA 4 4 Nota: Os valores da Energia apresentados são os valores estimados pela ERSE no final do ano anterior ao que respeitam, verificando-se que os tem sobreavaliado. Este facto aconselha a fazer a análise conjunta da Energia + UGS na medida em que os CAE e os CMEC têm mecanismos compensatórios entre as variações entre Energia e UGS e a Produção em Regime Especial (PRE) é remunerada por Feed-In-Tarifs (FIT), sendo levado à UGS apenas o sobrecusto em relação ao preço estimado da Energia. 18

FIGURA 5 FIGURA 6 No saldo residual, representando 10% da energia e 5% do valor, estarão a produção em regime livre e as perdas. Verificamos, assim, que temos um mix de produção caro pelo peso relativo das renováveis e excessivamente protegido por rendas e tarifas praticamente sem risco. O mercado livre não tem expressão, apesar de ter preços interessantes (ainda que devam ser vigiados pelas autoridades) com um nível garantido pelas condições de concorrência decorrentes do excesso, até 2030, de capacidade instalada na península 5. 2.4. O peso da PRE À excepção da co-geração FENR, que se tem mantido mais ou menos constante, em torno dos 4,7 TWh, toda a restante produção em PRE, incluindo a eólica, tem crescido a uma taxa média anual de 9,3%. A eólica produz um pouco mais de metade da PRE; a co-geração FENR e o restante terão, em 2014, um peso praticamente igual. Na Figura 7 podemos observar que, mesmo sem os ajustamentos inter-anuais, a eólica tem o preço médio sempre acima dos 100 / MWh. Com os ajustamentos (dos custos efectivamente verificados nos 2 anos anteriores), o preço sobe bastante. A microgeração e o solar fotovoltaico têm também já um peso relevante e crescente na factura do SEN, devido aos efeitos conjugados de quantidade e preço, puxando o preço médio da PRE, já de si elevado, para cima. Desde 2010 e até 2014, o preço médio da energia produzida pela PRE sobe de 104 /MWh para 150 /MWh, isto é, a uma taxa de crescimento médio anual de 9,6%! Incluindo a componente de custos das Redes, o preço médio final da PRE atingirá, no mesmo ano, o valor de 186,5 6 /MWh. 7 8 2.5. O preço da electricidade e o desequilíbrio do SEN Exceptuando o ano de 2012 e contrariamente à percepção dos consumidores, nos últimos 5 anos, de 2010 a 2014, as tarifas de venda a clientes finais em Baixa Tensão Normal (BTN) cresceram, a preços reais, a uma taxa média anual de 2,5% (Figura 8). O Governo falha, assim, o compromisso de não haver aumentos reais anuais acima de 1,5%! Apesar destes aumentos e das medidas dos 2 pacotes para assegurar a sustentabilidade do SEN, a dívida tarifária continua a subir (Figura 9). De acordo com a EDP 9, o seu valor po- FIGURA 7 5 Se nada for feito para alterar os esquemas de subsídios em vigor, serão os consumidores a pagar a ineficiência decorrente do excesso de capacidade. 6 Correspondente a custo de produção de 150 /MWh mais o das Redes de 36,5 /MWh. 7 Considerando só custos directos, sem contar com os custos induzidos no sistema em infra-estruturas e back-up pelo facto de ser geograficamente dispersa e intermitente. 8 Uma vez que a imputação dos sobrecustos da PRE nas tarifas de venda se faz por contador, a BTN, que abastece os domésticos e as PMEs, é a que absorve a grande parte. 9 Cfr. Resultados do 3º trimestre de 2013. 19

FIGURA 8 FIGURA 9 derá já estar perto dos 4900 M 10. Na versão da ERSE esse valor atingirá 4676 M 11. Adicionalmente, nos próximos anos, de 2015 a 2017, para além dos custos anuais e ajustamentos de anos anteriores, será necessário recuperar os seguintes valores de proveitos diferidos 12 : 1399 M, 1324 M e 1041 M ; em 2020 e 2021 terá efeitos a revisibilidade final dos CMEC (verdadeira caixa de Pandora ). Qual a trajectória da divida tarifária? Para efectuar comparações com outros países, é necessário corrigir as tarifas com a divida tarifária existente, uma vez que é essa a verdadeira medida dos encargos a suportar pelos consumidores portugueses (no presente e no futuro). Corrigidos dos défices acumulados, os preços da electricidade para os clientes domésticos em Portugal estariam na zona dos 3 mais altos da UE, superiores aos que pagam, por exemplo, os consumidores domésticos alemães. O Governo, embrulhado em compromissos, ao adoptar medidas avulso e preservando a já excessiva produção renovável, torna a sua acção ineficaz e aprofunda os desequilíbrios. E manietou-se. Ao contrário dos países sem défice tarifário, que têm possibilidade de ajustar de imediato as reduções de custos, Portugal precisará de muitos anos para acomodar nos preços a dívida existente, sendo assim obrigado a manter preços muito elevados. Por outro lado, sem mercado livre e com margens excessivas, o incumbente 13 (que representa cerca de 60% da produção e integra toda a cadeia de valor até à comercialização) vai ter condições predatórias e de protecção privilegiadas com a liberalização total em 2015 e posteriormente com o fim dos CMEC. 3. OPTIMIZAÇÃO DAS TARIFAS DE ELECTRICIDADE 3.1. Politica energética e seu enquadramento No Programa de Assistência Económica e Financeira, na área da energia, Portugal reconhece a necessidade e obriga-se à liberalização dos mercados, à limitação dos sobrecustos associados à produção, à consistência da política energética e à promoção da concorrência. O Governo actual 14 enquadrou a sua política energética para a redução dos custos de contexto da energia, o acentuar da concorrência e a sustentabilidade financeira e direccionou-a para a competitividade do país e a resolução dos problemas das empresas e das famílias. Para além destes documentos e da legislação comunitária e nacional, a energia está, entre outros, enquadrada pelos PNAER, PNAEE e Relatórios de Segurança de Abastecimento. O modelo, consagrado, de análise do sistema energético, avalia 3 aspectos fundamentais: o ambiental, a segurança de abastecimento e a competitividade. No caso do sistema eléctrico, a competitividade (custos e estrutura de mercado) é crítica para o nosso desenvolvimento. As outras dimensões estão praticamente já hoje asseguradas e até meados da próxima década. 3.2. Rendas e sustentabilidade do mercado Na 2ª revisão do Memorando de Entendimento, em 9DEZ11 (medida 5.15, structural benchmark ), o Governo obrigou-se a colocar o Sistema Eléctrico Nacional num caminho sustentável, eliminando o défice em 2020 e assegurando a sua estabilização em 2013. Até 31JAN12 teria de apresentar uma proposta que, para além da estabilização do défice, também especificasse como as rendas excessivas dos regimes de produção ordinário e especial (co-geração e renováveis) seriam corrigidas. Os excessos não foram eliminados. O défice não está estabilizado, nem terá desaparecido em 2020. Os desequilíbrios actuais deste sector resultam da existência de um mix produtivo errado, de rendas e sobrecustos excessivos, sendo a sua eliminação e a alteração das condições concorrenciais das poucas medidas de curto prazo que o Governo poderia tomar para aumentar a competitividade do sector transaccionável e assegurar, assim, condições para o crescimento da economia. É por esta razão que a troika tem mantido o dossier da energia sob vigilância. No âmbito mais alargado da energia, o sector eléctrico não conseguirá continuar a suportar, praticamente sozinho, o peso das metas da descarbonização da economia. Os combustíveis líquidos dependem decisivamente das 10 Com um custo financeiro acima dos 200 M (taxa média actual de 4,22%). 11 4676 M = 4432 M de custos aceites + 244 M de custos diferidos extraordinários. 12 Conforme se verifica na Figura 8, os proveitos a recuperar são muito superiores à divida tarifária. A diferença é que nos proveitos se incluem compromissos (ex: remuneração de algumas barragens até 2027) e também alguma divida adicional não registada na divida tarifária. 13 Ver artigo A Luz e a Bengala Novo Ensaio sobre a Cegueira de H. Gomes, publicado no J. Negócios em 23ABR13 14 Discurso de Posse do PM, Programa e Grandes Opções do Plano 20

políticas de transportes e de ordenamento do território. O sector do gás está dependente da abertura do mercado à concorrência, no âmbito interno e europeu, e do mix de produção de electricidade. 3.3. Optimização das tarifas Finalmente, depois desta ligeira incursão pelos custos do sector, como optimizar as tarifas de electricidade e qual o objectivo? Seria necessário actuar em diversos factores: Custos: Toda a produção deveria ir a mercado, admitindo-se um prémio médio à PRE (por externalidades positivas) da ordem dos 10 a 15 /MWh. Os CIEG residuais (autarquias, convergência regiões autónomas e outras) reduziriam cerca de 10% os seus encargos. As Redes (actuando no investimento e sua remuneração) estabilizariam nos 1600. Estas medidas conduziriam os custos do SEN dos actuais 7050 M para o objectivo dos 5000 M e, mantendo o nível de preços actual, estabilizariam a divida tarifária e libertariam cerca de 800 M para a sua amortização. A eliminação da dívida far-se-ia em meia dúzia de anos e ganharíamos competitividade relativa no preço da electricidade. Estratégia: Reequilíbrio dos objectivos ambientais, segurança de abastecimento e competitividade. Optimização do mix energético 15, PNAEE e PNAER. Concorrência (condições adicionais): Unbundling efectivo da cadeia de valor do SEN. Reorganização estrutural dos mercados. Operador logístico independente. Legislação: Revisão, transparência e simplificação. Os objectivos gerais atrás expostos só serão possíveis com instituições fortes e independentes. E com um Governo FET 16 que tivesse com TODOS uma praxis politica justa, equitativa, transparente, estável, previsível e não arbitrária. Que não misturasse, nem invertesse, a hierarquia dos contratos! O Mercado Único da Energia, o Tratado sobre a Carta da Energia (TCE) e o MOU legitimam as medidas necessárias ao equilíbrio e sustentabilidade do SEN e de adaptação às circunstâncias que Portugal atravessa. A jurisprudência tem considerado que, quer a adaptação de contratos de longo prazo às condições prevalecentes de uma economia liberalizada operando sob legislação comunitária, quer as medidas inseridas em políticas de emergência nacional, não violam o princípio consagrado do Fair and Equitable Treatment FET. A falta de equidade mata os Governos e a Democracia. Mata a Esperança e, com ela, o País. 17 Ainda poderemos optimizar as tarifas de electricidade? 15 Factor crítico para a fileira do Gás. 16 Sigla para Fair and Equitable Treatment 17 Ver artigo A Energia e a Grande Farra de H. Gomes, publicado no J. Negócios em 1AGO13. Henrique Gomes escreve de acordo com a antiga ortografia. PUB. 21