UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES Departamento de Comunicações e Artes Censura em Cena: Partilha do sensível, regime das artes e censura no Arquivo Miroel Silveira da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Projeto de Pesquisa apresentado ao Programa de Iniciação Científica (PIBIC) da USP Integrado ao Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (OBCOM/ECA/USP) Orientadora: Profª Drª Maria Cristina Castilho Candidato(a): Mariana Foggetti Nieri Maio 2016
I. Introdução: do AMS ao OBCOM Desde a década de 1980, a Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo tem a custódia de um grande acervo constituído por processos de censura prévia ao teatro em São Paulo cobrindo o período de 1930 a 1970. Trata-se de documentos originais oriundos do serviço de censura da Divisão de Diversões Públicas do Estado de São Paulo (DDP/SP), ligada à Secretaria de Segurança Pública, e que constituem o chamado Arquivo Miroel Silveira (AMS). Tal denominação se deve ao fato de ter sido esse professor o responsável pelo resgate dessa documentação quando a censura prévia estava prestes a ser extinta pela Constituição de 1988. Guardado inicialmente em sua sala no Departamento de Artes Cênicas (CAC) da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), esse material foi entregue à guarda da Biblioteca após a sua morte (1988), permanecendo sem qualquer tipo de organização que o disponibilizasse à consulta até o ano de 2000. São mais de 6.137 prontuários de censura prévia ao teatro; um conjunto de documentos cobrindo a Velha República; o Estado Novo e a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP); o período de redemocratização no pós-guerra; o desenvolvimentismo do período Juscelino Kubitscheck; o Golpe Militar, a promulgação do AI-5, até o início da década de 1970. A federalização da censura e sua centralização em Brasília, ocorridas a partir da edição do AI-5 em 1968 acabou por extinguir as seções estaduais. Para entender os mecanismos e os critérios da censura, um grupo de professores, bibliotecários e alunos passou a se dedicar, inicialmente, à organização e à catalogação desse material, assim como à criação de uma base de dados que tornasse acessível aos interessados as informações históricas e estéticas do teatro em São Paulo no século XX. A pesquisa se desenvolveu ao longo de 15 anos em projetos individuais, temáticos, de pós graduação e pós doutoramento, resultando hoje no Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura OBCOM- USP baseado na criação de uma Hemeroteca Digital Miroel Silveira, destinada a reunir notícias sobre liberdade de expressão publicadas em sites informativos e blogs. A etapa atual de pesquisas do grupo do OBCOM é o desenvolvimento do projeto regular da FAPESP, sob coordenação da Profa. Dra. Maria Cristina Castilho Costa, INTERDIÇÃO E PARTILHA DO SENSÍVEL: Análise, recuperação e resgate de peças teatrais vetadas pela censura no Estado de São Paulo (1932-1966) presentes no Arquivo Miroel Silveira (ECA/USP). Iniciado em meados de 2015, seu objetivo é trazer à tona a dramaturgia que foi proibida de ir aos palcos paulistas e que está presente no AMS. Tal investigação conta com a parceria do Centro de Pesquisa e Formação do Serviço Social do Comércio (SESC) de São Paulo para a realização das leituras dramáticas das peças vetadas. Essa pesquisa de Iniciação Científica encontra-se inserida neste contexto de investigações do OBCOM da ECA/USP. II. Justificativa A discussão sobre a liberdade de expressão para a cidadania e o desenvolvimento cultural e artístico da sociedade tem se mostrado importante, daí a necessidade de uma pesquisa e um estudo que busquem se aprofundar no tema. Com a análise, divulgação e debate intentaremos perceber quais as verdadeiras consequências da censura, para além do veto da apresentação solicitada, e por quanto tempo perduram. Seria o esquecimento, passadas duas décadas de silêncio, a consequência inevitável da produção silenciada? Para responder a esse questionamento, elaboramos o presente projeto que visa exumar esses textos vetados, analisá-los na conjuntura em que foram 2
criados, interpretar o silenciamento da censura e estudar as repercussões havidas na mídia e no meio teatral durante esse período. III. Base Teórica A base teórica utilizada pelo Obcom para o desenvolvimento de suas pesquisas passou pela reconstituição da história de São Paulo, recorrendo-se a Nicolau Sevcenko 1 e Maria Arminda Arruda 2, além de David José Lessa Mattos 3, que deram bases sobre o despertar econômico, político e cultural da Metrópole e sobre a mentalidade da época. Para os estudos da produção artística de São Paulo na primeira metade do século XX, em especial o desenvolvimento do teatro, buscou-se as obras de Décio de Almeida Prado 4, Sábato Magaldi 5 e Maria Thereza Vargas 6. Maria Aparecida de Aquino 7, Élio Gaspari 8 e Caio Túlio Costa 9. Também deram subsídios para os estudos da repressão no Brasil, assim como Ricardo Cravo Albin 10, com seu trabalho sobre os processos de revisão da censura, apresentados à Comissão Superior de Censura, da qual participou. Outros autores que estudaram a censura na literatura e em outras áreas da vida social foram de especial importância, entre eles Leila Mezan Algranti 11 e Eduardo Frieiro 12. Da bibliografia estrangeira empregada destacam-se Pierre Bourdieu 13, por seus estudos sobre as relações de poder na comunicação, e Peter Burke 14, que reconstitui a história social da mídia, com referência aos processos censórios. Textos de Michel Foucault 15 e Robert Darnton 16 foram de grande importância para revelar o tratamento dado aos estudos sobre a censura. Martin Gottfried 17 trouxe contribuições para o 1 SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS, Fernando (Coord.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. v. 3. 2 ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e cultura: São Paulo no meio do século XX. Bauru: EDUSC, 2001. 3 MATTOS, David José Lessa. O espetáculo da cultura paulista: teatro e TV em São Paulo. São Paulo: Códex, 2002. 4 PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial, 1999.. Seres, coisas, lugares:do teatro ao futebol. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. 5 MAGALDI, Antônio Sábato. Panorama do teatro brasileiro. São Paulo: DIFEL, 1962. 6 VARGAS, Maria Thereza. Teatro operário na cidade de São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura. Departamento de Informação e Documentação Artísticas. Centro de Pesquisa em Arte Brasileira, 1980. 7 AQUINO, Maria Aparecida. Censura, imprensa, Estado autoritário, 1968-1978: o exercício cotidiano da dominação e da resistência O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru, SP: EDUSC, 1999. 8 GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. 9 COSTA, Caio Túlio. Cale-se: a saga de Vannucchi Leme, a USP como aldeia gaulesa, o show proibido de Gilberto Gil. São Paulo: A Girafa, 2003. 10 ALVIN, Ricardo Cravo. Driblando a censura. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. 11 ALGRANTI, Leila Mezan Algranti. Livros de devoção, atos de censura: ensaios de história do livro e da leitura na América portuguesa (1750-1821). São Paulo: HUCITEC: FAPESP, 2004. 12 FRIEIRO, Eduardo. O diabo na livraria do cônego: como era o Gonzaga? e outros temas mineiros. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. 13 BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. 14 BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. 15 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987. 16 DARNTON, Robert. Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 17 GOTTFRIED, Martin. Teatro dividido: a cena americana no pós-guerra. Rio de Janeiro: Bloch, 1970. 3
entendimento do teatro engajado norte-americano e a ação repressiva da censura, especialmente a comercial e financeira. Biografias, manifestos e depoimentos de artistas que viveram a censura e a repressão, no Brasil e no exterior, como Gianfrancesco Guarnieri 18 e Heiner Müller 19 contribuíram destacadamente. IV. Objetivos e Hipótese Como forma de estudar a censura na partilha do sensível 20, no Brasil, ou seja, no regime das artes e da produção simbólica, propomos este projeto que visa voltar ao Arquivo Miroel Silveira e abordar parte das peças vetadas, lembrando que os textos dos espetáculos eram apresentados ao serviço de censura do Departamento de Diversões Públicas que devia liberá-los, modificá-los, cortá-los ou vetá-los. O número de peças vetadas é pequeno em relação à totalidade de espetáculos (6.137 peças), mas há textos significativos de autores importantes que, no entanto, mesmo quando extinta a censura tiveram pouca repercussão na produção artística do país e foram muito poucas vezes reapresentadas. Pretendemos estudar esses textos vetados, elaborarmos uma leitura dramática pública e aberta aos interessados com discussão sobre sua mensagem e conteúdo. Pretendemos também averiguar a importância que eles têm hoje e as razões para a sua parca presença nos palcos brasileiros. Nossa hipótese é que as peças vetadas sofrem um silenciamento que as condenam a poucas encenações mesmo depois de liberadas ou após a Constituição de 1988 que assegura a liberdade de expressão. O presente projeto pretende que o bolsista participe das diferentes etapas do projeto. V. Metodologia de pesquisa e atividades a serem desenvolvidas O corpus da pesquisa escolhido abarca as peças vetadas para apresentação pelo Departamento de Diversões Públicas do Estado de São Paulo, constante do acervo do Arquivo Miroel Silveira. O período delimitado do corpus é o de 1932 a 1966 período determinado pela datação dos processos dos espetáculos interditados (conforme constam do Arquivo Miroel Silveira), cuja seleção pautou-se pelo critérios de importância histórica e artística e tempo disponível para o trabalho proposto. Em termos gerais, as atividades previstas agregam-se nos seguintes pontos: Análise e pesquisa dos textos, dos autores e do processo de encenação. Pesquisa Bibliográfica: Leitura e discussão de textos teóricos com orientadora e grupo; Entrevistas: Com pessoas relacionadas às peças e autores. Pretendemos fazer pelo menos duas entrevistas relativas a cada processo. Transcrição: Haverá gravação de áudio tanto das entrevistas como das leituras dramáticas, por isso a importância de transcrevê-las. VI. CRONOGRAMA DAS ATIVIDADES Meses Atividades 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 18 GUARNIERI, Gianfrancesco. Prefácio. In: COSTA, Cristina. Censura em cena: teatro e censura no Brasil Arquivo Miroel Silveira. São Paulo: EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial, 2006, p. 20. 19 MULLER, Heiner. Guerra sem batalha: uma vida entre duas ditaduras. São Paulo: Estação Liberdade, 1997. 20 RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. Estética e política. São Paulo: EXO experimental/ Editora 34, 2009. 4
Meses Atividades 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 Leitura de bibliografia X X X X X X X X X X X X sobre censura Estruturação de X X X metodologia Coleta de entrevistas X X X X X X X X X X X Redação de relatórios X X X X Reuniões com orientadora e X X X X X X X X X X X X grupo Transcrição X X X X X X X X X X X Referências bibliográficas ALGRANTI, Leila Mezan Algranti. Livros de devoção, atos de censura: ensaios de história do livro e da leitura na América portuguesa (1750-1821). São Paulo: HUCITEC: FAPESP, 2004. ALVIN, Ricardo Cravo. Driblando a censura. Rio de Janeiro: Gryphus, 2002. AQUINO, Maria Aparecida. Censura, imprensa, Estado autoritário, 1968-1978: o exercício cotidiano da dominação e da resistência O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru, SP: EDUSC, 1999. ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e cultura: São Paulo no meio do século XX. Bauru: EDUSC, 2001. BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. COSTA, Caio Túlio. Cale-se: a saga de Vannucchi Leme, a USP como aldeia gaulesa, o show proibido de Gilberto Gil. São Paulo: A Girafa, 2003. DARNTON, Robert. Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987. FRIEIRO, Eduardo. O diabo na livraria do cônego: como era o Gonzaga? e outros temas mineiros. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia das Letras, 2002. GOTTFRIED, Martin. Teatro dividido: a cena americana no pós-guerra. Rio de Janeiro: Bloch, 1970. GUARNIERI, Gianfrancesco. Prefácio. In: COSTA, Cristina. Censura em cena: teatro e censura no Brasil Arquivo Miroel Silveira. São Paulo: EDUSP: FAPESP: Imprensa Oficial, 2006, p. 20. MAGALDI, Antônio Sábato. Panorama do teatro brasileiro. São Paulo: DIFEL, 1962. MATTOS, David José Lessa. O espetáculo da cultura paulista: teatro e TV em São Paulo. São Paulo: Códex, 2002. 5
MULLER, Heiner. Guerra sem batalha: uma vida entre duas ditaduras. São Paulo: Estação Liberdade, 1997. PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial, 1999.. Seres, coisas, lugares:do teatro ao futebol. São Paulo: Cia. das Letras, 1997. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. Estética e política. São Paulo: EXO experimental/ Editora 34, 2009. SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: NOVAIS, Fernando (Coord.). História da vida privada no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. v. 3. VARGAS, Maria Thereza. Teatro operário na cidade de São Paulo. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura. Departamento de Informação e Documentação Artísticas. Centro de Pesquisa em Arte Brasileira, 1980. 6