fls. 383 SENTENÇA Processo Digital nº: Classe - Assunto Requerente: Requerido: Juiz de Direito: Dr. Wander Benassi Junior Vistos. 10254XX-78.2015.8.26.0100 Procedimento Ordinário - Rescisão do contrato e devolução do dinheiro Felipe L. C. André Ramalho Projeto Residencial Ltda. (Tibério Construções e Incorporações S/A.) FELIPE L. C. ajuizou ação de "rescisão contratual" em face de ANDRÉ RAMALHO PROJETO RESIDENCIAL LTDA. (TIBÉRIO CONSTRUÇÕES E INCORPORAÇÕES S/A). Alegou, em síntese, que em 12 de abril de 2014 firmou com a ré "Instrumento Particular de Promessa de Venda e Compra de Imóvel e Outras Avenças" referente ao imóvel integrante do "Condomínio Follow Santo André". De acordo com a negociação, foi informado de que o valor exigido pelo imóvel era de R$ 348.570,00 (trezentos e quarenta e oito mil, quinhentos e setenta reais), com entrada no valor de R$ 21.823,00 (vinte e um mil, oitocentos e vinte e três reais). Após analisado o contrato, aliado ao fato de a entrada ser feita por meio de diversos cheques a pessoas diversas, verificou que o valor mencionado a título de entrada, servia de pagamento dos serviços de corretagem e assessoria técnico imobiliária (SATI). Informou que diante de dificuldades financeiras não poderá arcar com os compromissos outrora firmados, razão pela qual solicitou à ré a rescisão do contrato em fevereiro de 2015. Diante da dificuldade de ajustamento entre as partes com relação à rescisão e valores a serem devolvidos, as partes não firmaram o distrato, o que requer através do presente feito. Pleiteou a devolução de 90% (noventa por cento) dos valores pagos à requerida. Requereu (i) rescisão contratual, com devolução de 90 (noventa por cento) de todo valor pago e (ii) devolução de valores cobrados a título de corretagem e SATI. Juntou documentos. Contestação da requerida (fls. 145/176). Sustentou ilegitimidade passiva para a devolução dos valores referentes a comissão de corretagem e de assessoria técnico imobiliária (SATI), sob a alegação de que tais valores não foram a ela pagos. Requereu a denunciação da lide à HABITCASA CONSULTORIA DE IMÓVEIS LTDA. Aduziu que os valores pagos a título de corretagem e assessoria técnico imobiliária (SATI) são devidos, vez que a autora gozou de tais serviços, além de expressamente previstos em contrato. Requereu o acolhimento das preliminares e improcedência dos pedidos formulados na 10254XX-78.2015.8.26.0100 - lauda 1
fls. 384 petição inicial. Juntou documentos. Houve réplica (fls. 231/261). As partes requereram o julgamento antecipado da lide (fls. 379/380 e 381/382). É o relatório. Fundamento e Decido. Julgo antecipadamente o pedido, nos termos do art. 330, inciso I, do CPC, uma vez que as questões relevantes são de direito e de fato, estando estas últimas suficientemente comprovadas pelos documentos juntados, desnecessária a produção de prova em audiência. Afasto a preliminar de ilegitimidade passiva deduzida pela ré. A autora alega imposição conjunta, no contrato assinado entre as partes, de custos operacionais depois revelados como sendo de terceiros. Assim, o exame é de mérito e, se o caso, a ré pode exercer direito de regresso em face de terceiro em ação autônoma. Analiso o pedido de devolução dos valores pagos pelo autor a título de corretagem e tarifa de assessoria técnica ("SATI"). Necessário o reembolso dos valores despendidos pelo autor a título de pagamento de taxa de corretagem e tarifa de assessoria técnica ( SATI ). É que, cediço, a ré organiza complexo mecanismo de vendas, elaborado em estratégia de mercado para facilitar ao máximo a assinatura dos contratos tão logo o consumidor visite seu stand de vendas, o que basta. Procura-se dispensar qualquer outro ato de tratativa, a fim de se assegurar a lucratividade do empreendimento. Assim, a uma, o repasse, no preço, de custo agregado de corretagem é absolutamente abusivo, porque não houve qualquer intermediação do negócio, que se deu diretamente entre as partes, clara a oferta ostensiva por parte da ré. Assim, se contratou equipe de corretores de imóveis, ela mesma deve arcar com a respectiva comissão. A duas, a tarifa de assessoria técnico-imobiliária também não encontra fundamento, vez que é inequívoco o dever legal ao fornecedor de descrever com clareza o produto ou serviço vendido, alertando o consumidor sobre os riscos do negócio e sobre todas as cláusulas, principais ou acessórias. Pelo que, não pode repassar a ela o custo do seu dever legal, o que é manifestamente abusivo. Também, a parte autora em nenhum momento quis contratar qualquer tipo de assessoria, que foi imposta pela ré. Os valores pagos a esse título, então, devem ser devolvidos. Ademais, a contestação não trouxe argumento plausível que justifique a imposição da cobrança da forma como perpetrada. De outro lado, a parte autora comprovou o pagamento do preço relativo às 10254XX-78.2015.8.26.0100 - lauda 2
fls. 385 combatidas taxas (fl. 100/107). Assim, procede a demanda para que seja afastada a cobrança dos valores a título de serviços de corretagem e de assessoria técnica imobiliária, constituindo-se encargos indevidos em face dos autores. A devolução não se faz no dobro, vez que a hipótese não é de dolo ou má-fé, conceitos que não se confundem com a prática comercial abusiva, conforme já decidiu reiterada jurisprudência. Pelas mesmas razões, indefiro a denunciação da lide. A relação que o autor buscou, quando da aquisição do bem, era somente com a requerida, conforme petição inicial. Poderia o autor optar pela inclusão da Habitcasa Consultoria De Imóveis Ltda no polo passivo da demanda, fato que não ocorreu. Considerando que a aceitação da denunciação pode prolongar a discussão acerca dos fatos, com ampliação objetiva da demanda, o que certamente lhe prejudicaria, ora na condição de consumidor, fica indeferida. Caso queira, poderá a requerida valerse da ação de regresso em via própria. Vale destacar que a contratação da empresa Habitcasa Consultoria De Imóveis Ltda foi de iniciativa da requerida, assim como a responsabilidade pelo pagamento de seus serviços prestados, de modo que eventuais requerimentos ou ressarcimentos deverão ser feitos diretamente, em ação autônoma. Passo à análise do pedido de rescisão contratual. Na resolução do contrato, a parte autora não pode perder integralmente as parcelas pagas (art. 53, caput, do Código de Defesa do Consumidor). De outro lado, também não tem direito à restituição integral do que pagou, devendo-se reter porcentagem para remuneração da ré quanto aos custos administrativos e de divulgação para a concretização da venda. Nesse sentido, a jurisprudência vem acolhendo o percentual de 20% (vinte por cento) de retenção sobre o valor atualizado das parcelas pagas, e não sobre a totalidade do preço, a fim de se evitar enriquecimento sem causa do fornecedor e esvaziamento do provimento de restituição de valores, via oblíqua. Segue parte de julgado retirada de acórdão a respeito: "A leitura da referida cláusula indica a presença de nulidade. A abusividade de uma cláusula nasce no momento da celebração do negócio jurídico e consubstancia um desequilíbrio significativo entre direitos e obrigações das partes de um contrato. Há um abuso objetivo da posição contratual dominante, que se materializa mesmo sem a malícia do fornecedor, impedindo a realização 10254XX-78.2015.8.26.0100 - lauda 3
fls. 386 total ou parcial dos objetivos buscados pelas partes e colocando o fornecedor em situação de superioridade desmedida (Jean Calais- Auloy e Frank Steinmetz, Droit de la Consommation, 6ª ed., Dalloz, Paris, 2003, p.203; Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 2ª. Ed., RT, São Paulo, 1995, pp. 68 e 294-5). O valor que deve ser devolvido aos autores corresponde a 80% (oitenta por cento) dos valores pagos, mostrando-se suficiente a retenção de 20% (vinte por cento) para o ressarcimento de despesas iniciais de publicidade e comercialização. Nesse sentido, vale reproduzir a seguinte ementa: Compromisso de compra e venda. Imóvel na planta. Rescisão do contrato. Pleito indenizatório. Caso típico de arrependimento do negócio. Ato que causa prejuízo ao credor. Pena para o descumprimento que deve ser fixada, para que não importe em incentivo ao inadimplemento. Devolução limitada em 80% dos valores adimplidos. Juros a contar do acórdão. Sucumbência recíproca reconhecida. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido. (TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, Apelação 0059524-73.2010.8.26.0002, rel. Des. Vito Guglielmi, j. 03.10.2013) Esta quantia destina-se ao ressarcimento das perdas e danos e despesas administrativas suportadas pela alienante que não deu causa à rescisão, dado o disposto na Súmula 1 deste Tribunal de Justiça.". (TJ/SP - Apelação 1021001-02.2014.8.26.0562 Relator Fortes Barbosa, Data do julgamento: 14/08/2015). Ainda nesse sentido, recente julgado a respeito: "COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA RESCINDIDO. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS. INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS. Sentença de parcial procedência. Apelação dos autores. Não acolhimento. Preliminar afastada. Cerceamento de defesa não configurado. O compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor. Súmulas nº 1 e 2 do E. TJ/SP. Retenção de parte das quantias pagas, para compensação de gastos. Ausência de comprovação de custos excepcionais. Percentual de devolução de 80% razoável, sobretudo porque os autores deram causa à rescisão. Precedentes. Sentença mantida. Recurso desprovido.". (TJSP Apelação nº 0004942-08.2010.8.26.0299, Relatora Mary Grün - Data do julgamento: 14/08/2015). Além disso, incidem sobre o caso os teores das Súmulas nº 1 e 2 do E. TJSP. Assim, deverá a requerida, de uma só vez, proceder à devolução de 80% dos valores pagos pelo autor. Os valores pagos a título de preço devem ser restituídos pela ré com correção monetária pela tabela prática do E. TJSP desde cada desembolso, e com juros de mora simples de 10254XX-78.2015.8.26.0100 - lauda 4
fls. 387 1% ao mês, a partir da citação. Ante o exposto, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial deduzido por FELIPE L. C. em face de ANDRÉ RAMALHO PROJETO RESIDENCIAL LTDA., para: a) RESOLVER o contrato entre as partes, a partir da data de ajuizamento desta demanda, restituindo-as ao status quo ante e, em consequência; b) CONDENAR a ré a: b.1) restituir à parte autora o percentual de 80% (oitenta por cento) das parcelas pagas do preço, corrigidas monetariamente pela tabela prática do E. TJSP desde cada desembolso até o efetivo pagamento, acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, na forma simples, desde a citação, até a data do efetivo pagamento; b.2) restituir à parte autora a integralidade dos valores pagos pela corretagem e pela tarifa SATI, corrigidas monetariamente pela tabela prática do E. TJSP desde cada desembolso até o efetivo pagamento, acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, na forma simples, desde a citação, até a data do efetivo pagamento. Sucumbência total pela ré, que arcará com o pagamento das custas e demais despesas processuais, bem assim com os honorários advocatícios dos patronos do autor, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor das condenações somadas, e considerados os respectivos encargos moratórios, forte no disposto no art. 20, 3º, do Código de Processo Civil. Liquidação por cálculos aritméticos. P.R.I.C. São Paulo, 26 de novembro de 2015. DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA 10254XX-78.2015.8.26.0100 - lauda 5