Condutas do cirurgião-dentista frente a acidentes biológicos

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Transcrição:

artigo científico Condutas do cirurgião-dentista frente a acidentes biológicos Dentist Behavior Concerning Occupational Biological Accidents. RESUMO Objetivo: revisar as condutas a serem adotadas em casos de acidente com material biológico contaminado, propondo um fluxograma de encaminhamento aos setores de competência, além de pesquisar junto aos profissionais de Odontologia o conhecimento dos mesmos a respeito das condutas frente aos referidos acidentes. Outro objetivo foi avaliar os aspectos éticos e legais envolvidos com a questão. Material e métodos: a pesquisa foi realizada por meio do envio de questionários distribuídos de forma aleatória à cirurgiões dentistas da cidade de Macaé-RJ. Posteriormente os dados foram tabulados e analisados por estatística simples. Resultados: dentre os pesquisados, 95,2% disseram conhecer os riscos biológicos presentes na atividade clínica diária e 38,1% responderam que já sofreram algum tipo de acidente biológico, sendo que metade dos participantes declararam conhecer as condutas a serem tomadas nessas situações. Conclusões: foi possível propor um fluxograma de fácil entendimento para os interessados. Há um conhecimento incipiente dos profissionais questionados sobre o protocolo a ser seguido em caso de acidente com contaminação biológica, bem como a inobservância de importantes aspectos éticos e legais que norteiam a profissão. Palavras-chave: Condutas na Prática dos Dentistas; Contaminação Biológica; Exposição Ocupacional; Ética Odontológica; Odontologia Legal. ABSTRACT Aim: review the measures to be adopted in cases of accidents with biological material contaminated by proposing a flow chart for referral to the areas of jurisdiction, and research from the professionals of Dentistry of the same knowledge about the behavior front to such accidents, as well as the ethical and legal issues involved with the issue. Material and methods: the study was conducted by sending questionnaires distributed randomly to dentists in the city of Macaé. Subsequently, data were tabulated and analyzed by simple statistics. Results: among those surveyed, 95.2% said they were aware of biological hazards present in daily practice and 38.1% said they had experienced some kind of biological accident, half of the participants said they knew the conduct to be taken in these situations. Conclusions: it was possible to propose a flow chart easy to understand for those interested. There is an incipient knowledge of the professionals were asked about the protocol to be followed in case of accidents with biological contamination and the failure of important ethical and legal issues that guide the profession. Keywords: Dentist s Practice Patterns; Biological Contamination; Occupational Exposure; Ethics, Dental; Forensic Dentistry. Daniel Pereira Parreiras de Bragança* Mário Marques Fernandes** Carlos Sassi* Luiz Francesquini Júnior*** Eduardo Daruge Júnior**** * Mestrando em Biologia Buco Dental Área de Odontologia Legal e Deontologia da FOP/UNICAMP. ** Odontólogo do Ministério Público/RS. Mestrando em Biologia Buco Dental Área de Odontologia Legal e Deontologia da FOP/UNICAMP *** Livre Docente em Odontologia pela FOP/UNICAMP. **** Livre Docente em Odontologia, Professor Coordenador do Curso de Especialização em Odontologia Legal da FOP/ UNICAMP. Endereço para correspondência: Daniel Pereira Parreira de Bragança Caixa Postal 119332 - Macaé/RJ CEP: 27910-000 Telefones: (22) 99715015 / FAX: (22) 27629645 / (22) 27620539 E-mail: danielpbraganca@hotmail.com Enviado: 10/08/2009 Aceito:12/12/2009 Odonto 2010;18(35):24-29 37

Condutas do cirurgião-dentista frente a acidentes biológicos INTRODUÇÃO O controle da transmissão de doenças tem sido um grande problema para os profissionais de odontologia, tudo isso, devido a cavidade oral ser um ambiente com múltiplas espécies de microbiotas, sendo algumas delas patológicas. Durante muitos anos os cirurgiões-dentistas (CDs) realizaram suas práticas clínicas independente dos riscos de infecção em seus consultórios. Contudo, a pouco mais de uma década esses profissionais passaram a ter uma preocupação maior devido à descoberta da AIDS (HIV), e a transmissão da hepatite B e C - infecções potencialmente letais 14. Já a biossegurança nas práticas odontológicas se constitui em um conjunto de medidas empregadas com a finalidade de proteger a equipe odontológica, o paciente e o acompanhante em ambiente clínico. A elaboração de um programa de controle de infecção efetivo deve seguir um conjunto de medidas técnicas básicas. Estas medidas incluem a anamnese do paciente, EPIs (equipamentos de proteção individual), EPCs (equipamentos de proteção coletiva), procedimento de lavagem de mãos e calçamento de luvas, medidas de proteção do paciente, preparo do instrumental, esterilização e desinfecção do instrumental, além de uma correta ergonomia 13. A indicação de quimioprofilaxia anti retro viral é geralmente baseada em uma avaliação criteriosa de risco de transmissão do HIV, em função do tipo de acidente ocorrido e a toxicidade destas medicações. Os critérios de gravidade na avaliação do risco de infecção dependem do tipo e quantidade de fluidos corporais envolvidos, do tipo de exposição, status da infecção na fonte, e a susceptibilidade da pessoa exposta. Se for optado pela quimioprofilaxia, esta deverá ser iniciada o mais rápido possível, idealmente dentro da primeira ou segunda hora após o acidente 18. O uso do teste rápido para HIV no paciente fonte ou material biológico ao qual o profissional de saúde foi exposto se justifica pelo fato de que quanto mais rápido se iniciar a terapêutica anti retro viral, aumenta-se em até 80% a probabilidade de não se contaminar. Porém, há um aspecto que deve ser considerado pelos profissionais de que o paciente/fonte não é, de forma alguma, obrigado a realizar o teste rápido, o paciente deve ser orientado dos riscos aos quais os profissionais foram expostos e dos benefícios de se conhecer de forma rápida a sua sorologia 18. O presente trabalho teve como objetivo padronizar um roteiro (fluxograma) sobre condutas frente a acidentes biológicos em odontologia, bem como verificar o conhecimento de CDs, sobre acidentes que envolvam contaminação biológica (tipos de acidentes, condutas pré e pós-acidente), incluindo aspectos éticos e legais pertinentes ao tema. 38 Odonto 2010;18(35):37-44

Bragança et at. MATERIAL E MÉTODOS O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba - UNICAMP, sob o protocolo número 117/2007. Para a realização da pesquisa foram confeccionados questionários com 34 questões estruturadas e uma aberta. Os questionários juntamente com duas cópias do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) foram entregues pessoalmente aos 63 CDs, em seus respectivos consultórios, e após uma semana procedeu-se a coleta. Os dados obtidos foram analisados por meio de estatística simples. RESULTADOS Foi elaborado um fluxograma de condutas, conforme ilustra a figura 1 (na página seguinte), a serem observadas frente a acidentes com material biológico em odontologia, lembrando que o especialista a ser consultado em primeira instância é o médico infectologista. Quanto à pesquisa realizada, dos 63 CDs que receberam o questionário, 66,6% (n=42) o devolveram, e destes, 97,6% encontravam-se totalmente preenchidos. Sobre os conhecimentos na área de Odontologia Legal e Deontologia, 90,4% afirmaram não terem participado de nenhum curso sobre responsabilidade civil e criminal do CD. Quando perguntados se já sofreram algum tipo de acidente biológico, 38,1% dos CDs responderam que sim. No mesmo foco, metade dos participantes respondeu conhecer as condutas a serem tomadas em situações como esta, e a outra metade responderam não saber como agir em situações de acidentes biológicos. Sobre o direito do paciente fonte se negar a realizar o teste rápido, 92,8% dos CDs relataram conhecer este direito. O conhecimento dos CDs pesquisados sobre os riscos presentes no consultório Odontológico está descrito na tabela 1. Tabela 1. Conhecimento sobre riscos ambientais. Riscos conhecem Não connhecem % n % n Biológicos 95,2 40 4,8 02 Físicos 71,4 30 28,6 12 Químicos 83,3 35 16,7 07 Mecânicos 88 37 12 05 Ergonômicos 100 42 0 0 Odonto 2010;18(35):37-44 39

Condutas do cirurgião-dentista frente a acidentes biológicos Figura 1. Fluxograma de encaminhamento em casos de acidente com material biológico. 40 Odonto 2010;18(35):37-44

Bragança et at. Continuação da Figura 1. Quanto ao uso de Equipamentos de Proteção Individuais (EPI s) pelos odontólogos, foi possível elaborar a tabela 2. Tabela 2. Utilização de EPI s. Equipamentos de Proteção Utilizam Não utilizam Individual (EPIs) % n % n Máscara 95,2 40 4,8 02 Luva 100 42 0 0 Gorro 47,6 20 52,4 22 Óculos de proteção 57,2 24 42,8 18 Óculos de proteção (paciente) 9,5 04 90,5 38 Jaleco descartável 26,2 11 73,8 31 Jaleco de pano (lavável) 69 29 31 13 Pode-se verificar que 100% dos profissionais pesquisados, indicaram não verificar a presença do código de autenticação (CA) nas embalagens dos EPI s que adquirem. Observou-se que 88% dos entrevistados desconhecem os Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC s). Odonto 2010;18(35):37-44 41

Condutas do cirurgião-dentista frente a acidentes biológicos Sobre a lei trabalhista e a notificação a ser feita em caso de acidentes biológicos com a sua Atendente de Saúde Bucal (ASB), 78,6% dos CD s indicaram desconhecer esta legislação. Os resultados referentes ao conhecimento sobre legislação aplicada encontram-se descritos na tabela 3, sendo que nenhum (0%) dos entrevistados alegou conhecer a resolução 063/2005 do CFO 5 nem tampouco o Decreto Lei 2848/1940 8 (Código Penal). Tabela 3. Conhecimento sobre legislação aplicada. Legislação relacionada aos Conhecem Não conhecem acidentes biológicos % n % n Decreto-Lei 5452/43 CLT 14,3 06 85,7 36 (Consolidação das Leis Trabalhistas) Lei 8078/90 CPDC 28,6 12 71,4 30 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) Portaria 485/05 - NR 32 7,1 03 92,8 39 (Segurança e saúde no trabalho) Lei 5081/66 2,4 01 97,6 41 (Regula o exercício da Odontologia) Sobre o Código de Ética Odontológica 6 (Resolução 42/03 modificada pela resolução 71/06), 52,4% dos CDs afirmaram não conhecê-lo por inteiro. DISCUSSÃO Segundo Bolyard et al. 1 (1998) doenças que tem maior repercussão na saúde do trabalhador da área da saúde são aquelas onde os patógenos são transmitidos pelo sangue, como o vírus da hepatite B (HBV), o vírus da síndrome da imunodeficiência humana (HIV), e o vírus da hepatite C (HCV). O fato de se re-encapar agulhas está associado ao alto potencial de risco de acidentes e é reconhecido como um dos maiores fatores de risco de exposição ocupacional aos vírus HBV, HCV e HIV 12. Considerando que nesse estudo 4,8% dos profissionais informaram não conhecer os riscos biológicos presentes na atividade clínica diária, maior ainda é o risco de exposição ocupacional desses pesquisados. Samaranayake et al. 17 (1995) descrevem o consultório odontológico como um local propício à propagação de infecção, sendo a consideração do risco um importante fator para a saúde do profissional de saúde. Descrevem as oportunidades de transmissão em prática odontológica de vírus e agentes patogênicos, como identifica a susceptibilidade do CD ao risco, além da possibilidade de transmissão da infecção ao paciente, durante o tratamento e, sobretudo, reconhece a oportunidade de aquisição/ transmissão de patógenos como risco potencial para pacientes e equipe odontológica. Destaca-se que na pesquisa realizada, no que tange a utili- 42 Odonto 2010;18(35):37-44

Bragança et at. zação de EPIs, 4,8% dos CDs não utilizam máscaras e 42,8% declararam não fazer o uso de óculos de proteção, o que pode agravar ainda mais o risco de contaminação biológica. Uma agulha com lúmen (oca, com luz) que entrou em contato com sangue tem aproximadamente 0,3 ml deste líquido. A possibilidade de se adquirir o HIV com esta quantidade é de aproximadamente 0,4%. Para adquirir o HVB, basta 0,1 ml, além de se ter uma probabilidade de 35% da contração da doença se o profissional não estiver vacinado 15. Com isso, pode-se considerar que os profissionais de odontologia têm maior risco de adquirir infecções, quando comparados a população em geral. Considerando que a cada dia aumenta o número de mulheres dedicadas à odontologia, os riscos de transmissão congênita das profissionais grávidas expostas aos pacientes com doenças infecciosas também são maiores 16. A legislação brasileira obriga as empresas em equipar todos os seus funcionários de forma graciosa 3. Estes equipamentos de proteção individual são de uso obrigatório por força da Norma Regulamentar do governo 4, sendo que os funcionários são responsáveis pela correta utilização e conservação destes 2. Todas as notas fiscais de equipamentos e materiais de consumo voltados para a biossegurança devem ser arquivadas, com o CA 15 sendo os equipamentos de proteção individual regulamentados pelo Ministério do Trabalho 4. Há um desconhecimento, quase que unânime, da Lei 5.081/1966 10 que trata da regulamentação da profissão Odontológica, ou seja, podemos interpretar que os profissionais de Odontologia exercem seu ofício sem conhecer os seus direitos e obrigações. O estudo das condutas dos CDs frente a acidentes biológicos é uma obrigação ética e legal, sendo que o profissional não pode negligenciar tal conhecimento. CONCLUSÕES foi possível elaborar um fluxograma de fácil entendimento sobre as condutas a serem realizadas frente a um acidente biológico; verificou-se na pesquisa realizada um conhecimento incipiente dos profissionais questionados sobre o protocolo a ser seguido em caso de acidente com contaminação biológica; constatou-se a inobservância de importantes aspectos éticos e legais que norteiam a profissão, como a prática clínica sem ter conhecimento de seus direitos e deveres, bem como à conduta legal a ser tomada, em casos de acidentes com material biológico contaminado. REFERÊNCIAS 1. BOLYARD, E.A.; TABLAN, O.C.; WILLIAMS, W.W.; PEARSON, M.L. Guideline for infection control in healthcare personnel. Infection control and Hospital Epidemiology, Odonto 2010;18(35):37-44 43

Condutas do cirurgião-dentista frente a acidentes biológicos v.19, n.6, p.407-63, 1998. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Dispõe sobre a vinculação, competência e composição da CTNBio - Comissão Técnica de Biossegurança, normalizando a política nacional de biossegurança em todo o território nacional. Decreto 1.752/95 de 20 de dezembro de 1995. Diário Oficial da União 20/12/1995, p.73 Seção 2. 3. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União 11/01/2002. 4. BRASIL. Ministério do Trabalho. Dispõe sobre a responsabilidade na compra, manutenção, distribuição, higienização e treinamento pelo uso correto dos equipamentos de proteção individual - EPIs e equipamentos de proteção coletiva- EPCs. Portaria n. 17, de 12 de julho de 2002. Diário Oficial da União 13/07/2002, p.81 Seção 1. 5. Brasil. Conselho Federal de Odontologia. Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia, aprovada pela Resolução CFO-63/2005, atualizada em 18 de maio de 2005. Diário Oficial da União, Brasília (DF); Abril de 2005 19. Seção 1, p. 104. 6. Brasil. Conselho Federal de Odontologia. Revoga o Código de Ética Odontológica aprovado pela Resolução CFO-179/91 e aprova outro em substituição. Resolução 42/2003, de 20 de maio de 2003 alterada pela Resolução nº071, de 06 de junho de 2006. Diário Oficial da União, Brasília (DF); Maio de 2003; Seção 1. 7. Brasil. Decreto Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). Presidência da República. Diário Oficial da União de 09/08/1943. 8. Brasil. Decreto- Lei n. 2848 de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Poder Executivo, 1940; 1940 dez 31. Coluna 2, p. 23911. 9. Brasil. Lei ordinária n. 8078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo; Setembro de 1990. Coluna 1 p. 1. 10. Brasil. Lei ordinária n. 5.081 de 24 de agosto de 1966. Regula o exercício da Odontologia. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, 1966; Coluna 01, p. 9843. 11. Brasil. Portaria N. 485, de 11 de Novembro de 2005. Aprova a Norma Regulamentadora n. 32 (Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde). Ministério do Trabalho e Emprego. Diário Oficial da União, 16/11/05 Seção 1. 12. BREVIDELLI, M.M. Exposição ocupacional ao vírus da AIDS e da hepatite B: Análises da influência das crenças sobre a prática de re-encape de agulhas. São Paulo, 1997. Dissertação (mestrado) - Escola de Enfermagem Universidade de São Paulo. 13. COSTA, M.A.D. Qualidade em biossegurança. Rio de Janeiro: Quality; 2000. 14. COSTA, M.A.F.. Biossegurança: ambientes hospitalares e odontológicos. São Paulo: Santos; 2000. 15. GALVÃO, M.F.. Biossegurança e suas repercussões legais. Disponível em: URL: http:// ibemol.com.br [2009 Agos 02]. 16. GONÇALVES, P.M.G., Controle da infecção cruzada na prática odontológica. Revista do CRO-MG, v.3, n.1, p. 17-22, 1997. 17. SAMARANAYAKE, L.P.; SCHEUTZ, F.; COTTONE, JA Controle da infecção para a equipe odontológica. Traduzido por Terezinha Oppido. 2º ed., São Paulo, Ed. Santos, 1995, p.146. 18. SOUZA, M.M. Biossegurança em Laboratório Clínico. Rio de Janeiro: Eventos; 1999. 44 Odonto 2010;18(35):37-44