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Transcrição:

Latusa Digital ano 1 N 8 agosto de 2004 Sobre o incurável do sinthoma Ângela Batista * "O que não entendi até agora, não entenderei mais. Graciela Brodsky Este trabalho reúne algumas questões discutidas no cartel cujo tema é Sintoma e Gozo. Tento discutir o lugar do sinthoma no último ensino de Lacan, que implica um limite quanto ao saber, muito bem colocado por Lacan: Não há relação sexual e as conseqüências dessa orientação em nossa prática. Miller, no texto O real é sem lei se refere ao último ensino como sendo a expressão de um distanciamento de Lacan do simbólico, da ciência e de uma aproximação da arte e da poesia como forma do saber-fazer. Isso indica que devemos ser tolos quanto ao sentido do sinthoma para não cairmos no infinito das significações e no interminável das análises. O real da clínica nos interroga sempre, nos convidando a tratar o real. A supervisão de um caso me permitiu avançar com relação ao incurável do sinthoma, que marca o singular de cada um, ponto onde o real se fixa e para onde uma análise deve ser conduzida. Uma paciente depois de muitos anos de análise encontrou na intervenção do analista uma solução para a construção de seu sinthoma. Nesse momento, a analisante se queixa da sua repetição, do que não mudava na sua vida, apesar de tanto trabalho. * Aderente da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP). 1

A analista então, lhe diz: Isso não vai mudar. A partir dessa frase algo da repetição pulsional cessou. Enfim, algo novo. E onde se deu a novidade? O manejo da transferência permitiu a localização do gozo e a invenção por parte da analisandae de uma nova relação com o real do sinthoma, como tentarei esclarecer. Do sintoma ao sinthoma Partimos de duas maneiras de situar o Sintoma no ensino de Lacan. Em um primeiro momento, o sintoma aparece como mensagem cifrada endereçada ao Outro. Em outro momento, o sintoma é referido ao gozo, portanto sinthoma, que exigiria um outro tratamento, já que não é do campo do significante, nem passível de interpretação. Temos então: o sintoma como metáfora e o sinthoma como letra. No último ensino de Lacan, segundo Miller, há uma mudança de axioma com relação ao conceito de gozo, a partir da formalização de um gozo que não se reporta ao Outro. A idéia é a de um gozo que se basta e que corresponde ao inconsciente separado do saber. A linguagem não visa a comunicação, mas é uma forma de gozo. A pergunta sobre a função do sintoma no último ensino, principalmente a partir do seminário O Sinthoma, se coloca como fundamental. O sinthoma ganha um outro registro, que é o da suplência, como aquilo que sustenta o falasser no incurável do seu pulsional. Fala, assim, da relação sexual que não se inscreve. 2

A utilização do nó borromeano é uma tentativa de fazer suplência onde o real vem fazer furo no simbólico, ou seja, onde a metáfora encontra limite ao sentido. O sinthoma torna-se a forma com que cada um goza do seu inconsciente e o modo como cada um sustenta a sua estranheza. A direção do tratamento visa reduzir o campo do sentido, o que tem como conseqüência uma redução do gozo. O Sinthoma é uma função da letra, diz Lacan; a letra deve ser distinguida do significante e relacionada ao gozo. Trata-se de localizar o campo da incidência do pulsional no falasser, o que permite cingir a sua letra de gozo. Neste sentido o ato analítico produz uma separação entre S 1 e o objeto a, fixados no gozo do sintoma. No último ensino temos uma solução pela via da identificação ao sintoma. Isso não vai mudar. Consentir com isso implica construir um modo de gozo que possa incluir o Outro. Esta me parece ser a função da suplência. A teoria do parceiro sinthoma. nos indica a função do parceiro como parceiro do gozo. E isso tem conseqüências clínicas. O último ensino enfatiza, a meu ver, três pontos que tocam a prática, tendo por paradigma separar o saber do sentido, indicando uma prevalência do real. Tomando o nó como paradigma do real, Lacan nos faz esbarrar no limite de toda elucubração de saber. Neste sentido é que o saber-fazer ganha uma prevalência, pois se trata de um saber que está relacionado ao campo da invenção. Para terminar, retomo as questões do início do meu texto. 3

Temos uma analisanda que tem como sintoma a síndrome do pânico: ela presenta crises de angústia e medo de sair de casa. No trabalho analítico a atualização da angústia na transferência permitiu inicialmente ao próprio sujeito construir uma interpretação sobre o sentido do seu sintoma: a relação com a mãe. Mesmo que o objeto fóbico possa fazer barreira à falta no Outro, não é suficiente para encobrir a angústia frente à presença do objeto. O que retorna é uma angústia intensa localizada no corpo. Trata-se, a meu ver, do medo de nada ser, diante do olhar do Outro materno. Na posição de objeto do Outro materno, ela responde com o real da angústia no corpo, dizendo que não vai conseguir : chegar na análise, terminar o curso, atravessar o túnel, não vai conseguir...e isso não muda. Depois aparece a queixa quanto ao limite do saber e a repetição do sintoma. Aqui podemos destacar a dimensão do inconsciente como saber e a dimensão do inconsciente como uma forma de gozar. O tratamento dado ao gozo me parece ter sido: a partir da intervenção Isso não vai mudar, a analisanda atualizou na transferência algo da sua fantasia que falava de sua dúvida se era burra ou inteligente, inútil ou não e de como se defendia do real da sua história. Desde muito pequena ouvira da mãe: coitadinha, ela não tem pai. Assim, esse sujeito identificou-se a esses significantes; faltou-lhe de fato um pai que pudesse fazer obstáculo ao gozo da mãe. Ponto que retorna no sintoma fóbico, no qual a metáfora paterna falha e na orientação pulsional, quando escreve o seu lugar de objeto. Em uma sessão, tomada de pânico, disse que não compreendia mais nada. Não ouvia nem a minha intervenção, nem o que ela dizia. Não compreendo mais nada, fiquei burra. A analista lhe diz: Então escreva. 4

Ela conclui escrevendo: O meu medo não é o de me separar da minha mãe, mas o de só querer ficar com ela. Esse fragmento clínico pode me ensinar muito sobre como a direção do tratamento depende de como o analista pode agir, a partir da orientação que tenha do sintoma. De como algo pode ser calculado pelo analista e como também o ato analítico é produzido pela surpresa. A localização desse sujeito, sustentado por um desejo que lhe produz pânico, no campo da pulsão revela seu lugar de objeto, conduzindo ao real da experiência analítica, a ponto de repetição que, em cada análise, diz respeito ao como fazer com o incurável de cada um. Trata-se a meu ver de pensarmos sobre o que escreve a fobia, neste caso, destacando uma escolha pulsional; nada era mais importante para esta analizante do que estar em casa com sua mãe. Ponto de real que transborda no pânico da afânise. Para terminar, retomo a minha questão inicial quanto à dimensão real do sinthoma, como irredutível. Se pensamos o sintoma em sua vertente significante, temos a proliferação de sentido; em sua dimensão de signo, para além do seu aspecto semântico,o sinthoma é gozo que não inclui o Outro. Pergunto: como mover o sinthoma? Não teríamos, na orientação do ensino de Lacan, uma indicação que depende de como situamos o Sintoma? A psicanálise abre uma chance, a possibilidade de que um sujeito consinta em construir o seu sinthoma na transferência, indicando um percurso do real do 5

sinthoma, como imutável, ao real da experiência analítica. Trata-se de inventar um novo saber, que é fazer algo novo com o irredutível do gozo. E isso às vezes começa quando o ato do analista põe um limite ao saber. 6