Canto I: O poeta inicia a obra indicando o assunto e expondo o seu grande objectivo, que é o de cantar e exortar os inigualáveis feitos do povo Lusitano. De seguida pede inspiração às Tágides (ou ninfas do Tejo), para que nunca lhe falta o engenho necessário, e faz uma dedicatória ao monarca português, D. Sebastião. Logo depois começa a narração da viagem, numa altura em que os navegadores portugueses já circulam em pleno oceano Índico. Entretanto, os deuses reúnem-se no monte Olimpo para discutir o destino dos ousados aventureiros e para decidir sobre as cousas futuras do Oriente. É este o famoso episódio do concílio dos deuses, que irá ocupar uma parte significativa deste Canto I (são 22 estrofes, para ser mais preciso). O consílio havia sido convocado pelo pai dos deuses, Júpiter, que demonstrou logo à partida estar solidário com os portugueses. Ele salienta a enorme vontade e o espírito de sacrifício que até aqui têm demonstrado na sua difícil viagem, e chega mesmo a afirmar que tamanha coragem fará esquecer rapidamente aqueles que eram tidos como grandes povos ( Assírios, Persas, Gregos e Romanos ). Depois da intervenção de Júpiter seguem-se as outras opiniões, sendo desde logo evidente que a unanimidade não seria alcançada. De um lado aparecia o deus Baco que, receoso de perder a sua influência e prestígio, não queria admitir sequer a possibilidade da viagem marítima à Índia ser concretizada. Do outro, tínhamos a bela Vénus e o guerreiro Marte, que por vários motivos apoiavam os portugueses. Vénus via neles e na sua língua grandes semelhanças com o povo latino (que ela tão havia amado); Marte admirava a valentia da gente Lusitana, e mesmo que assim não fosse, a sua paixão a Vénus certamente não o deixaria tomar qualquer outra posição. O consílio termina com uma decisão favorável aos portugueses (que entretanto haviam chegado a Moçambique), e logo cada um dos deuses regressa ao seu domínio. Baco, porém, não satisfeito com aquilo que ouviu e decidido a não ficar com os braços cruzados, começa desde logo a preparar uma série de armadilhas e ciladas. O culminar desse estratagema seria o fornecimento de um piloto traidor, que os levaria até ao perigoso porto de Quíola. Apenas a intervenção de Vénus evitou que algo de pior acontecesse, e a armada retomou assim o caminho certo até Mombaça. Antes de terminar o primeiro Canto, o poeta têm ainda tempo para fazer algumas reflexões sobre a fragilidade do homem, a insegurança que marca as nossas vidas, e os perigos que por todo o lado espreitam. Canto II: Chegados a Mombaça, os portugueses vão enfrentar uma nova situação de perigo. De facto, e sob a influência do deus Baco, o rei de Mombaça decide preparar uma armadilha, convidando a armada a entrar no porto, onde seria imediatamente destruída. Para evitar quaisquer suspeitas, Baco disfarça-se de sacerdote e alicia os marinheiros que haviam sido enviados a terra. Sem suspeitar de nada, Vasco da Gama aceita o convite, e não fosse novamente o auxílio de Vénus, e a viagem teria ali o seu fim. Vénus e as Nereidas impedem com o peito que as naus entrem na barra, e logo se põem em fuga os emissários do rei e o falso piloto.
Apercebendo-se do perigo que havia corrido, mas sempre determinado a cumprir a sua viagem, Vasco da Gama faz uma súplica à Divina Guarda. Quanto à formosa Vénus, esta vai pedir a Júpiter que ajude os portugueses, pedido a que ele prontamente acede: para além de enviar Mercúrio à Terra (no sentido de preparar uma amigável e calorosa recepção em Melinde), Júpiter profetiza ainda uma série de glórias que eles haveriam de alcançar. A armada parte finalmente de Mombaça em direcção a Melinde, onde vai chegar algum tempo depois e no meio de grande festividade. O rei da cidade faz questão de visitar a embarcação de Vasco da Gama, pedindo-lhe em seguida que narre a história de Portugal. Canto III: O terceiro Canto começa com uma invocação a Calíope, a que se segue o discurso de Vasco da Gama sobre a história do nosso País. Num primeiro momento, assiste-se à localização geográfica da Europa e de Portugal. Em seguida, faz-se referência à lendária história de Luso (de quem derivam os termos Lusitânia e Lusíadas) e de Viriato (o impetuoso guerreiro que tantas derrotas infligiu aos romanos). Depois, é-nos apresentado o conde D. Henrique, e a partir dele toda a galeria dos reis da primeira dinastia (desde o conquistador D. Afonso Henriques até ao monarca D. Fernando). Por entre o rol das descrições ganham destaque os episódios de Egas Moniz, da batalha de Ourique, da conquista de Lisboa, da formosíssima Maria, do confronto em Salado, da morte de Inês de Castro Vejamos apenas alguns deles. A batalha de Ourique é um daqueles momentos gloriosos que para sempre ficam na memória de um povo. Foi travada pelo primeiro monarca de Portugal que, com a suposta aparição de Jesus Cristo, ganhou forças para derrotar todos os cinco reis mouros que compunham a hoste adversária. Daí resultaram as cinco quinas que compõem o escudo nacional. Quanto ao episódio da fermosíssima Maria, este começa com uma descrição física e psicológica da filha de D. Afonso IV. Depois, assistimos às suas múltiplas tentativas no sentido de convencer o pai a auxiliar o rei de Castela, que se via na eminência de um combate contra o poderoso exército muçulmano. D. Maria chega a utilizar argumentos de ordem pessoal para o convencer, mas juntando logo em seguida razões políticas e militares. Ela diz, por exemplo: E, se não for contigo socorrido, / Ver-me-ás ( ) / Viúva e triste e posta em vida escura. Atendendo às súplicas de D. Maria, e percebendo que a seguir a Castela os mouros virariam as armas para o seu Reino, D. Afonso IV decide avançar com o seu exército, participando na batalha que para sempre ficaria conhecida com o nome de Salado. O último episódio que neste Canto falta salientar é, indiscutivelmente, o da morte de Inês de Castro. Repleta de dramatismo e emotividade, a história é-nos pormenorizadamente apresentada pelo narrador, que não consegue ficar indiferente e exprime abertamente a sua opinião: Que furor consentiu que a espada fina / ( ) fosse alevantada / Contra hua fraca dama delicada? ; Contra hua dama, ó peitos carniceiros. A linda Inês vivia tranquila e alegre nas terras do Mondego, sem imaginar o destino trágico que lhe estava a ser traçado. Tudo por culpa do amor, diz Camões, que acusa de
ser o grande culpado da molesta morte sua. Em desespero, Inês suplica a D. Afonso IV que a deixe viver, apresentando como alternativa o perpétuo e mísero desterro. Alega em sua defesa que nada daquela situação podia ser culpa sua, e sublinha o facto de ser mãe, precisando por isso de estar junto dos seus filhos. Comovido, o rei ainda vacilou na sua decisão, mas o destino de Inês acabaria mesmo por ser a morte. O episódio termina com a vingança de D. Pedro. Canto IV: A narração de Vasco da Gama prossegue, abarcando agora as personagens e os episódios referentes à segunda dinastia da monarquia portuguesa. Tudo começa com a crise de 1383-1385, que acaba por ter como ponto fulcral a batalha de Aljubarrota e a aclamação de D. João, o Mestre de Avis. Ao descrever a batalha que tomou lugar no dia 14 de Agosto, confere-se uma particular atenção à actuação de Nuno Álvares Pereira, cujo valor só podia ser equiparado ao de um fortíssimo leão. Nada seria capaz de o desmotivar, nem a inferioridade numérica das suas tropas, nem sequer o facto dos seus dois irmãos lutarem pelo exército adversário (eram eles D. Diogo e D. Pedro Pereira, que no final haverão de pagar com a vida a traição que infligiram à pátria). A batalha termina com o desânimo e a fuga dos castelhanos, que mais uma vez não foram capazes de derrotar os lusitanos (a independência de Portugal deixava finalmente de estar ameaçada). Após a narração deste episódio bélico segue-se a descrição da conquista de Ceuta (pela mão de D. João I em 1415) e a apresentação dos reinados de D. Duarte, D. Afonso V, D. João II, e D. Manuel. No que se refere a este último monarca há a destacar o sonho profético que teve (nesse sonho deu-se a aparição de dois velhos, que simbolizavam os rios Indo e Ganges, e que lhe anunciaram o domínio da Índia pelos Portugueses). Destaca-se também a preparação da armada, que havia de ser confiada a Vasco da Gama, e que havia de partir de Belém no mês de Julho de 1497. Antes de terminar, o quarto Canto é-nos apresentado um último episódio. Estavam já as embarcações no momento da largada quando, do meio da multidão, se ouve uma voz discordante. É a voz do Velho do Restelo, que num tom pessimista e carregado de simbolismo, critica a viagem e avisa dos inúmeros perigos que podiam acontecer. Embora o desalento pela viagem fosse compartilhado pela generalidade das mães, esposas, irmãs dos navegadores, estas apenas conseguem exprimir uma reacção emocional e espontânea, ao passo que o discurso do velho já demonstra uma grande clareza e racionalismo; é um discurso elaborado a partir de um saber de experiências feito, e retirado bem do fundo do seu experto peito. Como alternativa à viagem, o Velho apresentava a guerra no norte de África. De facto, ele pergunta na estrofe 100: Não tens junto contigo o Ismaelita, / Com quem sempre terás guerras sobejas? E reforça na estrofe seguinte: Deixas criar às portas o inimigo, / Por ires buscar outro de tão longe. Simultaneamente, percebe-se a sua preocupação em relação ao despovoamento do País, e ao facto de muitos preferirem embarcar em loucas aventuras do que cultivar as terras e fazer o seu pão. A análise do conteúdo e da função deste episódio tem gerado alguma controvérsia entre os estudiosos, existindo algumas versões diferentes. Uns, defendem que a personagem do Velho foi apenas incluída para representar a facção desafecta à expansão marítima.
Outros, vêem-no como um símbolo do humanismo, nomeadamente com o uso irrepreensível do espírito crítico. Outros ainda, apontam que um tal episódio só poderia servir para evidenciar (de forma ainda mais vincada) o heroísmo dos marinheiros, pois fica esclarecido que eles estavam perfeitamente conscientes dos perigos iam enfrentar, e ainda assim não recuaram. Canto V: Vasco da Gama continua a sua narração ao rei de Melinde. Descreve cuidadosamente a viagem que o levou de Lisboa até aquele lugar, dando uma particular importância aos seguintes episódios: ao fogo-de-santelmo e à tromba marítima; ao episódio de Veloso; à passagem do Cabo das Tormentas (personificado na figura do Adamastor); e finalmente ao escorbuto. Quanto ao fogo-de-santelmo e à tromba marítima, são ambos episódios naturalistas e que descrevem cousas do mar que os homens não entendem. Nestas estrofes é visível a importância crescente que a experiência e a observação têm para a formação do conhecimento: os marinheiros presenciavam fenómenos que nunca os sábios haviam sequer imaginado, e que segundo os seus livros dogmáticos só podiam ser catalogados de falsos ou mal entendidos. Sobre o episódio de Fernão Veloso, um marinheiro fanfarrão mas pouco dado a feitos heróicos, podemos dizer que é particularmente interessante pela carga humorística e irónica que possui. Por outro lado, é também importante na medida que expõe a hostilidade com que alguns povos nativos receberam os viajantes. Começando na estrofe 37 e arrastando-se até à 60, temos aquele que é um dos episódios mais conhecidos e certamente mais retratados de toda a obra Os Lusíadas: o Adamastor. Cinco dias depois de partirem de Santa Helena, as naus de Vasco da Gama chegam ao Cabo da Tormentas, onde uma nuvem assustadora e terrível pôs nos corações um grande medo. O próprio capitão da armada faz um apelo a Deus, mas antes mesmo de terminar já uma figura enorme se vislumbrava no horizonte. Uma figura robusta e válida, / De disforme e grandíssima estatura; / O rosto carregado, a barba esquálida. A caracterização física não termina por aqui, seguindo-se uma série de outras assustadoras características; mas também a vertente psicológica acaba por se revelar aos poucos, sobretudo quando o monstro decide relatar o seu passado e o amor (nunca correspondido) que sempre sentiu por Thetis. O gigante Adamastor é uma entidade mitológica criada por Camões, e pretende representar todos os perigos e ameaças que os marinheiros portugueses tiveram de enfrentar na sua viagem. Este é um episódio onde se conjuga habilmente o real e o fantástico, tendo sempre em vista realçar a vitória do ser humano contra os elementos da natureza. Relativamente ao escorbuto, doença crua e feia para a qual ainda não se conheciam as causas ou a cura, Vasco da Gama realça os efeitos devastadores que ela teve entre os seus companheiros. Ficava assim concluída a narrativa do Gama, não sem antes porém elogiar abertamente a coragem dos portugueses. Nas últimas estrofes o poeta tece algumas considerações finais, acabando por criticar e censurar os seus contemporâneos pelo desprezo com que insistem em olhar a poesia e as artes.
Canto VI: À semelhança do que havia acontecido no momento da chegada, os portugueses despedem-se de Melinde no meio de grande festividade, e rumam em direcção a Calecute. Com eles segue um piloto conhecedor daquelas paragens, que o rei de Melinde fez questão de fornecer. Sentindo-se cada vez mais ameaçado, Baco desce ao palácio de Neptuno e convoca os deuses marinhos para um novo consílio. No seu discurso fica patente (uma vez mais) o ódio com que encara os portugueses, e conseguindo convencer a assembleia dos seus intentos, fica acordado que Éolo solte os ventos. Os navegadores, por sua vez, seguem tranquilamente a sua viagem, contando histórias e aventuras para passar o tempo e cortar a monotonia. Uma dessas histórias é narrada por Fernão Veloso, e ficou conhecida com o nome de Os Doze de Inglaterra. Tudo teria acontecido no reinado de D. João I, quando doze damas inglesas haviam sido insultadas por doze nobres sem escrúpulos, que desafiavam quem quer que ousasse defendê-las. As referidas damas pediram auxílio a todos quanto conheciam, mas sempre sem êxito, até que decidiram falar com o Duque de Lencastre. Este indicou-lhes o nome de doze cavaleiros portugueses, que imbuídos do espírito cavaleiresco (típico da Idade Média) logo se aprontaram a aceitar o desafio. Chegando a Inglaterra, os cavaleiros defrontaram-se corajosamente em ardente batalha, acabando por derrotar os adversários e sair vencedores. Abruptamente, porém, forma-se uma terrível tempestade e o cenário muda completamente de figura. Ventos, trovões e ondas gigantes fazem Vasco da Gama acreditar que o fim está próximo, e é então que ele dirige uma nova prece à Divina Guarda. Mais uma vez também é a presença da deusa Vénus, que engendra um plano para salvar os seus protegidos: prepara e envia as Ninfas amorosas, diante de cuja beleza e sedução os ventos se dão por vencidos. Este episódio é descrito por Camões com grande realismo, sendo de prever que tenha usado toda a sua experiência pessoal (enquanto marinheiro e enquanto náufrago) para a elaboração dos versos. Quando a tempestade termina, os portugueses avistam a Índia, mais precisamente Calecute. Vasco da Gama, de geolhos no chão e mãos ao Céu, agradece a Deus o cumprimento da sua missão. O Canto VI termina com o poeta meditando sobre o verdadeiro significado e valor da glória. Canto VII: Estando a armada já em Calecute, o poeta aproveita para elogiar o espírito de cruzada dos portugueses, e para fazer um apelo a todos os povos cristãos, que deviam seguir o exemplo. Ficou célebre o verso: Vós, Portugueses, poucos quanto fortes. Em seguida, assiste-se à descrição da Índia, aos primeiros contactos entre navegadores e asiáticos, e à descrição do Malabar pelo mouro Monçaide. Vasco da Gama e a sua comitiva irão desembarcar em terra firma, sendo recebidos primeiro pelo Catual, depois pelo Samorim. Mais tarde será a vez do Catual visitar as naus e, nesse mesmo momento, pedir a Paulo da Gama que lhe descreva as bandeiras do seu País e o significado das figuras que elas ostentam. Bem vistas as coisas, este pedido
é sobretudo uma artimanha do poeta para introduzir mais alguns episódios da história de Portugal. Nas últimas estrofes, assiste-se à invocação das Ninfas do Tejo e do Mondego, ao mesmo tempo que o poeta se lamenta das agruras da vida, e se esforça por distinguir quem merece e quem não merece ser alvo de elogios. Canto VIII: No sentido de satisfazer a curiosidade do Catual, Paula da Gama relata os factos históricos relacionados com as bandeiras existentes a bordo. Luso, Ulisses, Viriato, Sertório, D. Afonso Henriques, Nuno Álvares Pereira, infante D. Pedro, D. Duarte de Meneses são algumas das personalidades citadas neste relato. Regressando o Catual a terra, vai-se assistir a uma última intervenção de Baco, que ainda não se havia dado por vencido, e que tenta agora instigar os Indianos contra os visitantes. Os seus esforços são em parte recompensados quando Vasco da Gama é feito prisioneiro pelo Catual, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhe entregarem as mercadorias que traziam a bordo. Toda esta situação vai levar o poeta, nas últimas quatro estrofes do Canto, a reflectir sobre o poder do ouro. Um poder que torna as gentes cobiçosas, que mil vezes tiranos torna os Reis, e que faz tredores e falsos os amigos. Ainda sobre os esforços constantes de Baco, seria de todo pertinente fazer um pequeno aparte para apresentar a opinião de Hernâni Cidade, para quem esta divindade mitológica representava o orgulho ferido de muçulmanos e italianos. De facto, estes seriam os mais prejudicados com a viagem em causa, pois estava em risco o monopólio (que desde longo tempo já controlavam) das lucrativas especiarias Orientais. O esquema era simples e altamente rentável: os primeiros transportavam as mercadorias em caravanas desde o Oriente até ao Mediterrâneo; os segundos, em particular genoveses e venezianos, redistribuíam esses produtos pela Europa. Tudo isso, porém, estava prestes a mudar com a criação da Rota do Cabo. Canto IX: Após resgatarem os dois feitores aprisionados (Álvaro de Braga e Diogo Dias), os portugueses saem de Calecute e empreendem a viagem de regresso a Lisboa. É então que Vénus decide preparar uma recompensa, no sentido de premiar os corajosos nautas por todo o trabalho e sofrimento que até ali haviam tido. A recompensa seria uma ilha repleta de prazeres. Uma ilha fresca e bela, alegre e deleitosa, onde um grupo de Ninfas apaixonadas os esperavam impacientemente. Vénus teve a preocupação de mover a ilha de forma que não passasse despercebida aos portugueses. O seu plano correu como previsto, e eles efectivamente avistaram a ínsula divina, acabando por lá desembarcar, e descobrindo com agradável surpresa a presença das Ninfas, que sem grande dificuldade se deixaram seduzir. Chega-se mesmo a celebrar a união entre os
homens e aqueles seres divinos, fazendo-se juras de eterna companhia, em vida e morte, de honra e alegria. Segundo a opinião de alguns estudiosos de Camões, não será errado afirmar que a Ilha dos Amores é a representação de um mundo ideal: um mundo onde todos os merecedores são compensados pelo seu esforço; um mundo onde o amor corre livre e não é alvo de censuras; um mundo onde, lado a lado, se conjuga o terreno e o divino, o carnal e o espiritual. Da mesma maneira, é difícil ignorar a grande carga erótica que marca os versos deste episódio, e que certamente suscitou o espanto de todos quanto leram a obra. Especialmente se tivermos em conta a mentalidade do séc. XVI, ainda predominantemente religiosa e vigiada de perto pela Inquisição. O poeta, contudo, antecipando alguma reacção desse género, decide logo à partida avançar com uma resposta: Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo. Após a explicação da simbologia e do significado da Ilha, o poeta tece algumas considerações sobre o modo de alcançar a glória. Canto X: Ainda na Ilha dos Amores, os nautas da Lusitânia vão são brindados com um banquete, oferecido pela deusa Thétis. Simultaneamente, uma Ninfa vai profetizando as conquistas futuras dos portugueses no Oriente. Após uma interrupção nas estrofes 8 e 9, onde o poeta faz uma última invocação a Calíope, a Ninfa prossegue com a sua profecia. Quanto a Vasco da Gama, este é encaminhado por Thétis ao cume de um monte, onde lhe será mostrada a máquina do mundo, e onde é possível observar os lugares onde os portugueses se hão-de celebrizar. Numa tentativa de resumir o âmago deste episódio, diríamos que retrata a divinização dos heróis lusitanos, que simultaneamente são admitidos à visão do cosmos. O mesmo nos disse Jorge da Sena, na sua intervenção referente ao Dia de Portugal em 1977: Aqueles marinheiros, como o próprio Vasco, são deificados ou transfigurados epicamente na Ilha dos Amores, em condições sem dúvida moralmente impróprias. Em seguida dá-se o embarque dos marinheiros e a viagem de regresso à Pátria, que havia de decorrer de forma tranquila ( Assi foram cortando o mar sereno, / Com vento sempre manso e nunca irado ). A obra termina quando o poeta tem já a voz enrouquecida de cantar a gente surda. A este desabafo segue-se um apelo final ao monarca D. Sebastião, para que pratique novos feitos ilustres e nunca deixe esmorecer a glória dos portugueses.