ANÁLISE DOS SISTEMAS E CUSTOS DE PRODUÇÃO DO ALGODÃO DE SEQUEIRO E IRRIGADO NO ESTADO DA PARAÍBA Joffre Kouri (Embrapa Algodão / joffre@cnpa.embrapa.br), Maria Auxiliadora Lemos Barros (Embrapa Algodão), Robério Ferreira dos Santos (Embrapa Algodão). RESUMO - A necessidade de aumento da competitividade do algodão brasileiro implicou em uma diferenciação maior dos sistemas de produção utilizados não só entre as regiões produtoras no Brasil, mas também dentro das próprias regiões. Há uma grande diversidade de sistemas de produção de algodão no Brasil, com custos de produção também diferentes nas diversas regiões, o que justifica a busca de um conhecimento detalhado destes sistemas e das alternativas de exploração mais viáveis economicamente. Neste trabalho objetivou-se analisar os sistemas de produção dos algodões de sequeiro e irrigado no Estado da Paraíba, relacionando-os com variáveis representativas da escala de produção e da intensidade no uso de insumos. Para obtenção de informações recorreu-se a instrumentos de coleta participativa de dados como painéis, com a participação de produtores locais e técnicos de várias instituições que estão envolvidos com a cultura do algodão. Obteve-se dados sobre o padrão tecnológico predominante nas principais regiões produtoras de algodão do Estado, preços dos insumos, mão-de-obra e preço de algodão. As análises dos sistemas de produção de algodão de sequeiro e irrigado representativos do Estado da Paraíba demonstraram que, em termos de renda, não existe cultura anual mais promissora que o algodão para a pequena propriedade, desde que os padrões tecnológicos apropriados sejam aplicados e os governos estadual e federal contribuam com uma conjuntura favorável em tributação, apoio creditício, assistência técnica e pesquisa básica para a cotonicultura. Palavras chave: agricultura familiar, análise de rentabilidade, padrão tecnológico ANALYSIS OF CROP SYSTEM AND COST OF DRY AND IRRIGATED COTTON IN STATE OF PARAIBA, BRAZIL ABSTRACT - The need in increasing the competitiveness of herbaceous cotton produced in Brazil lead to a varied differentiation of used production system among both the Brazilian production regions and inside the regions themselves. There is a large diversity of cotton production system in Brazil and production costs are also different among various regions throughout the country what justify detailed studies aimed at knowing both such those systems and options related to their economic feasibility. This paper aimed at analysing both the dry and irrigated cotton production systems in State of Paraíba, relating them to the representative parameters as production scale and used inputs amount. To obtain such a information it was used collective gathering data procedures as meeting with local holders and officials technicians concerned to cotton cropping. Data on predominant technological pattern were obtained as well as input prices, and labour, and market cotton price, related to the main production regions inside the State of Paraíba. The analyses of both dry and irrigated representative cotton production systems concerned to State of Paraíba showed that taking in account the revenue of small holders, there is no any promising annual cropping other than cotton, since suitable technological would be used and State and Federal governments give them encouragement such as favourable fiscal policies, and credit, and technical extension service, and support to basic research on cotton. Key words: family farming, income, technological pattern
INTRODUÇÃO A cultura do algodão (Gossypium hirsutum L.), uma das mais tradicionais do Brasil, nos últimos tempos tem dado sinais de avanço. É uma cultura de alta rentabilidade e de imensas possibilidades tanto no cultivo de sequeiro como no irrigado. No Nordeste brasileiro, especialmente no estado da Paraíba, o algodoeiro sempre teve papel de grande relevância, tanto como cultura de reconhecida adaptabilidade às condições edafoclimáticas locais, como fator fixador de mão-de-obra, gerador de emprego e renda. A necessidade de aumento da competitividade do algodão brasileiro implicou em uma diferenciação maior dos sistemas de produção utilizados não só entre as regiões produtoras no Brasil, mas também dentro das próprias regiões (SANTOS e SANTOS, 1997). Há uma grande diversidade de sistemas de produção de algodão no Brasil, com custos de produção também diferentes nas diversas regiões. No Nordeste, e especialmente no estado da Paraíba, tem-se verificado a necessidade de se levantar os custos de produção dos sistemas de cultivo de algodão, que atualmente estão recebendo o impacto de adoção de novas técnicas. O cotejo dos custos de produção com os preços de produtos cujos sistemas de produção estejam recebendo inovações tecnológicas pode evitar surpresas causadas pelos impactos da adoção de novas técnicas. Além disso, o custo de produção se constitui um elemento essencial na identificação de zonas de produção mais competitivas. Neste trabalho objetivou-se analisar os sistemas de produção dos algodões de sequeiro e irrigado no estado da Paraíba, relacionando-os com variáveis representativas da escala de produção e da intensidade no uso de insumos. MATERIAL E MÉTODOS Foram selecionadas as principais regiões produtoras de algodão do estado da Paraíba, municípios de Juarez Távora e Souza, mesorregiões do Agreste e Sertão, usando dados disponíveis da Produção Agrícola Municipal (PAM) divulgados pelo IBGE. Com a finalidade de orientar produtores, técnicos e planejadores de políticas agrícolas, foram realizados levantamento dos sistemas de produção de algodão herbáceo de sequeiro e irrigado, assim como estimado o custo de produção. Para obtenção de dados recorreu-se a instrumentos de coleta participativa de dados, como painéis, com a participação de produtores locais e técnicos de várias instituições (Cooperativas, Associações de Produtores, Bancos, EMATERs, IBGE, CONAB) que estão envolvidos com a cultura do algodão. Os locais onde realizaram-se os painéis para levantamento de dados foram selecionados segundo a representatividade em área plantada com algodão. Nesses painéis foram discutidos os vários aspectos da cultura e as conclusões foram extraídas de forma consensual. Obteve-se dados sobre o padrão tecnológico predominante na região, preços dos insumos, mão-de-obra e preço de algodão. As informações coletadas foram usadas para estimar o custo de produção e o grau de importância dos componentes do custo para o conjunto dos produtores da região estudada. Nas análises realizadas não foram considerados os custos fixos, já que não existem alternativas econômicas para outro uso da terra, a não ser algodão e produtos de subsistência, e os
poucos bens que os agricultores possuem, por terem valores insignificantes, não justificam a inclusão de custos anuais para um só produto e um só ano. RESULTADOS E DISCUSSÃO Sistema de produção de algodão herbáceo de sequeiro No estado da Paraíba, a produção de algodão de sequeiro é obtida, predominantemente, sob agricultura familiar, com uso sazonal de mão-de-obra contratada no plantio e colheita. Uma das grandes vantagens deste sistema é que mais de 70% do custo de produção equivalem às despesas com mão-de-obra, o que significa ocupação para milhares de trabalhadores rurais. O algodão produzido pelas pequenas propriedades no estado da Paraíba é todo colhido a mão, o que proporciona, quando esta operação é bem feita, a obtenção de um produto de elevada qualidade, ou seja, de tipo superior, de 1 a 3 na classificação de algodão em caroço, com também superior qualidade intrínseca da fibra especialmente a reflectância, a finura, a resistência e a fiabilidade. Os pequenos produtores de algodão herbáceo de sequeiro na Paraíba têm grande tradição com o cultivo dessa malvácea e utilizam poucos insumos industriais, principalmente fertilizantes inorgânicos, herbicidas e inseticidas, tendo assim a grande vantagem, com relação às demais áreas de produção do Brasil, de produzir algodão a um custo bem menor, o que eleva a rentabilidade, apesar do potencial de produção ser bem menor do que, por exemplo, no do estado de Mato Grosso onde o algodão é cultivado em condições de cerrado por grandes produtores. Trata-se, portanto, de um sistema que pode ser competitivo, pois apesar de gerar baixa produtividade, a rentabilidade é positiva por ter baixo custo de produção devido ao menor uso de tecnologias e insumos industriais. Nas análises realizadas nas planilhas de custo dos sistemas de produção de algodão de sequeiro predominantes no estado da Paraíba, na safra 2003/2004 (Tabs. 1 e 2), observou-se que foram positivas as receitas líquidas, calculadas utilizando-se estimativas dos custos médios obtidos para determinados níveis tecnológicos de produção. Na Tabela 1 verifica-se que em Juarez Távora, município representativo da mesorregião do Agreste paraibano, a margem operacional líquida do sistema de produção de algodão de sequeiro em nível de pequeno produtor foi de R$ 280,40, com uma relação benefício/custo de 1,24. Em Souza, mesorregião do Sertão paraibano, o sistema de produção de algodão de sequeiro em nível de pequeno produtor apresentou resultados bem melhores do que em Juarez Távora, com uma margem operacional líquida de R$908,04 e uma relação benefício/custo de 1,81 (Tab. 2). Esses dados indicam que nas duas mesorregiões, mesmo apresentando resultados operacionais bem distintos, a atividade é viável financeiramente. Destaca-se também que, no âmbito da agricultura familiar, dos gastos despendidos com mão-de-obra (mais de 70%) grande parte é retida pelo produtor, pois representa a auto-remuneração de seu trabalho. Logo, na eventualidade de inexistência de lucro na produção (Receita Bruta Custo de Produção), a simples remuneração da mão-de-obra (ou da família) justifica a manutenção da atividade de produção. Em nível de pequeno produtor, os componentes do sistema de produção de algodão de sequeiro que mais pressionam os custos de produção são os tratos culturais (43,12 e 59,89% em Juarez Távora e Souza, respectivamente) e a colheita (20,7 e 20,14%). Isso se justifica devido o alto preço dos defensivos e o uso de mão-de-obra em todas as atividades dessas operações.
Tabela 1. Resultados operacionais do cultivo de um hectare de algodão herbáceo de sequeiro. Sistema convencional, pequeno produtor, em Juarez Távora, PB, safra 2003/2004. Produtividade: 1.200 kg/ha, em caroço. Resultado Operacional Valor/ha Valor/@ Receita com Algodão (80,00 @ /ha x 18,00/@ ) 1.440,00 18,00 Custo total 1.159,60 14,51 Margem operacional líquida 280,40 3,49 Ponto de equilíbrio(@ /ha) 64,42 Relação benefício/custo 1,24 Tabela 2. Resultados operacionais do cultivo de um hectare de algodão herbáceo de sequeiro. Sistema convencional, pequeno produtor, em Souza, PB, safra 2003/2004. Produtividade: 1500 kg/ha, em caroço. Resultados Operacionais Valor/ha Valor/@ Receita com Algodão (100,00 @ /ha x 20,25/@) 2.025,00 20,25 Custo total 1.116,96 11,16 Margem operacional líquida 908,04 9,09 Ponto de equilíbrio(@/ha) 55,16 Relação benefício/custo 1,81 Sistema de produção de algodão herbáceo irrigado A cotonicultura irrigada começa a ganhar espaço porque, além de garantir a estabilidade da produção, possibilita ganhos excepcionais de produtividade, se comparados com os da agricultura de sequeiro. Nas áreas irrigadas, problemas técnicos como o uso de variedade inadequada, adubação, controle de pragas e ervas daninhas elevaram os custos de produção, mas podem ser melhor trabalhados como tem acontecido em áreas mais tecnificadas, onde a produtividade e a rentabilidade do empreendimento são mais elevadas, tornando-o competitivo quando comparado com outras alternativas de cultivos agrícolas disponíveis. A irrigação do algodoeiro, principalmente a mecanizada, pode, em alguns casos, triplicar a produção quando comparada com a de sequeiro, o que mostra a necessidade desta prática agrícola na exploração dessa cultura. Um fator determinante na economia de trabalho, água e energia em áreas irrigadas, é a definição correta da época de supressão das irrigações, de forma a não comprometer o rendimento nem a qualidade da fibra do algodão. No estado da Paraíba, a exemplo do algodão de sequeiro, a produção de algodão irrigado também é obtida, predominantemente, sob agricultura familiar, com uso sazonal de mão-de-obra contratada no plantio e colheita. Os coeficientes técnicos e os custos levantados para o sistema de produção de algodão irrigado, na safra 2003/2004, no município de Souza, em condição de pequeno agricultor familiar, estão na Tabelas 3. A rentabilidade foi positiva e há potencial para melhorá-la, o que pode ser melhor explorado com maior organização dos produtores e a adoção das técnicas de plantio recomendadas.
Tabela 3. Resultados operacionais de um hectare de algodão herbáceo irrigado, pequeno produtor, em Souza, PB, safra 2003/2004. Produtividade 2.500 kg/ha, em caroço. Resultados Operacionais Valor/ha Valor/@ Receita com Algodão (166,67 @ /ha x 20,25/@) 3.375,07 20,25 Custo total 1.934,40 11,61 Margem operacional líquida 1.440,67 8,64 Ponto de equilíbrio(@/ha) 95,53 Relação benefício/custo 1,74 Diferencial de produtividade entre as tecnologias empregadas pelos produtores do Nordeste e as recomendas com base em pesquisas Em pequenas e médias propriedades (Tabs. 4 e 5), a tecnologia recomendada com base em resultados de pesquisas apresenta uma produtividade de 2.500 kg/ha de algodão em regime de sequeiro e 4.000 kg/ha para o algodão irrigado. Os valores encontrados nas análises dos sistemas de produção de algodão recomendados pela pesquisa, associando-se o custo de produção com o rendimento por hectare de algodão em caroço, ao preço de R$18,00/@ no Nordeste (menor valor de comercialização na região na safra 2003/2004) demonstraram que, exceto o algodão, não existe cultura anual mais promissora em renda para a pequena e média propriedade, desde que os padrões tecnológicos apropriados sejam aplicados e os governos estadual e federal contribuam com uma conjuntura favorável em tributação, apoio creditício, assistência técnica e pesquisa básica para a cotonicultura. Na tecnologia atualmente empregada pelos produtores, verificou-se que na safra 2003/2004 que foi um ano normal de chuvas na região Nordeste, a produtividade variou de 1.200 kg/ha a 1.500 kg/ha em regime de sequeiro (Tabs. 1 e 2). Em regime irrigado a produtividade foi de 2.500 kg/ha (Tab. 3). Constatou-se que mesmo obtendo rendimentos inferiores aos dos sistemas recomendados com base em pesquisas, os produtores de algodão no estado da Paraíba alcançaram resultados operacionais positivos em seus sistemas de produção, indicando que a atividade é viável financeiramente. Tabela 4. Resultados operacionais de um hectare de algodão herbáceo de sequeiro, Cultivar CNPA 8H, cultivado sob tecnologia recomendada pela pesquisa, na região Nordeste, safra 2003/2004, com rendimento médio de 2.500 kg/ha de algodão em caroço - pequeno e médio produtor. Resultados Operacionais Valor/ha Valor/@ Receita com Algodão (166,67 @ /ha x 18,00/@) 3.000,06 18,00 Custo total 1.239,16 7,43 Margem operacional líquida 1.760,90 10,57 Ponto de equilíbrio(@/ha) 68,84 Relação benefício/custo 2,42 Tabela 5. Resultados operacionais de um hectare de algodão herbáceo irrigado, Cultivar BRS 201, cultivado sob tecnologia recomendada pela pesquisa, na região Nordeste, safra 2003/2004, com rendimento médio de 4.000 kg/ha de algodão em caroço pequeno e médio produtor.
Resultados Operacionais Valor/ha Valor/@ Receita com Algodão (266,67 @ /ha x 18,00/@) 4.800,00 18,00 Custo total 2.786,95 10,45 Margem operacional líquida 2.013,05 7,55 Ponto de equilíbrio(@ /ha) 154,83 Relação benefício/custo 1,72 Fonte: Dados da pesquisa CONCLUSÕES 1. Verificou-se que os sistemas de produção de algodão herbáceo, inclusive os de algodão irrigado, predominantes em todos os municípios do estado da Paraíba onde foram realizados os levantamentos, é o de pequenos agricultores familiares, com uso sazonal de mão-de-obra contratada no plantio e colheita; 2. Constatou-se também que, mesmo obtendo rendimentos inferiores aos dos sistemas recomendados com base em pesquisas, os produtores de algodão no estado da Paraíba alcançaram resultados operacionais positivos em seus sistemas de produção. Isso indica que a atividade é viável financeiramente e há potencial para melhorá-la, o que pode ser alcançado mediante maior organização dos produtores e adoção das técnicas de plantio recomendadas; 3. As análises dos sistemas de produção de algodão de sequeiro e irrigado representativos do estado da Paraíba demonstraram que, em termos de renda, não existe cultura anual mais promissora que o algodão para a pequena propriedade, desde que os padrões tecnológicos apropriados sejam aplicados e os governos estadual e federal contribuam com uma conjuntura favorável em tributação, apoio creditício, assistência técnica e pesquisa básica para a cotonicultura. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SANTOS, R. F. dos; SANTOS, J. W. dos. Crise na cadeia produtiva do algodão. Revista Oleaginosas e Fibrosas, v. 1, n. 1, p. 25-35, 1997.