NOVAS FAMÍLIAS: CONJUGALIDADE HOMOSSEXUAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Luiz Mello
Coordenação Maria Alzira Brum Lemos CONSELHO EDITORIAL Bertha K. Becker Candido Mendes Cristovam Buarque Ignacy Sachs Jurandir Freire Costa Ladislau Dowbor Pierre Salama Dirigida por Maria Luiza Heilborn e Sérgio Carrara Coordenação Editorial Jane Russo e Anna Paula Uziel Assistente Alessandra de Andrade Rinaldi CONSELHO EDITORIAL Albertina Costa Daniela Knauth Leila Linhares Barsted Maria Filomena Gregori Mariza Correa Parry Scott Peter Fry Regina Barbosa Richard Parker Roger Raupp Rios
NOVAS FAMÍLIAS: CONJUGALIDADE HOMOSSEXUAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Luiz Mello
Copyright dos autores Editora Garamond Ltda Caixa Postal: 16.230 Cep: 22.222-970 Rio de Janeiro Brasil Telefax: (21) 2224-9088 e-mail: editora@garamond.com.br Projeto Gráfico de Capa e Miolo Anna Amendola Revisão Argemiro Figueiredo Editoração Eletrônica Tiago Rodrigues de Castro [Letra & Imagem] CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE DO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. S529 Sexualidade e saberes : convenções e fronteiras / organizadores, Adriana Piscitelli, Maria Filomena Gregori e Sérgio Carrara. Rio de Janeiro : Garamond, 2004 448p. 14x21cm - (Sexualidade, gênero e sociedade) Parte dos textos apresentados no Seminário Sexualidades e Saberes, Convenções e Fronteiras, organizado pelo Centro Latinoamericano em Sexualidade e Ciências Sociais/CLAM da UERJ e o Núcleo de Estudos de Gênero PAGU, da Universidade Estadual de Campinas, em junho de 2003 Inclui bibliografia ISBN 85-7617-048-5 1. Sexo (Psicologia). 2. Sexo (Psicologia)- Aspectos sociais. 3. Comportamento sexual. 4. Homossexualismo. I. Piscitelli, Adriana. II. Gregori, Maria Filomena. III. Carrara, Sérgio. IV. Série. Apoio: 04-3076. CDD 306.7 CDU 392.6
para Quéfren e Elita
ÍNDICE PREFÁCIO Miriam Pillar Grossi 9 APRESENTAÇÃO 13 APROXIMANDO O FOCO 17 PARA ALÉM DO HETEROCENTRISMO NA FAMÍLIA 25 AS ORIGENS DOS DEBATES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS 51 A SOCIEDADE CIVIL NA COMISSÃO ESPECIAL 73 OS PARLAMENTARES DISCUTEM AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS 95 FAMILISMO HOMOSSEXUAL E INTOLERÂNCIA RELIGIOSA 141 AS HOMOSSEXUALIDADES DOS HOMOSSEXUAIS 191 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 215
PARCERIA CIVIL: REALIDADE OU UTOPIA? Miriam Pillar Grossi Quando Luiz Mello começou a fazer sua pesquisa sobre con ju ga li dades homoeróticas, no inicio da década de 90, tratava-se de uma questão desconhecida pelo grande público e, de alguma forma, muito distante das principais lutas do movimento homossexual brasileiro naquele momento. Seu trabalho, original e ousado, foi acolhido pelo Programa de Pósgraduação em Sociologia da UnB, revelando também que a temática deixava de ser um tabu no campo das Ciências Sociais, como havia sido por muito tempo. Em menos de dez anos, as lutas GLBTT se transformaram. Da simples demanda por parceria civil, que reconhece apenas alguns direitos de conjugalidade, passou-se à demanda por casamento, ou seja, pela equiparação total de direitos conjugais de díades compostas por indivíduos de mesmo sexo com aquelas formadas por parceiros heterossexuais. Nestes anos que se passaram entre o início da pesquisa de Luiz e sua publicação em forma de livro, as conjugalidades homoeróticas tornaram-se um dos principais embates políticos da atualidade em diferentes contextos nacionais. A trajetória desta luta em vários países da Europa é ilustrativa dos embates envolvidos nesta questão. A recente e polêmica aprovação da 9
lei de casamento na Espanha, que equipara as uniões entre pessoas de mesmo sexo às uniões heterossexuais, é apenas um entre vários exemplos. Na maior parte dos países europeus, a defesa da parceria civil e/ou casamento de homossexuais é, via de regra, uma proposta política de partidos mais à esquerda, como os partidos socialistas e verdes. Na Espanha de 2005, por exemplo, a defesa do casamento gay, ousadamente sustentada pelo Partido Socialista quando de sua eleição em 2004, tornou-se um ícone da modernidade socialista face ao atraso dos partidos mais à direita, profundamente identificados com o catolicismo e, não raras vezes, com o franquismo. Em outros países, a clivagem direita/esquerda não é tão significativa na defesa do reconhecimento civil da conjugalidade homoerótica, como foi e tem sido o caso francês em que inúmeros políticos considerados à direita têm tido, em muitos casos, posições mais progressistas que a dos próprios socialistas. A virulenta reação do Vaticano à aprovação de leis de parceria civil, expressa em documento oficial da Igreja divulgado em 2003, revela também a face fundamentalista e intolerante de algumas religiões face à homossexualidade, o que acaba sustentando posições políticas conservadoras em diferentes parlamentos. O livro de Luiz fala dessas tensões, tomando o caso brasileiro do debate pela parceria civil no Congresso Nacional. A pesquisa aqui publicada é o resultado de vasto trabalho de campo realizado nos anos 90, período no qual o autor acompanhou a tramitação da lei de parceria civil, proposta em 1995 pela então deputada Marta Suplicy. Luiz acompanhou os debates em comissões e nos descreve o quanto algumas posições reacionárias dominaram o debate e a obstrução da votação da lei ao longo de mais de dez anos de tramitação do projeto na Câmara. Alguns personagens destes embates no congresso nacional são deputados hoje bastante conhecidos, como Marta Suplicy, Roberto Jefferson (recentemente cassado), Severino Cavalcanti (obrigado a renunciar ao seu mandato para evitar processo de cassação), Fernando Gabeira e José Genoíno. Ao ler o que estes e outros deputados diziam sobre a parceria civil, é possível observar que a defesa ou o ataque à lei não refletiam, já naquele momento, as clivagens entre partidos de direita e partidos de esquerda. Luiz mostra que o que está em jogo 10
NOVAS FAMÍLIAS: CONJUGALIDADE HOMOSSEXUAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO neste debate são diferentes concepções de cidadania, marcadas em geral por posições mais próximas ou mais distantes de discursos e visões de mundo religiosas. Após o relato da tramitação do projeto no legislativo, Luiz descreve as posições assumidas pela sociedade civil, lideradas por grupos de militância GLBTT como o Grupo Gay da Bahia, e ABGLT, mas também apoiada pela Seção Brasileira da Anistia Internacional e pela comissão de Direitos Humanos da OAB. Parlamentares de outros lugares do mundo, médicos, professores e padres são também chamados a testemunhar nas audiências publicas nas quais o projeto é debatido. Neste capítulo disseca tanto o discurso militante GLBTT quanto o discurso da Igreja Católica, buscando mostrar as tensões entre duas posições marcadamente antagônicas. De um lado, a temática da parceria civil aparece inicialmente como uma questão emergente nos encontros de gays, lésbicas e travestis dos anos 90, mas bastante abordada na principal revista dirigida a esse público na época, a revista Sui Generis. De outro, a questão torna-se um ponto nodal do discurso católico a partir de sua principal entidade de representação, a CNBB. Ao contrapor os dois discursos, Luiz revela a complexidade do debate sobre parceria civil no Brasil. Trata-se de um livro fascinante, que se encerra com uma fecunda reflexão sobre as identidades homossexuais no Brasil contemporâneo e nos ajuda a compreender os embates políticos em torno das lutas do movimento GLBTT, bem como a complexidade das posições políticas que se expressam no congresso nacional. A partir da análise de Luiz, entendemos que a morosidade do processo da lei de parceria civil ilustra algo importante: o quanto o legislativo brasileiro está distante do reconhecimento da cidadania de gays, lésbicas e travestis. Lendo este livro, encontramos pistas para entender não apenas as dificuldades que enfrenta o movimento GLBTT, mas também as enfrentadas por inúmeros outros movimentos sociais que têm seus anseios por direitos civis desrespeitados pelo congresso nacional. Gostaríamos que a história que Luiz conta aqui fosse uma história do passado, uma luta já conquistada como tantas outras no processo de democratização da sociedade brasileira. Lamentavelmente, a lei de parceria civil continua a tramitar neste momento no Congresso Nacional 11
e não há previsão de sua aprovação. È também por isto que este livro precisa ser lido. Desejo a todos boa leitura. 12