IV. Da luz visível à luz invisível



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Transcrição:

IV. Da luz visível à luz invisível 1. o que é a luz A luz é o princípio de toda a ciência, porque é a luz que nos permite ver o mundo. Sem luz não existiria a relação íntima entre sujeito observador e objecto observado que é essencial à observação. É a luz que permite ver tanto o que está perto como o que está longe. Foi um holandês obscuro quem construiu a primeira luneta, mas foi Galileu quem primeiro se lembrou de virar uma luneta para o céu, para ver melhor a luz que vem de longe, dos planetas e das estrelas. Existe uma relação entre astronomia e literatura. O desenvolvimento das lentes e dos óculos teve a ver com a introdução da imprensa. A partir do momento em que se começaram a fabricar vários tipos de lentes, não demorou muito até se verificar que uma combinação especial de duas lentes permitia ver ao perto o que estava muito longe nos céus. No romance do colombiano Gabriel Garcia Marquez Cem Anos de Solidão é descrita uma trupe de saltimbancos que utilizam a luneta para impressionar o povo de Macondo: «Em Março, os ciganos voltaram. Desta vez traziam um óculo de longo alcance e uma lupa do tamanho de um tambor,

que exibiram como a última descoberta dos judeus de Amsterdão. Sentaram uma cigana num extremo da aldeia e instalaram o óculo de longo alcance na entrada da tenda. Mediante o pagamento de cinco reais, o povo aproximava-se do óculo e via a cigana ao alcance da mão. 'A ciência eliminou as distâncias', apregoava Melquíades. 'Dentro em pouco o homem poderá ver o que acontece em qualquer lugar da Terra, sem sair de sua casa.'» A física permite, de facto, eliminar as distâncias e ver objectos longínquos, como se estivessem próximos. Pode o povo de Macondo olhar a cigana pelo óculo e, em vez de gritar, falar-lhe em surdina, porque ela parece estar ali próxima. Podem também os astrónomos devassar a intimidade dos outros planetas, das estrelas, das galáxias, apanhados na mira dos seus telescópios.

I Mas que vem a ser a luz? Esta é uma pergunta cuja resposta é fácil e difícil. Fácil, porque um físico pode sempre dizer que a luz é a «oscilação do campo electromagnético» (já se sabe isso há cerca de um século: a luz já não se reveste hoje do mistério de tempos antigos); difícil, porque um leigo não entende essa explicação. As explicações não só devem explicar como também, se possível, explicar a toda a gente interessada em ouvir a explicação. O conceito de «campo electromagnético» não é simples. Mas ele não foi preciso para analisar, ao longo de muitos anos, as propriedades da luz. Algumas dessas propriedades são bem estranhas. A luz, não obstante ter já sido decifrada pelos físicos, mostra algumas propriedades que perturbam um pouco toda a gente, incluindo os próprios físicos. Mais misterioso que o poder do óculo é o poder do olho. O olho humano é um instrumento sofisticado que permite relacionar o cérebro com o mundo. Hoje sabemos que não existe só a luz que o nosso olho capta e o nosso cérebro percepciona, mas muitas e várias luzes que escapam à nossa vista. Existe a luz que vemos e as luzes que não vemos. A luz que vemos chama-se, apropriadamente, luz visível. Há, além dessa, luzes invisíveis, como a luz gama, a luz X, a luz ultravioleta, a luz infravermelha, a luz de microondas, a luz do rádio, que podem ser captadas por meio de instrumentos adequados. Existem, pois, várias maneiras de ver, e os vários objectos, visíveis ou invisíveis, podem ser vistos de maneiras diferentes. Os retratos variam conforme as máquinas que os capturam. O Sol é a nossa fonte principal de luz, e quando nos falta essa iluminação o melhor é ir dormir. Embora o Sol seja fonte de todos os tipos de luz, é-o maioritariamente de luz visível. Por isso é que vemos tão claramente esse círculo com uma cor amarelo-alaranjada, a percorrer um caminho semicircular entre o nascente e o poente. O leitor não precisa de ser muito curioso para perguntar por que vê a luz visível, isto é, por que é que essa luz afinal se chama assim. A resposta é fácil. Com certeza

que não foi o poderoso Sol que se adaptou aos nossos frágeis olhos, mas os olhos dos seres vivos que, ao longo do lento e gradual percurso da evolução biológica, se adaptaram ao vizinho Sol. Se estivéssemos próximos de uma outra estrela que emitisse preferencialmente, por exemplo, raios X (se é que a vida pode de todo crescer e desenvolver-se debaixo dessa luz penetrante), os olhos humanos, em vez de câmaras fotográficas especializadas na recolha e tratamento de luz visível, seriam talvez detectores de raios X. A pergunta de saber, em pormenor, como os olhos se adaptaram à luz do Sol já tem resposta difícil e, por isso, é aqui evitada. Mas para termos luz do Sol é preciso que esta primeiro parta e depois chegue. Acontece não- apenas que o Sol emite predominantemente luz visível, mas também que a atmosfera se deixa atravessar por essa luz. A atmosfera permite a passagem abundante de luz visível, alguma luz infravermelha (que ajuda os banhistas a corarem-se na praia) e a luz das emissões de rádio (que é aproveitada pelos banhistas para ouvir música na areia). Para que a lista da luz coada pela atmosfera fique completa, convém referir ainda a luz ultravioleta, que o recém- -descoberto mas já famoso buraco de ozono deixa incidir nos pobres pinguins. Praticamente, toda a restante luz fica retida no ar, mais acima ou mais abaixo. Na Lua não há ar, e por isso a superfície do nosso satélite natural recebe todos esses tipos de luz.' Os fatos dos astronautas que pisaram a Lua foram feitos de modo a proteger os seus portadores de todas as radiações perigosas. Tanto a luz visível como as ondas de rádio são formas de luz úteis para a comunicação à superfície da Terra: a luz visível serve para comunicar ao perto, enquanto as ondas de rádio servem para comunicar ao longe. O homem tornou útil toda a luz que a atmosfera deixa passar. Sem luz nada se veria no cosmos. Não se veria o Sol amarelo-laranja no céu azul (o céu é azul porque as pequenas poeiras da alta atmosfera espalham principalmente a luz azul

de toda a luz visível que provém do Sol). Não se veriam de noite os planetas, as estrelas e as galáxias a pintalgar o céu escuro. Mas a luz passa, antes de chegar à atmosfera, pelo nada. Hoje sabe-se que a luz atravessa o vazio sideral, proveniente dessas grandes fogueiras alimentadas a hidrogénio e hélio que são as estrelas. Chega até luz do tempo em que não existiam estrelas: a luz de microondas, por exemplo, resultante da união dos electrões com os núcleos para formar os átomos, enche todo o espaço e vem de todo o lado. O satélite CaBE, recentemente lançado, permitiu medir cuidadosamente a luz de microondas e confirmar bem (para alguns, bem de mais!) as previsões teóricas da teoria da Grande Explosão Inicial. Os vários tipos de luz permitem-nos conhecer as várias faces que o universo teve no passado, porque a luz, devido à sua velocidade finita (300 000 km/s), demora algum tempo a chegar. A luz demora um só segundo a chegar da Lua. A luz do Sol demora a chegar oito minutos, e a luz das outras estrelas muito mais, anos e anos-luz. A luz chega sempre atrasada, donde quer que venha.

TíTU LO: Física Divertida AUTOR: Carlos Fiolhais PUBLICAÇÃO: Gradiva - Publicações, Lda. EDiÇÃO: 3ª ed., 1992