A origem da tradição jurídica ocidental na revolução papal (slides)

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Transcrição:

História e Cultura Jurídica no Brasil A origem da tradição jurídica ocidental na revolução papal (slides) Entre os povos da Europa Ocidental no período anterior ao século XI, o Direito não existia como um sistema científico ou de regulamentação autônoma. Também faltava uma percepção do Direito como corpo distinto de regras e conceitos. Não havia escolas de Direito. Não havia nenhum grande texto jurídico a respeito das categorias básicas, como jurisdição, processo, crime, contrato, propriedade e outros assuntos que mais tarde viriam a formar os elementos estruturais dos sistemas jurídicos ocidentais. No fim do século XI, no século XII e no inicio do século XIII, uma transformação fundamental ocorreu na Europa Ocidental, na mais profunda natureza do Direito, tanto como instituição política quanto como ciência ele tornou-se autônomo. A criação de sistemas jurídicos modernos nesse período não foi apenas a implementação de políticas e teorias de elites centrais, mas também uma resposta a mudanças econômicas e sociais que ocorriam naquele exato momento e lugar. Em 1075, depois de 25 anos de agitação e propaganda do papado, o Papa Gregório VII declarou a supremacia política e jurídica do papado sobre toda a Igreja e a independência do clero de qualquer controle secular. Igreja e Império: a Reforma de Cluny No período anterior ao século XI, o clero da cristandade ocidental bispos, padres e monges estava, em regra, muito mais submetido à autoridade de reis e senhores feudais do que à dos papas. A razão disso era que a maior parte das propriedades da Igreja pertencia a esses mesmos imperadores, reis e senhores feudais. Além da subordinação político-econômica, a Igreja também será submetida, em sua estrutura interna, ao controle de líderes leigos Não é correto, no entanto, falar de reis e imperadores na Europa ocidental do século VI ao XI como leigos. Esta era a maneira como o papa chamou-os após 1075, porém antes disso eles possuíam poderes religiosos indiscutíveis. O império não era uma entidade geográfica, mas uma autoridade espiritual e militar. Só passou a ser chamado Império Romano após 1034, e só passou a ser chamado de Sagrado Império Romano após 1254. A ordem monástica de Cluny tem para nós, de um ponto de vista jurídico interesse especial porque foi a primeira na qual todos os mosteiros espalhado pela Europa ficavam

sob o controle de um único poder central. Ela serviu nesse aspecto com modelo para a Igreja Católica Apostólica Romana como um todo. Os monges de Cluny e outras ordens reformadoras procuravam elevar o nível da vida religiosa por meio do ataque ao poder eclesiástico de líderes feudais e locais, que se manifestava particularmente na compra e venda de cargos da Igreja (simonia) e também nas práticas relacionadas aos casamentos e concubinatos clericais (nicolaísmo). Os monges de Cluny procuraram com sucesso o apoio dos imperadores sucessores de Carlos Magno. Os imperadores, por sua vez, ficaram satisfeitos com o apoio da ordem. Tendo esse apoio, com o tempo eles tomaram dos nobres de Roma o poder de indicar os papas. A autoridade espiritual dos imperadores tornou-se crescentemente anômala no século XI, quando a simonia e o nicolaismo provaram estar por demais enraizados para ser superados. As Bulas Papais Foi Hildebrand que, na década de 1070, como papa Gregório VII, colocou o movimento de reforma da Igreja contra a mesma autoridade imperial que, no século X e início do século XI, liderou os reformadores de Cluny. Gregório VII proclamou a supremacia jurídica do papa sobre todos os cristãos e a supremacia jurídica do clero, sob o poder do papa, sob todas as autoridades seculares. Os papas podiam depor imperadores, tendo Gregório proclamado que todos os bispos deveriam ser indicados pelos pelo papa e deveriam obediência, em última instância, a ele, e não às autoridades seculares. Em 1075 ele ordenou que todos os cristãos boicotassem os padres que estivessem vivendo em concubinato ou casados e que não aceitassem seus ofícios para os sacramentos e outros propósitos. Não havia um fórum jurídico ao qual o papado ou o império pudessem recorrer somente o próprio papa ou ao próprio imperador. Em 1075, o papa deu a resposta para si mesmo e escreveu um documento Dictatus Papae (As Bulas Papais) consistindo de 27 proposições, aparentemente remetidas a ele próprio: 1. A Igreja Romana é fundada somente pelo Senhor. 2. Somente o bispo de Roma é, por direito, universal. 3. Somente ele pode depor e reintegrar bispos a seus cargos. 4. Seu legado, mesmo sendo inferior em grau, tinha precedência, em um concilio, em relação a todos os bispos e podia aplicar uma sentença de deposição contra eles.

7. Somente a ele era dado elaborar novas leis de acordo com as necessidades dos tempos. 9. Somente o papa era aqueles cujos pés deveriam ser beijados por todos os príncipes. 10. Somente seu nome deveria ser recitado nas igrejas. 11. Ele tinha o poder de depor imperadores. 16. Nenhum sínodo convocado poderia ser considerado geral sem a sua ordem. 17. Nenhum livro ou capítulo deveria ser considerado canônico sem a sua autoridade. 18. Nenhum de seus julgamentos poderia ser revisto por quem quer que fosse, e somente ele poderia rever o julgamento de todos. 21. Os casos mais importantes de qualquer igreja deveriam ser levados à Sede Episcopal Apostólica. 27. Ele poderia liberar vitimas de homens injustos de seu (juramento de) fidelidade. Gregório depôs e excomungou o Imperador Henrique IV que, em janeiro de 1077, fez uma viagem como humilde penitente até o papa em Canossa. Em 1078, o conflito entre o papa e o imperador eclodiu novamente e as Guerras de Investiduras tiveram início. A questão política das Guerras de Investidura era o poder de imperadores e reis de investirem bispos e outros clérigos com a insígnia de seus cargos, proferindo as palavras: Accipe ecclesiam! Sob a Concordata de Worms (1122) o imperador garantiu que bispos e abades seriam livremente eleitos apenas pela Igreja e renunciou a seu direito de investi-los com os símbolos espirituais do anel e do cajado, que representavam o poder de cuidar das almas. O papa, por sua parte, concedeu ao imperador o direito de presenciar as eleições e, quando elas eram muito disputadas, intervir. A revolução papal Mudanças políticas A Revolução Papal pode ser vista em termos políticos como uma mudança maciça de poder e autoridade tanto no interior da Igreja como nas relações entre ela e as políticas seculares; também foi acompanhada por mudanças decisivas nas relações entre a Europa ocidental e as potências vizinhas. Mudanças socioeconômicas Novos desenvolvimentos tecnológicos e novos métodos de cultivo contribuíram para um crescimento na produção agrícola para uma conseqüente expansão do comércio sobre excedentes no campo. O surgimento das cidades é talvez a mudança socioeconômica mais marcante no fim do século XI e dos séculos XII e XIII.

Mudanças Culturais e intelectuais Foi o período em que foram desenvolvidas as primeiras universidades. Esse período marcou o início do pensamento cientifico moderno. Três outras mudanças na consciência social contribuíram para essa transformação: crescimento da noção de identidade corporativa do clero; responsabilidade da Igreja para reformar o mundo, o saeculum; o desenvolvimento de uma nova noção de tempo histórico, incluindo os conceitos de modernidade e progresso. Em uma revolução da magnitude revolução papal, a vida é acelerada; as coisas ocorrem muito rapidamente; grandes mudanças ocorrem da noite para o dia. Primeiro, no começo da revolução, declarou-se que a ordem política e jurídica anterior estava abolida. Segundo, novas instituições políticas foram introduzidas quase tão repentinamente quanto as antigas foram abolidas. Era parte do programa do papa Gregório VII, pelo menos a partir de 1074, que o papado organizasse uma cruzada para defender os cristãos do Oriente contra os infiéis turcos. Apenas em 1095, seu sucessor e seguidor devotado Urbano II, obteve sucesso ao lançar a primeira cruzada. O papado tentava usar as cruzadas como meio de exportação da Revolução Papal para cristandade oriental. O cisma entre as igrejas ocidental e oriental, que tinha atingido seu auge em 1054 na controvérsia teológica sobre a expressão filioque do Credo, tomou a forma de violência e conquista. A revolução papal terminou em acordo entre o novo e o velho. Se a força foi a parteira, o Direito foi o professor que finalmente levou a criança à maturidade. Gregório VII morreu no exílio, e Henrique IV foi deposto. O que pode ser dito da força é que foi necessário à Europa passar por uma guerra civil para que ambos os lados se dispusessem a fazer concessões. O balanço foi atingido, em última instância, pelo Direito. Levou quase uma geração, de 1050 a 1075, para que o papado proclamasse que o programa havia se tornado realidade. Seguiram-se então 47 anos de luta antes que outro papa conseguisse entrar em acordo com outro imperador na questão única da investidura papal versus a investidura imperial de bispos e abades. Os filhos e netos da revolução transformaram seus princípios subjacentes em instituições jurídicas e governamentais. A ascensão do Estado Moderno A Revolução Papal fez surgir o primeiro Estado moderno ocidental cujo primeiro exemplo foi, paradoxalmente, a própria Igreja.

Antes de Gregório VII a Igreja esteve inserida na sociedade secular e não possuía os conceitos de soberania e poder legislativo independente que foram fundamentais para a qualificação do Estado moderno. Depois dele, entretanto, a Igreja adquiriu a maioria das características distintivas do Estado moderno. Ela alegava ser uma autoridade independente, hierárquica e pública. A Igreja exercia os poderes legislativo, administrativo e judiciário de um Estado moderno. Ale disso, ela aderiu a um sistema racional de jurisprudência: o Direito Canônico. De qualquer sorte, não deixa de ser um paradoxo chamar a Igreja de Estado moderno, já que o principal traço de distinção entre os Estados moderno e antigo é seu caráter secular. Não houve efetivamente, embora a Igreja pretendesse a eliminação da função religiosa do da autoridade política, uma separação entre Igreja e Estado no sentido moderno, por diversas razões: a) o Estado no sentido moderno, ainda não havia surgido. b) os imperadores e reis ainda continuavam com papel importante nas investiduras. Os membros do clero continuavam a desempenhar papel importante na política secular. c) A Igreja detinha importantes poderes seculares. Bispos continuavam a ser senhores de seus vassalos e servos e a administrar suas propriedades. A revolução papal deixou um legado de tensões entre os valores espirituais e seculares dentro da Igreja, dentro do Estado e dentro de uma sociedade que não era completamente igreja nem completamente Estado. O surgimento dos sistemas jurídicos modernos A Revolução Papal fez surgir também os sistemas jurídicos ocidentais modernos, dentre os quais o primeiro foi o sistema moderno do Direito Canônico. Desde os séculos anteriores, a Igreja acumulou uma grande quantidade de leis- cânones (isto é regras) e decretos de concílios e sínodos da Igreja, decretos e decisões de bispos (inclusive do pontífice romano) e direitos de imperadores cristãos em relação à Igreja. A Igreja no Ocidente também produziu muitos penitenciais (manuais para padres), contendo descrições de vários pecados e penas aplicáveis a eles. O caráter descentralizado do Direito Eclesiástico antes do século XI estava intimamente relacionado ao caráter descentralizado da vida política da Igreja. No despertar da Revolução Papal surgiu um novo sistema de Direito Canônico e novos sistemas jurídicos seculares, juntamente com uma classe de advogados e juizes, hierarquia de cortes, escolas de Direito, tratados de Direito e um conceito de Direito

como um corpo integrado, autônomo e em desenvolvimento de princípios e procedimentos. O dualismo dos sistemas jurídicos secular e eclesiástico levou a um pluralismo de sistemas jurídicos seculares no interior da ordem jurídica eclesiástica e, mais especificamente, à jurisdição concorrente da cortes eclesiástica e secular. A nova noção de Direito e os novos tipos de direito que surgiram na Europa Ocidental no despertar da Revolução papal foram necessários como meio de: 1) controlar por intermédio de autoridades centrais uma população largamente dispersa em diversas lealdades de grupo; 2) manter a identidade corporativa do clero e adicionar uma nova dimensão jurídica à sua consciência de classe; 3) regular as relações entre as políticas concorrentes eclesiástica e secular; 4) capacitar as autoridades seculares a implementar, de forma deliberada e programática, sua missão declarada de impor a paz e justiça dentro de suas respectivas jurisdições; 5) capacitar a Igreja a implementar, de forma deliberada e programática, sua missão proclamada de reformar o mundo.