1 RESUMO (Chave e Catálogo Ilustrado de Campo para a Identificação da Flora Arbórea de um Trecho de Floresta de Restinga do Parque Estadual da Ilha do Cardoso.)- O presente trabalho constitui-se em parte do projeto temático Diversidade, Dinâmica e Conservação em Florestas do Estado de São Paulo: 40 ha de parcelas permanentes enviado ao Biota-FAPESP, que compreenderá o estudo das quatro principais áreas florestais do Estado de São Paulo, entre elas a Floresta Restinga. Neste trabalho, será realizado o levantamento das espécies arbóreas acima de 4,8 cm de DAP, de 256 parcelas de 20x20m do trecho de floresta de restinga estudado pelo projeto temático, localizado no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, município de Cananéia/SP. Serão realizadas coletas mensais das espécies, ao longo de um ano com posterior identificação, que ocorrerá no Laboratório de Sistemática do Departamento de Ciências Biológicas, ESALQ/USP. Para cada morfoespécie será feito um registro fotográfico para produção de um catálogo que servirá de base para elaboração de um Guia Ilustrado de Identificação. Paralelamente será elaborada uma chave de identificação baseada em caracteres vegetativos e descrições morfológicas das espécies.
2 1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVAS As formações vegetais sobre as restingas e as dunas ocupam cerca de cinco mil quilômetros, correspondendo a cerca de 79% do total do litoral brasileiro (Araujo & Lacerda, 1987). Enquanto as dunas têm origens predominantemente eólicas, as restingas têm suas origens associadas a processos de sedimentação complexos e transporte de materiais pelas correntes marinhas, interagindo de forma marcante com a costa (Lamego, 1940). As restingas localizam-se sobre áreas de sedimentação quaternária formando amplas planícies litorâneas arenosas. A sedimentação dessas planícies costeiras pode ser atribuída a quatro fatores que são: disponibilidade de sedimentos arenosos, correntes de deriva litorânea, flutuações do nível relativo do mar durante o quaternário, e feições costeiras propiciando a retenção de sedimentos (Sugui & Martin, 1990). As vegetações sobre as restingas podem estar associadas aos diferentes níveis de nutrientes, ao regime hídrico do solo (Henriques et al., 1886), topografia e condições ambientais das planícies arenosas, assim como a fatores de caráter sucessional, que propiciam a formação de muitos habitats e, conseqüentemente, a existência de uma flora rica e variada (Waechter, 1985). A diversidade de habitats devido a essas variações faz das restingas as áreas com maior complexidade de ecossistemas (Araújo & Lacerda, 1987). Segundo esses autores, essas características os tornam mais frágeis e suscetíveis a perturbações provocadas pelo homem, fato que foi observado por Pereira e Assis (2000) na restinga de Cambuí em Vitória, ES. As planícies arenosas têm recebido diversas denominações, sendo restinga a mais comum (Thomaz & Monteiro, 1992). Suguio & Tessler (1984) propuseram a mudança na
3 denominação, já que o termo restinga refere-se a depósitos arenosos costeiros de origens variadas e as planícies brasileiras são quase sempre relacionadas a cordões litorâneos regressivos. Assim, a proposta dos autores é denominá-las de cordões litorâneos, um termo mais preciso e restrito. O termo vegetação de restinga, quando encontrado na literatura, pode estar sendo utilizado para englobar diversas comunidades ou sejam, as praias, antedunas, cordões arenosos, depressões entre cordões, margens de lagos e até manguesais. Porém os manguesais estão sobre substrato com muito limo, além de areia, e sob influência da ação das marés (Lacerda et al.,1982). Hueck (1972) indicou que os tipos de vegetação encontradas na região costeira são estágios iniciais, de transição ou permanentes, mas nunca devem ser considerados como clímax. De acordo com este autor, apenas a mata pluvial tropical que se desenvolve em solos mais maduros das restingas mais antigas poderia ser considerado como clímax e, neste caso, ela deveria ser considerada como parte da mata pluvial que cobre a Serra do Mar, uma vez que, floristicamente, coincide em grande parte com ela. Normalmente, há um aumento na complexidade da vegetação no sentido oceanocontinente, que é interpretado por alguns autores como sendo faixas de zonação e fases sucessionais (Waechter, 1985). Após a faixa de dunas tem-se um terreno arenoso mais estável, bem drenado, onde se estabelece uma vegetação densa, lenhosa, caracterizada por arbustos baixos, esclerófilos e aparentemente xerófitos, denominada de jundú ou nhundú por Loefgren (1896). Fisionomicamente, o aspecto xeromórfico da vegetação é evidenciado por árvores baixas, com troncos ramificados e tortuosos, copas ralas deformadas unilateralmente, devido à ação abrasiva das partículas de areia e sal trazidas pela ação do vento, e folhas
4 coriáceas e cerosas. Floristicamente, a presença de Myrtaceae, com maior riqueza de espécies é marcante (Silva, 1990; Sugiyama, 1993 e Pereira & Assis, 2000). De uma maneira geral, as formações mais próximas do mar estão melhor estudadas, tanto na composição florística como nos aspectos ecológicos (Sugiyama, 1993). Nos últimos anos pode-se dizer que houve um aumento significativo em relação ao conhecimento quali/quantitativo dos ambientes de restinga. Entretanto, um dos fatores que tem limitado o estudo das restingas é a dificuldade encontrada na identificação das espécies vegetais causada tanto pela complexidade dos grupos taxonômicos comuns neste ambiente (principalmente as Myrtaceae) como pela escassez de trabalhos taxonômicos que tenham como meta a produção de chaves de identificação acessíveis aos não taxonomistas. Desta forma, muitas vezes tem sido necessário o apoio de um especialista (nem sempre disponível) para confirmar a identificação das espécies. A produção de um guia ilustrado de identificação, com detalhes de caracteres vegetativos e reprodutivos, assim como informações ecológicas das espécies estudadas, é de suma importância para a melhoria e facilitação de futuras pesquisas. E dentro de um contexto geral, a existência de um guia ilustrado proporciona a sensibilização da comunidade através da beleza das cores e formas das espécies existentes na região, fato importante frente à fragilidade e susceptilidade do ambiente de restinga às perturbações antrópicas. O presente trabalho será desenvolvido no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, em área de restinga, integrado ao projeto temático Diversidade, Dinâmica e Conservação em Florestas do Estado de São Paulo: 40 ha de parcelas permanentes" - ANEXO 1- (processo FAPESP n 99/09635-0).
5 2.OBJETIVOS Em face do exposto, o presente trabalho objetiva: 2.1. Objetivos Gerais: - Contribuir para o conhecimento da flora da restinga do Parque Estadual da Ilha do Cardoso; - Contribuir para a execuçâo de projetos em florestas de restinga, através da facilidade de identificação das espécies vegetais; - Contribuir para o projeto Diversidade, Dinâmica e Conservação em Florestas do Estado de São Paulo: 40ha de parcelas permanentes. 2.2. Objetivos específicos: - Ilustrar e descrever morfologicamente as espécies arbóreas encontradas em um trecho de floresta de restinga, do Parque Estadual da Ilha do Cardoso; - Produzir uma chave de identificação para caracteres vegetativos das espécies arbóreas de um trecho de floresta de restinga do Parque Estadual da Ilha do Cardoso; - Produzir um Guia Ilustrado para Identificação das espécies arbóreas de um trecho de floresta de restinga do Parque Estadual da Ilha do Cardoso.
6 3. METODOLOGIA 3.1. ÁREA DE ESTUDO - PARQUE ESTADUAL DA ILHA DO CARDOSO A Ilha do Cardoso é um dos principais remanescentes da Mata Atlântica e representa uma amostra de todos os tipos de vegetação ocorrentes na costa atlântica brasileira (Barros et al., 1991). Situa-se no extremo sul do litoral do Estado de São Paulo no município de Cananéia, entre os paralelos 25 0 03 05-25 0 18 18 e os meridianos 47 0 53 48-48 0 05 42. Faz parte do complexo estuarino lagunar de Iguape-Cananéia- Paranaguá, considerado o terceiro do mundo em termos de produtividade pela União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN). Com um comprimento total de 30 Km e largura máxima de 10 Km, a Ilha possui uma área de aproximadamente 22.500 ha e foi transformada em Parque Estadual pelo Decreto 40.319 de 1962 (Negreiros et al., 1974). A forma da ilha é irregular, sendo mais larga ao norte e estreitando-se abrupta e acentuadamente em direção ao sul. A leste é banhada pelo Oceano Atlântico e a oeste, separa-se do continente pelas águas do canal de Ararapira; limita-se ao norte pela Barra de Cananéia e Baia de Trapandé, isolando-se, assim, das Ilhas Comprida e de Cananéia. Ao sul, termina em uma faixa estreita de areia na Barra de Ararapira, penetrando nas águas do Oceano Atlântico, que banham a costa norte do Estado do Paraná. Dados climáticos coletados em baixa altitude (<200m) para o período de dois anos (1990-1991) revelam que a média das temperaturas mínimas está em torno de 19 0 C, a média das máximas em torno de 27 0 C e a precipitação anual entre 1800-2000 mm (Melo & Mantovani, 1994). A topografia é predominantemente montanhosa, sendo a região central da ilha ocupada por um maciço que atinge mais de 800m de altura. Os solos das planícies são
7 resultado de sedimentação marinha recente e são do tipo podzol hidromórfico, caracterizado pelo alto teor de areia, baixo teor de argila e silte e baixa fertilidade (Giulietti et al., 1983). Nas meias encostas e morros isolados predominam o Latossolo Vermelho- Amarelo-Orto (LV), e nas encostas mais acidentadas o Podzol Vermelho-Amarelo com transição para Latossolo Vermelho-Amarelo (PVL). Estes solos, geralmente profundos e bem drenados, são formados a partir de rochas granito-gnaisse e apresentam alto teor de argila, baixo ph, coloração alaranjada, e baixa fertilidade (Pfeifer, 1989). Na Ilha são encontradas diferentes formações vegetais naturais, relacionadas principalmente com as características do substrato: 1. campo de altitude nos altos dos morros onde os solos são rasos e as rochas afloram; 2. floresta atlântica de encosta, nos terrenos de maior declive; 3. vegetação de dunas próximo a zona de maré; 4. floresta de restinga nos podzois hidromórficos da planície litorânea e os 5. manguezais nos solos lodosos das várzeas dos rios periodicamente inundados por água salobra. A vegetação da Ilha do Cardoso foi alvo de projetos de pesquisa enfocando a flora da restinga (De Grande & Lopes, 1981) e também a produção de uma flora geral (Barros et al., 1991). A composição e estrutura da floresta de encosta foram investigadas e comparadas com outros estudos (Melo & Mantovani, 1994). O resultados dessa comparação demonstram que a floresta do Estado de São Paulo, em particular da Ilha do Cardoso, apresenta baixa diversidade local (alfa diversidade) e regional (gama diversidade) em comparação a outras florestas neotropicais (Tabarelli & Mantovani, 1999). A vegetação de restinga cobre a maior parte da planície arenosa da Ilha do Cardoso, principalmente a nordeste, sul e sudeste, e sua composição e estrutura foi estudada por Sugiyama (1993). Esta autora trabalhou com a floresta de restinga em duas situações, floresta alta e baixa. Foram encontrados 1256 indivíduos com DAP 2,5cm, pertencentes a
8 53 espécies e 23 famílias em 0,27 ha na restinga alta, apresentando domínio de Myrtaceae, com 45% dos indivíduos, sendo as espécies mais importantes segundo o índice de valor de importância (Curtis e MacIntosh, 1951) respectivamente: Myrcia bicarinata (Berg) Legr. Ocotea pulchella (Nees) Mez, Geonoma schottiana Mart., Calyptranthes concinna DC. Pimenta pseudocaryophyllus (Burret) Landrum e Euterpe edulis Mart. Na restinga baixa foram amostrados 867 indivíduos com DAP 1,6 cm em 0,1 ha, pertencentes a 31 espécies e 17 famílias, sendo Theaceae a família mais abundante apesar de ser representada por apenas duas espécies na amostra e Myrtaceae a família mais diversificada (9 espécies). Neste local as espécies com maior IVI foram, em ordem decrescente: Terstroemia brasiliensis Camb, Ocotea pulchella (Nees) Mez., Clusia criuva Camb, Ilex theezans Loez., Myrcia multiflora (Lam.) DC. e Weinmannia paulliniifolia Pohl. A similaridade entre as duas amostras de restinga foi de 53% para o índice de Sorensen, sendo a restinga baixa mais semelhante floristicamente com amostras de restinga da Ilha do Mel (57%) (Sugiyama, 1993). 3.2. IDENTIFICAÇÃO DAS ESPÉCIES O presente estudo se desenvolverá no interior da parcela de 10,24 ha, a ser alocada pelo projeto temático Diversidade, Dinâmica e Conservação em Florestas do Estado de São Paulo: 40ha de parcelas permanentes. A parcela de 10,24 ha será dividida em 256 subparcelas de 20x20m, onde ocorrerá o desenvolvimento deste estudo. Serão incluídos todos os indivíduos com DAP (diâmetro à altura do peito) igual ou superior a 4,8cm (PAP - perímetro à altura do peito 15 cm), que é o padrão utilizado pelo projeto temático. Desta
9 forma, acredita-se que serão incluídas as espécies mais representativas desta área de restinga, incluindo aquelas relativamente raras ou de pouco destaque. A coleta dos materiais botânicos será realizada mensalmente seguindo os padrões usuais neste tipo de trabalho, conforme descrito por Fidalgo & Bononi (1984). Para cada material coletado em estado fértil (com flores e/ou frutos) serão amostrados pelo menos cinco ramos e aqueles em estado vegetativo apenas dois ramos, esperando que até o final do projeto todas as espécies amostradas tenham sido coletadas em estado reprodutivo. Estes materiais serão prensados entre folhas de jornal e papelão e secos em estufa de campo, colocadas na sede administrativa do Parque. Dados referentes à localização e numeração do indivíduo, porte, altura, coloração das flores e fruto, etc., serão anotados em campo para posterior elaboração de etiquetas que acompanharão o espécime. Toda a triagem e organização do material botânico coletado serão feitos no Laboratório de Sistemática do Departamento de Ciências Biológicas, ESALQ/USP, onde os espécimes serão montados em cartolina e incorporados a um acervo específico do projeto, que será montado numa sala própria para esse fim. A identificação do material botânico coletado será executada utilizando bibliografia especializada, e quando necessário, por comparação em outros herbários ou através do envio para especialistas. Para cada morfoespécie amostrada, será feito ainda um registro fotográfico do tronco, folhas e estruturas reprodutivas, utilizando uma câmara fotográfica Nikon digital. As imagens digitalizadas de cada morfotipo serão utilizadas na produção de um catálogo contendo todas as morfoespécies amostradas na área.
10 3.3. PRODUÇÃO DO CATÁLOGO DE IDENTIFICAÇÃO DE CAMPO O catálogo de identificação constará de uma chave de identificação através de caracteres vegetativos acompanhada de fotografias do tronco, folhas e partes reprodutivas das espécies. Serão incluídas as espécies amostradas na parcela de 10,24 ha e as observadas nas caminhadas aleatórias. Dados secundários serão obtidos a partir dos trabalhos de Barros et al. (1991) e Sugiyama (1993) e poderão complementar a lista de espécies incluídas no presente projeto. A chave de identificação será baseada no modelo adotado no trabalho de Rossi (1987), ao passo que a organização dos textos e fotos terá como modelo a Flora da Reserva Ducke (Ribeiro et al., 1999). Este catálogo terá aplicação imediata no Projeto Diversidade, Dinâmica e Conservação em Florestas do Estado de São Paulo: 40ha de parcelas permanentes, no auxílio da identificação das espécies. Desta forma, será possível testar em campo a funcionalidade da chave, corrigindo-se eventuais falhas. Par cada espécie será apresentada uma descrição morfológica dos caracteres vegetativos e reprodutivos (de aproximadamente 3-4 linhas), baseada no material coletado na área, com eventuais complementações baseadas na literatura. Tais descrições servirão para confirmar as identificações realizadas através da chave.
11 4. CRONOGRAMA DO PROJETO 1 o semestre de 2001 2 o semestre de 2001 1 o semestre de 2002 Levantamento X Bibliográfico Atividades de X X X Campo Implantação X X das parcelas Identificação X X dos Materiais Disciplinas X X 2 o semestre de 2002 Redação Final X X
12 BIBLIOGRAFIA ARAUJO, D.S.D. de & LACERDA, L. 1987. A natureza das Restingas. Ciência Hoje 6 (33): 42-48. BARROS, F., MELO, M. M. R. F., CHIEA, S. A. C., KIRIZAWA, M., WANDERLEY, M. G. L. & JUNG-MENDAÇOLLI, S. L. 1991. Flora Fanerogâmica da Ilha do Cardoso: Caracterização geral da vegetação e listagem das espécies ocorrentes. Instituto de Botânica, São Paulo. CURTIS, J.T. & MACINTOSH, J. 1951. An upland forest continum in the prairie-forest border region of Wisconsin. Ecology 32: 476-496. DE GRANDE, D. A. & LOPES, E. A. 1981. Plantas da restinga da Ilha do Cardoso (São Paulo, Brasil). Hoehnea 9: 1-22. FIDALGO, O. & BONONI, V. L. R. 1984. Técnicas de coleta, preservação e herborização de material botânico. Instituto de Botânica, São Paulo. GIULIETTI, A.M.; RIBEIRO FILHO, E.; BUENO, M.C.G. & AVELAR, W.E.P. 1983 Em busca do conhecimento ecológico. Uma introdução à metodologia. São Paulo. Edgar Blücher. 110p. HENRIQUES, R.P.B., ARAUJO, D.S.D. & HAY, J.D. 1986. Descrição e classificação dos tipos de vegetação da restinga de Carapebus, Rio de Janeiro. Rev. Bras. de Bot., 9(2): 173-189. HUECK, K. 1972. As florestas da Ámerica do Sul: ecologia, composição e importância econômica. São Paulo, Polígono, Editora da Universidade de Brasília. 466p.
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