Efetividade do tratamento odontológico e redução de impacto na qualidade de vida

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Transcrição:

Cláudio Corvino Chapelin 1 Ludmilla Awad Barcellos 2 Maria Helena Monteiro de Barros Miotto 3 Dental treatment effectiveness and life quality impact reduction Efetividade do tratamento odontológico e redução de impacto na qualidade de vida ABSTRACT Introduction: This study aimed to evaluate the effect of public system s dental treatment in reducing the impact caused by dental problems in quality of life. Material and Method: Longitudinal design population research measuring oral impact with OHIP14 before and after dental treatment in a hundred individuals aged from 15 to 60 years-old. Results: Subjects aged over 40 presented greater impact prevalence at global score (p=0,05) and 2,6 the chance to have oral impacts in quality of life (CI95% 0,97; 7,00). Subjects from socioeconomic status (SES) D and E had more impact at functional disability (p=0,05), pain (p=0,040) and deficiency (p<0,01) dimensions and greater chance to have impact in life quality (0R=4,2; CI95%=1,41;12,83). Those ones that made urgency dental visits and declared prosthesis need, had more impact and quality of life. Logistic regression results showed SES, and prosthesis need as the most impact predictors. Conclusion Dental treatment effectiveness was observed with impact reduction in those participants who had dental treatment concluded, resulting in life quality improvement. Keywords Quality of life. OHIP. Oral health. RESUMO Introdução: Este estudo se propôs a avaliar o efeito do tratamento odontológico municipal na redução do impacto produzido por problemas bucais na qualidade de vida dos usuários. Material e métodos: Pesquisa populacional em que se utilizou delineamento longitudinal com intervenção. O impacto foi medido antes e depois do tratamento odontológico concluído usando o OHIP 14 em um grupo inicialmente composto por 100 indivíduos de 15 a 60 anos. Resultados: Em relação à faixa etária, os dados mostraram que os indivíduos acima de 40 anos, apresentaram maior prevalência de impactos no escore total (p= 0.05) e uma chance 2,6 vezes maior de sofrer impacto dos problemas bucais em qualidade de vida (IC 95,0%+0,97; 7,00). Com relação à condição socioeconômica (CSE), os indivíduos de condição D e E apresentaram maior impacto nas dimensões limitação funcional (p=0,050), dor física (p=0,040), deficiência (p<0,01) e maior chance de apresentar impacto na qualidade de vida (0R=4,2;IC 95,0%=1,41;12,83). Os indivíduos que procuraram serviços odontológicos por urgência e com necessidade declarada de prótese apresentaram mais impacto na qualidade de vida. A regressão logística apontou, como maiores preditores de impacto, a CSE e a necessidade de prótese. Conclusão: A efetividade do tratamento odontológico foi observada com a redução do impacto em indivíduos que tiveram tratamento odontológico concluído melhorando a qualidade de vida dos usuários. Palavras-chave Qualidade de vida. OHIP. Saúde bucal. 1 Especialista em Saúde Coletiva ABO-ES 2 Mestre em Saúde Coletiva; professora da ESFA e dos Cursos de Especialização em Saúde Coletiva e Odontologia do Trabalho ABO-ES 3 Professora adjunta da UFES; mestre em Saúde Coletiva; doutoranda em Saúde Coletiva-UPE 46 2008; 10(2):46-51 UFES Rev Odontol

Introdução A mudança do paradigma médico-tecnicista para um mais amplo de comportamento social nos compromete a desenvolver novas maneiras de medir percepções, sentimentos e comportamentos, dando uma crescente importância às experiências subjetivas do indivíduo, de seu bem-estar funcional, social e psicológico, e de suas interpretações de saúde e doença 15. Os sistemas normativos de determinação de necessidades costumam ignorar os aspectos sociocomportamentais, que só podem ser avaliados por meio de medidas de tendência. Esses sistemas dão pouco valor a medidas de qualidade de vida, não considerando como a condição de saúde bucal afeta a vida diária das pessoas 19. Comparando indicadores objetivos e de necessidade percebida, Gilbert et al. (1997) 10 comentaram que medidas autorelatadas são mais informativas de como a doença afeta a vida diária dos indivíduos e das populações do que as medidas normativas. A utilização de uma perspectiva multidisciplinar e de qualidade de vida relativa à saúd,e por meio de sintomas auto-relatados, consegue medir, com eficácia, o impacto da doença no indivíduo, avaliar serviços e estabelecer programas e prioridades políticas utilizando melhor os recursos financeiros 9. Exames clínicos não podem ser substituídos pelos subjetivos e sim complementados; indicadores subjetivos fornecem padrões pobres de utilização dos serviços por parte do usuário, podendo ser influenciados também por fatores sociais e econômicos 6. O Oral Health Impact Profile (OHIP) é um indicador subjetivo que foi desenvolvido com o objetivo de fornecer uma medida abrangente de disfunções, desconforto e incapacidade auto-avaliada atribuída à condição bucal, fornecendo informações sobre a percepção de impactos produzidos por problemas bucais e a efetividade dos serviços de saúde na redução desses impactos 21,23. Locker e Slade (1993) 14 validaram o OHIP para a população canadense e verificaram que os participantes que procuravam o cirurgião-dentista (CD) apenas em caso de dor apresentaram maior impacto. Na Austrália, Slade e Spencer (1994b) 24, em uma amostra de pessoas de 60 a 75 anos, verificaram que adultos mais velhos apresentaram maior prevalência de impacto nas dimensões limitação funcional e incapacidade psicológica e social. Em relação ao sexo, não houve diferenças estatisticamente significantes. Os resultados também indicaram maior impacto relatado por aqueles que procuram os serviços por motivo de urgência ou problemas dentários. Na Carolina do Norte (EUA), em relação à variável sexo, não foi encontrada diferença significativa. Indivíduos idosos, dentados, com menor escolaridade relataram maior impacto nas dimensões limitação funcional e desconforto psicológico. Indivíduos dentados que faziam tratamento odontológico de rotina apresentaram menor impacto 11. Comparando os dados coletados na Austrália, Carolina do Norte e no Canadá, foi observado maior impacto em indivíduos com condição socioeconômica mais baixa e dentados que visitavam o CD apenas em caso de urgência 25. Uma versão simplificada do OHIP foi desenvolvida com 14 questões e mostrou-se efetiva em determinar as mesmas associações com fatores clínicos e sociodemográficos 22. Recentemente, em estudo realizado com 3.678 adultos australianos, a perda dentária e os escores do OHIP 14 foram piores em indivíduos mais pobres e o atendimento de rotina e o autocuidado estavam inversamente associados à perda dentária 18. A validação do instrumento transculturalmente traduzido para o português, demonstrou propriedades semelhantes àquelas mensuradas na situação de origem1, possibilitando uma ampla utilização do indicador em pesquisas brasileiras. Em Montes Claros (MG), indivíduos acima de 40 anos, de condição socioeconômica D e E e que necessitavam de PPR apresentaram maior impacto e o acesso ao sistema de saúde foi um fator de proteção para o impacto da doença bucal efetivando melhora na qualidade de vida dos indivíduos 16. Em Cuiabá (MT), dos 720 indivíduos participantes, aqueles de condição socioeconômica D e E que necessitavam de PPR e só visitavam o CD por motivo de urgência tiveram maior impacto dos problemas de saúde bucal em sua qualidade de vida 20. Em Juiz de Fora (MG), em uma amostra aleatória de 300 adultos, os indivíduos até 59 anos, sexo feminino, e os dentados que necessitam de PPR apresentaram maior impacto 17. Em Joaçaba (SC), a necessidade de prótese mostrou relação com o impacto na qualidade de vida em uma amostra de 183 idosos 5. Em Vitória (ES), os ACSs com menor escolaridade, que utilizaram o serviço odontológico por motivo de urgência, com necessidade declarada de prótese, apresentaram maior impacto. A variável que apresentou maior valor predictivo para prevalência de impactos em todas as dimensões foi necessidade declarada de PPR 7. Existe uma relação direta entre impacto social e necessidade percebida de cuidados odontológicos pelo paciente. Com isso, a autopercepção da condição de saúde bucal pode ser utilizada como ferramenta no planejamento do serviço odontológico 2. O OHIP demonstrou ser um instrumento útil para o rastreamento de grupos prioritários para acesso ao serviço 8. UFES Rev Odontol 2008; 10(2):46-51 47

Altos escores do OHIP foram os maiores determinantes da utilização de serviços, sugerindo que pessoas com maior impacto restritivo percebem maior necessidade e procuram mais os serviços 4. Em São Mateus (ES), a maior prevalência de impactos não demonstrou uma associação com a utilização de serviços odontológicos 3. O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto dos problemas bucais na qualidade de vida de usuários submetidos a tratamento odontológico na Unidade de Saúde (US) municipal de Vila Bethânia-Viana-ES. Material e métodos Esta pesquisa populacional utilizou delineamento longitudinal com intervenção e foi realizada na Unidade de Saúde (US) de Vila Bethânia, no município de Viana (ES). Foram cadastrados 100 pacientes de 15 a 60 anos assistidos pelo SUS, por ordem de inscrição, numerados numa lista de espera. Os pacientes que concordaram em participar (98) foram submetidos a uma entrevista padronizada, utilizando roteiros estruturados sobre: situação sociodemográfica, estrutura da prática odontológica e o OHIP14 aplicados por três agentes comunitárias de saúde (ACS) capacitadas. Somente 53 pacientes tiveram o tratamento concluído (TC) e estes responderam novamente ao OHIP 14. Os resultados do OHIP foram analisados de forma dicotomizada com impacto e sem impacto. O projeto desta pesquisa foi conduzido dentro dos padrões exigidos pela Declaração de Helsink e aprovado em agosto de 2004, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Associação Brasileira de Odontologia ABO-ES. Tabela 1. Características sociodemográficas Característica Freqüência Percentual Sexo Masculino 24 24,5 Feminino 74 75,5 Faixa etária 15 a 39 anos 60 61,3 40 anos ou mais 38 38,8 Condição socioeconômica A, B, C 49 50,0 D, E 49 50,0 Tabela 2. Características relacionadas com a saúde Característica Freqüência Percentual Situação da dentição Dentado 97 99,0 Edentado total 1 1,0 Uso de Próteses Não precisa 60 61,2 Precisa 38 38,8 Motivo da utilização de serviço nos últimos 12 meses Urgência 28 28,6 Tratamento de rotina 29 29,6 /prevenção Não procurou 41 41,8 Resultados A descrição da amostra está apresentada nas Tabelas 1 e 2. Os resultados mostraram que a maior freqüência de impacto está nas dimensões desconforto psicológico e dor física, porém 78,6% dos entrevistados não perceberam o impacto dos problemas bucais em sua qualidade de vida (Tabela 3). Não houve diferença significante na freqüência de impacto entre homens e mulheres. Em relação à faixa etária, os indivíduos acima de 40 anos apresentaram maior prevalência de impactos no escore total (p=0,05); analisado por dimensão, o resultado só foi significante para limitação funcional p=0,016). Calculado o OR para esses resultados, indivíduos com 40 anos ou mais tiveram uma chance 2,6 vezes maior de sofrer impacto dos problemas bucais em sua qualidade de vida (IC95%=0,97; 7,00). Tabela 3. Freqüência do impacto Sem impacto Com impacto Nº % Nº % Limitação funcional 83 84,7 15 15,3 Dor física 58 59,2 40 40,8 Desconforto psicológico 55 56,1 43 43,9 Incapacidade física 70 71,4 28 28,6 Incapacidade psicológica 65 66,3 33 33,7 Incapacidade social 80 81,6 18 18,4 Deficiência 70 71,4 28 28,6 Escore Total 77 78,6 21 21,4 48 2008; 10(2):46-51 UFES Rev Odontol

Analisando a condição socioeconômica os indivíduos de condição D e E apresentaram maior impacto nas dimensões limitação funcional (p=0,050), dor física (p= 0,040), deficiência (p<0,001). Os resultados do escore total também mostraram diferenças significativas (p=0,006). Os pacientes de condição socioeconômica D e E tiveram mais chance de apresentar maior impacto na qualidade de vida (OR= 4,2; IC95%= 1,41; 12,83). As diferenças não foram estatisticamente significantes em nenhuma dimensão do OHIP, quando analisada a utilização de serviços odontológicos nos últimos 12 meses. Quanto ao motivo da utilização rotina e urgência os resultados demonstraram uma maior prevalência de impacto nas dimensões limitação funcional (p=0,008) e dor física (p=0,022) para aqueles que visitaram o CD por urgência. Não considerando as dimensões isoladamente, quem declarou necessidade de prótese teve maior impacto na qualidade de vida (p=0,003). Quanto ao impacto por dimen- são, os pacientes declararam maior impacto nas dimensões: limitação funcional (p= 0,003); desconforto psicológico (p=0,026); incapacidade psicológica (p=0,002); e deficiência (p=0,018). Quem necessitava de prótese teve 4,4 vezes mais chance de apresentar impacto em sua qualidade de vida (OR=4,4; IC95%= 1,58; 12,34). Na análise multivariada do escore geral do OHIP, os resultados mostraram que o grupo de classe D e E teve 2,9 mais chance de impacto. Em relação à variável necessidade de prótese, quem precisava teve 2,8 mais chance de impacto, comparando com os indivíduos que não precisavam (Tabela 4). Dos pacientes que iniciaram o tratamento odontológico com impacto, pode-se afirmar que 77,8% apresentaram redução do impacto após tratamento odontológico concluído, melhorando, assim, a qualidade de vida desses pacientes (p<0,01) (Tabela 5). Tabela 4. Regressão logística sobre o escore geral do OHIP Parâmetro B S.E. Wald D.F. Sig. OR IC 95% - OR Inferior Superior Sexo 0,207 0,660 0,098 1 0,754 1,230 0,337 4,487 Faixa etária 0,300 0,597 0,253 1 0,615 1,350 0,419 4,355 CSE 1,067 0,595 3,214 1 0,073 2,906 0,905 9,328 Motivo da utilização 0,184 0,534 0,119 1 0,730 1,202 0,422 3,426 Necessidade de prótese 1,031 0,617 2,788 1 0,095 2,804 0,836 9,405 Tabela 5. Impacto por dimensão antes e depois do tratamento Com impacto Depois do tratamento Antes do tratamento Sem impacto Com impacto Sig 1. Nº % Nº % Nº % Limitação funcional 6 11,1 3 50,0 3 50,0 1,000 Dor física 21 38,9 14 66,7 7 33,3 0,127 Desconforto psicológico 22 40,7 15 68,2 7 31,8 0,088 Incapacidade física 12 22,2 7 58,3 5 41,7 0,564 Incapacidade psicológica 15 27,8 7 46,7 8 53,3 0,796 Incapacidade social 8 14,8 7 87,5 1 12,5 0,034 Deficiência 15 27,8 12 80,0 3 20,0 0,020 Escore Total 9 16,6 7 77,8 2 22,2 < 0,01 Nota: 1 Teste qui-quadrado UFES Rev Odontol 2008; 10(2):46-51 49

Discussão Os resultados demonstraram que a maioria dos participantes não percebe o impacto da condição bucal em sua qualidade de vida. Esse dado sugere que a busca por tratamento odontológico pode estar relacionada com outros fatores que não o impacto, como condição socioeconômica e cultural 3,6. Os resultados encontrados em relação a sexo corroboram a maioria dos trabalhos que utilizaram o OHIP 11,16,20,24. Apenas a pesquisa de Miotto e Loureiro (2003) 17 demonstrou que mulheres têm mais impacto. Foi verificado maior de impacto nos indivíduos acima de 40 anos, corroborando resultados de estudos internacionais 11,24. Em relação aos estudos realizados no Brasil, a análise dessas comparações pode estar limitada pelos diferentes pontos de corte utilizados nas pesquisas 16,17,20. O maior impacto foi observado nos indivíduos de condição socioeconômica D e E. Esses resultados são semelhantes à maioria dos estudos citados 16,20,23,25. Miotto e Loureiro (2001) 17 não encontraram diferença devido ao fato de a amostra não contar com indivíduos de condição socioeconômica A e B, prejudicando a análise dos dados. Em relação ao motivo da procura por tratamento odontológico nos últimos 12 meses, verificou-se que quem busca serviço odontológico em caso de urgência tem maior impacto. Esse resultado é freqüentemente encontrado nas pesquisas realizadas com o OHIP 6,7,11,14,16,20,24,25. A efetividade do tratamento odontológico, como redutor de impacto na qualidade de vida das pessoas, mais uma vez encontra sustentação. Indivíduos com necessidade declarada de prótese apresentaram maior impacto, resultados freqüentemente encontrados nos estudos realizados no Brasil 4,6,7,16,17,20, possivelmente explicados pela condição bucal da população brasileira, cujas políticas públicas priorizavam a criança. Até um passado recente, o Estado só garantia ao público adulto acesso a uma prática mutiladora, exclusão revelada pelos dados do PNAD 1998 12, ratificada pelo PNAD 2003 13, que confirmou mais de 27 milhões de pessoas excluídas do sistema. Essa necessidade acumulada de tratamento é revelada pela indicador subjetivo. O impacto produzido por necessidade de prótese não é mensurado em estudos realizados nos países desenvolvidos, sugerindo melhor atenção a essa faixa etária. Dos 98 pacientes que iniciaram a pesquisa, 51,9% dos indivíduos concluíram o tratamento odontológico (TC). Alguns fatores podem explicar diferenças na amostra inicial e final, entre eles, abandono, tratamentos longos, impossibilidade de priorizar os sujeitos participantes em relação à demanda e trabalho no horário de atendimento, sugerindo a necessidade de horários alternativos para o tratamento odontológico no serviço público. A perda amostral pode ser considerada uma limitação deste estudo, embora os resultados tenham sido ajustados estatisticamente. Ao compararmos os questionários respondidos pelos pacientes antes e depois do tratamento odontológico municipal, verificamos que, em termos percentuais, houve uma redução do impacto comprovando a efetividade do tratamento odontológico na melhora da qualidade de vida da população pesquisada. A utilização de um indicador como o OHIP poderia ser útil para o planejamento dos serviços odontológicos, priorizando o atendimento das pessoas com impacto produzido por problemas bucais. Somente dessa forma a Odontologia conseguirá seu objetivo maior, que é a melhoria da qualidade de vida da população. Conclusão A efetividade do tratamento odontológico foi observada com a redução do impacto em indivíduos que tiveram tratamento odontológico concluído melhorando a qualidade de vida dos usuários. Referências 1 Almeida A, Loureiro, CA, Araújo VE. Um estudo transcultural de valores de saúde bucal utilizando o instrumento OHIP-14 (Oral Health Impact Profile) na forma simplificada. UFES Rev Odontol 2004; 6(1): 6-15. 2 Almeida AM, Gonçalves JR. Avaliação do impacto percebido da saúde bucal utilizando o instrumento OHIP- 14 (oral health impact profile) forma simplificada. UFES Rev Odontol 2004; 6(2):11-6. 3 Almeida CS, Miotto MHMB, Barcellos LA. O perfil do usuário do serviço odontológico do município de São Mateus ES. UFES Rev Odontol 2007; 9 (2): 8-15. 4 Barcellos, LA, Loureiro CA. O público do serviço odontológico. UFES Rev Odontol 2004; 6(2):41-50. 5 Biazevic MGH, Michel-Crosato E, Lagher F, Pooter CE, Correa SL, Grasel CE. Impact of oral health on quality of life among the elderly populatio of Joaçaba, Santa Catarina, Brazil. Braz Oral Res 2004;18(1):85-91. 6 Biazevic MGH, Araújo, ME, Michel-Crosato E. Indicadores de qualidade de vida relacionados com a saúde bucal: revisão sistemática. UFES Rev Odontol 2002; 4(2):13-5. 7 Bombarda-Nunes F, Miotto MHMB, Barcellos LA. Autopercepção de saúde bucal do agente comunitário de saúde de Vitória ES. Pesquisa Bras Odontoped Clin Integr 2008;8(1):7-14. 8 Ferreira CA, Loureiro CA, Araújo VE. Propriedades 50 2008; 10(2):46-51 UFES Rev Odontol

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