Acasos da Vida Nossas Dolorosas Tragédias
Vanessa Araujo Acasos da Vida Nossas Dolorosas Tragédias
Para os meus filhos. Para os meus amigos. Para os meus pais, por tudo o que fizeram por mim. Para o único homem que amei, que se foi e que deixou saudade... Para o anjo que nunca me abandona, porque ele me ajudou a realizar todos os meus sonhos...
PALAVRAS DA AUTORA: Há algum tempo escrevi uma série de contos que, aos olhos a- lheios, pareciam apenas estórias sombrias e tristes. Entretanto, somente eu conhecia os segredos que tais textos realmente escondiam. Acatando aos argumentos apresentados pelos leitores da época, decidi deixar tais escritos guardados para uma ocasião mais oportuna. Enfim, sinto que este é o momento de revelar meus sentimentos, libertar minhas tristezas. Mais que apenas uma coletânea de contos, essa singela publicação é a carta de alforria para os meus medos, minhas tristezas e decepções. Deliciem-se com as tragédias que presenciei, com os dois extremos que vivi: felicidade e perda. Vanessa Araujo.
Nunca Mais A alma ferida pode não mostrar seu valor no momento inicial... Por isso, sofre as pancadas da vida. Depois, determinada, ergue sua lâmina e vence!
Acasos da Vida Fitando a movimentação da chegada dos novos moradores do apartamento ao lado, notei algumas idiossincrasias daquele casal. Ele era enorme, um gigante, o tipo de homem que dominava e amedrontava somente com o seu tamanho. Ela era linda, porém, com um semblante triste. Não parecia ser como as mulheres delicadas que precisavam de cuidado o tempo todo. Pelo contrário, demonstrava ser forte e decidida. Minha intenção era apresentar-me formalmente ao casal, uma política de boa vizinhança, assim que se instalassem. Entretanto, quando o fim da tarde chegou e eu já estava pronto para dar meus cumprimentos e oferecer qualquer ajuda que pudessem precisar, mudei de ideia e refreei meus passos. Do lado de dentro do apartamento ouvia-se sons secos, como de um corpo sendo surrado. Depois, seguiu 13
Nossas Dolorosas Tragédias uma sequência de louças sendo quebradas. Porém, nenhuma voz, nenhum grito, se fez ouvir. Nenhum clamor. Talvez estivessem fazendo algo que eu, com certeza, não queria atrapalhar. Dei meia volta e retornei ao meu lar. Falaria com eles em um momento mais oportuno. Após uma semana observando o casal, eu já não a- creditava como uma mulher linda aceitava ser esposa do brutamonte que ela chamava de marido. O cara chegava todos os dias quando chegava bêbado e fedendo como um porco. Tratava a moça como um nada, gritando a todo o momento: Jenny, onde está minha comida? ou Jenny, a cerveja está quente, sua imprestável. E ela nada respondia. Não que eu escutasse. Talvez falasse em baixo tom. Ou talvez tivesse medo. Porém, eu estava certo, medo era um sentimento que não habitava naquela moça. Bem, ao menos já sabia seu nome, Jenny. Eu estava saindo para o trabalho, parei no corredor do prédio, apertei o botão do elevador e o esperei até que subisse ao nono andar. Não era costume de Jenny sair naquele horário. Com uma pontualidade britânica, ela seguia sua rotina, sempre saindo antes de mim, tornando impossível um 14
Acasos da Vida encontro casual ou qualquer outra coisa do tipo. Entretanto, nesse dia foi diferente. Ela não estava atrasada, ou não parecia estar. Um ser humano com pressa fica impaciente e dá chilique. Ela não. Estava calma como um monge tibetano. Seus cabelos castanhos estavam presos em um rabo de cavalo emaranhado, revelando que pouco se importava com a aparência. Ou, talvez, por ordem superior do marido -, aquele seria o único artifício aceitável para sua vaidade. Porém, ela não precisava de nada, já era linda por natureza. E nunca vi a cor de seus olhos, pois estava sempre com óculos escuros, mesmo quando chovia. Em um súbito rompante de coragem, cumprimentei-a: Bom dia. Hum... resmungou, retorcendo o canto dos lábios. E isso foi tudo o que ela me respondeu. Ainda não nos apresentamos insisti em manter um diálogo. Sou Lucas, seu vizinho do apartamento ao lado. Muito prazer. Estendi a mão direita para cumprimentá-la. 15