RICARDO VIEIRA DA SILVA DENGUE E VETOR: DOIS AGENTES BIOLÓGICOS E SUA HISTÓRIA NO ESTADO DO PARANÁ



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Transcrição:

RICARDO VIEIRA DA SILVA DENGUE E VETOR: DOIS AGENTES BIOLÓGICOS E SUA HISTÓRIA NO ESTADO DO PARANÁ Monografia apresentada à disciplina BZ029 Estágio ll-zoologia, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Mario Antonio Navarro da Silva Co-Orientador: Msc. Jonny Edward Duque Luna CURITIBA 2004

AGRADECIMENTOS A todas as pessoas que, voluntariamente ou involuntariamente, auxiliaram na contribuição desse trabalho: Ao professor Mario A. Navarro da Silva, por ter me recebido em seu laboratório e pela amizade essencial orientação e contribuição na realização do trabalho; Ao Jonny E. Duque Luna pela amizade e pela valiosa contribuição em diversas etapas do cumprimento desse trabalho; Á Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, pelos dados cedidos durante o desenvolvimento da Monografia; Aos colegas de laboratório, Ana Caroline Dalla Bona, Ana Cristina Tissot, Andreia Aparecida Barbosa, Daniéla Cristina Calado, Eduardo Fumio Kuwabara, Jonny Edward Duque Luna e Lisiane de Castro Poncio pela convivência nesse período; Aos colegas de curso, Aline, Ariani, Bárbara, Cleverson, Diogo, Emerson e Luís Felipe, por todas as experiências compartilhadas nesses quatro anos; A minha família, por todo o apoio e estrutura para que pudesse alcançar meus objetivos; A minha namorada Tabitha, por estar sempre ao meu lado, mesmo quando estive ausente.

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO......1 2. OBJETIVOS...3 2.1 Objetivo Geral...3 2.2 Objetivos Específicos...3 3. MATERIAL E MÉTODOS...4 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO... 9 4.1 O vírus da dengue...9 4.1.1 História natural dos arbovírus...9 4.1.2 Biologia, epidemiologia e mecanismos de transmissão do vírus da dengue...10 4.1.3 Avanços no desenvolvimento da vacina...13 4.1.4 Histórico do dengue nas Américas e no Brasil...14 4.2 O vírus da febre amarela e sua história nas Américas e no Brasil... 18 4.3 Os vetores do dengue: Aedes aegypti e o Aedes albopictus... 21 4.3.1 Biologia e ecologia do Aedes aegypti......21 4.3.2 Biologia e ecologia do Aedes albopictus... 23 4.3.3 Histórico da presença dos vetores nas Américas e no Brasil... 25 4.4 Dengue nas Américas, no período de 1993 a 2003...28 4.5 Dengue no Brasil, no período de 1993 a 2003...34 4.6 A febre amarela no período de 1993 a 2003...43 4.7 A história da dengue no estado do Paraná... 46 4.7.1 Histórico do registro de dengue e febre amarela no estado... 46 4.7.2 Histórico da presença do Aedes aegypti e do Aedes albopictus no estado... 47 4.7.3 Dengue no estado do Paraná, de 1993 a 2003......48 4.8. O combate à dengue... 72 5.CONCLUSÕE S... 76 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 78

1 INTRODUÇÃO A dengue é, no início do século XXI, a mais importante arbovirose que atinge populações humanas, infectando cerca de 50 milhões de pessoas anualmente (OMS 2002). Estima-se que cerca de 2,5 bilhões de pessoas ocupem áreas atingidas pelo vírus da dengue em países tropicais e subtropicais (OMS 1997). A doença apresenta algumas características peculiares, que justificam sua importância nos dias de hoje. Uma delas é o fato de o vírus causador da dengue apresentar quatro sorotipos distintos, o que dificulta o desenvolvimento de uma vacina e aumenta o potencial epidemiológico do dengue, com um mesmo indivíduo podendo virtualmente ser infectado pelos quatro sorotipos durante sua vida (GUBLER 1998). Outra característica importante da virose está relacionada com os vetores responsáveis por transportar o vírus entre hospedeiros. O principal deles é o mosquito Aedes aegypti, que é considerado o mais importante vetor de arbovírus, graças à sua alta antropofilia, estando diretamente relacionado com habitações humanas (OMS 1997). Além da dengue, outra importante arbovirose relacionada à essa espécie é a febre amarela, que apesar de ter sua relevância diminuída drasticamente no século passado, graças ao advento da vacina contra o vírus, ameaça voltar a atingir a humanidade, graças à permanência do vírus no ambiente silvestre e à larga distribuição do Aedes aegypti pelas regiões tropicais do planeta (GUBLER 2002). Aedes aegypti tem sido favorecido pelas mudanças sociais ocorridas no planeta durante as últimas décadas, com aumento populacional e degradação na infra-estrutura das grandes cidades (TAUIL 2001), o que facilita a ocupação das mesmas pelo mosquito. Uma outra espécie de mosquito a ser considerada como vetor da dengue e até mesmo da febre amarela é o Aedes albopictus, que também está distribuída por todo o mundo. Essa espécie e menos domiciliada que o Aedes aegypti, mas capaz de ocupar uma variedade maior de ambientes. Em epidemias de dengue na região asiática, o Aedes albopictus \á foi incriminado como vetor principal (TEIXEIRA 2000). Apesar de comum na região da Ásia e Pacífico desde o final da II Guerra Mundial (GUBLER 1997), a dengue tem recebido maior atenção nos dias atuais graças ao seu dramático crescimento em outra região do planeta, as Américas. Sem registrar epidemias da doença por quase todo o século XX, o continente americano

2 passou a experimentar grandes processos epidêmicos a partir da década de 1970. Desde então, a doença se espalhou pelo continente e em 2002 foram registrados mais de um milhão de casos de dengue na região, de acordo com os dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Nesse quadro, o Brasil tem se destacado progressivamente, com quase 700.000 casos de dengue em 2002, conforme dados do Ministério da Saúde (MS). A doença, que já foi registrada no país no início do século XX, mas que não teve registro de casos durante boa parte do século, voltou a aparecer há pouco tempo no Brasil, com as primeiras epidemias nacionais ocorrendo apenas a partir de 1990 (PONTES & RUFFINO-NETO 1994). No estado do Paraná, os primeiros casos de dengue ocorreram apenas em 1993. Apesar de campanhas anuais do Ministério da Saúde baseados no combate ao vetor do dengue, que é o único elo para o controle da doença, ainda há muitas lacunas no conhecimento sobre as características epidemiológicas da dengue no país. Essa compreensão é fundamental para que se possam desenvolver campanhas realmente eficazes de combate à dengue, algo que ainda não foi conseguido desde que a doença reapareceu. No Paraná, pouco de estudou até aqui sobre a distribuição dos casos de dengue, bem como sobre as características epidemiológicas desta virose, e existem poucas informações disponíveis, que estão descentralizadas e de difícil acesso. Este trabalho foi realizado com objetivo de conhecer a história do vírus e do vetor no estado do Paraná, relacionando-a com a ocorrência da doença. O intuito maior deste trabalho é buscar compreender a dinâmica da virose no Estado e dessa forma contribuir para o conhecimento da dengue no Paraná, auxiliando dessa forma na luta contra essa doença de tão grande importância social e econômica.

3 2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Fazer uma revisão dos últimos acontecimentos relacionados à dengue no estado do Paraná, incluindo um panorama do avanço no conhecimento sobre o vírus da dengue e seus vetores, número de casos de dengue e distribuição espacial e temporal dos mesmos no Estado, no período de 1993 a 2003. 2.2 Objetivos Específicos Realizar levantamento bibliográfico buscando atualizar os principais pontos relacionados ao conhecimento sobre o vírus da dengue e seus vetores, bem como sobre o vírus da febre amarela. Revisar os principais acontecimentos relacionados ao vírus da dengue e seus vetores nas Américas e no Brasil. Analisar a situação atual da febre amarela nas Américas e no Brasil e as possibilidades de novas epidemias da doença. Avaliar a presença e distribuição do vírus da dengue e dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus no Estado do Paraná. Analisar a distribuição espacial e temporal dos casos de dengue notificados no Estado do Paraná com auxílio de técnicas de geoprocessamento global. Avaliar as estratégias utilizadas para o controle da dengue no Paraná e em outras regiões do Brasil.

4 3. MATERIAIS E MÉTODOS Para atingir os objetivos traçados no presente trabalho foi realizado um levantamento bibliográfico a respeito do vírus da dengue e seus vetores, dando preferência a trabalhos recentes, desenvolvidos a partir de 1993. Sempre que necessário, trabalhos anteriores a essa data foram consultados. Foi feito um levantamento da história da dengue no continente Americano no período de 1993 a 2003, consultando diferentes fontes a respeito da distribuição dos sorotipos e dos vetores, número de casos de dengue clássica, número de casos de febre hemorrágica da dengue e mortes pela doença nas Américas durante o período citado. Os dados foram obtidos junto à Organização Pan Americana de Saúde (OPAS), e então agrupados por região das Américas, utilizando para isso a divisão do continente em quatro grandes regiões, conforme indicado na Figura 1 (a). Os mesmos dados relacionados a dengue foram levantados por região do o Brasil, dentro do mesmo período de tempo, tendo sido obtidos junto ao Ministério da Saúde (MS). Foi verificada a distribuição dos casos de dengue em cada uma das cinco grandes regiões do país, conforme indicado na Figura 1(b). Foram coletados dados referentes à ocorrência de febre amarela nos últimos 10 anos nas Américas e no Brasil, utilizando informações obtidas na OPAS. Por fim, foi realizada a busca de dados referentes à dengue no Paraná. O estado do Paraná situa-se na Região Sul do Brasil (Fig. 1b e 1c), entre as latitudes de 22 29 30 e 26 42 59. Tem uma extensão superior a 468 quilômetros na direção norte-sul, e entre as longitudes a oeste de Greenwich de 48 02 24 e 54 37 38, ultrapassando 647 quilômetros leste-oeste (MAACK 2002). O Estado possui uma população de 9.563.458 habitantes (IPARDES 2003). Desses, mais de 81% vivem no ambiente urbano. A Tabela I mostra as cidades mais populosas do Paraná e a Figura 2 destaca sua localização. No Estado procurou-se dar ênfase à distribuição dos casos da dengue, do vetor e dos sorotipos, no período de 1993 a 2003. Para analisar a distribuição dos casos tratou-se a divisão do Estado em 10 grandes mesorregiões, conforme mostra a Figura 3. Os dados foram obtidos junto à Secretaria de Saúde do Estado do Paraná (SESA/PR). À partir dessas informações, foram produzidos mapas com a distribuição temporal e espacial dos casos de dengue no Paraná. É válido ressaltar que todos os mapas apresentados nesse trabalho forám produzidos e processados

com o programa ArcView GIS 3.2a (ESRI 1999), que possibilita a geração de mapas georreferenciados. Com base nos mapas processados e na revisão bibliográfica realizada foi elaborada a análise dos resultados, com ênfase na discussão das estratégias até aqui adotadas para o combate à dengue no estado do Paraná, em comparação com o observado em esfera nacional.

( r / / \ l V, ) / --->*~í-^ " y^r^ts I I I AMÉRICA DO NORTE I AMÉRICA CENTRAL CARIBE AMÉRICA DO SUL } Í ~ V ~ * - V ' \ \ y ^ -,\ '' v'^*' s3b^>.*, Figura 1. (a) Mapa do continente americano mostrando as quatro grandes regiões geográficas do continente; (b) mapa do Brasil mostrando as cinco grandes regiões geográficas do país; (c) mapa do estado do Paraná.

7 Tabela I. Cidades mais populosas do estado do Paraná (IPARDES 2003). Cidade População Total População Urbana População Rural (% do total) (% do total) Curitiba 1.587.315 hab. 100% 0% Londrina 447.065 hab. 96,94% 3,06% Maringá 288.653 hab. 98,38% 1,62% Ponta Grossa 273.616 hab. 97,47% 2,53% Foz do Iguaçu 258.543 hab. 99,22% 0,78% Cascavel 245.369 hab. 93,20% 6,80% São José dos Pinhais 204.316 hab. 89,75% 10,25% Colombo 183.329 hab. 95,44% 4,56% Guarapuava 155.161 hab. 91,32% 8,68% Paranaguá 127.339 hab. 96,08% 3,92% Apucarana 107.827 hab. 92,97% 7,03% Figura 2. Localização das cidades mais populosas do estado do Paraná.

8 CBsrmo-suL paranaense CENTRO OCIDENTAL PARANAENSE CENTRO ORIENTAL PARANAENSE IVETROPOUTANA DE CURITIBA NOROESTE PARANAENSE NORTE CENTRAL PARANAENSE NORTE PIONEIRO PARANAENSE CESTE PARANAENSE SUDESTE PARANAENSE SUDOESTE PARANAENSE Figura 3. Mesorregiões do estado do Paraná.

9 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1 O vírus da dengue 4.1.1 História natural dos arbovírus O termo arbovirose é uma abreviação, em inglês, para arthropod borne viruse, ou seja, virose carregada por um artrópodo. Especificamente, refere-se às infecções virais cujos agentes precisam de um artrópodo hematófago para completar seu ciclo de vida (OMS 1985, KETTLE 1995). Os arbovírus multiplicam-se nos tecidos dos artrópodos, que se infectam ao sugarem sangue dos hospedeiros vertebrados em período^ de viremia (BORGES 2001). São conhecidos atualmente mais de 500 arbovírus distribuídos por todo o mundo, mas com maior freqüência nas regiões tropicais, onde as condições climáticas permitem transmissão durante todo o ano. Alguns parâmetros ecológicos limitam a distribuição de cada arbovírus, como temperatura, regime de chuvas, umidade e outros padrões relacionados à distribuição do artrópodo vetor e dos hospedeiros vertebrados característicos de cada vírus (GUBLER 2002). Os arbovírus são taxonomicamente diversos, pois os critérios para a classificação de um vírus, no mencionado grupo, não são morfológicos, e sim biológicos e ecológicos (KETTLE 1995, GUBLER 2002). Os representantes de arbovírus pertencem a 8 famílias e 14 gêneros de vírus. Cerca de 134 arbovírus foram documentados como causadores de doenças em humanos, transmitidos principalmente por mosquitos e carrapatos (GUBLER 2001). A família Flaviviridae é a que apresenta o maior número de espécies de importância médica, todas dentro do gênero Flavivirus. A Tabela II mostra os principais representantes desse gênero. Os flavivirus são relativamente pequenos (40-50 mm), esféricos e constituídos por um envelope lipídico e um nucleocapsídeo. O genoma é não segmentado e consiste de uma única molécula de RNA linear, tendo cerca de 11.000 nucleotídeos de comprimento. É formado por sete proteínas não-estruturais e três proteínas estruturais, podendo apresentar quatro proteínas estruturais em vírus associados a células (BUCHEN-OSMOND 2003, KETTLE 1995). No Brasil, são conhecidas cerca de 11 espécies de flavivirus, destacando-se

10 os 4 sorotipos do dengue e o vírus da febre amarela, espécie tipo do gênero (FIGUEIREDO 2003). Tabela II. Arbovírus de maior importância médica no Gênero Flavivirus, Família Flaviviridae (Gubler2002, BUCHEN-OSMOND 2003). VIRUS Vetor Hospedeiro Vertebrado Distribuição Geográfica Febre Amarela Mosquitos Humanos e Primatas Africa e América do Sul Dengue 1-4 Mosquitos Humanos e Primatas Trópicos do Mundo Encefalite Japonesa Mosquitos Pássaros e Porcos Ásia e Pacífico Nilo Mosquitos Pássaros África, Ásia, Europa, EUA Rocio Mosquitos Pássaros América do Sul dengue 4.1.2 Biologia, ecologia, aspectos clínicos e epidemiologia do vírus da De maneira geral, a grande maioria dos arbovírus causam zoonoses, sendo mantidos na natureza por outras espécies de vertebradas não humanos, podendo o homem ser apenas hospedeiro final ou acidental ao entrar em contato com o ecossistema onde esses vírus circulam. Os mais importantes hospedeiros reservatórios de arbovírus de importância médica são os pássaros e roedores, enquanto que os mais importantes vetores são os mosquitos e carrapatos (GUBLER 2002, FIGUEIREDO 2003). Dentro desse panorama, o vírus da dengue apresenta-se como uma exceção, por ter adquirido independência de outros hospedeiros vertebrados, adaptando-se completamente aos humanos. Nos grandes centros urbanos dos trópicos, o vírus é mantido num ciclo endêmico Ae. aegypti - humano - Ae. aegypti com grandes epidemias periódicas. Geralmente múltiplos sorotipos circulam em uma mesma cidade, processo conhecido como hiperendemicidade (GUBLER 1998, GUBLER 2004a). No entanto, o dengue também é mantido em ciclos silvestres em florestas da Ásia e África, envolvendo outras espécies do gênero Aedes e primatas. Nesse caso transmissões epidêmicas ocorrem em pequenas populações de vilas rurais ou ilhas, onde o vírus rapidamente infecta todas as pessoas suscetíveis. Com isso, há um aumento na imunidade, o que causa o desaparecimento do vírus naquela região (GUBLER 1998). Do ponto de vista da saúde pública, portanto, o ciclo urbano é o mais importante.

11 A origem do dengue é incerta. GUBLER (1997), no entanto, sugere que o vírus tenha evoluído na Ásia, a partir de um descendente oriundo da África. Essa afirmação baseou-se em antigas referências na região e ao fato de todos os quatro sorotipos serem mantidos em ciclos silvestres nessa área. O vírus foi provavelmente introduzido em vilarejos por homens ou macacos expostos ao ambiente silvestre. Nesses vilarejos, houve a propagação do dengue por mosquitos peridomiciliares. Das vilas, o vírus foi introduzido em cidades portuárias, onde Ae. aegypti já havia se estabelecido. Daí, tanto o mosquito quanto o vírus foram transportados a outras cidades portuárias graças ao transporte marítimo, assim se espalhando pelo mundo (GUBLER 2004a). Até o início do século XX, o vírus já havia atingido virtualmente todos os países tropicais. Cada um dos quatro sorotipos do dengue pode causar infecções com amplo espectro clínico, indo desde infecções assintomáticas a uma doença potencialmente letal. A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece os seguintes graus de infecção, por qualquer um dos sorotipos, de acordo com a severidade da doença: infecção assintomática, febre indiferenciada, febre da dengue clássica (FD) e febre hemorrágica da dengue (FHD), que é dividida nos graus I, II, III e IV, onde os dois últimos caracterizam-se como a síndrome de choque por dengue (SCD), forma mais grave da doença (OMS 1997) (Fig. 4). Após a pessoa ser picada pelo mosquito infectado, o vírus passa por um período de incubação de 3 a 14 dias. A febre da dengue atinge crianças e adultos, e apresenta como sintomas clássicos febre alta, cefaléia intensa, dor retro-orbitária, dores musculares e articulares, náuseas e, em alguns casos, fenômenos hemorrágicos sem maiores conseqüências (PONTES & RUFFINO-NETO 1994, OMS 1997, GUBLER 1998, MAIRUHU et al. 2004). Crianças menores e bebês geralmente apresentam uma doença febril indiferenciada. A FD é raramente fatal, e a sua fase aguda dura de três a sete dias, com a fase convalescente podendo se prolongar por semanas, com fraqueza e depressão. Não há seqüela conhecida associada a essa infecção (GUBLER 1998). A febre hemorrágica da dengue caracteriza-se inicialmente por febre alta, não se diferenciando da FD. Entre o terceiro e o sétimo dia da enfermidade, no entanto, há normalização na temperatura, seguindo-se por fenômenos hemorrágicos, hepatomegalia e insuficiência circulatória (PONTES & RUFFINO-NETO 1994, GUBLER 1998). A maior mudança patológica e fisiológica, que pode determinar

12 aumento na severidade da doença, é o aumento na permeabilidade vascular, que pode levar ao extravasamento de plasma no compartimento extracelular. Quando a perda de plasma se torna crítica, pode resultar na síndrome de choque do dengue, definida pela OMS como febre hemorrágica com falência circulatória, manifestada por pulsação rápida e fraca, com diminuição na pressão, ou hipotensão com a pele fria e úmida e agitação do paciente (OMS 1997, MAIRUHU et al. 2004). Na Ásia, a grande maioria dos pacientes acometidos pela FHD são crianças (GUBLER et al. 1979), enquanto nas Américas, a doença tem atingido de forma igual a adultos e crianças. Algumas epidemias de FHD no continente, como a de Cuba em 1997, acometeram apenas adultos (GUZMAN & KOURI 2003). Há controvérsias sobre os mecanismos patogênicos que levam à ocorrência da FHD. Duas hipóteses são freqüentemente citadas para explicar o fenômeno. A primeira considera que pacientes enfrentando uma segunda infecção pelo dengue, ao serem submetidos a um sorotipo diferente do anterior, apresentam uma resposta imunológica alterada, responsável pela ocorrência da FHD e da SCD. Bebês com infecção primária pelo vírus, mas gerados por mãe com experiência imunológica com o dengue também podem apresentar quadros de FHD/SCD. A segunda hipótese assume o surgimento de diferentes cepas do vírus da dengue, graças à natural variação genética que todo vírus sofre com resultado das pressões de seleção. Algumas cepas seriam mais virulentas do que as outras, favorecendo a ocorrência das formas de infecção mais graves. Existem exemplos práticos que corroboram tanto a primeira quanto a segunda hipótese, o que faz acreditar que ambas possam ser consideradas, já que não são mutuamente exclusivas (PONTES & RUFFINO-NETO 1994, GUBLER 1998, MAIRUHU et al. 2004).

13 Infecção Pelo Vírus da Dengue Infecção Assintomática - Infecção Sintomática Febre Indiferenciada Febre do Dengue Febre Hemorrágica do Dengue Sem Hemorragia Com Hemorragia Incomum Sem Choque Com Síndrome do Choque do Dengue Figura 4. Manifestações clínicas da infecção pelo vírus do dengue (Adaptado de OMS 1997). 4.1.3 Avanços no desenvolvimento da vacina A OMS (2003) designou o desenvolvimento de uma vacina contra o dengue que seja tetravalente, eficaz e barata, para ser incluída nos programas nacionais de vacinação nos próximos anos como de alta prioridade. SWAMINATHAN & KHANNA (2003) citam dois importantes fatores que dificultam o desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o dengue. Primeiro, as infecções pelo vírus da dengue podem ser mais severas em indivíduos que adquiriram anticorpos de um outro sorotipo, seja passivamente (transmissão materna) ou após um episódio de infecção ativa. Uma vacina que protegesse contra apenas um ou dois sorotipos poderia aumentar o risco de desenvolvimento de febre hemorrágica. Com isso, a vacina tem que ser tetravalente, capaz de induzir imunidade duradoura contra os quatro sorotipos simultaneamente. Outro importante fator é a falta de um modelo animal adequado para avaliar vacinas candidatas. Apesar dessas dificuldades, diversos caminhos têm sido tomados na busca de uma vacina para o dengue. Entre os diversos esforços, destacam-se o desenvolvimento de vacinas tetravalentes atenuadas ou inativadas,

14 de vacinas a partir de clone infeccioso, de imunógenos transportados por vários sistemas recombinantes e de vacinas de DNA (PERVIKOV 2000). 4.1.4 Histórico do Dengue nas Américas e no Brasil O continente americano passou a enfrentar grandes epidemias de dengue a partir da década de 70 do século XX, com intensificação da atividade do vírus e do vetor, envolvimento de novas áreas geográficas e encurtamento no intervalo entre períodos pandêmicos (PONTES & RUFFINO-NETTO, 1994). A história da dengue no continente, no entanto, é mais antiga. Uma grande epidemia na Filadélfia, EUA, ocorrida em 1780 e reportada como epidemia de febre quebra-ossos é clinicamente compatível com a dengue (GUBLER 1998, GUBLER 2004a, WILSON & CHEN, 2002). Nos séculos XVIII, XIX e na primeira metade do século XX, outras epidemias foram reportadas, todas baseadas em critérios clínicos ou epidemiológicos, e sempre intercaladas por décadas de silêncio. A partir de 1950, novas técnicas laboratoriais permitiram a realização de estudos para a identificação dos diferentes sorotipos do dengue nas Américas. O sorotipo DEN-2 foi o primeiro a ser isolado na região, em situação não epidêmica em Trinidad, em 1953 (PONTES & RUFFINO-NETO 1994, OPAS 1994, WILSON & CHEN 2002). Em 1963, uma epidemia de dengue clássico que atingiu a região do Caribe e também a Venezuela, foi associada ao DEN-3. O início de 1970 foi marcado por algumas epidemias causadas pelos sorotipos 2 e 3, na Colômbia e em ilhas do Caribe (OPAS 1994, OPAS 1997). O sorotipo 3 foi isolado pela última vez em 1977, na Colômbia, para apenas reaparecer no início de 1990, na América Central e Caribe (GUZMAN & KOURI, 2003). Durante a última década do século XX, no entanto, o sorotipo se espalhou por todo o continente. Um momento marcante na história do dengue nas Américas foi a introdução do DEN-1, identificado inicialmente na Jamaica, em 1977. Este vírus provocou uma grande pandemia, espalhando-se no mesmo ano virtualmente a todas as ilhas do Caribe. No ano seguinte, diversos países da América do Sul e Central, como Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa, El Salvador, Guatemala e Belize, experimentaram ondas epidêmicas. Em seguida, o DEN-1 foi introduzido no México e chegou até o estado do Texas (EUA), causando novas epidemias

15 (OPAS 1994, OPAS 1997, GUZMAN & KOURI 2003). A Organização Pan- Americana de Saúde (OPAS) registrou 702.000 casos de dengue no continente entre 1977 e 1980, mas este número deve ter sido muito maior, já que apenas as estimativas de Colômbia, Cuba e Venezuela indicaram que mais de 5 milhões de pessoas foram infectadas (OPAS 1997, GUZMAN & KOURI 2003). O sorotipo 4 foi identificado pela primeira vez em 1981, simultaneamente nas Antilhas, América Central, norte da América do Sul e no México, causando diversas epidemias na região, inclusive a primeira grande epidemia de dengue no Brasil, entre 1981 e 1982. As enfermidades associadas à infecção pelo DEN-4 foram benignas, sem manifestação de FHD (OPAS 1982). A Tabela III mostra a primeira ocorrência de cada sorotipo do dengue nas grandes regiões da América. O evento mais significativo após a ressurgência do dengue foi a ocorrência da primeira epidemia de dengue hemorrágica no continente, em Cuba, no ano de 1981. Antes disso, apenas alguns casos isolados de FHD foram relatados, em Curaçao em 1968, em Porto Rico em 1975, na Jamaica em 1977 e em Honduras em 1978, mas a maioria sem confirmação laboratorial (PONTES & RUFFINO-NETO 1994). A epidemia de Cuba resultou em 344.203 casos de dengue notificados, com mais de 10.000 casos de FHD e 158 mortes, sendo 101 crianças. Essa epidemia foi associada ao DEN-2 e aconteceu quatro anos após a introdução do DEN-1 na ilha, quando o mesmo infectou quase metade da população local (GUZMAN & KOURI 2003). A segunda epidemia de FHD aconteceu na Venezuela, entre 1989 e 1990. Foram mais de 5.990 casos e 70 mortes, dois terços em crianças com idade inferior a 14 anos. Os sorotipos 1,2 e 4 foram isolados, com predominância do DEN-2. Nova epidemia de FHD aconteceu no ano seguinte, demonstrando o inicio da endemização da doença no Continente. A introdução do DEN-2 no Rio de Janeiro fez com que o Estado experimentasse a primeira epidemia de FHD da história do Brasil, com 492 casos e 8 mortes (OPAS 1994). Desde a reemergência do dengue, quase todos os países do continente se tornaram hiperendêmicos para o vírus, com endemicidade da FHD em muitos países. As epidemias, que costumavam ocorrer com longos intervalos em locais específicos, passaram a acontecer anualmente, em vários lugares e com a circulação de diversos sorotipos (GUZMAN & KOURI 2003).

16 Tabela III. Primeira ocorrência de cada sorotipo do dengue nas grandes regiões das Américas (a partir de dados da OPAS). DEN-1 DEN-2 REGIÃO DEN-3 DEN-4 ANO PAIS ANO PAIS ANO PAIS ANO PAIS Caribe 1977 Vários 1953 Trinidad 1963 Vários 1981 Vários Am. Do Sul 1978 Colômbia 1971 Colômbia 1963 Venezuela 1981 Brasil Am. Central 1977 Vários 1984 Honduras 1994 Nicarágua 1981 Vários Am. Do Norte 1978 México 1981 México 1995 México 1981 México Uma grande epidemia em Boa Vista, Roraima, causada pelos sorotipos 1 e 4, isolados de pacientes e mosquitos Ae. aegypti, foi a primeira grande manifestação do dengue em território brasileiro, com mais de 11.000 pessoas infectadas (FIGUEIREDO 2003, TEIXEIRA 2000). Antes dessa epidemia, o Brasil passou quase 60 anos sem registrar casos de dengue em seu território. Existem registros da doença em 1916, em São Paulo, e 1923, em Niterói, relatados com base em critérios clínicos (FUNASA 2002a, TEIXEIRA 2000). O rápido controle da epidemia de Boa Vista, com medidas para eliminação do vetor, associado ao isolamento geográfico e econômico da cidade, impediu que a epidemia se disseminasse para outras regiões, bem como a endemização do dengue naquela área (NOGUEIRA et al. 2002, PONTES & RUFFINO NETO 1994). Uma nova epidemia de dengue voltou a acontecer apenas em 1986, no Estado do Rio de Janeiro, em diversas cidades da região metropolitana da capital. Ao contrário da epidemia de Boa Vista, esta ocorreu em uma região de grande concentração e fluxo populacional, com graves problemas de infra-estrutura e de grande importância econômica. Causada pelo DEN-1, essa epidemia teve mais de 95.000 casos notificados, começando em março de 1986 e tendo redução nos níveis de incidência somente a partir de julho de 1987 (NOGUEIRA et al. 1999, NOGUEIRA et al. 2002). A partir dessa epidemia, deu-se início a um processo de intensa circulação viral nos grandes centros urbanos, com epidemias explosivas (FUNASA 1999b). O DEN-1 foi responsável por casos no Ceará e Alagoas em 1986, e em São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco, em 1987 (PONTES & RUFFINO NETO 1994, FIGUEIREDO 2003). Em abril de 1990, uma nova epidemia teve início no Rio de Janeiro, desta vez graças a introdução do DEN-2. Essa epidemia foi a primeira com casos de FHD no país, provavelmente relacionados à epidemia pelo DEN-1, quatro anos antes. Desde então, ambos os sorotipos

17 passaram a circular intensa e simultaneamente por todo o país (FUNASA 1999b). O DEN-3 foi introduzido no país em 2001 e se espalhou por todo o território brasileiro nos anos seguintes (Tabela IV). Já o DEN-4 foi isolado apenas na epidemia de Boa Vista, em 1981, não sendo relacionado a novos casos de dengue no Brasil desde então. O número de casos de dengue registrados de 1981 até 2003 alcançou, de acordo com o Ministério da Saúde, os 3.474.350 casos, com ocorrência destacada nas regiões sudeste e nordeste do Brasil (Fig. 5). Tabela IV. Primeiras ocorrências de cada sorotipo no Brasil após a reemergência do dengue e atual distribuição do mesmo (FIGUEIREDO 2003, MS 2003). SOROTIPO ANO E LOCAL ATUAL DISTRIBUIÇÃO DEN-1 1981 - Boa Vista, Roraima Todos os Estados, exceto RS e SC. DEN-2 1990 - Rio de Janeiro Todos os Estados, exceto RS, SC e RO. DEN-3 2001 - Rio de Janeiro Todos os Estados, exceto RS, SC,RO e AC. DEN-4 1981 - Boa Vista, Roraima Não há ocorrência atual. 50% 40% 30% 20% 10% 0% % dos casos Figura 5. Distribuição dos casos de dengue nas regiões brasileiras, desde a reemergência do dengue no Brasil, em 1981, até 2003 (a partir de dados do MS) (NE-nordeste, SE-sudeste, CO-centro-oeste, NO-nordeste, SU-sul).