Gênero: multiplicidade de representações e práticas sociais. ST 38 Maria Salet Ferreira Novellino Escola Nacional de Ciências Estatísticas/ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Palavras-chave: prefeitas; participação política das mulheres Partidos e municípios das prefeitas brasileiras eleitas em 2004 1. Introdução Em 2004, em apenas 418 municípios, de um total de 5.560, foram eleitas mulheres para exercerem o cargo de prefeitas. Tal proporção representa um pouco mais de 7% do total de prefeitos eleitos em todo o país. O número relativo de prefeitas eleitas, desde a redemocratização do país, vem aumentando progressivamente, mas pouco: em 1992, representavam 3,4% do total de prefeitos eleitos; em 1996, 5,5%; em 2000, 5,7% e, em 2004, 7,5%. Como explicar uma proporção tão baixa de mulheres governando os municípios brasileiros? Tratar-se-ia de uma postura sexista do eleitorado brasileiro ou de um processo eleitoral excludente, no qual os partidos políticos não estariam abrindo espaços para as mulheres se candidatarem? Isto é, as mulheres estariam sendo excluídas no momento do voto ou tal exclusão estaria antecedendo este momento ao se ter um número também reduzido de candidatas mulheres? Parece haver, de fato, um domínio masculino nos partidos políticos, pois em 4.198 municípios não houve candidatas do sexo feminino. Mas, em termos do eleitorado, qual a chance de sucesso para as mulheres em relação à dos homens? Quem são essas prefeitas que conseguem sobrepujar esta discriminação, se candidatarem e se elegerem? Quais são os partidos que abrem espaços para as mulheres se candidatarem? E como são estes municípios dirigidos por mulheres? São a estas perguntas que este artigo procura responder. 2. As candidatas e as eleitas nas eleições municipais de 2004 As eleições municipais de 2004 foram realizadas em 3 de outubro (primeiro turno) e em 31 de outubro (segundo turno). De um total de 5.560 municípios espalhados por 26 estados brasileiros, foram eleitas 418 prefeitas, o que representa apenas 7,5% do total de prefeitos eleitos em todo o país. Foram lançadas candidatas em 1.377 municípios brasileiros, o que significa que em apenas 24,76% dos municípios brasileiros houve candidata mulher às prefeituras.
Se o conjunto dos partidos políticos brasileiros lançaram candidatas em apenas ¼ dos municípios, então eles não estão abrindo espaço para as mulheres nem estimulando uma maior participação das mesmas como protagonistas no processo eleitoral. Para verificar a existência de uma postura sexista por parte do eleitorado, calculei as chances de sucesso para mulheres e para homens, considerando a proporção de candidatas e eleitas e de candidatos e eleitos. Tabela 1 As chances de sucesso nas eleições - Brasil Número de Número de Percentagem de candidatas eleitas sucesso 1.501 418 27,85% Número de Número de Percentagem de candidatos eleitos sucesso 14.243 5.142 36,10% Fonte TSE Como se pode observar na tabela acima, considerado-se os resultados das eleições de 2004, os homens têm uma maior chance de se elegerem do que as mulheres. Esta diferença, quando analisada de acordo com as diferentes regiões do país, indica que a diferença nacional que é de 8,25%, amplia-se nas Regiões Sudeste e Sul, reduz-se quase à metade nas Regiões Norte e Nordeste e apresenta uma diferença bastante reduzida na Região Centro-Oeste, de 1,35%. Tabela 2 As chances de sucesso nas eleições Regiões do Brasil candidatas eleitas candidatos eleitos percentagem sucesso(mulher) percentagem sucesso(homem) Norte 11,32% 11,64% 88,68% 89,98% 29,80% 34,15% Centro- Oeste 10,35% 8,38% 89,65% 92,01% 27,82% 29,17% Nordeste 12,57% 11,76% 87,43% 89,06% 31,26% 36,60% Sudeste 8,06% 6,20% 91,94% 94,60% 22,17% 34,07% Sul 5,94% 4,24% 94,06% 95,79% 27,17% 39,03% Fonte TSE
Dahlerup (2004) apresenta uma reflexão sobre a representação política das mulheres e sobre o que significaria a passagem de uma pequena minoria para uma grande minoria. Ela parte das seguintes indagações: em uma sociedade patriarcal, o tamanho de um grupo minoritário feminino significa alguma diferença dentro de uma organização? Qual a diferença se as mulheres constituem uma pequena ou uma grande minoria? Em que momento seriam as mulheres suficientemente fortes para começar a mudar a estrutura por elas próprias? Segundo a autora, o principal problema em ser uma pequena minoria em uma organização dominada por homens é que as mulheres acabam convertendo-se em símbolo de todo o seu gênero. Portanto, uma pequena minoria de mulheres num grupo masculino, dá a estas uma posição de símbolos; ou seja, essa pequena minoria é considerada representante das mulheres em geral. Kanter (1977) apud Dahlerup (2004) identifica diferentes classes de grupos no que diz respeito às diferentes representações proporcionais de homens e mulheres. São eles: (a) segregado: formado por um grupo que predomina (homens) e outro que é justamente simbólico (mulheres), e cuja proporção para este último chega no máximo a 19%; (b) inclinado: formado por um grupo que é a maioria (homens) e outro que é a minoria (mulheres), e cuja proporção para este último grupo fica entre 20 e 39%; (c) balanceado: formado por dois subgrupos potenciais, e cuja proporção vai de 40 a 60% para as mulheres. A pequena minoria e a grande minoria de Dahlerup (2004) equivalem, respectivamente, ao grupo segregado e ao grupo inclinado. A representação política de prefeitas no nosso país é ainda simbólica, pois trata-se de uma pequena minoria num contexto predominantemente masculino. Para esta autora, há um salto qualitativo quando uma minoria excede a proporção de 30%, o que significa a formação de uma massa crítica. Massa crítica é definida por Dahlerup (2004) como um incremento na quantidade relativa de mulheres. Uma massa crítica implica em uma mudança qualitativa nas relações de poder, que permite, pela primeira vez, a uma minoria utilizar os recursos da organização para melhorar sua própria situação e a do grupo ao qual pertence. No entanto, ressalta a autora, uma grande maioria não constitui, necessariamente, uma massa crítica. Só o é quando este grupo minoritário começa a transformar a estrutura de poder e seu próprio status como minoria. 3. Os municípios geridos pelas prefeitas O Brasil divide-se em cinco regiões: Norte, que, ao mesmo tempo que ocupa a maior parte do território brasileiro apresenta a mais baixa densidade demográfica; Nordeste, cuja expectativa de vida é a menor do país; Sudeste, região com a maior densidade demográfica, cuja economia é a mais
desenvolvida e industrializada do país; Sul, que possui a menor área e apresenta a maior expectativa de vida do país; e Centro-Oeste, onde está localizada a capital do país. Regiões Tabela 3 Municípios com prefeitas por Regiões do Brasil Número de prefeitas Número de municípios Proporção de municípios com prefeitas Norte 45 449 10,02% Centro-Oeste 37 463 7,99% Nordeste 196 1.792 10,94% Fonte TSE Sudeste 90 1.668 5,40% Sul 50 1.188 4,21% Nas Regiões Norte e Nordeste, a proporção de municípios com prefeitas excede a proporção nacional em aproximadamente 3%. A Região Centro-Oeste é bastante próxima à média. Já as Regiões Sudeste e Sul aparecem com uma proporção significativamente inferior à proporção nacional. Estes resultados podem levar à formulação da seguinte hipótese: quanto mais desenvolvida a Região, menores são as chances das mulheres se elegerem como também são menores as chances de serem indicadas candidatas. Em números absolutos, os estados com um maior número de prefeitas são Minas Gerais, seguido por São Paulo e Bahia. Os estados com um menor número são Acre, Amapá e Amazonas. Em números relativos, os estados com uma maior proporção de prefeitas são Roraima, Alagoas e Rio Grande do Norte. Os estados com uma menor proporção são Amazonas, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Tabela 4 Número e proporção de municípios com prefeitas Até20mil Até50mil Até100mil Até200mil Até500mil Até1milhão +de1milhão 298 81 22 7 7 2 1 71,29 19,38 5,26 1,67 1,67 0,48 0,24 Fonte Atlas do Desenvolvimento Humano
Como se pode observar na tabela acima há uma grande concentração de prefeitas eleitas em cidades com até 20 mil habitantes e apenas uma prefeita em uma cidade com mais de um milhão de habitantes. Há prefeitas em apenas duas capitais: Fortaleza, CE e Boa Vista, RR. 3.1. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) dos municípios geridos pelas prefeitas O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) médio para a Região Norte é 0,725; para a Região Nordeste, 0,675; para a Sudeste, 0,791; para a Sul, 0,807; e para a Centro-Oeste, 0,775. O IDH-M médio para o Brasil é 0,766. Portanto, as Regiões Nordeste e Norte apresentam uma média inferior à média nacional; e as Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul uma média superior; ficando nos extremos a Nordeste (inferior) e a Sul (superior). Dos municípios geridos por prefeitas, em relação ao IDH médio para o Brasil, que é 0,766, 350 deles estão abaixo deste índice, variando de 0,484 a 0,765; 1 está no mesmo patamar e somente 64 estão acima, indo de 0,767 a 0,855 1. 4. Alguns dados sobre as prefeitas Em relação à faixa etária, a distribuição de prefeitas é a seguinte: até 29 anos, 3,11%; de 30 a 39 anos, 20,57%; de 40 a 49 anos, 41,38%; de 50 a 59 anos, 27,27%; com 60 anos e mais, 4,78%. Em termos de escolaridade, 62,68% das prefeitas possui nível superior, acima do percentual para os prefeitos; 25,84% nível médio, abaixo do índice para os homens; 8,37% tem nível fundamental, muito abaixo daquele dos homens. E 21,29% delas foram reeleitas. Dentre as profissões, predomina fortemente a de professora da educação básica, seguida por servidora pública, médica, empresária, dona-de-casa, comerciante e advogada. 1 Três municípios não constavam do Atlas do Desenvolvimento Humano.
5. Os partidos políticos Gráfico 1 Distribuição das prefeitas pelos partidos 19,14 15,3113,4010,29 9,57 8,13 6,22 5,02 4,07 3,35 PMDB PFL PSDB PL PTB PP PT PPS PDT PSB Quase 20% das prefeitas eleitas são do PMDB, seguida de aproximadamente 15%, 13% e 10% do, respectivamente PFL, PSDB e PL. O PT, o PPS e o PDT elegeram, respectivamente: aproximadamente 6%, 5% e 4% das prefeitas brasileiras 2. De acordo com esta distribuição, ¾ das prefeitas se elegeram por partidos de centro-direita e ¼ por partidos de esquerda. 6. Alguns comentários A Lei nº 9.504 de 1997 estabelece a reserva de, no mínimo, 30% e, no máximo, 70% das vagas para cada sexo nas eleições. Mas tal lei só vale para as proporcionais mas não para as majoritárias. Dessa forma, não há base legal que garanta um maior espaço para as candidatas a prefeita dentro dos partidos. Em termos de proporção de prefeitas no país, temos ainda uma representação simbólica. Considerando a baixíssima taxa de crescimento relativo das candidatas e prefeitas nas últimas eleições, esta representação ainda permanenerá simbólica nas próximas décadas. Para a reversão deste quadro, urge que o movimento de mulheres atue mais enfaticamente na direção de criar condições para uma maior participação das mulheres dentro dos partidos. Veja-se o exemplo das ONGs Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) e Casa da Mulher do Nordeste. 2 Não estão incluídos neste gráfico os partidos com proporção abaixo de 1%.
É preciso que se amplie e fortifique a candidatura de mulheres em cidades de maior porte, as quais oferecem condições orçamentárias para atuações de maior impacto bem como proporciona uma maior visibilidade, pois têm maior espaço na mídia.veja-se o caso da candidatura de Luizianne Lins, prefeita de Fortaleza, CE. Referências: Alves, José Eustáquio Diniz. Mulheres candidatas e eleitas nas prefeituras brasileiras: primeiro turno das eleições de 2004. (www.cfemea.org.br) Dahlerup, Drude (2004). De una pequeña a una gran minoria: una teoria de la masa critica aplicada al caso de las mujeres en la política escandinava. In: Zárate, Mónica (coord.). Mujeres al timón en la función pública. Mexico: INDESOL. As eleições de 2004 e a representação política das mulheres no Nordeste (2005). Cadernos Feministas de Economia & Política, Recife, n.2 IBAM (2005). Perfil das prefeitas eleitas para cumprir o mandato do período de 2005 a 2008. Rio de Janeiro. Kanter, Rosabeth Moss (1977). Men and women of the corporation. New York, Basic Books. Apud Dahlerup, Drude (2004). De una pequeña a una gran minoria: una teoria de la masa critica aplicada al caso de las mujeres en la política escandinava. In: Zárate, Mónica (coord.). Mujeres al timón en la función pública. Mexico: INDESOL.