DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A DEFESA NO ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO



Documentos relacionados
Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

SECRETÁRIA DE ESTADO ADJUNTA E DA DEFESA NACIONAL. Ciberespaço: Liderança, Segurança e Defesa na Sociedade em Rede

DECLARAÇÃO FINAL Quebec, 21 de setembro de 1997

COMUNICADO FINAL. XXIXª Comissão Bilateral Permanente Washington 5 de Maio de 2011

Estimados colegas representantes dos países membros do Fórum das Federações, Embaixadores e delegados

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

18 de maio, 19h30. Minhas primeiras palavras são de saudação ao colega Ministro Gao Hucheng, que

Senhor Ministro da Defesa Nacional, Professor Azeredo Lopes, Senhora Vice-Presidente da Assembleia da República, Dra.

IX Colóquio Os Direitos Humanos na Ordem do Dia: Jovens e Desenvolvimento - Desafio Global. Grupo Parlamentar Português sobre População e

Declaração de Pequim adotada pela Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz (1995)

Acordo-Quadro de Associação entre o MERCOSUL e a República do Suriname

MOTIVAÇÕES PARA A INTERNACIONALlZAÇÃO

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de assinatura de atos e declaração à imprensa

PAZ, FRAGILIDADE E SEGURANÇA A AGENDA PÓS-2015 E OS DESAFIOS À CPLP

implementação do Programa de Ação para a Segunda Década de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial,

Mensagem de Ano Novo. do Presidente da República

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

Importância da normalização para as Micro e Pequenas Empresas 1. Normas só são importantes para as grandes empresas...

ESCOLA DE DEFESA. Projetos de Pesquisa em Gestão de Defesa. Prof. Dr. Luiz Rogério F. Goldoni.

Assembleia Parlamentar da União para o Mediterrâneo. II Cimeira de Presidentes de Parlamentos. Lisboa, 11 de maio de 2015

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

A sustentabilidade da economia requer em grande medida, a criação duma. capacidade própria de produção e fornecimento de bens e equipamentos,

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Globalização e solidariedade Jean Louis Laville

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

REPÚBLICA DE ANGOLA ASSEMBLEIA NACIONAL

Cerimónia de Assinatura Protocolo AICEP/CRUP

VERSÃO APROVADA Tradução de cortesia ANEXO 4

5ª REUNIÃO TEMÁTICA AMÉRICA DO SUL E CARIBE GEOPOLÍTICA E ORGANISMOS MULTILATERAIS

Intervenção do Secretário Executivo da. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) Embaixador Murade Murargy

Policy Brief. Os BRICS e a Segurança Internacional

Cimeira do Fórum Índia África

difusão de idéias AS ESCOLAS TÉCNICAS SE SALVARAM

COMO MINIMIZAR AS DÍVIDAS DE UM IMÓVEL ARREMATADO

VOLUNTARIADO E CIDADANIA

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

COOPERAÇÃO SUL SUL INSPEÇÃO DO TRABALHO. Brasília, 7 de dezembro de 2010

4. Trata-se de uma estratégia complementar à cooperação Norte-Sul e que não tem o objetivo de substituí-la.

EXPEDIENTE RELIZAÇÃO: PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ PREFEITO: JOÃO AVAMILENO VICE-PREFEITA: IVETE GARCIA

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Fórum Social Mundial Memória FSM memoriafsm.org

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, durante almoço de confraternização com os Oficiais-Generais das Forças Armadas

FILOSOFIA BUDISTA APLICADA A EMPRESA:

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Necessidade e construção de uma Base Nacional Comum

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Brasília, 9 de maio de 2013

FORMANDO AS LIDERANÇAS DO FUTURO

Situação Financeira Saúde Física

- Observatório de Política Externa Brasileira - Nº 67 02/09/05 a 08/09/05

Carta aos Amigos e Amigas da ESCOLA NACIONAL FLORESTAN FERNANDES

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Bom dia. Muito Obrigado. Felicito hoje o significativo dia desta conferência na nossa cooperação de saúde.

PALAVRAS DO GOVERNADOR TASSO JEREISSATI POR OCASIÃO DA ABERTURA DO SEMINÁRIO "LIDERANÇA JOVEM NO SECULO XXI", AOS 07/03/2002 ~j ~/02

RELATÓRIO DA OFICINA DE PAÍSES FEDERATIVOS E DA AMÉRICA DO NORTE. (Apresentado pelo Brasil)

Entrevista coletiva concedida pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, após encontro com a Senadora Ingrid Betancourt

Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil ǀ Minas Gerais. Há mais de 16 anos estreitando laços entre Minas Gerais e Portugal

ENTREVISTA. Clara Araújo

1.3. Planejamento: concepções

A moeda possui três funções básicas: Reserva de Valor, Meio de troca e Meio de Pagamento.

UM RETRATO DAS MUITAS DIFICULDADES DO COTIDIANO DOS EDUCADORES

visão global do mundo dos negócios

ACORDO DE COOPERAÇÃO ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA SOBRE O COMBATE AO HIV/SIDA

ACOMPANHAMENTO GERENCIAL SANKHYA

ARRUDA, Mauro; VERMULM. Roberto; HOLANDA, Sandra. Inovação

VI REUNIÃO DE MINISTROS DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. Maputo, 15 de Abril de 2014

CONFERÊNCIA AS RECENTES REFORMAS DO MERCADO LABORAL EM PORTUGAL: PERSPECTIVAS DOS PARCEIROS SOCIAIS 1

I CONFERÊNCIA ENERGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA CPLP. Sessão de Abertura. Lisboa, 24 de junho de 2015

estão de Pessoas e Inovação

Plataforma dos Centros Urbanos

3º Seminário Internacional de Renda Fixa Andima e Cetip Novos Caminhos Pós-Crise da Regulação e Autorregulação São Paulo 19 de março de 2009

POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

Sr. Diretor Executivo do Habitat das Nações Unidas, Joan Clos, Sr. Presidente de Cidades e Governos Locais Unidos, Kadir Topbas,

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Apesar de colocar-se no campo das Engenharias, profissional destaca-se, também, pelo aprimoramento das relações pessoais

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Internacionalização da Amazônia

Caixa Mais - Gestão de Atuação Comercial Política de Sustentabilidade

BRICS Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul

Como acelerar o Fluxo de Caixa da empresa?

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO VIÇOSA/ALAGOAS PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGCIO

ACTIVIDADES DE ENRIQUECIMENTO CURRICULAR ANO LECTIVO 2011 / 2012 TIC@CIDADANIA. Proposta de planos anuais. 1.º Ciclo do Ensino Básico

25 de Abril de 2015 Comemoração dos 41 anos da Revolução dos Cravos

Ata de Reunião da UTE/2014 realizada durante a XIX Cúpula da Rede Mercocidades

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação


PRODUTO FINAL ASSOCIADA A DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Ministério das Relações Exteriores Instituto Rio Branco. Prova Escrita de Política Internacional

Exportação de Serviços

Andréa Bolzon Escritório da OIT no Brasil. Salvador, 08 de abril de 2013

introdução Trecho final da Carta da Terra 1. O projeto contou com a colaboração da Rede Nossa São Paulo e Instituto de Fomento à Tecnologia do

Terceirização de RH e o líder financeiro SUMÁRIO EXECUTIVO. Você e o RH estão falando a mesma língua? EM ASSOCIAÇÃO COM

DECLARAÇÃO DE BRASÍLIA

Transcrição:

DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A DEFESA NO ENTORNO ESTRATÉGICO BRASILEIRO Palavras do Ministro da Defesa, Celso Amorim, na abertura da 1ª Jornada Estratégica da Chefia de Assuntos Estratégicos do EMCFA Brasília, 14 de novembro de 2014 Senhoras e senhores, Parabenizo o Chefe de Assuntos Estratégicos do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas pela realização desta Jornada. Este evento emite um claro sinal sobre a disposição do Ministério da Defesa em assumir o papel de destaque que lhe cabe na reflexão sobre a grande estratégia do Brasil no mundo. O nosso Ministério tem uma vocação para pensar nessa escala. O Ministério lança cotidianamente uma visão de conjunto sobre o emprego das Forças Armadas, por meio das operações que coordena. Mas o Ministério também formula, por dever de ofício, uma perspectiva abrangente sobre os desafios do Brasil no mundo. Essas duas óticas a operacional e a perspectiva abrangente estão intimamente relacionadas: o modo pelo qual cada Força se articula e se equipa decorre da leitura que sejamos capazes de fazer sobre os riscos e ameaças que podem afetar o país. A Estratégia Nacional de Defesa menciona, embora sem maior especificação, que os objetivos de defesa brasileiros inserem-se no marco de uma grande estratégia. Em seu contexto original, a expressão grande estratégia foi mais utilizada para assinalar o fato de que, durante uma guerra, é conveniente reforçar a atividade bélica por uma série de políticas suplementares, como a diplomacia e o comércio. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 1/10

Para o Brasil de hoje, o conceito de grande estratégia deve referir-se a uma coordenação de políticas com vistas à defesa do interesse nacional e à contribuição para a paz mundial. Esses dois objetivos, interesse nacional e paz mundial, se complementam e se reforçam. Eles são, a meu ver, a essência da grande estratégia que devemos seguir. E é fundamental, nesse contexto, a coordenação entre a política externa e a política de defesa. *** Como é natural, o conceito de grande estratégia não está isento de incompreensões. Por um conjunto de razões, a ideia de que o Brasil deva assumir um papel de relevo no plano internacional não é consensual na sociedade brasileira, ou pelo menos entre os chamados formadores de opinião. Por vezes, essas razões ligam-se a preocupações legítimas, como por exemplo as desigualdades sociais e problemas econômicos que ainda temos que enfrentar. Em outros casos, porém, devem-se a entendimentos estreitos ou pessimistas sobre a influência do Brasil no concerto das nações. Mas, para um país em desenvolvimento como o Brasil, o progresso social e econômico necessariamente passa pela reversão dos obstáculos externos ao crescimento e pela projeção do país no mundo. Em organizações internacionais como a ONU e a Organização Mundial do Comércio são criadas regras que afetam diretamente nossa economia, nossa sociedade e até nossa defesa. Exemplos dessa interrelação estão presentes em questões relativas ao comércio internacional, negociações sobre o clima e em tantas outras. Em todos esses casos, nossa diplomacia deve cuidar para que a nossa soberania e os nossos interesses sejam preservados. Fundamental para nossa prosperidade é a paz mundial. Devemos contribuir ativamente para fortalece-la. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 2/10

É o que temos feito por meio de nossa participação diferenciada e qualificada em operações de paz das Nações Unidas. Para que a paz seja salvaguardada, é imperativo que as instituições internacionais reflitam adequadamente a realidade do século XXI. Daí o pleito brasileiro por uma reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que o torne mais representativo, mais legítimo e mais efetivo. Em 2015, a ONU completa setenta anos: é mais uma oportunidade para uma reflexão profunda sobre a necessidade de fazer seus vários órgãos corresponderem aos dias de hoje. Assim como no caso do comércio ou das negociações ambientais, a aspiração brasileira de contribuir para a gestão da paz mundial não decorre de mero voluntarismo. Ela corresponde a uma defesa judiciosa do interesse nacional. Por outra parte, essa contribuição é não só aceita, como também bem vinda. Eu pude constatar em várias partes do mundo, nos meus anos de Chanceler, o desejo de que o Brasil esteja mais presente. Eu costumava dizer, por exemplo, que a África tem sede de Brasil. E melhor que a minha formulação é a formulação de um professor queniano da Universidade de Harvard, Calestous Juma, que diz que para cada problema africano existe uma solução brasileira. Isso é verdade em agricultura, é verdade em outros campos da economia, e é verdade também em defesa, como eu tenho descoberto, na prática dos nossos contatos, com o interesse que existe a respeito. Eu dizia que a presença brasileira é bem vinda, e isso vale também em outros âmbitos. Acabo de retornar da ONU, onde tive um diálogo com o Secretário-Geral Ban Ki-moon, e depois um diálogo mais amplo, acompanhado pelo nosso Chefe de Assuntos Estratégicos, General Menandro, no Departamento de Operações de Manutenção da Paz. Constatei o grande interesse de se ter oficiais brasileiros presentes, não só nas missões de paz, mas também no próprio órgão central das Nações Unidas. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 3/10

E temos visto que essa participação tem crescido, de uma maneira que muito nos orgulha. Não é um fato gratuito que nós tenhamos pessoas hoje ocupando cargos importantes dentro do Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU, o DPKO. Isso é uma decorrência direta da ação que os comandantes de força brasileiros e que as tropas brasileiras tiveram nas várias operações em que estiveram envolvidos. *** O complemento indispensável de uma política externa pacífica é uma política de defesa robusta. A coordenação dessas duas políticas é o cerne da grande estratégia brasileira, que também conjuga outras áreas como indústria, ciência e tecnologia. Embora a política de defesa envolva dimensões mais amplas, sua referência fundamental como não poderia deixar de ser é o entorno estratégico do Brasil. Nosso entorno é composto pela América do Sul, de um lado, e pelo Atlântico Sul (visto no seu sentido geopolítico e não exclusivamente geográfico) e pela orla ocidental da África, de outro. Durante muito tempo, nossas relações com essas regiões foram caracterizadas por falsas percepções, e, em alguns casos até, por suspeitas injustificadas. Ao longo das últimas três ou quatro décadas, porém, essa distância foi gradualmente encurtada. Na América do Sul, eliminamos por completo as sombras de uma rivalidade estéril com os nossos vizinhos e construímos o Mercosul e a Unasul. E nunca é demais lembrar, até porque isto é um exemplo para outros países e outras regiões: o grande passo que se deu no sentido da construção de confiança foi o nosso acordo com a Argentina em matéria de contabilidade e controle de materiais nucleares. No Atlântico Sul, patrocinamos há mais de vinte anos a criação, na Assembleia Geral da ONU, da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, a Zopacas, que reúne países das duas margens do oceano. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 4/10

Com a África, assistimos a um grande salto nos intercâmbios na última década, com a criação de foros multilaterais e birregionais, como a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e, mais recentemente, o mecanismo de cúpula América do Sul-África, chamado de ASA. Ao cooperar com seus parceiros sul-americanos e africanos, o Brasil recebe um dividendo de segurança. O Brasil é um dos raros países de território continental sem pendências de limites com seus vizinhos. Esse é o grande legado do Barão do Rio Branco, que sempre se apoiou na robustez das Forças Armadas. Por isso mesmo sua imagem é por elas cultivada, ao lado de seus respectivos patronos. O Barão do Rio Branco não desconhecia a importância de que o Brasil trabalhasse pela prosperidade de seus vizinhos, pois compreendia que ela reverte diretamente para o nosso próprio bem-estar. É este o sentido profundo da cooperação e especialmente da cooperação em defesa no entorno estratégico brasileiro: o Brasil deve cercar-se de um cinturão de boa vontade. Somos o maior país da América do Sul e o país com a maior costa atlântica do mundo. Se não assumirmos as responsabilidades que nos competem, deixaremos flanco aberto para a eventual entrada de forças hostis ao nosso projeto de paz e prosperidade. Não tenho em mente nenhum ator em particular, não só porque o Brasil não tem inimigos, mas também porque, no mundo em que vivemos, as interferências extrarregionais podem originar-se de quaisquer quadrantes do planeta. O Brasil se relaciona bem os países desenvolvidos do hemisfério norte e com os BRICS, para nem falar em nossos vizinhos e outros parceiros. Mas seria totalmente contrário aos nossos interesses que potências extrarregionais por quaisquer motivos fabricassem e explorassem rivalidades artificiais entre o Brasil e seus vizinhos. A cooperação em defesa no entorno estratégico é crucial para o Brasil. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 5/10

A cooperação é, nesse âmbito, a melhor dissuasão. E essa cooperação assume formas variadas. *** Na América do Sul, ela envolve um conjunto de iniciativas bilaterais e multilaterais. As ações bilaterais incluem projetos de alta tecnologia, como a associação da Argentina à produção do avião cargueiro-reabastecedor KC-390. Além de seu mérito intrínseco, essa associação também contribui para a recuperação da indústria aeronáutica argentina. As iniciativas bilaterais incluem também a prestação de serviços, em condições favoráveis, para parceiros mais necessitados, como a revitalização de blindados Urutu do Suriname. Estimulamos, igualmente, o intercâmbio comercial na área de produtos de defesa. É de conhecimento geral o importante volume de exportações brasileiras nessa área. As vendas do Super Tucano da Embraer são expressivas, tanto na América do Sul como em outras regiões. Mas o comércio é uma via de mão dupla. Por isso, tivemos a preocupação de, na medida do possível, redirecionar algumas importações, como foi o caso com as lanchas fluviais blindadas que adquirimos da Colômbia. Constatei com grande satisfação, durante a recente Operação Amazônia, que as lanchas colombianas mereceram o reconhecimento pleno das nossas Forças Armadas. No plano multilateral, o Conselho de Defesa Sul-Americano da Unasul é o principal órgão para a cooperação em defesa. Por meio do CDS, as nações sul-americanas constroem confiança entre suas forças armadas, cooperam em iniciativas comuns e coordenam suas políticas de defesa, com envolvimento de civis e militares. A criação de uma base industrial de defesa sul-americana é um dos objetivos da ação regional. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 6/10

Destaco o projeto do avião treinador básico Unasur 1, o primeiro fruto de uma promissora cooperação industrial. O mesmo pode ser dito sobre a construção de um VANT regional. Notamos ainda o interesse de nossos vizinhos por projetos como o Sisfron e o Proteger. Com a Colômbia, estamos desenvolvendo o projeto de um navio-patrulha fluvial (não confundir com a lancha), que pode interessar também a outros países, sobretudo os que integram o Tratado de Cooperação Amazônica. Outro objetivo central do CDS é o desenvolvimento de uma identidade comum em defesa na América do Sul. Para esse fim, foi criada, em 2013, a ESUDE, Escola Sul-Americana de Defesa. A secretaria administrativa da ESUDE deverá ser inaugurada em breve, em Quito, na sede da Unasul. A ESUDE tem uma estrutura descentralizada, de que é exemplo o bem-sucedido Curso Avançado de Defesa Sul-Americano, que há três anos vem sendo realizado na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro. Outra instância de reflexão é o Centro de Estudos Estratégicos de Defesa da Unasul, em Buenos Aires, do qual temos participado com afinco e interesse crescentes. A formação da identidade sul-americana em defesa será uma decorrência gradual e natural do processo de aproximação em curso, respeitada a pluralidade de visões e percepções na América do Sul. Mas, ao lado dessa pluralidade de visões cada país é soberano para decidir como deve se autogovernar, e nós temos a nossa preferência claramente expressa, que é a democracia plena, há também interesses comuns, como a proteção dos recursos naturais da América do Sul. A guerra entre países sul-americanos é uma perspectiva cada vez mais remota. Vai se conformando na América do Sul uma comunidade democrática de paz e segurança. *** Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 7/10

No Atlântico Sul, a Zopacas, criada em 1986, foi revitalizada por uma reunião em nível de ministros das Relações Exteriores e Defesa em janeiro de 2013, em Montevidéu, à qual o então Ministro Patriota e eu comparecemos. O objetivo primordial da Zopacas é um oceano livre de armas nucleares e de rivalidades que lhe sejam estranhas. A cooperação em defesa com muitos de nossos parceiros africanos tem uma importante componente marítima, embora não se esgote nela. Temos colaborado com as guardas costeiras de países-arquipélagos como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, todos eles chaves para o combate à pirataria no Atlântico Sul e para a segurança das rotas marítimas. Esse foi um dos temas discutidos no simpósio sobre segurança marítima da Zopacas, em Salvador, em outubro de 2013. Todos conhecem o importante papel desempenhado desde os anos 1990 pela Marinha do Brasil na formação da Marinha da Namíbia. Temos cooperado com outros países. Em setembro passado, assinei, junto ao meu colega Ministro da Defesa angolano, um memorando que abre importantes perspectivas na área, inclusive de aquisição de navios-patrulha brasileiros. Com a África do Sul, realizamos a manobra naval IBSA-Mar, no âmbito do IBAS, o mecanismo de diálogo trilateral Índia, Brasil e África do Sul. A cooperação com nossos parceiros da orla ocidental da África engloba não apenas a dimensão naval, mas também como disse a terrestre e aeronáutica, que têm um grande potencial a ser explorado. Cito, a título de exemplo, a coprodução Brasil-África do Sul de um míssil ar-ar de quinta geração, o A-Darter, que equipará as novas aeronaves de combate da FAB, o Gripen-NG. A cooperação aeronáutica também está na agenda com Moçambique, um país situado no Oceano Índico e membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, sobre o qual talvez possamos dizer que faz parte do Atlântico Sul geopolítico. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 8/10

Em tempos recentes, temos multiplicado iniciativas de cooperação entre o Exército Brasileiro e seus contrapartes africanos. Cito, como exemplo, as iniciativas decorrentes de viagens que o General Enzo fez comigo a Angola e Namíbia, que já têm dado frutos industriais, entre outros, e as iniciativas no âmbito do IBAS. A cooperação em defesa excede o entorno estritamente regional e alcança nações amigas próximas de nós, como o Haiti e o Líbano. A maior parte da tropa da Minustah é sul-americana. À medida que a missão da ONU diminui sua presença no Haiti, vamos incrementando nossa cooperação bilateral: o Exército Brasileiro vai ajudar a formar o corpo de engenharia militar do Haiti. Há poucos meses assinei o acordo relativo a essa cooperação bilateral em uma visita que fiz a Porto Príncipe, acompanhado pelo General Brandão, Diretor do Departamento de Engenharia e Construção do Exército. No Líbano, nossos marinheiros estão ajudando, no âmbito da Unifil, a manter a paz em um país com o qual mantemos intensos laços afetivos. Também com o Líbano a cooperação bilateral em defesa vai tomando corpo: já temos, por exemplo, um bom número de alunos libaneses cursando a Escola Naval, de onde sairão como guardas-marinha. Não poderia deixar de mencionar, aqui, nossa participação na missão da ONU na República Democrática do Congo. O trabalho do General Santos Cruz tem sido admirável, e é mais uma mostra eloquente de como o Brasil pode contribuir para a paz. Como mencionei, nossa participação em missões da ONU tem se refletido no adensamento de nossa presença no DPKO. *** Assim como na política externa, também na política de defesa a ideia de uma maior projeção no mundo pode suscitar dúvidas. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 9/10

Recordo que, nos primeiros anos do Governo Lula, quando era Chanceler, os jornalistas costumavam me questionar sobre por que o Brasil tinha decidido enviar a tropa para o Haiti. Eu dizia que não é preciso ser rico para ser solidário. Ser solidário é adotar uma postura de não indiferença, isto é, transmitir o sinal político de que o nosso país está interessado no bem estar de seus parceiros e disposto a ajuda-los. A solidariedade, mesmo entre países com grandes assimetrias de recursos, sempre nos trará benefícios a médio e longo prazo, seja em termos do aumento de nossa segurança e da confiança mútua, seja no apoio a nossas teses em organizações internacionais. Para o Brasil, que tem muito a perder com a instabilidade em seu entorno, conquistar a boa vontade dos vizinhos inclusive dos mais fracos e vulneráveis é um interesse estratégico. Contribuir para o fortalecimento institucional de parceiros, inclusive no campo da defesa, em um quadro plenamente democrático, é do nosso interesse. Assim, elimina-se a falsa dicotomia entre o autointeresse e a solidariedade. À medida que o orçamento da defesa caminhar para o patamar de 2% do PIB, o que nos aproximará da média dos BRICS, como julgamos adequado, a percepção de uma escolha excludente entre investimento nas nossas Forças e cooperação externa naturalmente se diluirá. Até lá, contudo, devemos contribuir, dentro de nossas possibilidades, com a defesa de nossos vizinhos de aquém e além mar, em um clima de respeito e confiança mútua. Muito obrigado. Desafios e oportunidades para a Defesa no entorno estratégico brasileiro Pág. 10/10