AÇÕES REGULAMENTARES E ATUAÇÃO DA CTNBio NO BRASIL Edilson Paiva 1 A primeira Lei de Biossegurança brasileira, nº 8.974, foi elaborada em 1995 e regulamentada por decreto, criando a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança CTNBio, cujos primeiros membros foram nomeados em abril de 1996. De 1996 até 1998, a CTNBio regulamentou, analisou e autorizou todas as atividades envolvendo OGMs no Brasil, sem interferência de outros órgãos governamentais. No entanto, quando a CTNBio, em 1998, autorizou o plantio comercial da soja transgênica RR, resistente ao herbicida glifosato, suas decisões passaram a ser questionadas pelos órgãos ambientais. Por ter sido criada por decreto e ter como uma de suas competências a atribuição de exigir ou não estudos de impacto ambiental em projetos que envolvessem liberação de organismos geneticamente modificados (OGMs) no meio ambiente, o Juiz Titular da 6ª Vara Federal do Distrito Federal declarou a referida competência inconstitucional, alegando que a mesma só poderia ter sido atribuída à CTNBio por força de lei. Para reverter a declaração de inconstitucionalidade, o Presidente da República editou uma Medida Provisória que, apesar de também possuir força de lei, só foi reconhecida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região em setembro de 2004. O conflito de competências sobre a quem cabia decidir sobre a segurança ambiental de um OGM durou cerca de cinco anos, resultando num imbróglio regulamentar envolvendo a Lei de Agrotóxicos, leis ambientais e um sistema complexo de licenciamento com várias instâncias reguladoras: a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio); a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA); o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Esse conflito de competências 1 Ph.D em Biologia Molecular Pesquisador III - Embrapa Milho e Sorgo 1
inviabilizou o pleno funcionamento da CTNBio, obstruindo o processo de desenvolvimento da Biotecnologia no Brasil por cinco anos. Reconhecida, em setembro de 2004, a competência da CTNBio para decidir também sobre os aspectos de segurança ambiental dos OGMs, a Comissão reiniciou as análises de projetos de pesquisa, licenciamentos para liberações comerciais e planejadas de OGMs no meio ambiente e deliberou sobre taxa de sementes adventícias de OGMs em lotes de sementes convencionais de algodão e importação de cereais transgênicos para alimentação animal, exercendo, de maneira plena, toda as suas atribuições até 28/03/2005, quando foi sancionada a nova Lei de Biossegurança, nº 11.105/05. A partir dessa data, a nova CTNBio passou a ser a única instância decisória para analisar e aprovar projetos de pesquisa e utilização comercial de OGMs, no Brasil. A Lei nº 11.105/05 inova, criando um Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e modifica a composição e a qualificação da CTNBio. Os principais pontos da nova Lei de Biossegurança são: 1. Cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), vinculado à Presidência da República, com o objetivo de formular e implementar a Política Nacional de Biossegurança (PNB). Esse conselho será formado por 11 ministros: Ministro de Estado da Casa Civil, Ministro da Justiça, Ministro da Ciência e Tecnologia, Ministro do Desenvolvimento Agrário, Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministro da Saúde, Ministro do Meio Ambiente, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministro das Relações Exteriores, Ministro da Defesa e pelo Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca. Esse conselho tem como atribuições: (i) fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competência sobre a matéria; (ii) analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos de conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus derivados; (iii) avocar e decidir, em última e definitiva instância, quando julgar necessário, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados; (iv) 2
apreciar recurso dos órgãos de fiscalização e registro em relação a decisão da CTNBio. 2. O Projeto modifica a composição e a qualificação da (Ex) Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que passa a contar com 27 membros, todos com titulação de Doutor, designados pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, assim discriminados: Dos 27, doze deverão ser especialistas com notório saber científico, sendo 3 da área de saúde humana, 3 da área animal, 3 da área vegetal e 3 da área ambiental. Os demais serão: 9 representantes do Governo (Ministérios) e 6 especialistas em diferentes áreas, também indicados pelos Ministros do setor. 3. Compete à CTNBio, entre outras, proceder à análise da avaliação de risco, caso a caso, relativamente a atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, autorizar as atividades de pesquisa com OGM e identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana. A CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como a decisão sobre a necessidade de licenciamento ambiental. A decisão da CTNBio vincula os demais órgãos da administração quanto aos aspectos de biossegurança do OGM e seus derivados; 4. No âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, o projeto cria o Sistema de Informações em Biossegurança (SIB), destinado à gestão das informações decorrentes das atividades de análise, autorização, registro, monitoramento e acompanhamento das atividades que envolvam OGM e seus derivados. 5. Nas disposições finais e transitórias o projeto: 5.1. Autoriza o registro e a comercialização de OGM que tenha obtido decisão favorável à sua liberação comercial, salvo manifestação em contrário do CNBS; 5.2. Estabelece que permanecem em vigor os CQBs (Certificados de Qualidade em Biossegurança), comunicados e decisões técnicas já emitidas pela CNTBio, bem como, no que não contrariarem o disposto na Lei, as instruções por ela expedidas; 3
5.3. Estabelece que não se plica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei n. 7.802, de 11 de julho de 1989 (Lei de Agrotóxicos), e suas alterações, exceto para os casos em que eles sejam desenvolvidos para servir de matéria-prima para a produção de agrotóxicos; 5.4. Convalida e torna permanentes os registros provisórios concedidos sob a égide da Lei nº 10.814/2003; autoriza a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificada tolerantes ao herbicida glifosato registradas e o plantio de grãos de soja transgênica reservados pelos produtores rurais para uso próprio, na safra 2004/2005, sendo vedada sua comercialização como sementes. 5.5. Estabelece a exigência de rotulagem dos alimentos e ingredientes destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados. Tecnologias emergentes, como a dos OGMs, originadas do avanço do conhecimento nas áreas de biologia molecular e celular, estão sendo disponibilizadas em velocidade espantosa. Como conseqüência, a apropriação e a utilização desse conhecimento científico são estratégicas em vários processos produtivos e, em particular, no agronegócio. No Brasil, o processo de criação e regulamentação do Sistema Nacional de Biossegurança para atividades que envolvem o uso das modernas técnicas de engenharia genética tem dado certo na área científica, mas tem sido extremamente conturbado na esfera política e judiciária. Ficou evidente, no caso dos organismos vegetais geneticamente modificados, em particular a soja transgênica resistente a herbicida, a influência negativa de um forte componente ideológico, que, desconsiderando procedimentos e conhecimentos científicos, procurou desfigurar as agências de controle, provocando o caos no sistema, o que resultou em um atraso de cinco anos na adoção legal do cultivo de plantas transgênicas no Brasil. Para tentar caçar o poder da CTNBio de licenciar transgênicos, os chamados 4
ambientalistas aliaram-se, em 2004, à bancada fundamentalista antiaborto da Câmara dos Deputados, que queria também proibir as pesquisas com células-tronco pela medicina. Os grupos ideológicos e ambientalistas foram agressivos e destacaram-se não por fazer, mas por não deixar fazer. Concentram todos os seus esforços não em construir ou em acertar ou corrigir, mas em desinformar, desconsiderando evidências científicas e históricos de uso seguro, alarmando e obstruindo. A guerra aos transgênicos teve e tem ainda como principal estratégia fomentar a incerteza e o medo, exigindo certeza absoluta e risco zero. Como isto, no mundo real, é praticamente impossível e irrealista, cabe aos órgãos governamentais usar a melhor evidência científica existente para determinar a segurança ambiental, nutricional e terapêutica dos novos produtos oriundos da engenharia genética. Para administrar isso com competência, agilidade e segurança, é urgente e necessário que os órgãos governamentais utilizem colaboradores e assessores que tenham isenção ideológica, seriedade e, o mais importante, formação e experiência técnico-científica na área biotecnológica Infelizmente, as leis sobre biossegurança, no Brasil, estão sendo elaboradas sem rumo ou estratégias pré-definidas pelo Poder Executivo, em geral sob pressão de fatos já consumados e, quando são criadas, custam a vingar. Por exemplo, como se não bastassem os cinco anos perdidos em conseqüência do conflito de atribuições que ocorreu entre vários órgãos governamentais, a nova CTNBio, criada com a aprovação da Lei nº 11.105/05, em março de 2005, ainda não foi nomeada. Como conseqüência, nos últimos quatro meses, nenhum documento existente ou enviado à CTNBio foi analisado e/ou processado. Embora a CTNBio tenha sido reconhecida como a única instância responsável com competência técnica para tratar da segurança de um OGM, a relação entre a CTNBio e os órgãos ambientais e de saúde humana e animal deve, necessariamente, ter um caráter harmonioso e complementar. Esta é a única maneira de garantir à sociedade brasileira a certeza de que a sua segurança, com relação aos OGMs, está sendo devidamente avaliada e fiscalizada pelo poder público. 5