Ocorrência de má oclusão e distúrbio articulatório em crianças respiradoras orais de escolas públicas de Santa Maria, Rio Grande do Sul

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Transcrição:

ORIGINAL ORIGINAL Ocorrência de má oclusão e distúrbio articulatório em crianças respiradoras orais de escolas públicas de Santa Maria, Rio Grande do Sul Malocclusion and articulation disorders in mouth breathing children from public schools in Santa Maria, Rio Grande do Sul Clarissa Flores OLIVEIRA 1 Angela Ruviaro BUSANELLO 2 Ana Maria Toniolo da SILVA 2 RESUMO Objetivo: Verificar a ocorrência e os tipos de má oclusão e distúrbios articulatórios em crianças respiradoras orais de escolas públicas. Métodos: Foram avaliadas 219 crianças de ambos os gêneros com idades entre 5 e 12 anos, pertencentes a duas escolas públicas da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul; tendo sido selecionadas para este estudo 121 crianças respiradoras orais. Realizou-se avaliação ortodôntica e fonoaudiológica para verificar o modo respiratório e a presença ou ausência de más oclusões e de distúrbios articulatórios. Resultados: Observou-se que 100% das crianças respiradoras orais apresentaram má oclusão, sendo 49,60% Classe II, 48,76% Classe I e 1,65% Classe III de Angle. Verificou-se também que 18,20% das crianças respiradoras orais apresentaram distúrbio articulatório. Conclusão: Todas as crianças respiradoras orais apresentaram algum tipo de má oclusão, sendo a maioria do tipo Classe II, seguida de Classe I de Angle. O distúrbio articulatório mais observado foi o ceceio anterior. Termos de indexação: respiração bucal; má oclusão; sistema estomatognático. ABSTRACT Objective: To verify the occurrence and types of malocclusion and articulation disorders in mouth breathing children at public schools. Methods: An evaluation was made of 219 children of both genders, between 5 and 12 years of age, attending two public schools in the city of Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brazil; with 121 mouth breather children being selected for this study. Orthodontic and phonoaudiological evaluation were made to verify the breathing mode and presence or absence of malocclusion and articulation disorders. Results: It was observed that 100% of the mouth breather children presented malocclusion, 49.60% being Angle s Class II, 48.76% Class I and 1.65% Class III. It was also verified that 18.2% of the mouth breather children presented articulation disturbance. Conclusion: All mouth breathing children presented some type of malocclusion, the majority being Angle s Class II, followed by Class I. The articulation disorders most frequently observed was anterior lisping. Indexing terms: mouth breathing; maloclusion; stomatognathic system. INTRODUÇÃO A relação entre a função respiratória e o crescimento e desenvolvimento craniofacial tem sido amplamente discutida. De acordo com a teoria da Matriz Funcional de Moss 1, a respiração nasal propicia um adequado crescimento e desenvolvimento do complexo craniofacial interagindo com outras funções como mastigação e deglutição 2. Essa teoria baseia-se no princípio de que o crescimento facial está intimamente associado à atividade funcional, representada por diferentes componentes da área da cabeça e pescoço. A presença de um obstáculo à passagem do ar pelas vias aéreas superiores, seja por malformação, inflamação da mucosa nasal (rinite), desvio de septo nasal ou hipertrofia de adenóides e amídalas, pode provocar obstrução nasal obrigando o paciente a respirar pela boca 3. Considerando a doutrina das matrizes funcionais, se houver obstrução das 1 Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Fonoaudiologia. R. Mal Floriano Peixoto, 1184, 97015372, Santa Maria, RS, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: CF OLIVEIRA (cfoliveirabr@yahoo.com.br). 2 Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Fonoaudiologia. Santa Maria, RS, Brasil.

C.F. OLIVEIRA et al. vias aéreas naso e ororrespiratória, muitas influências podem ser exercidas na direção de crescimento das estruturas do esqueleto da face 4. O desenvolvimento adequado da dimensão vertical da face irá depender do equilíbrio dinâmico dos músculos da mastigação e da posição da mandíbula durante o repouso, que é o ponto de partida de qualquer função. Esse equilíbrio leva ao desenvolvimento de uma oclusão equilibrada fisiologicamente 5. Uma vez que o respirador oral assume nova postura para tornar possível sua respiração, alterações esqueléticas e miofuncionais importantes podem se manifestar durante o período de crescimento facial. Subtelny 4 estudou os efeitos das alterações das amídalas e adenóides sobre a morfologia dentofacial. O autor verificou que, nos pacientes portadores de obstrução nasal, houve aumento da altura facial anterior, retrusão maxilomandibular e rotação mandibular no sentido horário. A hipertrofia de amídalas pode provocar obstrução do espaço bucofaríngeo, forçando a projeção anterior da língua e levando ao aumento daquele espaço. Mocelin et al. 6 também encontraram diversas alterações orgânicas em respiradores orais crônicos, como retroposicionamento mandibular, estreitamento e alongamento da face. Como conseqüência do fato de assumir uma nova postura, o respirador oral pode sofrer estas alterações esqueléticas e miofuncionais mesmo antes do surto de crescimento na adolescência. Quando não há passagem de ar com fluxo adequado pelas fossas nasais, a mucosa nasal torna-se hipertrofiada, pálida e hipofuncionante. Além disso, a hipofluxo nasal leva também à hipoplasia de seios maxilares e o estreitamento das fossas nasais. A hipoplasia maxilar pode ocorrer por dois fatores: a passagem de ar com fluxo inadequado pelas fossas nasais e a ausência de pressão da língua contra o palato duro 7. Ela é representada tridimensionalmente: no sentido transversal, o palato é estreito, provocando desvios da mandíbula numa tentativa de estabilizar a mordida. No sentido ântero-posterior, a hipoplasia maxilar se expressa pelo pseudoprognatismo mandibular. Já no sentido vertical, a ausência da pressão da língua contra o palato provoca insuficiência do crescimento vertical dos processos alveolares, causando, por sua vez, a infra-oclusão dentária 8. O crescimento, o desenvolvimento e a função das estruturas ósseas da cavidade oral estão intimamente ligados ao complexo muscular bucofacial, sendo necessária uma harmonia entre eles para que haja uma boa oclusão, pois os dentes irão irromper em um ambiente dinâmico, em que participam os músculos da face, da mastigação e da língua 9. Muitos pacientes apresentam quadro de respiração oral associado a alterações ortodônticas; sendo a Classe II de Angle o principal tipo de má oclusão dentária referido pela literatura 10-11. Os respiradores bucais tendem a apresentar alterações nas proporções faciais normais, caracterizadas pela maior altura facial anterior inferior e menor altura posterior da face; evidenciando a influência da função respiratória no desenvolvimento craniofacial 12. A diminuição da dimensão da cavidade oral parece influenciar a produção dos sons sibilantes, bem como a articulação dos sons da fala em geral, pela restrição dos movimentos da língua 13. Pode também interferir na ressonância, por reduzir o tamanho e alterar o formato da cavidade oral 14. Subtenly 4 estudou a relação entre overjet e alterações na fala, assim como o fato de que a língua se adaptava para compensar a classe II divisão 1ª. Pereira et al. 15 analisaram quarenta pacientes adultos considerando aspectos relacionados à postura habitual de lábios e língua, modo respiratório, tipo mastigatório, padrão de deglutição e fala. Observaram anteriorização de língua na fala em pacientes com altura facial aumentada. Concluíram que o tipo facial dolicocefálico contribui para a ocorrência de alterações na postura habitual dos lábios, bem como nas funções de respiração e fala. Frias et al. 5 pesquisaram a relação existente entre ceceio anterior, crescimento craniofacial e hábitos de sucção não nutritiva em crianças de 3 a 7 anos. Avaliaram 178 indivíduos de ambos os gêneros. Os resultados obtidos revelam diminuição do ceceio com o aumento da idade e relação direta da medida do terço médio da face com a presença de ceceio; evidenciando a relação do ceceio anterior com o crescimento craniofacial. Machado 16 avaliou 68 crianças entre 3 e 10 anos, quanto à presença de ceceio e caracterização do sistema estomatognático. Concluiu que a interferência de algumas características do sistema estomatognático, tais como tipo de mordida, conformação do palato duro, volume de tonsilas palatinas e da língua não foram consideradas determinantes na ocorrência do ceceio, podendo ou não estar presentes em crianças que apresentam tal distorção de fala. Bicalho et al. 17 avaliaram 22 crianças de ambos os gêneros com diagnóstico de respiração oral entre 4 e 11 anos. O estudo relacionou alterações de respiração, fala e mastigação e as alterações de deglutição estiveram presentes em 90% da amostra. No grupo com deglutição alterada, 30% apresentaram ceceio anterior e 10% ceceio lateral. 170

Má oclusão e distúrbio articulatório em respiradores orais A respiração oral crônica produz sérias alterações no aparato estomatognático que afetam o indivíduo estética e funcionalmente e as características do quadro clínico variam de acordo com o biotipo do paciente e o tempo em que o problema persiste 18. O propósito deste trabalho foi verificar, através de avaliação fonoaudiológica e odontológica, a ocorrência e os tipos de má oclusão dentária e distúrbios articulatórios em um grupo de crianças respiradoras orais com idades entre cinco e 12 anos, pertencentes a escolas públicas do município de Santa Maria, Rio Grande do Sul. MÉTODOS Este estudo faz parte do projeto de mestrado intitulado Eficácia do uso do Exercitador Facial na terapia fonoaudiológica em crianças respiradoras orais: avaliação clínica e eletromiográfica, tendo sido submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria. Duzentas e dezenove crianças de ambos os gêneros, com idades variando entre 5 e 12 anos, pertencentes a duas escolas públicas da cidade de Santa Maria (RS), foram submetidas à avaliação fonoaudiológica e ortodôntica. Optou-se por realizar a pesquisa com indivíduos até os 12 anos de idade por se tratar de um período de crescimento facial, indicado para avaliação e intervenção terapêuticas. Segundo Defabjanis 19, por volta dos 12 anos de idade, a maxila e a mandíbula aumentam consideravelmente de tamanho de tal modo que 90% das deformidades se estabelecem até esse período. Os dados foram registrados através do preenchimento de um protocolo pré-elaborado, observandose os seguintes aspectos: queixas de respiração oral, alergias respiratórias e demais alterações orgânicas das vias aéreas e histórico de tratamento fonoaudiológico, ortodôntico e otorrinolaringológico. Na avaliação fonoaudiológica foram observados: postura de lábios, postura de língua e modo respiratório. O Teste da Água foi realizado como preconizado por Ferreira 20, onde o sujeito deve permanecer por três minutos com água na boca e com os lábios ocluídos para comprovar a ausência de empecilho à respiração nasal. Para a avaliação da fala foram realizadas as seguintes provas: repetição de palavras balanceadas foneticamente; bem como apresentação de quatro figuras em seqüência lógicotemporal de fácil compreensão, para que a criança elaborasse e narrasse uma história. Nesses testes foi observada presença ou ausência de imprecisão articulatória e distorção dos sibilantes, interposição de língua e língua baixa. Na avaliação ortodôntica os itens considerados foram más oclusões dentárias segundo a classificação de Angle 21, bem como a presença de mordida aberta (classificação em mordida aberta anterior, unilateral e bilateral), e mordida cruzada (classificação em mordida cruzada anterior, mordida cruzada unilateral, mordida cruzada bilateral). Não foram incluídos na amostra deste estudo indivíduos com alterações genéticas ou portadores de malformações faciais e também não foram incluídos indivíduos com histórico de terapia fonoaudiológica e/ou tratamento ortodôntico prévios. RESULTADOS E DISCUSSÃO A avaliação das 219 crianças indicou que 121 delas eram respiradoras orais. Destas, 100% apresentaram algum tipo de má oclusão, sendo que a distribuição das mesmas pode ser observada na Figura 1. Para Weckx & Weckx 3 e Felício 22, o respirador oral assume postura de cabeça e do pescoço diferente da criança respiradora nasal, além de tecidos moles, como lábios (geralmente entreabertos) e língua (geralmente em soalho), para que ocorra a passagem de ar pela orofaringe, em vez das fossas nasais. Neste trabalho, observou-se que 18,20% das crianças respiradoras orais apresentaram alguma alteração articulatória durante a fonação (Figura 2); o que concorda com os autores estudados. Weckx & Weckx 3 descreveram que existem alterações de praxia nos respiradores bucais, sendo muito citadas a interposição de língua, assim como a de lábio durante a deglutição e a fonação. A totalidade das crianças que apresentaram distúrbios articulatórios mostrou algum tipo de má oclusão. Pode-se observar também que a ocorrência de ceceio anterior foi mais expressiva em indivíduos com má oclusão classe II. Baños et al. 23 avaliou clinicamente a oclusão dental de cinquenta pacientes com diagnóstico de retardo de linguagem e observou que existe associação significativa entre a má oclusão dental e os transtornos da fala. Quando observado o tipo de má oclusão, a maioria das crianças respiradoras orais apresentou classe II; geralmente acompanhada de sobressaliência anterior. 171

C.F. OLIVEIRA et al. Vinte e oito crianças (23,14%) apresentaram também mordida aberta (Figura 3) e 15 crianças (12,39%) apresentaram mordida cruzada. Em relatos anteriores, Linder-Aronson 24 citou alterações na inclinação ou na posição dos dentes, sejam incisivos (mais comumente) ou molares. A influência da respiração oral crônica no crescimento craniofacial pode ser verificada neste estudo, visto que a maioria das crianças apresentou Classe II de Angle; a qual geralmente está relacionada a uma altura facial aumentada principalmente no terço médio da face. Porém, salientamos a necessidade de avaliações que objetivassem a medida dos terços faciais. Lessa et al. 12 estudaram sessenta crianças entre seis e dez anos, divididas entre respiradoras orais e respiradoras nasais. Concluíram que os respiradores bucais tendem a apresentar maior inclinação mandibular e padrão de crescimento vertical, evidenciando a influência da função respiratória no desenvolvimento craniofacial. Mocellin et al. 6 avaliaram trinta pacientes entre 7 e 12 anos com queixa de obstrução nasal crônica. Os padrões faciais encontrados mostraram predominância do padrão dolicofacial e predomínio de palato atrésico, comprovandose a influência da respiração bucal no crescimento craniofacial. No que se refere aos tipos de má oclusão - Classificação de Angle, a maioria dos indivíduos estudados apresentou Classe II, seguido de Classe I e, por fim, Classe III de Angle. Andrade et al. 25 em uma amostra de quarenta indivíduos respiradores orais entre seis e dez anos, observaram vinte casos de Classe II 1ª divisão (50%), 17 casos de Classe I (42,5%) e três casos de Classe III (7,5%); o que ratifica nossos achados. A mordida aberta anterior foi observada em 22 crianças, sendo que das crianças com ceceio associado à interdentalização, 80% apresentaram mordida aberta anterior. Esta má oclusão tem sua etiologia muitas vezes relacionada a uma desarmonia miofuncional orofacial pela ação prolongada de hábitos deletérios 26. Faria et al. 27 estudaram 35 crianças; 15 respiradores nasais e vinte respiradores orais, e observaram que a respiração oral estava associada com retrusão maxilo-mandibular em relação à base do crânio. Vig 11 abordou a obstrução nasal e o crescimento facial no intuído de comprovar suposições clínicas. Porém cabe salientar que existe dificuldade em determinar respostas precisas para questões como: quantidade de obstrução nasal a ser considerada clinicamente significante, a partir de qual idade o início da obstrução nasal é crítico e por quanto tempo pode existir antes de provocar alterações no crescimento craniofacial. Figura 1. Ocorrência de má oclusão conforme a classificação de Angle. Figura 2. Distribuição dos casos de distúrbios articulatórios. Figura 3. Distribuição dos casos conforme os tipos de mordida aberta. 172

Má oclusão e distúrbio articulatório em respiradores orais Figura 4. Distribuição dos casos conforme os tipos de mordida cruzada. CONCLUSÃO O distúrbio articulatório mais observado foi o ceceio anterior, reforçando a idéia de que a presença de respiração oral crônica durante o período de crescimento facial está amplamente relacionada a mudanças nos tecidos ósseos e musculares, bem como a alterações das funções do sistema estomatognático; entre elas a fala. Assim, um trabalho multidisciplinar deve ser enfatizado, devido ao fato de a respiração oral apresentar etiologia e conseqüências de natureza multifatorial. A atuação integrada entre otorrinolaringologistas, ortodontistas e fonoaudiólogos; entre outros profissionais, mostra-se de grande valia para detectar alterações orgânicas e obter um equilíbrio muscular e ósseo adequado para o correto desempenho das funções orofaciais. Colaboradores A partir deste estudo foi possível concluir que todas as crianças respiradoras orais apresentaram algum tipo de má oclusão; sendo a maioria do tipo Classe II, seguida de Classe I de Angle. C.F. OLIVEIRA participou da elaboração e redação do artigo. A.R. BUSANELLO participou da co-autoria do manuscrito. A.M.T. SILVA participou na orientação do manuscrito. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Moss ML, Salentijn L. The primary role of functional matrices in facial growth. Am J Orthod. 1969; 55(6): 566-77. Prates NS, Magnani MBBA, Vladrighi, HC. Respiração bucal e problemas ortodônticos: relação causa-efeito. Rev Paul Odontol. 1997; 19(4): 14-8. Weckx L, Weckx L. Respirador bucal: causas e conseqüências. Rev Bras Med. 1995; 52(8): 863-74. Subtelny JD. Effect of diseases of tonsils and adenoids on dentofacial morphology. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1975; 84(Suppl 19): 50-4. Frias JS, Foresti FNR, Carmona AS, Di Ninno CQMS. Relação entre ceceio anterior e crescimento craniofacial e hábitos de sucção não nutritiva em crianças de 3 a 7 anos. Rev CEFAC. 2004; 6(2): 177-83. Mocellin M, Fugmann EA, Gavazzoni FB, Ataíde AL, Ouriques FL, Herrero Júnior F. Estudo cefalométrico-radiográfico e otorrinolaringológico correlacionando o grau de obstrução nasal e o padrão de crescimento facial em pacientes não tratados ortodonticamente. Rev Bras de Otorrinolaringol. 2000; 66(2): 116 20. O Ryan FS, Gallagher DM, LaBanc JP, Epker BN. The relation between nasorespiratory function and dentofacial morphology: a review. Am J Orthod. 1982; 82(5): 403-10. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. Pereira FC, Motonaga SM, Faria PM, Matsumoto MAN, Trawitzki LYV, Lima AS, et al. Avaliação cefalométrica e miofuncional em respiradores bucais. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001; 67(1): 43-9. Marchesan IQ. Avaliação e terapia dos problemas da respiração. In: Marchesan IQ. Fundamentos em fonoaudiologia: aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p. 23-36. Marchesan IQ, Krakauer LH. A importância do trabalho respiratório na terapia miofuncional. In: Marchesan IQ, Zorzi JL, Gomes ICD. Tópicos de fonoaudiologia. São Paulo: Lovise; 1995. v.2, p. 155-60. Vig KW. Nasal obstruction and facial growth: the strength of evidence for clinical assumptions. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 1998; 113(6): 603-11. Lessa FCR, Enoki C, Feres MFN, Valera FCP, Lima WTA, Matsumoto MAN. Influência do padrão respiratório na morfologia craniofacial. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005; 71(2): 156-60. Laine T. Articulatory disorders in speech as related to size of the alveolar arches. Eur J Orthod. 1986; 8(3): 192-7. Chierici G, Lawson L. Clinical speech considerations in prosthodontics: perspectives of the prosthodontist and speech pathologist. J Prosthet Dent. 1973; 29(1): 29-39. 173

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