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Transcrição:

A ENTRADA EM ANÁLISE DE FREUD A LACAN Aluna: Daniele Menezes da Silva Orientador: Marcus André Vieira Introdução O projeto tem como objetivo articular as configurações de início do tratamento analítico, a partir do que Freud descreveu em termos de Neurose de Transferência, com as referências de Jacques Lacan à entrada em análise. A expressão Sintoma Analítico, de Lacan, concentrara nossa formulação única sobre a entrada em análise, que integre os corpos conceituais propostos pelos dois autores. Como um dos resultados da pesquisa, esperamos, a partir desta formulação, produzir orientações práticas para um trabalho clínico específico, nas condições heterodoxas de atendimento psicanalítico em uma favela, nas quais a delimitação do que é um início de análise torna-se ainda mais premente. A ONG Digaí-Maré, parceira de pesquisas anteriores, desenvolve um trabalho clínico psicanalítico em grupo no complexo de favelas da Maré. Desde janeiro de 2005, é desenvolvido um projeto de consultas e atendimento psicanalítico, gratuito e por tempo determinado que visa propiciar a presença do discurso analítico em uma comunidade específica, assim como favorecer e examinar suas incidências no plano coletivo. Oferece atendimento a grupos de crianças, adolescentes e seus familiares em uma casa alugada no bairro de Nova Holanda. A pesquisa tem como objeto de estudo elaborações conceituais e clínicas visando o projeto e dispositivo de atendimento gratuito Digaí-Maré, que oferece um trabalho baseado nos princípios da psicanálise para os moradores do Complexo de favelas da Maré na cidade do Rio de Janeiro desde 2005. O Digaí-Maré tem estado atento para o registro de seu trabalho de forma a poder transmitir sua experiência e buscar criar um método que possa ser replicável e sirva também a outras experiências de profissionais da saúde mental em comunidades marcadas pela violência, exclusão social e subversão dos moldes tradicionais de organização social e familiar.

Apesar do dispositivo psicanalítico tradicional se dar através do atendimento individual, a psicanálise tem buscado alternativas para responder de maneira eficiente aos novos tempos e às novas queixas. O reconhecimento de um modo de vida marcado pela coletividade e por uma certa relativização da noção de privacidade motivaram o Digaí-Maré a trabalhar com atendimento em grupo. Esta pesquisa tem se proposto a desenvolver um trabalho, neste momento, teórico em articulação com a experiência clínica do Digaí-Maré. O projeto atual A Entrada em Análise de Freud a Lacan dá continuidade ao projeto desenvolvido no primeiro e parte do segundo semestre do ano passado, A Psicanálise aplicada na clínica dos grupos. A ONG Digaí-Maré Fachada do Digaí-Maré Composto por um grupo de vinte e dois profissionais, o Digaí-Maré é uma Associação que oferece um trabalho orientado pelos princípios da psicanálise a crianças, adolescentes e adultos no Complexo da Maré, na cidade do Rio de Janeiro. O trabalho é realizado em parceria com três entidades: o Programa de Criança Petrobrás da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré (Redes-Maré); a Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro, através do Departamento de Psicologia; e a seção Rio da Escola Brasileira de Psicanálise. O Digaí-Maré surgiu em janeiro de 2005 a partir do encontro entre a demanda do antigo CEASM, atual Redes-Maré, por atendimentos psicológicos a seu público-alvo e o interesse de profissionais, norteados pela psicanálise, em trabalhar com esse público. No caso do Programa de Criança Petrobrás do Redes-Maré, as situações que se apresentam costumam estar associadas às crianças que colocam sérios impasses aos pais e profissionais que com elas trabalham (principalmente professores e assistentes sociais), tais como evasão escolar, dificuldade de aprendizagem, desestruturação e violência familiar, problemas de relacionamento, agressividade, agitação, reações a situações traumáticas e vulnerabilidade social. Além de receber os encaminhamentos promovidos pelos professores e pelas assistentes sociais do Redes-Maré, o Digaí-Maré também recebe moradores das comunidades que constituem esse Complexo e que procuram ajuda psicológica espontaneamente ou encaminhados por outros serviços de atendimento da cidade do Rio de Janeiro. Dessa forma, em 2005 e 2007, cerca de 600 pessoas entre adultos, crianças e adolescentes procuraram o Digaí e ali realizaram um trabalho no sentido de buscar soluções para seus impasses pessoais. Desde dezembro de 2006, o Digaí passou a receber quem o procura não mais nas salas de aula do Redes-Maré, como acontecia entre 2005 e 2006, mas em uma casa alugada pela equipe na comunidade de Nova Holanda e utilizada unicamente para esse fim. A Maré tem dupla existência. Como "favela" é uma figura do imaginário carioca no qual ganha destaque como uma área de precariedade e exclusão, povoada por cenas de violência e pobreza. Como área geográfica oficial ela é apenas mais um bairro dentre os tantos do município do Rio de Janeiro, composto por 16 comunidades, totaliza 132.176 pessoas e constitui a mais populosa área favelizada do Rio. O bairro, que tem 94% de suas crianças na escola, deve à favela sua fama, muito provavelmente por sua localização no entroncamento das três principais vias de acesso ao Rio, uma vez que seus índices são comparáveis aos de tantas outras favelas do município (CENSO CEASM-2000). A aposta fundamental é que o trabalho desenvolvido pela equipe do Digaí-Maré com os pequenos grupos, constituídos por pessoas da comunidade que procuram auxílio para seus sofrimentos psíquicos, seja capaz de reverberar significativamente na comunidade. Quando alguns conseguem encontrar através do trabalho realizado nos pequenos grupos com a presença de um clínico orientado pela psicanálise saídas singulares para impasses e

sofrimentos que pareciam não ter solução, reverbera entre aqueles que o circundam a idéia de que invenções próprias, antes impensadas, são de fato possíveis. Apesar do dispositivo psicanalítico tradicional se dar através do atendimento individual, a psicanálise tem buscado alternativas para responder de maneira eficiente aos novos tempos e às novas queixas. O reconhecimento de um modo de vida marcado pela coletividade e por uma certa relativização da noção de privacidade motivaram o Digaí-Maré a trabalhar com atendimento em grupo. Os atendimentos em grupos no centro de atendimento à comunidade são baseados nos moldes do cartel que Lacan propõe inspirado na prática de Bion. Em sua proposta original, o cartel é um pequeno grupo de trabalho que tem como objetivo a produção, tanto de saber, como de efeitos de sujeito (visando a emergência da singularidade do sintoma) em seus integrantes. Em um grupo de atendimento, a produção de efeitos de sujeito passa a ser o principal objetivo, por isso o cartel passa a ser um modelo de trabalho favorável. É nessa perspectiva que o Digaí-Maré pretende continuar o estudo teórico e a prática com grupos. Trata-se de um dispositivo que funciona gratuitamente, com tempo limitado e está especialmente apto a lidar com situações em que intervenções pontuais e efetivas se fazem necessárias. Assim sendo, ainda que muitas experiências em grupo, inclusive dentro da psicanálise, tenham sido realizadas, as características do trabalho proposto o tornam diferente e inovador. O sucesso desse trabalho poderá resultar em ferramentas teórico-clínicas capazes de fundamentar outras iniciativas semelhantes, impulsionando a capacidade transformadora do Digaí Maré. Objetivos Gerais Desenvolver uma formulação conceitual com relação ao início do tratamento analítico que integre as indicações freudianas a esse respeito e os conceitos desenvolvidos por Lacan a partir delas. Elaborar uma orientação clínica para o trabalho no Digaí-Maré com relação ao início do tratamento, considerando o que seria um trabalho orientado pela psicanálise. Objetivos Específicos a) Delimitar a abrangência e pertinência do conceito de Neurose de Transferência na obra freudiana.

b) Articular as referências de Jacques Lacan à entrada em análise, reunidas em torno da expressão Sintoma Analítico, com os conceitos Sujeito Suposto Saber e Objeto a. c) Elaborar um conjunto de orientações que integre a e b e possa se oferecer à leitura e à apropriação por parte dos que realizam trabalho prático de atendimento psicanalítico. d) Debater, junto ao corpo clínico de uma instituição de atendimento, quanto à pertinência deste instrumento com relação ao início do tratamento, considerando um trabalho orientado pela psicanálise. Metodologia I - Em um primeiro momento, a pesquisa se dedica a examinar as referências de Freud a Lacan com relação ao tema em um percurso bibliográfico rigoroso. - O roteiro conceitual segue o fio da Neurose de Transferência, do Sintoma Analítico, tendo como chave de leitura os conceitos acima mencionados de Sujeito suposto Saber e Objeto a. - O percurso bibliográfico proposto desdobra nossa bibliografia da seguinte forma: Em primeiro lugar, buscaremos delimitar o conceito de Neurose de Transferência na obra freudiana, a partir de textos como A dinâmica da transferência (1912), Recordar, repetir e elaborar (1914A), e Observações sobre o amor transferencial (1915 [1914B]). Passando para a leitura de Lacan, na busca pelo estudo do Sintoma e do Sintoma Analítico, pretendemos percorrer os textos A Significação do Falo (1958), Conferência em Genebra sobre o sintoma (1998), além da leitura dos livros 4 (1956-1957), 7 (1959-1960), 11 (1964), 12 (1964-1965) e 20 (1972-1973) do seu Seminário. Seguiremos os comentadores selecionados na seguinte ordem: Jacques-Alain Miller, Éric Laurent, Giorgio Agambem, Gilles Deleuze, Alexandre Koyré, Jean-Claude Milner, Alain Badiou. II - Pretende-se com essa incursão bibliográfica sobre a questão da entrada em análise elaborar uma formulação sobre o que se pode entender deste conceito a partir da obra de Freud e de Lacan. Eles serão ordenados de forma a produzir, por um lado, artigos que definam as coordenadas do início do tratamento a ser validadas pela publicação, sob a forma de artigos em revistas da comunidade científica. Por outro lado, a validação, digamos, prática, se dará pelo uso em situação de atendimento destas coordenadas.

III - Neste sentido, um terceiro momento está previsto, em que as formulações serão discutidas com os praticantes do atendimento clínico em instituição, o Digaí-Maré. Para que isto se dê, temos como meta organizar uma Jornada de trabalho, que conte com os resultados desta pesquisa e que os tenha como interlocutores. Enquanto a pesquisa trará os seus resultados, propondo a formulação sobre a entrada em análise e consequente orientação de trabalho, os psicanalistas que atuam no Digaí-Maré levarão casos clínicos que possam servir de contraponto e debate ao que foi elaborado ao longo do percurso de pesquisa. IV Após esta Jornada, em um quarto momento, os trabalhos apresentados serão transcritos e publicados de forma impressa como anais do evento. Além disso, pretendemos, ao longo do trabalho, desenvolver artigos e textos que sejam estudos preparatórios para as apresentações e discussões dessa Jornada, e que sejam publicadas em revistas especializadas de impacto. Resultados Parciais A pesquisa tem procurado desenvolver uma formulação que abarque o conceito de entrada em análise nas teorias de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Na obra de Freud, foi realizado o estudo da Neurose de Transferência. Para isso foram utilizados os textos A dinâmica da transferência (1912), Recordar, repetir e elaborar (1914A), e Observações sobre o amor transferencial (1915 [1914B]). Tendo Freud como ponto de partida pensou-se inicialmente a transferência, na qual encontramos um dos fundamentos da teoria psicanalítica (FREUD, 1915[1914 B]: 178). Para ele, a psicanálise poderia ser vista como campo cuja liberdade de lidar com forças altamente explosivas (FREUD, 1915[1914 B]: 188) está por ser garantida. As forças altamente explosivas têm um nome: Neurose de Transferência. No lugar em que atualmente encontramos uma série de formas de lidar com o sofrimento para que se restabeleça alguma forma de equilíbrio ou sentidos dados pelo analista prévios frente a fala do analisando, Freud pediria complacência bastante para respeitar as condições necessárias da análise (FREUD, 1914 A: 169), ou seja, a célebre associação livre. Esse é um dos motivos que fundamenta a escolha ética da psicanálise de não oferecer tratamento ao sintoma que desestabiliza o paciente no sentido de sua eliminação. Pelo contrário, as forças das quais Freud clama a liberdade para seu trabalho que temos como exemplo o amor tendem a intensificar o sintoma para que, a partir de então, se possa

vislumbrar alguma melhora possível. Em poucas palavras o sucesso do tratamento é devedor de uma piora dos sintomas do paciente que apenas respondem ao amor explosivo provocado pela situação analítica que agrava suas manifestações (FREUD, 1915[1914 B]: 185). O que a psicanálise propõe, parece ser o contrário do que normalmente se tenderia a pensar como direção de tratamento. Ou seja, ao invés da eliminação do sintoma que é uma tendência dos nossos dias, há uma espécie de promoção do sintoma? Será essa a aposta psicanalítica para uma entrada em análise? Frente a isso, ao invés de recuar, a pesquisa seguiu em uma tentativa de elucidar essa subversão. Os textos estudados nesta etapa foram todos de Freud, mas a orientação neste caminho vem de um viés lacaniano. Na entrada em análise, esse adoecer remete-se ao analista, supondo que este detém o saber que falta ao analisante, e ao se endereçar ao Outro inclui o médico numa das séries psíquicas que o paciente já formou (FREUD, 1912: 112). Freud dedicou basicamente o trabalho Dinâmica da transferência (1912) para elucidar sobre os impasses oriundos da transferência, ele se pergunta o porquê que a ferramenta da transferência ora é o método fundamental de trabalho e ora é resistência? É desse ponto que surge seu esforço de diferenciar valências na transferência recomendando-se que atenhamonos na transferência positiva amistosa. O que isso quer dizer senão que é impossível ou complicado seguir uma análise onde o amor ou seu oposto imaginário, o ódio, interponham-se entre analista e paciente? Nesse sentido na psicanálise trata-se mais de permitir que o investimento libidinal inclua o médico numa das séries psíquicas que o paciente já formou (FREUD, 1912: 112) do que digamos ironicamente querer bem aos seus pacientes, ou seja, amá-los. Essa inclusão do analista possibilita um espaço no qual se dará o tratamento. A respeito disso Freud diz da sua forma, que substituiremos a neurose comum por uma neurose de transferência ela cria assim uma região intermediária entre a doença e a vida real (FREUD, 1914 A: 170). O analisante acredita que o analista detém o saber que poderá remover a sua neurose. Há uma aposta, do lado do paciente, de que algo acontecerá na análise que o levará ao seu restabelecimento. Com relação a essa aposta, propomos inicialmente chamá-la de cheque em branco. Acreditamos que o texto Observações sobre o amor transferencial, de Freud, nos oferece alguns caminhos possíveis para um estudo sobre esse cheque em branco, que o analisante passaria para o analista na entrada em análise. Neste texto, Freud sugere como os

analistas devem se posicionar frente ao amor de transferência, eles não devem retribuir ou reprimir os sentimentos amorosos da paciente. Mas sustentar uma posição de abstinência. Podemos entender a posição de abstinência como a recusa do analista de satisfazer os pedidos da paciente, de suas demandas? O analista não deve abandonar sua posição, levando o tratamento a cabo na abstinência. O analista é certamente capaz de fazer muito, mas não pode determinar de antemão exatamente quais resultados produzirá. (FREUD, 1913: 172) Abstinência não significaria, neste caso, a privação de qualquer satisfação o que seria certamente impraticável nem tampouco uma abstinência sexual, mas algo diferente, que tem muito mais conexão com a dinâmica da doença e da recuperação. Mas o que Freud quer dizer com isso? Se foi uma frustração que deu origem ao adoecimento neurótico, a abstinência mantida em análise deve ser de outra ordem? No texto O inconsciente (1915), vemos que a frustração de que se trata no desencadeamento da neurose envolve a renúncia de um objeto real. A libido retirada deste objeto é revertida para um objeto da fantasia e, posteriormente, a um objeto recalcado, por introversão. O investimento objetal, no entanto, é mantido no Ics. Apesar do recalque e ainda, em decorrência dele. É necessário um tanto de libido disponível para o tratamento. Para que isso ocorra, o analista deve furtar-se de ocupar, tal como um objeto substitutivo, o lugar do objeto real. O analista deve aceitar essa carga livre sem estar na série dos objetos reais. De acordo com Freud (1919 [1918]), só a força pulsional resultante de uma certa tensão e persistência dos anseios do paciente é capaz de impeli-lo para a recuperação. Entretanto, se ela esmorece a cada melhora e reduz o andamento da recuperação o analista deve cuidar para que o sofrimento do paciente, em um grau de um modo ou de outro efetivo, não acabe prematuramente. Se, devido ao fato de que os sintomas foram afastados e perderam o seu valor, seu sofrimento se atenua, devemos restabelecê-lo alhures, sob a forma de alguma privação apreciável; de outro modo, corremos o perigo de jamais conseguir senão melhoras insignificantes e transitórias. Ao cederem os sintomas, os quais oferecem uma satisfação substitutiva, o paciente é conduzido a uma nova busca por satisfações dessa espécie. Isso pode se dar por um investimento da libido nas mais diversas atividades, para as quais escoaria a energia necessária à continuidade do tratamento, ou ainda voltar-se para a própria relação de transferência do sujeito com o analista, onde pode até mesmo tentar compensar-se, por esse meio, de todas as outras privações que lhe foram impostas. Segundo Freud, o analista deve

fazer algumas concessões de acordo com a natureza do caso e a individualidade do paciente, sem, contudo deixar-se tomar pelo excesso tão comumente cometido por instituições não-analíticas que tentam tornar o tratamento tão agradável a ponto de o paciente não encontrar estímulos para retomar sua vida. Aquele que chega ao consultório do analista espera alguma cura, pois acredita que este possua de alguma forma o saber técnico que lhe possibilitará desfecho ou fim de seu sofrimento. A experiência freudiana funda-se no fato de que sempre há mais no que se pede. Pede-se o que se quer, mas sempre há um querer inconsciente, algo a mais, que habita nossas demandas. É algo que em si refere-se a algo distinto das satisfações por que clama (LACAN, 1998: 697) É nesse sentido que o analista não dá aquilo que se acredita pedir. O silêncio do analista frente à demanda de tratamento faz surgir para o paciente a dimensão fundamental do desejo (Que queres?) A demanda remete-se sempre a algo além, à outra coisa (LACAN, 1959-1960: 353). A análise através da associação livre convida seus candidatos àquilo que poderíamos chamar de polimento da demanda, ou seja, convida-se essa outra coisa a falar. Conclusões O objetivo dessa exaustiva incursão bibliográfica sobre a questão da entrada em análise é elaborar uma formulação sobre o que se pode entender deste conceito a partir da obra de Freud e de Lacan, além de buscar suas possíveis aplicações práticas em uma clínica que se proponha ser orientada pela psicanálise. A pesquisa encontra-se em andamento e por isso ainda tem um caminho teórico para ser percorrido. Os resultados têm como proposta uma formulação sobre a entrada em análise e conseqüente orientação de trabalho aos psicanalistas que atuam no Digaí-Maré para que eles possam servir de contraponto e debate ao que foi elaborado ao longo do percurso de pesquisa. Referências 1- FREUD, S. (1912). A dinâmica da Transferência. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol XII. 2- FREUD, S. (1914 A). Recordar, Repetir e Elaborar. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol XII.

3 - FREUD, S. (1915 [1914 B]). Observações sobre o amor transferencial. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, Vol XII. 4 - LACAN, J. (1956-1957). O seminário, livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro: JZE, 1995. 5 - LACAN, J. (1958). A Significação do Falo. Em: Escritos. Rio de Janeiro: JZE, 1998. 6 - LACAN, J. (1964a) Posição do inconsciente. Escritos. Rio de Janeiro: JZE, 1998. 7 LACAN, J. O seminário, livro 7: A ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: JZE, 1991. 8 LACAN, J. (1959-1960) O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: JZE, 1998 9 LACAN, J. (1964-1965). O seminário, livro 12: Problemas cruciais para a psicanálise. Inédito. 10 LACAN, J. Conferência em Genebra sobre o sintoma. Em: Opção Lacaniana, São Paulo: Eólia, v.23, 1998, p.6-16. 11 - VIEIRA, M. A. Restos: uma introdução lacaniana ao objeto da psicanálise. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2008.