1 1 INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA INICIAL DA ÁGUA DE MISTURA NO DESEMPENHO TERMOMECÂNICO DE CONCRETO REFRATÁRIO ISOLANTE Santos, S. F 1.; Serra, F. A. S 2.; Rodrigues, J. A 1. 1 Universidade Federal de São Carlos - Departamento de Engenharia de Materiais 2 REPLAN - Refinaria de Paulínia, Petróleo Brasileiro S. A. Petrobras sfsantos@iris.ufscar.br; josear@power.ufscar.br RESUMO Diversos estudos avaliaram o desenvolvimento da resistência mecânica do cimento de aluminato de cálcio em função da temperatura e do tempo de cura. Nesses estudos, foi constatado que curas em temperaturas abaixo de 2 ºC contribuem para a formação de fases metaestáveis que promovem uma maior resistência mecânica, se comparado com aquelas formadas acima de 2 ºC. Neste trabalho, destaca-se o fato de que a mistura com a água inicialmente a 19 ºC foi suficiente para formar fases hidratadas que emprestaram maior resistência mecânica em relação ao mesmo concreto preparado com água a 3 ºC. Foram realizados ensaios de módulo de ruptura em temperatura ambiente e a 55ºC, de choque térmico, além de análise termogravimétrica. Os resultados inspiram recomendações importantes para aplicação de concreto refratário isolante. Palavras chaves: Concreto refratário isolante, cimento de aluminato de cálcio, módulo de ruptura, choque térmico, cura. INTRODUÇÂO Um cimento refratário hidráulico pode ser definido como um material que reage em contato com a água em uma determinada temperatura e endurece adquirindo certa resistência mecânica. É normalmente usado como um agente ligante nas composições de concretos refratários. Há vários tipos de cimento no mercado e são utilizados de acordo com a aplicação do concreto refratário.
2 2 No caso dos concretos refratários isolantes, geralmente, são usados, como ligante, cimentos de aluminato de cálcio (1). No cimento, quando em contato com a água, ocorrem transformações químicas e físicas dando origem a compostos hidratados, conferindo ao material uma certa resistência mecânica. Estas transformações são chamadas de hidratação, e os compostos gerados são denominados hidratos. De fato, a hidratação do cimento é a soma das hidratações de cada um de seus componentes (1). A hidratação do cimento de aluminato de cálcio é complexa já que pode ser influenciada pela temperatura e pela quantidade de água. Durante a hidratação das fases mais reativas, certa quantidade de calor é gerada, fazendo com que a temperatura do sistema aumente, assegurando a reatividade até das fases mais inertes (1)-(2). Quanto ao tempo para iniciar o endurecimento (cura) do cimento, estudos realizados demonstraram que na temperatura de 3 ºC este tempo é muito mais longo em relação a outras temperaturas de cura, abaixo ou acima de 3 ºC. Esta mesma tendência ocorre no que se refere à consolidação da resistência mecânica (1)-(3). Na literatura, existem também estudos realizados para avaliar o desenvolvimento da resistência mecânica nos cimentos de aluminato de cálcio em função da temperatura e do tempo de cura. Nestes estudos foi constatado que curas em temperaturas abaixo de 2 ºC contribuem para a formação de fases hidratadas metaestáveis, CAH 1 e C 2 AH 8 (C = CaO, A = Al 2 O 3 e H = H 2 O), as quais promovem uma maior resistência mecânica no concreto. Curas em temperaturas acima de 2 ºC favorecem a formação das fases hidratadas, C 3 AH 8 e AH 3, as quais causam uma queda da resistência mecânica nos refratários (1)-(2). A cinética de hidratação pode ser também afetada pela presença de sílica e de óxido de ferro (Fe 2 O 3 ). Cimentos de aluminato de cálcio com alta percentual de sílica contêm guelenita, composto este que, quando puro, hidrata-se lentamente. Por outro lado, cimentos com alto teor de óxido de ferro podem favorecer a formação de compostos que têm uma alta taxa de endurecimento (2),(4).
3 3 Neste trabalho, destaca-se o fato de que a preparação de um concreto refratário isolante comercial com água inicialmente a 19 ºC já foi suficiente para formar as fases hidratadas de maior resistência mecânica em relação ao concreto preparado com água inicialmente a 3 ºC. Os concretos preparados nessas duas condições foram avaliados depois de curados em temperatura ambiente, secados a 11 ºC e tratados termicamente. Assim, a proposta deste trabalho é discutir os resultados relativos ao preparo destes materiais que são aplicados, por exemplo, em fornos de aquecimento pré-flash em plantas petroquímicas. MATERIAIS E MÉTODOS Foi utilizado um concreto refratário isolante aplicado por spray, cuja composição química está na tabela I. Tabela I Composição química nominal do concreto refratário isolante comercial. Composição Química nominal (%-p) SiO 2 Al 2 O 3 Fe 2 O 3 CaO Álcalis 45, 38, 1,3 14, 1,5 Os concretos refratários isolantes foram preparados sob duas condições: com água inicialmente a 19 ºC e inicialmente a 3 ºC. Esses concretos foram denominados, T19 e T3, respectivamente. Durante a mistura, não houve controle de temperatura, sendo que o sistema buscava o equilíbrio com o ambiente. Pode também, ter ocorrido aquecimento pelo atrito da mistura. A quantidade de água para mistura, conforme recomendação do fabricante, foi de 75% em peso da base seca. A moldagem foi feita em forma para corpos prismáticos de dimensões nominais: 25 mm x 25 mm x 15 mm. A cura foi desenvolvida a temperatura ambiente, por 24 horas, seguida de secagem a 11 ºC por mais 24 horas. Para cada condição de preparo, com água a 19 ºC e a 3 ºC, foram preparados corpos-de-prova para tratamento térmico a 45 ºC, 55 ºC, 65 ºC e 75 ºC. A temperatura de 55 ºC é aquela normal da aplicação desse material. Todos os tratamentos térmicos foram executados com uma taxa de
4 4 aquecimento de 3 ºC/min até atingir o patamar, permanecendo por 8 horas, seguido de resfriamento com uma taxa de 3 ºC/min. Os tratamentos térmicos foram realizados em fornos Lindberg Blue/M. Foram realizadas medidas de módulo de ruptura sob flexão a três pontos, em temperatura ambiente e a 55 ºC, no equipamento HBST 422, da Netzsch, para todas as condições de preparo (água a 19 ºC e a 3 ºC) e de tratamento térmico. Para medir o módulo de ruptura a quente foi utilizada a taxa de aquecimento de 5 ºC/min e os corpos-de-prova permaneceram no mínimo uma hora e trinta minutos no patamar de 55 ºC antes do início do ensaio propriamente dito. O módulo de ruptura, σ f, do corpo-de-prova foi calculado a partir da equação: 3 2 P L b d max σ f = (A) 2 onde b e d, são, respectivamente, largura e espessura do corpo-de-prova, L é a distância entre os apoios e P max é a carga máxima aplicada. O módulo de ruptura foi também medido em temperatura ambiente, para corpos-de-prova, sem tratamento térmico, curados em temperatura ambiente, secados a 11 ºC e armazenados em uma estufa a 5 ºC, por 24 horas, antes de usá-los nos ensaios. Essas condições definiram o módulo de ruptura de referência para este trabalho. Para corpos-de-prova previamente tratados a 55 ºC por 8 horas foram realizados ensaios de choque térmico com resfriamento abrupto em água circulante, com um único ciclo, de 55 ºC para a temperatura ambiente. A taxa de aquecimento utilizada foi de 2 ºC/min e o tempo de homogeneização da temperatura no patamar de 55 ºC foi de 3 minutos. O aquecimento dos corpos foi feito num forno tubular vertical Lindberg/Blue M. Este ensaio impõe possível choque térmico que possa ocorrer no ambiente de trabalho onde o material em estudo é aplicado. Medidas do módulo de ruptura, antes e após o choque térmico, para avaliação do conseqüente dano, foram feitos numa máquina universal de ensaios mecânicos, MTS 81/TestStar IIs.
5 5 É importante ressaltar que todos os ensaios mecânicos foram realizados ocupando-se de 5 a 8 corpos-de-prova para efeito de estatística. Ensaios termogravimétricos foram realizados em corpos-de-prova cilíndricos (h = D = 4 mm). Para isso, utilizou-se um equipamento que consistia de um forno elétrico associado a uma balança eletrônica. Foi feito um ensaio para verificar a taxa de perda de massa em função da temperatura, em corpos curados em temperatura ambiente e secados a 11 ºC por 24 horas. A coleta dos dados (tempo, temperatura do forno e massa) foi realizada a cada 5 segundos e o aquecimento foi efetuado sob a taxa de 5 ºC/min (5-8 ºC). A perda de massa foi avaliada pelo parâmetro W d,i e sua derivada em relação ao tempo (taxa de secagem), definidos pelas seguintes relações: M M i(t) W = d,i(t) 1x (B) Mf e dw d,i dt (t) i (%/min) W d,i = (C) t i onde W d,i indica a perda instantânea de água que ocorre durante o aquecimento em relação a massa final de concreto (seco); M i (t) é a massa instantânea, M é a massa inicial e M f é a massa final (concreto seco). RESULTADOS E DISCUSSÕES A figura 1 mostra o gráfico do módulo de ruptura, medido em temperatura ambiente, MR-TA, em função da temperatura de tratamento térmico dos materiais. Os resultados indicam que existe diferença no comportamento mecânico entre os concretos preparados com água inicialmente a 19 ºC, T19, e com água inicialmente a 3 ºC, T3. O concreto T19 tem, significativamente, uma maior resistência mecânica do que o T3, independentemente da temperatura
6 6 de tratamento térmico utilizada neste trabalho, com exceção do tratamento a 75 ºC. A figura 1 também mostra que a resistência mecânica diminui para o tratamento térmico a 45 ºC e temperaturas superiores, para ambos os concretos, T19 e T3. Segundo a literatura, este fato ocorre devido à perda de água estrutural, decompondo os hidratos e destruindo a ligação hidráulica típica do cimento (1)-(2). Isto foi observado através do ensaio termogravimétrico, como mostra a figura 2. É importante notar que a diferença de resistência mecânica entre os dois concretos T19 e T3 é mantida mesmo após os tratamentos térmicos. 1,6 1,4 1,2 1 Corpos-de-prova foram ensaiados após a cura em temperatura ambiente e secagem a 11 ºC, ambos processos por 24 horas. T19 T3 σf (MPa),8,6,4,2 5 15 25 35 45 55 65 75 85 Temperatura de tratamento térmico (ºC) Figura 1: Módulo de ruptura, medido em temperatura ambiente, em função da temperatura de tratamento térmico. As linhas são apenas para definir tendências. A figura 3 mostra que o módulo de ruptura a quente, MR-Q, medido a 55 ºC, do concreto T19, também, é maior do que o do T3, independentemente da temperatura de tratamento térmico prévio. Praticamente não há diferença entre os valores de MR-Q e de MR-TA.
7 7 dw d /dt (%/min),4,35,3,25,2,15 Término da decomposição dos hidratos Taxa de aquecimento: 5ºC/min (5-8 ºC) T19 T3,1,5, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 Temperatura (ºC) Figura 2: Curvas de taxa de perda de massa em função da temperatura, obtidas do ensaio termogravimétrico, dos concretos T19 e T3.,8,7,6 T19 T3,5 σf (MPa),4,3,2,1 4 45 5 55 6 65 7 75 8 Temperatura de tratamento térmico ( ºC) Figura 3: Módulo de ruptura a quente, MR-Q, medido a 55 ºC, em função da temperatura de tratamento térmico. Verifica-se, portanto, que a diferença de resistência mecânica observada nos materiais em temperatura ambiente é mantida também para os materiais ensaiados a 55 ºC, temperatura de operação do equipamento que utiliza o
8 8 material em estudo. Isso significa que o pouco tempo de permanência (1 hora e 3 minutos) a 55 ºC, para a execução dos ensaios de MR-Q pode alterar os valores absolutos de resistência mecânica, mas não os valores relativos, como bem mostra a figura 4.,8,7,6,5 σf (MPa),4,3,2,1 T19_T. Amb T3_T. Amb T19_55 ºC T3_55 ºC 4 45 5 55 6 65 7 75 8 Temperatura de tratamento térmico (ºC) Figura 4: Gráfico geral dispondo o módulo de ruptura medido em temperatura ambiente e medido a 55 ºC, em função da temperatura de tratamento térmico dos materiais. A figuras 5 apresenta os valores de MR-TA, antes e depois do choque térmico de 55 ºC para a temperatura ambiente, de um único ciclo, dos concretos T19 e T3, tratados termicamente a 55 ºC por 8 horas. Para a melhoria da precisão, devido ao enfraquecimento dos materiais como conseqüência dos choques térmicos, estas medidas foram feitas em uma máquina de ensaios mecânicos MTS 81/TestStar IIs. A figura 6 mostra o módulo de ruptura residual relativo que é a razão entre o módulo de ruptura do concreto refratário após (residual) e antes do choque térmico. Quanto menor o valor dessa grandeza maior é o dano causado pelo choque térmico O módulo de ruptura residual relativo mostra que após um único ciclo de choque térmico, de 55 ºC para a temperatura ambiente, ambos os concretos T19 e T3 perderam em torno de 2% da resistência mecânica (figura 6).
9 9 Considerando-se a dispersão da medida, os resultados indicam que não há diferença significativa no comportamento desses dois materiais T19 e T3. Porém o valor de 2% de perda de resistência mecânica é significativo.,6,5 T19 - antes do choque térmico T19 - depois do choque térmico T3 - antes do choque térmico T3 - depois do choque térmico,4 σf (MPa),3,2,1 55 Temperatura de tratamento térmico (ºC) Figura 5: MR-TA antes e depois do choque térmico. 1,9,8 T19 T3 σf residual relativo,7,6,5,4,3,2,1 55 Temperatura de tratamento térmico (ºC) Figura 6: Módulo de ruptura residual relativo dos concretos refratários isolantes T19 e T3.
1 1 A conclusão final é que a temperatura inicial da água de mistura afeta a resistência mecânica do concreto, independentemente da temperatura de tratamento térmico, entre 11 ºC e 75 ºC. A água inicialmente a 19 ºC proporciona a obtenção de material mais resistente mecanicamente. Porém, não há diferença entre os materiais preparados com água inicialmente a 19 ºC ou 3 ºC, no que se refere ao dano por choque térmico relativo, com resfriamento brusco de 55 ºC para temperatura ambiente. Chama-se a atenção para o fato de que parece ser muito importante a temperatura inicial da água de mistura, mesmo implicando que pelo próprio processo de mistura e pela troca de calor com o ambiente, com as matérias-primas e com o recipiente de mistura, a temperatura do sistema se elevar. CONCLUSÕES 1. O concreto preparado com água inicialmente a 19 ºC, T19, tem uma maior resistência mecânica em relação ao concreto preparado com água inicialmente a 3 ºC, T3, após cura em temperatura ambiente e secagem a 11 ºC, ambas por 24 horas. 2. O concreto T19 tem um maior módulo de ruptura medido em temperatura ambiente, após os tratamentos térmicos de 8 horas a 45 ºC, a 55 ºC e a 65 ºC. 3. O concreto T19 tem um maior módulo de ruptura a quente, medido a 55 ºC, após os tratamentos térmicos de 8 horas a 45 ºC, a 55 ºC, a 65 ºC e a 75 ºC. 4. Os concretos T19 e T3, tratados termicamente a 55 ºC por 8 horas, perderam em torno de 2% das suas resistências mecânicas originais após um único ciclo de choque térmico com resfriamento brusco em água circulante, de 55 ºC para a temperatura ambiente. 5. A temperatura inicial da água de mistura é importante para a resistência mecânica do concreto refratário isolante aqui estudado. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Petrobras pelo suporte financeiro e ao Eng. Mario Massayuki Akiyoshi pela colaboração e discussões. J. A. Rodrigues agradece à Fapesp e ao CNPq.
11 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (1) PARKER, K.; M.; SHARP, J. H. Trans. and journal of the British ceram. society., v. 81, p. 35-42, 1982. (2) Technology of monolithic refractories, Edited by Plibrico Japan Co. Ltd., 1999, 585 p. (3) BUSHNELL-WATSON, S. M.,SHARP, J. H. Cement and concrete research, v. 16, p. 875-884, 1986. (4) DING, J., FU, Y., BEAUDOIN, J.J. Cement and concrete research, v. 26, n. 5, p. 799-84, 1996. THE INFLUENCE OF THE INITIAL TEMPERATURE OF THE MIXTURE WATER ON THE TERMOMECHANICAL PERFOMANCE OF INSULATING REFRACTORY CASTABLE ABSTRACT Many studies evaluated the development of strength of calcium aluminate cements as a function of temperature and setting time. In those studies it has been reported that setting at temperatures bellow 2 ºC causes the formation of metastable hydrated phases which develop higher mechanical strength in comparison to those ones formed at temperatures above of 2 ºC. This work shows that the mixture with water initially at 19 ºC was sufficient to form hydrated phases that cause higher mechanical strength in insulating refractory castables in comparison to the preparation with water initially at 3 ºC. Modulus of rupture tests at room temperature and 55 ºC, thermal shock tests and thermal gravimetric analyses were carried out. The results suggest important recommendations to the application of insulating refractory castable. Key words: Insulating refractory castable, calcium aluminate cements, modulus of rupture, thermal shock, setting.