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Transcrição:

BROWN, Raymond Edward. A comunidade do discípulo amado, trad. Euclides Carneiro da Silva. São Paulo: Paulus, 4ª edição, 2003, 216 pp. Raymond Brown foi professor de Estudos Bíblicos no Union Theological Seminary em Nova Iorque e é um dos mais conhecidos comentaristas joaninos do mundo, tendo falecido no ano de 2003. A obra em tela é uma epítome do pensamento do autor sobre o cristianismo joanino desenvolvido nos seus trabalhos anteriores. Comenta Brown que o pensamento joanino marca um ponto alto na cristologia e na eclesiologia primitivas, mas também oferece perigos terríveis até nossos dias. Vale a pena citar um parágrafo do prefácio do livro onde Brown faz uma consideração geral sobre a importância do quarto evangelho para se compreender as origens do cristianismo primitivo. "Tem-se afirmado muitas vezes que os escritos de João podem ser a peça mais importante na solução do enigma das origens cristãs a pedra angular do arco da Igreja primitiva. Reconstituíram-se padrões da história da Igreja do primeiro século a partir do corpus da literatura paulina, dos Atos, de Lucas e de Mateus. Entretanto não tem sido fácil adaptar João na visão geral. O quarto evangelho é de todo em diferente dos outros evangelhos na sua apresentação de Jesus e surpreendentemente diferente das epístolas pastorais e do livro dos Atos na sua visão das realidades eclesiais, a ponto de os estudiosos terem teorizado que o cristianismo joanino pode ter sido fenômeno sectário de isolamento. Espero mostrar que, longe de ser um cristianismo de isolamento, ele foi um confronto em plena corrente com as sinagogas e outras igrejas, e que apesar de tendências sectárias, ele orava pela unidade com os outros cristãos. Mas era um cristianismo desafiadoramente diferente e volátil tão volátil que estava destinado a ser absorvido nos movimentos cristãos mais amplos (de direita e de esquerda) que surgiam no primeiro século" (p. 9). A obra de Brown é dividida em 7 partes, onde a primeira trata do problema e do método para discernir a eclesiologia joanina; a segunda analisa a primeira fase da comunidade joanina, a terceira, a segunda fase, a quarta, a terceira fase; a quinta, a quarta fase. No final do livro contamos com dois apêndices; o primeiro fala sobre as reconstituições recentes da história da comunidade joanina e o segundo sobre os papéis de mulheres no quarto evangelho. Sobre o método para se pesquisar a história da comunidade joanina, Brown explica que, primeiramente, devemos considerar que os evangelhos nos falam como cada evagelista concebia Jesus e o apresentava a uma comunidade cristã no último quartel do primeiro século, apresentação essa que nos dá indiretamente uma visão da vida 1

dessa comunidade, no tempo em que o evangelho foi escrito. Em segundo lugar, através da análise das fontes, os evangelhos nos revelam algo sobre a história préevangélica dos pontos de vista cristológicos do evangelista. Indiretamente, eles também revelam algo sobre a história da comunidade, antes, no começo do século, especialmente se as fontes usadas pelo evangelista fazem parte da herança da comunidade. Em terceiro lugar, os evangelhos oferecem meios limitados para reconstruirmos o ministério e a mensagem do Jesus histórico. Conseqüentemente, se as fontes pré-evangélicas, a que podemos ter acesso, ou as tradições foram formadas numa fase inicial da vida da mesma comunidade que recebeu o evangelho final, elas nos ajudam a descobrir a história da comunidade; mas se eles foram compostos fora da comunidade e para ela trazidos para suplementar (ou até corrigir) o pensamento da comunidade, eles poderão fornecer pouquíssimas informações eclesiásticas sobre a própria comunidade. Como vimos, Brown propõe uma reconstrução da vida da comunidade joanina em quatro fases, a qual são distribuídas nos capítulos dos seus livros, portanto, enquanto estivermos falando dessas fases, pressupõe-se essa divisão de capítulos, sendo que a primeira fase da vida da comunidade joanina é estudada no segundo capítulo e assim por diante. A primeira fase é a era pré-evangélica, a qual abrange inclusive as origens da comunidade e sua relação com o judaísmo da metade do século primeiro. Brown afirma que o grupo que depois formou a comunidade joanina tem sua origem na Palestina ou perto dessa região. Esse grupo era composto de judeus que tinham esperanças relativamente semelhantes à de seus concidadãos, inclusive os seguidores de João Batista, aceitaram Jesus sem dificuldade como o Messias davídico, o realizador das profecias, e cuja missão era confirmada por milagres, portanto, adotavam uma cristologia baixa. No meio deste grupo havia um homem que tinha conhecido Jesus durante seu ministério, e que veio a tornar-se o Discípulo Amado. Quanto a relação dos cristãos joaninos com o judaísmo, Brown diz que no tempo em que o evangelho foi escrito estes cristãos tinham sido expulsos das sinagogas (9.22; 16.2) porque eles reconheciam Jesus como Cristo. Tal expulsão reflete a situação no último quartel do século primeiro, quando o centro de ensino do judaísmo era em Jâmnia (Jabneh) um judaísmo que era predominantemente fariseu e assim não mais tão pluralístico como antes de 70. Embora o evangelho tenha sido escrito depois deste ponto no tempo, a história pré-evangélica certamente incluía as controvérsias entre os cristãos joaninos e os chefes da sinagoga. Outro fato importante que Brown ressalta é a entrada na comunidade de um segundo grupo formado por judeus de tendências contrárias ao Templo, que acreditaram em Jesus e fizeram convertidos em Samaria. Eles entenderam Jesus segundo uma cristologia alta, ou seja, criam na preexistência e na divindade de Jesus. Essa cristologia mais alta levou a debates intensos entre os cristãos joaninos e os "judeus" (criptocristãos). Estes pensavam que a comunidade joanina estava abandonando o monoteísmo judaico, fazendo de Jesus um segundo Deus. Posteriormente esses cristãos joaninos foram expulsos das sinagogas, e assim, alienados dos seus, viram os "judeus" como filhos do diabo. Proclamavam a realização das promessas escatológicas em Jesus para compensar o 2

que tinham perdido no judaísmo. O Discípulo que fez esta transição e ajudou outros a fazê-la, segundo o autor, foi o Discípulo Amado. Ainda nessa fase inicia-se um empreendimento por parte da comunidade joanina de conversão de gentios. Brown data essa fase entre as décadas de 50 e 90. A segunda fase envolvia a situação da vida da comunidade joanina no tempo em que o evangelho foi "escrito". A expulsão das sinagogas já passou, mas a perseguição (16.2-3) continua, e há profundas cicatrizes na alma joanina em relação "aos judeus". A insistência numa alta cristologia, tornada cada vez mais intensa pelas lutas com "os judeus" afeta as relações da comunidade com os outros grupos cristãos, cuja avaliação de Jesus é inadequada segundo os padrões joaninos. As tentativas de proclamar a luz de Jesus aos gentios podem também ter encontrado dificuldades, e o "mundo" tornou-se um termo geral para todos aqueles que preferem as trevas à luz. Esta fase nos fornece informações detalhadas sobre o local da comunidade joanina num mundo pluralístico de crentes e não-crentes, no final do século. Portanto, Brown acredita que a comunidade joanina pode ter saído da Palestina para a Diáspora para doutrinar gregos. A terceira fase envolvia a situação de vida nas comunidades joaninas agora divididas, no tempo em que foram escritas as epístolas, provavelmente por volta do ano 100 d.c. Nesse momento, a luta acontece entre dois grupos dos discípulos de João, que estão interpretando o evangelho de maneiras opostas, no que se refere à cristologia, a ética, à escatologia e à pneumatologia. Os temores e o pessimismo do autor das epístolas sugerem que os separatistas estão tendo maior sucesso numérico (1 Jo 4.5) e o autor está tentando defender seus adeptos contra posteriores incursões de falsos mestres (2.27; 2 Jo 10.11). O autor sente que é "a última hora" (1 Jo 2.18). Sendo mais claro, os adeptos do autor das epístolas que acreditam que para ser filho de Deus a pessoa deve confessar que Jesus Cristo veio na carne e deve observar os mandamentos, enquanto os separatistas creêm que aquele que desceu do alto é tão divino que não é totalmente humano, ele não pertence ao mundo, nem sua vida neste mundo nem a vida do crente têm valor salvífico. Para eles, conhecer que o Filho de Deus veio a este mundo é o que há de mais importante, e os que creêm realmente nisto já estão salvos. Finalizando, a quarta fase viu a dissolução dos dois grupos joaninos depois que as epístolas foram escritas. A maior parte da comunidade joanina parece ter aceitado a teologia separatista. Estes, não mais em comunhão com a ala mais conservadora da comunidade joanina, provavelmente tenderam mais rapidamente no século segundo para o docetismo, o gnosticismo, o cerintianismo, e o montanismo. Isto explica por que o quarto evangelho, que eles levaram consigo, é citado mais cedo e mais freqüentemente por escritores heterodoxos do que por escritos ortodoxos. Os adeptos do autor de 1 Jo no começo do século segundo parece terem gradualmente se 3

incorporado no que Inácio de Antioquia chama "a Igreja católica", como se demonstra pela aceitação crescente da cristologia joanina da pré-existência do Verbo. Comenta Brown que esta incorporação deve ter custado o preço da aceitação joanina da estrutura autoritária do ensino da Igreja, provavelmente porque o seu próprio princípio do Paráclito como o mestre não ofereceu defesa suficiente contra os separatistas. Como os separatistas e seus descendentes heterodoxos usaram mal o quarto evangelho, ele não é citado como Escritura pelos escritores ortodoxos na primeira parte do século II. Contudo, o uso das epístolas como um guia correto para interpretar o evangelho finalmente conquistou para João um lugar no cânon da Igreja. Finalizando, o autor diz que muito deste reconhecimento mostra uma comunidade cuja avaliação de Jesus era aguçada pela luta, e cuja elevada apreciação da divindade de Jesus levava a antagonismos fora da comunidade e a cismas dentro dela. No final do livro de Brown contemplamos quadros de resumos que facilitam a compreensão do tema exposto pelo autor (pp. 174-177). Brown também descreve as últimas reconstituições da história da comunidade joanina propostas respectivamente pelos seguintes estudiosos: J. Louis Martyn, Gerorg Richter, Oscar Cullmann, Marie- Emile Boismard e Wolfang Langbrandtner. Finalizando a obra, o autor discute o papéis de mulheres no quarto Evangelho. Do que foi exposto por Brown no seu livro A comunidade do discípulo amado, não cabem muitas críticas. Chamo atenção apenas para o fato do autor não explicar muito bem o propósito que levou a comunidade joanina a se tranferir da Palestina para a Diáspora. Um fato que deve ressaltado é o conflito entre "judeus" (criptocristãos) e cristãos na década de 40-50 aconteceu ao que parece somente na comunidade joanina, em virtude da cristologia alta que adotaram, mas o conflito entre o judaísmo e cristianismo nessa mesma época se estende a todas as comunidades cristãs como observamos os reflexos nos Evangelhos de Marcos e Mateus, ambos localizados na Síria, local o qual dou preferência para ser a origem geográfica da comunidade joanina e não a Palestina como o padre afirma. Salvo essas considerações, o livro de Raymond Edward Brown é de suma importância para o contexto brasileiro, tão carente de conhecimento sobre as origens cristãs, talvez não por falta de material publicado sobre o tema e sim pela falta de interesse tanto dos teólogos como dos cristãos das igrejas brasileiras. Notamos estudiosos importantes do quadro teológico nacional manifestando uma grande falta de conhecimento acerca do cristianismo do primeiro século. Isso ocorre, em razão da maior parte deles crerem que a Bíblia é a visão do "todo". Na verdade, ela traz a respeito das origens cristãs uma visão essencialmente paulina da história da Igreja. Somente aquilo o qual o apóstolo entrou em contato foi relatado no livro de Atos. Nesse ponto a reconstrução das comunidades dos Evangelhos está sendo de fundamental importância, pois, estamos conhecendo e compreendendo a face cristã que até então estava esquecida. Quanto mais investigamos sobre essas comunidades mais compreendemos alguns versos isolados do livro de Atos que até hoje não faziam o menor sentido. Destarte, creio que este 4

livro está recomendado para todos os cristãos que almejam conhecer a primeira forma que assumiu a Igreja de Cristo. Julio Fontana O autor está graduando em teologia. 5