TESTE DE ROBUSTEZ DA ICA NO PRÉ-PROCESSAMENTO DE SINAIS EM SISTEMAS DE SONAR PASSIVO Raphael M. de Amorim, Marcela S. Novo, Eduardo F. Simas Filho, José M. de Seixas, Natanael N. de Moura Programa de Pós Graduação em Engenharia Elétrica Universidade Federal da Bahia Salvador, Bahia, Brasil Laboratório de Processamento de Sinais / COPPE Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro, Brasil Emails: amorimba@gmail.com, marcela.novo@ufba.br, eduardo.simas@ufba.br, seixas@lps.ufrj.br, natmoura@lps.ufrj.br Abstract The technology and the strategies applied in submarine operations have been increasingly studied by the scientific community over the past decades. In order to detect and identify unknown targets, the submarine should be equipped with passive sonar systems that capture sound waves propagated in the marine environment. It is well known that these systems can fail to identify targets in multiple-target scenarios and also when the ambient noise is significant. Therefore, it is necessary the use of sophisticated software and hardware to identify and classify targets underwater. The problem of multiple-targets detection have been addressed previously in the literature by using blind signal separation algorithms. This method is able to remove cross-interference from adjacent hydrophones (underwater acoustic sensors). It is also known that the performance of blind source separation methods are quite sensitive to additive noise. In this paper, an initial study is carried out to test the noise robustness of a Blind Source Separation method, the Independent Component Analysis (ICA) in the passive sonar application. The JADE algorithm (Joint Approximate Diagonalization Eigenmatrices) was used and the signal separation performance was evaluated for different values of the signal-to-noise ratio. Keywords Blind Source Separation, Independent Components Analysis, Passive Sonar System. Resumo A tecnologia e as estratégias aplicadas nas operações de submarinos vêm sendo cada vez mais estudadas pela comunidade científica ao longo das últimas décadas. Para detectar e identificar alvos desconhecidos, o submarino é equipado com sistemas de sonar passivo que captam ondas sonoras propagadas no meio ambiente marinho. Esses sistemas encontram dificuldades em identificar alvos em cenários de múltiplos alvos e também quando o ruído ambiente é elevado. Por isso, é necessário o uso de software e hardware sofisticados para identificação e classificação dos alvos. O problema da identificação de múltiplos alvos já foi abordado previamente na literatura através do uso da separação cega de fontes (blind signal separation). Este método é capaz de eliminar a interferência cruzada em hidrofones (sensores acústicos submarinos) adjacentes. É também conhecido que o desempenho de métodos de separação cega é severamente influenciado pelo ruído aditivo. Neste artigo, foi feito um estudo para testar a robustez ao ruído de um método de Separação Cega de Fontes, a Análise de Componentes Independentes (ICA - Independent Component Analysis) na aplicação em sonar passivo. O algoritmo JADE (Joint Approximate Diagonalization Eigenmatrices) foi utilizado e o desempenho de separação foi avaliado para diferentes valores da relação sinal-ruído. Palavras-chave Separação Cega de Fontes, Análise de Componentes Independentes, Sistema Sonar Passivo. 1 Introdução Os sistemas de sonar são utilizados em atividades militares para a detecção e classificação de alvos no ambiente marinho. Existem dois tipos de sistemas de sonar: Ativo e Passivo. No sistema de sonar ativo, pulsos sonoros são emitidos por projetores e, ao encontrar um alvo, um eco é produzido e retorna para um conjunto de hidrofones (microfones subaquáticos). A partir desse eco, faz-se uma análise para identificar e classificar o alvo. Já o sistema de sonar passivo não emite ondas acústicas, apenas as captam no ambiente. Através de hidrofones, o sonar passivo recebe o sinal irradiado pelo sistema mecânico de propulsão do alvo, que chega com interferências de ruídos do ambiente e o próprio ruído do submarino no qual a plataforma do sonar está instalada. Para detectar e classificar um sinal, sistemas sonar precisam diferencia-lo dos ruídos do ambiente. Inicialmente, com a aquisição do sinal por um conjunto de hidrofones, é estimada a direção de interesse (DOA - Direction of Arrival). A partir da DOA, encontra-se a direção na qual o sinal do alvo está mais intenso e, então, o alvo pode ser identificado por operadores de sonar experientes. Para melhorar essa identificação, o sistema sonar passivo utiliza duas análises espectrais de processamento do sinal, LOFAR e DEMON. A análise LOFAR (Low Frequency Analysis and Recording) faz uma varredura em toda banda de frequência do sinal para identificar o ruído da maquinaria do alvo. Já a DEMON (Detection Modulation on Noise) é uma análise de banda estreita que explora o ruído de cavitação dos propulsores do contato para identificar o número de eixos, a frequência 115
de rotação dos eixos e o número de pás. O ambiente marinho apresenta muitas fontes de ruídos, estudadas em Etter (1996) e, recentemente, em Hodges (2010). Tais fontes podem ser naturais (animais marinhos, chuva, abalos sísmicos, corrente marinha, etc) ou artificiais (embarcações, fábricas instaladas na costa litorânea, entre outros). Para o funcionamento correto dos sistemas sonar, a influência das fontes de ruído deve ser avaliada adequadamente. Além do ambiente ruidoso, existe a interferência causada entre os sinais das diferentes embarcações marítimas, chamadas de contatos. Essa interferência é acentuada na medida em que os contatos estão se aproximando do sistema sonar sonar ou quando dois ou mais contatos estão posicionados em locais próximos. Na área militar, os sistemas de sonar passivo são utilizados em submarinos e por isso, a classificação de contatos é uma tarefa de grande importância. Alguns trabalhos foram desenvolvidos nessa área e envolvem técnicas sofisticadas de processamento da informação como as Redes Neurais Artificiais para classificação em de Moura et al. (2007),Torres et al. (2004),de Seixas et al. (2001) e Filho et al. (2001), além de outras abordagens como o modelo escondido de Markov em Peyvandi et al. (1998) e o método Prony em Marple and Brotherton (1991). Recentemente, os resultados obtidos em de Moura (2013) mostram a eficiência das técnicas de Análise de Componentes Independentes (ICA - Independent Component Analysis) para a detecção e classificação de sinais quando ocorre uma interferência entre dois contatos. A aplicação da ICA proporciona uma considerável redução na interferência cruzada entre marcações adjacentes. O objetivo deste trabalho é analisar a robustez de um algoritmo de ICA, o JADE (Joint Approximate Diagonalization of Eigenmatrices), que foi desenvolvido em Cardoso and Souloumiac (1993) e utilizado em de Moura (2013), quando uma fonte de ruído é inserida no ambiente acústico submarino. Neste trabalho, aumenta-se gradativamente o nível de ruído do sistema para avaliar a eficiência do algoritmo na melhoria da relação sinal/interferência (SIR). 2 O Sistema Proposto O sistema de sonar passivo é utilizado por submarinos para vigiar uma área vasta de operação. Quando um alvo é captado, seu sinal passa por uma análise feita por algoritmos de conformação de feixes. Esses algoritmos calculam a energia do sinal e fazem uma estimação da direção de interesse DOA. A Figura 1 mostra um cenário típico da utilização do sistema sonar passivo. Nessa figura, existe um gráfico DOA, onde o eixo horizontal representa a marcação em graus do direcionamento dos arranjos de sensores e o eixo vertical representa o tempo. A energia do sinal é apresentada por uma escala cinza, sendo que a tonalidade mais forte indica maior concentração da energia do sinal. Figura 1: Sistema Sonar Passivo. Aqui, a partir da identificação da direção de interesse, o sinal passa pela etapa de processamento, onde será aplicada a análise DEMON. Em seguida, é utilizada a técnica de separação cega de fontes (BSS - Blind Source Separation, estudada em Comon and Jutten (2010), que tem como objetivo identificar os sinais independentes que estão misturados de uma forma não conhecida. Para a realização da BSS, foi utilizado a Análise de Componentes Independentes feita pelo algoritmo JADE. A figura 2 resume as etapas do sistema de detecção proposto. Figura 2: Diagrama do sistema proposto neste trabalho. 2.1 Análise DEMON A análise DEMON ocorre da seguinte forma: i- definida a direção de interesse, o sinal captado é limitado por um filtro passa-faixa na banda de frequência onde o ruído da cavitação é mais acentuado; ii- em seguida, o sinal é demodulado para obter as informações sobre os propulsores do contato; iii- depois o sinal é reamostrado para que seja transposto para a banda de frequência da propulsão (a reamostragem é necessária uma vez que essas frequências são muito mais baixas do que a frequência de amostragem); iv- é implementada a transformação rápida de Fourier (STFT-Short Time Fourier Transform) para obter o espectro 116
de frequência, que é normalizado e amostrado. A Figura 3 mostra o diagrama de blocos da análise DEMON. Figura 3: MON. Diagrama de blocos da Análise DE- 2.2 Análise de Componentes Independentes A Análise de Componentes Independentes (ICA) é um dos meios para realizar a separação cega de fontes. Na prática, dificilmente encontram-se representações de sinais realmente independentes, entretanto, tenta-se buscar a máxima independência possível. Para definição da ICA pode-se utilizar o modelo estatístico de variáveis latentes. Observandose n variáveis aleatórias x 1,..., x n, geradas a partir da combinação linear de n variáveis aleatórias s 1,..., s n : x i = a i s i1 + a i2 s i2 +... + a in s in (1) Com i = 1,..., n e sendo a ij, i, j = 1,..., n coeficientes reais. As variáveis s i são estatisticamente independentes por definição do modelo da ICA. Usando a notação matricial, tem-se: x = As (2) onde A é a matriz dos elementos a ij, sendo chamada de matriz de mistura. A ICA consiste na obtenção das fontes independentes s i (ou de uma aproximação y i s i ) a partir da observação de x. Para isso, é necessário estimar a matriz de separação B, para assim obter as componentes independentes da seguinte forma: y = Bx (3) Existem algumas indeterminações no modelo de ICA, devido a possibilidade de mudança da ordem de extração dos componentes independentes e de escalares múltiplos poderem modificar os componentes estimados. Entretanto, essas modificações são insignificantes na maioria das aplicações do modelo de ICA, podendo-se, em geral, considerar que y i s i (Oja et al., 2001). Para que este modelo de ICA seja possível, é necessário assumir algumas restrições: 1. As variáveis s i têm que ser estatisticamente independentes; 2. As variáveis s i devem ter distribuições não gaussianas. Se apenas uma das variáveis independentes for gaussiana, o modelo de ICA ainda poderá ser utilizado; 3. A matriz de mistura tem que ser quadrada e inversível. A matriz de separação B é obtida a partir de diversos métodos de cálculo para independência estatística das variáveis aleatórias. Neste trabalho, foi utilizado o algoritmo JADE (Joint Approximate Diagonalization Eigenmatrices proposto em Cardoso and Souloumiac (1993), que é baseado na decomposição em autovalores das matrizes cumulantes dos sinais observados. A ICA é estudada com mais detalhes em Oja et al. (2001). 2.3 Base de Dados Utilizados A base de dados utilizada neste artigo foi obtida através de um simulador de sonar fornecido pela Marinha do Brasil. Nessa simulação, foi criado um cenário no qual dois navios, em regime de cavitação permanente, partem das marcações distintas (M 1 e M 2 ) e depois de um tempo se aproximam o suficiente para que haja uma interferência entre os sinais. O ruído captado pelo sonar possui uma duração de aproximadamente 1020 segundos. A principal característica desta simulação está no alto índice de cavitação que permite a identificação dos propulsores dos contatos pela análise DE- MON. As Figuras 4 e 5 mostram a análise DE- MON das marcações 1 e 2, respectivamente nos últimos 60 segundos da simulação (período no qual ocorre a aproximação dos contatos e, conseqüentemente, a interferência cruzada entre os sinais medidos nas duas marcações). Figura 4: Análise DEMON da marcação 1. Pode-se observar que o navio 1 (contato 1) mantém uma rotação de 386,6 rpm e o navio 2 (contato 2) de 470,8 rpm. Observa-se também que o sinal do contato 1 está mais forte em ambas as marcações e com isso têm-se uma alta interferência cruzada. 117
Na Figura 6 estão representados os ruídos derivados da turbulência, em uma faixa de frequências de 1 a 10 Hz; da navegação, entre 10 e 500 Hz; das ondas e correntes marítimas(seastate), que possuem frequências de centenas de Hertz até 50 khz e da temperatura (ruído eletrônico), com frequências superiores a 50 khz. Neste trabalho, foi considerado inicialmente o efeito do ruído branco para avaliação da robustez do algoritmo JADE da ICA. O Ruído branco simula, de algum modo, o efeito combinado de diferentes fontes de ruído acústico. 3 Resultados Figura 5: Análise DEMON da marcação 2. 2.4 Ruído Ambiente O meio ambiente acústico submarino é extremamente ruidoso, apresentando diferentes fontes de ruído como turbulência, navegação, ação das ondas, eventos sísmicos, chuva e animais marinhos. A Figura 6 mostra os níveis de ruído padrão para esse ambiente considerando diferentes fontes. Para a simulação do sistema sonar passivo com a adição do ruído, dividiu-se o tempo observado em janelas de 60 segundos, totalizando 17 janelas. A última janela temporal, que contém a interferência entre os dois contatos, foi a escolhida para ser analisada com o ruído. Foi inserido o ruído branco aos sinais das duas marcações, aumentando gradativamente sua potência para analisar a relação sinal/interferência com a utilização do algoritmo JADE. A simulação foi realizada utilizando o software Matlab. A Figuras 7 e 8 mostram a identificação dos sinais normalizados sem a inserção dos ruídos. Nas Figuras 9 e 10 foi inserido o ruído com -20 dbw de potência. O eixo x representa a rotação por minuto do contato e o eixo y representa a potência do sinal na escala logarítimica normalizada pelo sinal de maior potência. Figura 7: Identificação do contato 1 sem ruído. Figura 6: Ruído ambiente padrão para análise de modelagem acústica, Hodges (2010). Figura 8: Identificação do contato 2 sem ruído. Nota-se que o algoritmo de ICA utilizado consegue melhorar a SIR (SIR - signal-interference- 118
Figura 9: Identificação do contato 1 com ruído de -20dBW. Figura 11: Identificação do contato 1 com ruído de -15dBW. Figura 10: Identificação do contato 2 com ruído de -20dBW. Figura 12: Identificação do contato 2 com ruído de -15dBW. ratio ou razão sinal-interferência) entre os sinais com a interferência do ruído branco na ordem de -20 dbw de potência. Quando é aumentada essa interferência, representadas pelas Figuras de 11 a 14, nota-se que a SIR vai diminuindo até chegar uma faixa em que o algoritmo JADE não consegue mais identificar os sinais. De acordo com as simulações realizadas para a elaboração desse artigo, inserindo ruído branco com -10 dbw o algoritmo JADE torna-se ineficaz na identificação dos sinais analizados. O gráfico da Figura 15 mostra a relação sinal/interferência dos dois contatos, considerando a amplitude normalizada. O eixo x representa a potência do ruído branco inserido na simulação. 4 Conclusões Os sistemas de sonar passivo são muito importantes para a operação de submarinos. Um problema que pode ocorrer num ambiente real é a interferência entre os sinais acústicos provenientes de diferentes alvos. Neste trabalho foi realizada uma Figura 13: Identificação do contato 1 com ruído de -10dBW. análise da robustez ao ruído de um algoritmo de Análise de Componentes Independentes para a separação dos sinais acústicos num sistema de sonar passivo na presença de múltiplos alvos. Pelos resultados obtidos nas simulações realizadas, 119
Referências Cardoso, J.-F. and Souloumiac, A. (1993). Blind beamforming for non gaussian signals, IEE Proceedings-F 140: 362 370. Comon, P. and Jutten, C. (2010). Handbook of Blind Source Separation: Independent Component Analysis and Applications, 1st edn, Academic Press. de Moura, N. N. (2013). Detecção e classificação de sinais de sonar passivo usando métodos de separação cega de fontes, COPPE/UFRJ. Figura 14: Identificação do contato 2 com ruído de -10dBW. de Moura, N. N., Filho, W. S. and Seixas, J. M. (2007). Passive classification based on independent components, Proceedings of the Brazilian congress of neural networks pp. 1 5. de Seixas, J. M., Damazio, D. O. and Filho, W. S. (2001). Wavelet transform as a preprocessing method for neural classification of passive sonar signals, International Conference on Electronic, Circuits and Systems pp. 83 86. Etter, P. C. (1996). Underwater Acoustic Modeling, Elsevier Science Publishers Ltd. Figura 15: Comparativo entre os contatos. constatou-se que a ICA feita a utilizando o algoritmo JADE consegue reduzir a interferência entre sinais de marcações adjacentes de um sistema de sonar passivo a partir da análise DEMON. A medida que aumenta a potência do ruído branco, a SIR diminui. Quando a potência do ruído branco chega a -10 dbw, o algoritmo JADE perde a sua eficácia, não conseguindo mais identificar os sinais captados pelo sonar passivo. Em trabalhos futuros, outros algoritmos de ICA, como por exemplo o FastICA, serão utilizados para uma melhor avaliação dessa técnica no pré-processamento de sinais do sonar passivo. Além disso, serão considerados outros tipos de ruído, simulando fontes acústicas específicas do ambiente submarino. Agradecimentos Os autores agradecem ao apoio financeiro da CA- PES e ao Instituto de Pesquisas da Marinha (IPqM) por fornecer a base de dados utilizada neste trabalho. Filho, W. S., de Seixas, J. M. and Caloba, L. P. (2001). Principal component analysis for classifying passive sonar signals, IEEE International Symposium on Circuits and Systems. Hodges, R. P. (2010). Underwater Acoustics: anaylis, design and performance of sonar. Marple, L. and Brotherton, T. (1991). Detection and classification of short duration underwater acoustic signals by prony s method, International Conference on Acoustics, Speech, and Signal Processing 2: 1309 1312. Oja, E., Hyvärinen, A. and Karhunen, J. (2001). Independent Component Analysis. Peyvandi, H., Fazaeefar, B. and Amindavar, H. (1998). Determining class of underwater vehicles in passive sonar using hidden markov with hausdorff similarity measure, Proceedings of 1998 International Symposium on Underwater Technology pp. 258 262. Torres, R. C., de Seixas, J. M. and Filho, W. S. (2004). Classificação de sinais de sonar utilizando componentes principais não-lineares, Learning and nonlinear models 1(4): 208 222. 120