ERGONOMIA INFORMACIONAL EM BULAS DE MEDICAMENTOS E NA TAREFA DE USO: um estudo sobre fármaco em suspensão oral

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Transcrição:

ação ergonômica, volume5, número1 ERGONOMIA INFORMACIONAL EM BULAS DE MEDICAMENTOS E NA TAREFA DE USO: um estudo sobre fármaco em suspensão oral Carla Galvão Spinillo Universidade Federal do Paraná cgspin@terra.com.br Stephania Padovani Universidade Federal do Paraná s_padovani2 @yahoo.co.uk Cristine Lanzoni Universidade Federal do Paraná clanzoni@gmail.com Resumo: Este artigo discute influência da bula de medicamentos no uso de antibiótico suspensão oral com participantes adultos. Os resultados indicam dificuldades na tarefa devido a procedimentos de seleção de dosagem, verificação do estado do fármaco e manipulação de objetos. Conclui-se que as deficiências gráficas na bula do medicamento afetam negativamente sua compreensão e a realização da sua tarefa. Palavra-chave: bulas de medicamentos, eficácia informacional, uso de medicamentos Abstract: This paper discusses the influence of medicine inserts on taking oral suspension antibiotics by adult participants. The results show difficulties in task performance due to procedures such as dosage selection, verification of medicine use condition, and object manipulation. As a conclusion, the graphic deficiencies in the medicine insert have negatively affected its comprehension and therefore task performance. Key-words: medicine inserts, information efficacy, taking medicines 2

1. INTRODUÇÃO Este artigo discute os resultados de estudo sobre a eficácia comunicacional de bula de medicamento em suspensão oral e seu efeito na realização da tarefa de uso. Tal estudo faz parte de Projeto InfoBula Metodologia de desenvolvimento, avaliação e disseminação de informações sobre bulas de medicamentos, apoiado pelo Ministério da Saúde e CNPq que visa identificar possíveis deficiências no conteúdo informacional, organização e apresentação da informação em bulas de medicamentos produzidas pela indústria farmacêutica no Brasil. O governo federal, através do Ministério da Saúde- ANVISA- Agência Nacional de Vigilância Sanitária- tem se esforçado em normatizar e controlar a qualidade das informações veiculadas nas bulas através de leis e portarias (Resolução RDC Nº 140, 2003 da ANVISA), porém a legislação ainda é omissa com relação a diversos fatores. Questões relativas à apresentação gráfica, textual e pictórica não são abordadas nas normas acarretando negligência da indústria farmacêutica com relação a estes aspectos. A bula de medicamento é documento obrigatório que acompanha fármacos visando não apenas informar os aspectos técnicos da medicação no tratamento indicado pelo médico, como também instruir pacientes, por exemplo, sobre o uso, acondicionamento e descarte do medicamento. Segundo Silva et al. (2000), a bula é considerada a fonte de informação mais importante pelo paciente, após as fornecidas pelo médico (informação oral e escrita através da prescrição do fármaco). As informações adquiridas (orais e/ou escritas) devem ser processadas pelo paciente, requerendo que este leia, lembre, relembre e por fim transforme estas informações em tarefa (WAARDE, 2004). Uma maneira eficiente de analisar tarefas e sua complexidade é através de sua decomposição. Essa tem como objetivo conhecer melhor a estrutura da tarefa, definindo as atividades que a compõe e a seqüência em que as mesmas ocorrem. Na decomposição do tipo seqüencial (MORAES & MONT ALVÃO, 1998), a tarefa é desmembrada em atividades bastante específicas, representadas em um fluxograma que segue exatamente a ordem em que essas ocorrem. Dependendo do fármaco, a tarefa de uso pode envolver a abertura de embalagens (e.g.,lacre/tampa com trava), manipulação de objetos (e.g.,seringas, aplicadores), medição de quantidade de produto (e.g., dosagem de insulina), obtenção de estado ideal para consumo (e.g. mistura de líquido e pó em antibióticos de suspensão oral). Além da tarefa de uso em si, realizada muitas vezes em situação sob stress (em caso de uso emergencial do fármaco devido à condição extremada de saúde) o paciente/usuário deve ainda seguir indicações de acondicionamento (e.g., local seco/geladeira) e de descarte (e.g., data de validade). Tais 3

informações são encontradas majoritariamente na bula de medicamento, sendo em alguns casos, a caixa e a embalagem (e.g.,blister, frasco) do medicamento utilizado também para vinculação de informação. Em contrapartida com sua importância, as bulas de medicamentos possuem deficiências na apresentação gráfica da informação que podem afetar negativamente sua compreensão e conseqüentemente a realização da tarefa.(e.g. FUJITA, 2004; SPINILLO ET AL, 2007; SPINILLO & FUJITA, 2006; SLESS & TYERS, 2004; WRIGHT, 1999): 1. legibilidade do texto (e.g., tamanho do corpo tipográfico, espaçamento entre linhas, uso excessivo de caixa alta e/ou negrito, tamanho das colunas e alinhamento justificado do texto); 2. leiturabilidade do texto (e.g. linguagem muito técnica-médica), 3. apresentação gráfica das informações (e.g. hierarquia tipográfica, separação das informações), 4. apresentação de instruções visuais (e.g. legibilidade pictórica, omissão de passos), e 5. transparência do papel Tais aspectos podem induzir erros de manipulação/preparação/dosagem do fármaco, afetando diretamente a eficácia do mesmo no tratamento do paciente/usuário. Se faz vital portanto que estudos continuem sento realizados na área a fim de identificar as causas dos problemas concernentes à compreensão da bula de medicamento pelos usuários, para que medidas possam ser adotadas e venham minimizar ou até mesmo sanar as deficiências na elaboração da bula pela indústria farmacêutica, promovendo assim o design centrado no usuário deste documento. No intuito de contribuir para o entendimento dos efeitos da bula na realização da tarefa de uso de fármaco, foi realizado estudo com o medicamento em suspensão oral: antibiótico. Este é comumente empregado no tratamento de crianças e adultos com doenças provocadas por vírus e/ou bactérias (e.g. otites, sinusites, pneumonias). A escolha deste fármaco deveu-se nao somente a sua popularidade como medicamento prescrito, como também à complexidade em sua preparação e uso. Ele demanda mistura de componentes (pó e água), montagem de partes (acoplar batoque, i.e., tampa medidora, à embalagem interna), e medição de dosagem através de dosador tipo seringa. A seguir são apresentados resumidamente os métodos e resultados do estudo. 2. ESTUDO SOBRE O MEDICAMENTO EM SUSPENSÃO ORAL: ANTIBIÓTICO Este estudo investigou a influência da bula de medicamento e seus aspectos gráficosinformacionais na realização da tarefa de uso do fármaco suspensão oral pelos participantes, sendo a bula a principal fonte de informação disponível a estes. Esta continha texto e instruções visuais explicando o uso do medicamento. 4

No intuito de estabelecer a tarefa a ser realizada, conforme o documento legal sobre a mesma a bula de medicamento- foi inicialmente realizada a decomposição seqüencial da tarefa de uso do fármaco suspensão oral: antibiótico. Foi empregado o método de Moraes e Mont Alvão (1998) para decomposição seqüencial da tarefa, o qual foi ajustado para contemplar as situações condicionais para a correta realização da tarefa não previstas no método original. A partir do conhecimento da tarefa de uso ideal do medicamento, o experimento foi realizado no intuito de verificar a tarefa de uso compreendida e realizada pelo público em geral quando da consulta da bula de medicamento. 2.1 Métodos e material O estudo experimental foi conduzido 12 participantes adultos (acima de 21 anos), variando em sexo, grau de escolaridade, e familiaridade com o medicamento testado. O material testado consistiu do medicamento apresentado em sua embalagem e com a bula. O uso final do medicamento foi realizado de forma simulada. Foi disponibilizada também através de papel impresso, simulando receita médica, a dose a ser selecionada/aplicada pelos participantes durante o experimento. Os experimentos foram conduzidos com cada participante individual e isoladamente, sem restrição de tempo. Foi utilizada como método de coleta de dados a observação, a entrevista e a verbalização. O medicamento foi apresentado ao participante, o qual deveria seguir as instruções constantes na bula para a realização da tarefa de uso do fármaco. O participante, por sugestão, poderia verbalizar suas ações e considerações durante a realização da tarefa. Após o experimento, foi realizada entrevista semi-estruturada, abordando uso e opinião pessoal dos participantes quanto às bulas de medicamento em geral; familiaridade com instruções textuais e/ou pictóricas e assiduidade de consulta dessas; e dificuldades e facilidades de compreensão geral, e específica da instrução de uso, da bula testada. 2.2 Tipo de análise de dados As atividades realizadas pelos participantes no cumprimento da tarefa de uso do fármaco, segundo a leitura da bula, foram analisadas de forma a identificar os erros humanos envolvidos no fracasso das atividades e a influência da bula nesses acontecimentos. A classificação de erros humanos utilizada baseouse em Barber e Stanton (1996) e Rasmussen (1986), e decompões os erros em três categorias: 1 - Erros de Processamento da Informação Interno (repertório pessoal) Pi 1 Suposição errada Externo (bula/caixa/produto) Pi 2 Informação não foi lida/buscada. Pi 3 Informação lida/buscada incompletamente. Pi 4 Informação errada foi buscada. 5

Pi 5 Informação buscada, porém não encontrada. Pi 6 Informação buscada e encontrada, porém não compreendida. 2 - Erros de Ação A 1 Operação não realizada. A 2 Operação realizada incompletamente. A 3 Operação em momento errado. A 4 Operação muito longa ou muito breve. A 5 Operação em quantidade muito pequena ou muito grande. A 6 Operação na direção errada. A 7 Alinhamento errado. A 8 Operação certa no objeto errado. A 9 Operação certa na parte errada do objeto certo. A 10 Operação errada no objeto certo. A 11 Operação errada no objeto errado. A 12 Seleção não realizada. A 13 Seleção errada realizada. 3 Erros de Verificação V 1 Verificação não realizada V 2 Verificação realizada incompletamente. V 3 Verificação em momento errado. V 4 Verificação correta no objeto errado. V 5 Verificação errada no objeto certo. V 6 Verificação errada no objeto errado. V7 Verificação em quantidade muito pequena ou muito grande. Demais dados foram analisados qualitativamente, sendo os números apresentados aqui indicadores apenas de tendência dos resultados. Quanto à análise gráfica da bula de medicamento adotou-se como instrumento o modelo descritivo proposto por Waarde (1999), que considera três níveis: Nível 1 Componentes Gráficos A Componentes Verbais Todas a marcas que podem ser pronunciadas B Componentes Pictóricos Todas a marcas que podem ser interpretadas como figura C Componentes Esquemáticos Todas as marcas únicas que não são vistas como verbais ou pictóricas D Componentes Compostos Configurações inseparáveis de componentes verbais, pictóricos e esquemáticos. Nível 2 Relações entre componentes gráficos A Relação de proximidade Proximidade física implica em conexão informacional Separação física implica em separação informacional B Relação de similaridade Similaridade implica a uma conexão funcional Diferença implica a uma diferenciação funcional 6

C Relação de proeminência Diferenças de proeminência implicam diferenças de hierarquia (status) D Relação de seqüência A seqüência visual implica a seqüência de informação Nível 3 Apresentação gráfica global A Consistência Uso de componentes gráficos e relações entre componentes de forma consistente B Características físicas Características do impresso como dimensões, qualidade, transparência C Estética Apresentação gráfica geral em aspectos estéticos Na análise, o quesito Características físicas abordou a qualidade de impressão, o tamanho e a transparência da bula. Devido à subjetividade de avaliação do quesito Estética, este foi desconsiderado na análise da amostra. 3. RESULTADOS DO ESTUDO 3.1 Decomposição seqüencial da tarefa As instruções de uso constantes na bula foram decompostas seqüencialmente de forma a elucidar o número de ações e tomadas de decisões envolvidos na tarefa, assim como a seqüência em que as mesmas ocorrem. Constatou-se que o fármaco suspensão oral envolve 17 ações, uma tomada de decisão e 6 situações condicionais que devem ser observadas pelos usuários/pacientes a fim de usar adequadamente o fármaco. Notou-se ainda que certas condições relacionadas a algumas ações da tarefa deveriam ser cumpridas para torná-las satisfatoriamente corretas (e.g. girar a tampa em sentido anti-horário). Ou seja, algumas vezes a demanda cognitiva esperada do usuário-paciente vai além dos passos explicitados na bula do medicamento, tendo esse que agir intuitivamente e exploratoriamente. 3.2 Estudo Analítico-Experimental Os resultados indicaram dificuldade dos participantes quanto à compreensão da bula e uso do medicamento suspensão oral, particularmente em relação a atividades de seleção e verificação de dosagem. A bula deste fármaco apresentou deficiências quanto a hierarquia entre títulos e subtítulos, e ausência de numeração do 1º passo da tarefa, fazendo com que 8 dos 12 participantes não executassem tal passo. As instruções visuais por sua vez possuíam tamanho reduzido, pouco contraste, e ainda encontravam-se dispostas de forma confusa na página, prejudicando a compreensão da tarefa. Além disto, o uso de termos técnicos para nomear os objetos utilizados na tarefa (e.g. batoque, dosador pediátrico) gerou dúvidas e insegurança na manipulação dos mesmos pelos participantes. Outro fator que merece destaque refere-se a instrução na bula sobre a abertura da tampa do frasco do fármaco que não coincidia com a nova vedação oferecida, demandando maior tempo na abertura do frasco. Portanto, a 7

falta de atualização da bula e a ausência de imagens mostrando os objetos parte da tarefa aos participantes prejudicaram a realização desejada da mesma. A partir dos resultados pode-se afirmar que o medicamento suspensão oral apresentou grau considerável de dificuldade de realização da tarefa de uso por envolver procedimentos de seleção de dosagem, verificação do estado do fármaco (e.g. homogeneidade) e manipulação de objetos (e.g. seringa e batoque). Sua bula também apresentou problemas de compreensão junto aos participantes, devido a deficiências na organização gráfica das informações e na clareza de suas instruções visuais. 4. Conclusões e recomendações Os resultados ratificam a literatura no que tange as deficiências no design da informação na apresentação gráfica de bulas de medicamentos no Brasil (e.g. WAARDE, 1999; SLESS, 2004; SPINILLO, 2002; SPINILLO ET AL., 2007; FUJITA & SPINILLO, 2006), e contribuem também na identificação dos aspectos influenciadores na representação da tarefa neste tipo de documento instrucional. As deficiências gráficas encontradas levaram ao desinteresse na leitura da bula e compreensão indesejada dos passos da tarefa de uso do fármaco. Erros de manipulação/preparação/ dosagem foram induzidos, afetando assim o uso e consequentemente a eficácia do medicamento. Além disso - e mesmo não sendo o foco deste estudo - os resultados mostram que o design dos objetos/embalagens internas relacionada ao uso dos fármaco também influenciam a compreensão e a execução das instruções de uso pelos participantes. Portanto, fazem-se necessárias melhorias não apenas relativas aos aspectos da ergonomia informacional nas bulas de medicamentos, mas também no design de produto (embalagem interna) a partir de um design centrado no paciente-usuário final deste documento/tarefa. Como recomendações específicas para o design de bulas de medicamentos, conforme resultados deste estudo e em consonância com a literatura sobre o tema, propõe-se: 1. As informações da bula devem ser a mais concisa possível para evitar aumento no tamanho/formato deste tipo de documento, visto que isto pode levar a inibição da leitura do mesmo. 2. As informações instrucionais/instruções visuais, preferencialmente, não devem ser interrompidas em sua apresentação na bula (i.e., ficar na mesma página). Se forem interrompidas, orientadores de leitura devem ser empregados (e.g., letras ou números), visando reforçar a ordem de leitura das mesmas; 3. Elementos de ênfase (e.g., lentes de aumento) devem ser empregados para mostrar detalhes relevantes de partes/elementos específicos da tarefa 8

e/ou do objetos envolvidos (e.g., tampa, êmbolo); 4. Imagens apresentando os objetos necessários para uso do fármaco (informação inventarial), assim como sua nominação, devem ser fornecidas antes da realização da tarefa para auxiliar o reconhecimento destes, especialmente para pacientes-usuários não familiarizados com o objeto/tarefa. 5. Instruções textuais devem ser específicas e evitar conceitos vagos (e.g. máximo possível). A representação de tais conceitos pode ser substituída por marcações e/ou ações de feedbak do próprio equipamento. Por fim, espera-se que os resultados deste estudo, assim como as recomendações propostas possam contribuir para a melhoria da qualidade de bulas de medicamentos na perspectiva do design centrado no usuário. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao CNPq e Ministério da Saúde pelo apoio a este estudo, e aos participantes voluntários por tornarem possível esta investigação. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBER, C.; & STANTON, N. A. Human error identification techniques applied to public technology: predictions compared with observed use. Applied Ergonomics, Vol 27. No 2, 1996. P. 119-131. FUJITA, P. T. L. A comunicação visual de bulas de remédios: análise ergonômica da diagramação e forma tipográfica com pessoas de terceira idade. Disponível em: www.infodesign.org.br, Infodesign: Revista Brasileira de Design da Informação, n 1/1, ISSN 1808-5477, 2004. FUJITA, P. T. L.; & SPINILLO, C. G. A apresentação gráfica de bula de medicamentos: um estudo sob a perspectiva da ergonomia informacional. In: Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade ERGODESIGN, 2006, Bauru. Anais. Bauru: UNESP, 2006. p. 1-6. 1CD-ROM. ISBN: 85-99679-02-3. MORAES, A.; MONT ALVÃO, C. Ergonomia: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: Editora 2AB, 1998. RASMUSSEN, J. Human Error. In Information Processing and human-machine interaction. New York, North Holland, 1986. P. 140-169. SILVA, T., DAL-PIZZOL, F., BELLO, C. M., MENGUE, S. S. & SCHENKEL, E. P. Bulas de medicamentos e a informação adequada ao paciente. Revista Saúde Pública, 2, 34, pp. 184-189. 2000. SLESS, D. Labelling code of pratice: designing usable non-prescription medicine labels for consumers. 2004. Disponível em <http://www.communication.org.au/cria_public ations>. Acesso em 31 de outubro de 2008. SLESS, D. & TYERS, A. Case history # 5 Panadol 24 Pack: new instructions for consumers. CRIA, 2004. Disponível em: http://www.communication.org.au/cria_publicat ions/publication_id_89_1290110197.html. Acesso em 20 de outubro de 2008. SPINILLO, C. G.Instruções visuais: algumas considerações e diretrizes para o design de seqüências pictóricas de procedimentos. Revista Estudos em Design. 9, 3, Rio de Janeiro. 2002. SPINILLO, C. G.; PADOVANI, S.; MIRANDA, F.; FUJITA, P. T. L. Instruções 9

visuais em bulas de medicamentos no Brasil: um estudo analítico sobre a representação pictórica da informação. In: Anais do 3º Congresso Internacional de Design da Informação, 2007, Curitiba. Anais. Curitiba: SBDI, 2007. 1CD-ROM. ISBN: 978-85-89879-04-0. WAARDE, K. The graphic presentation of patient package inserts. In: ZWAGA, Harm J. G. BOERSEMA, Theo. HOONHOUT, Henriëtte C. M. (Ed) Visual information for everyday use: Design and research perspectives.london, Taylor & Francis, 1999. p. 75-81. WAARDE, K. Visual information about medicines: providing patients with relevant information. In: Spinillo, C.G & Coutinho, S.G. (orgs.), Selected Readings of the Information Design International Conference 2003. Recife: SBDI- Sociedade Brasileira de Design da Informação, 2004. p. 81-89. WRIGHT, P. Printed Instructions: Can research make a difference?in: ZWAGA, Harm J. G. BOERSEMA, Theo. HOONHOUT, Henriëtte C. M. (Eds) Visual information for everyday use: Design and research perspectives.london, Taylor & Francis, 1999a. p. 45-66. 10