Dinâmica da ovogênese em peixes forrageiros da represa de Três Marias, Minas Gerais: estudo histológico e histoquímico

Documentos relacionados
Biologia reprodutiva de quatro espécies de peixes forageiros da represa de Três Marias, MG

Luciana Nakaghi Ganeco 1 e Laura Satiko Okada Nakaghi *

Os resumos serão recebidos no período do dia 15 de setembro a 20 de outubro de 2008

Biodiversidade Pampeana, PUCRS, Uruguaiana ISSN :11-18, 28 de dezembro de 2005

ANÁLISE MORFOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO OVOCITÁRIO DE PIRACANJUBA, Brycon orbignyanus, DURANTE O CICLO REPRODUTIVO*

DESCRIÇÃO MORFOLÓGICA DO COMPLEXO FOLICULAR EM Cichla kelberi (PERCIFORMES, CICHLIDAE).

HISTOLOGIA DAS GÔNADAS DE Characidium alipioi (TELEOSTEI, CRENUCHIDAE), COLETADOS NO PARQUE ESTADUAL DO FORNO GRANDE (PEFG) ES.

RAMON LAMAR DE OLIVEIRA JUNIOR

Débora K.S. Marques 1 lerecê de Lucena Rosa 2 Hélio de Castro B. Gurgel 1

Métodos de estudos COLORAÇÃO

DESCRIÇÃO MORFOLÓGICA DA FOLICULOGÊNESE E OOGÊNESE DO Laetacara araguaiae (Perciformes, Cichlidae).

Professor Mestre, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG 2

Paulo de Tarso da Cunha Chaves 2

BIOLOGIA REPRODUTIVA DO PIRÁ Conorhynchus conirostris VALENCIENNES, 1840 (PISCES: PIMELODIDAE) DO RIO SÃO FRANCISCO, REGIÃO DE PIRAPORA, MINAS GERAIS.

RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DA ICTIOFAUNA NA ÁREA DA UHE MAUÁ

Impacto de barragem hidrelétrica na reprodução de peixes NILO BAZZOLI

CRIOINJURIAS PROMOVIDAS PELOS TRATAMENTOS DE RESFRIAMENTO DOS EMBRIÕES DE CURIMBATÁ (Prochilodus lineatus).

Fig. 18. Leptodactylus lineatus. Ultraestrutura das glândulas granulosas do tipo G1.

Transporte dos gametas. Professor: Arturo Arnáez Vaella

REVISTA BRASILEIRA "E ZOOLOGIA

Maturidade do ovário no cascudo Hypostomus strigaticeps (Siluriformes, Loriicaridae)

Belo Horizonte, março de 2010.

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA REITORIA CENTRO DE AQUICULTURA DA UNESP

Desenvolvimento e diferenciação dos ovócitos de pacu, Piaractus mesopotamicus (Holmberg

Relatório anual do monitoramento do surubim Steindachneridion amblyurum - Eigenmann & Eigenmann 1888 (condicionante 21)

20/8/2012. Raduan. Raduan

Descrição morfológica dos ovários do peixe Melanotaenia boesemani em atividade reprodutiva 1

Biologia reprodutiva do surubim (Pseudoplatystoma coruscans) Reproduction biology of brazilian catfish (Pseudoplatystoma coruscans)

CARACTERIZAÇÃO DAS CÉLULAS GERMINATIVAS NO PRIMÓRDIO GONADAL DA PIRACANJUBA Brycon orbignyanus (CHARACIFORMES, CHARACIDAE)

HISTOLOGIA DE GÔNADAS MASCULINAS E FEMININAS DE LEBISTE (Poecilia reticulata)

Indicadores quantitativos da biologia reprodutiva de fêmeas de piau-vermelho no Rio Paraíba do Sul

Estudos Reprodutivos em espécies de peixes de importância comercial da Baía de Todos os Santos.

ANÁLISES HISTOQUÍMICAS DA OVOGÊNESE DE Sphoeroides testudineus (Linnaeus, 1758), TETRAODONTIDAE

EFEITO DO CURTO PERÍODO DE ESTOCAGEM DOS OVÓCITOS E TEMPO DE ENXAGUE DA ÁGUA DE ATIVAÇÃO DOS GAMETAS NA REPRODUÇÃO DE DOURADO Salminus brasiliensis

REPRODUÇÃO E ALEVINAGEM

SISTEMA REPRODUTOR FEMININO

Morfologia ovariana de Poecilia vivipara, Block e Schneider, 1801

RELATÓRIO DE MONITORAMENTO DA ICTIOFAUNA NA ÁREA DA UHE MAUÁ

KINULPE HONORATO SAMPAIO

Introdução à Histologia e Técnicas Histológicas. Prof. Cristiane Oliveira

Aparelho Reprodutor Feminino

Abril B I O L O G I A REPRODUÇÃO HUMANA EXERCÍCIOS SOBRE A REPRODUÇÃO HUMANA

ASPECTOS DA BIOLOGIA POPULACIONAL DO TUCUNARÉ (Cichla piquiti) NO RESERVATÓRIO DE LAJEADO, RIO TOCANTINS

Fertilização. Professor: Arturo Arnáez Vaella

Edson Vieira Sampaio 1 & Yoshimi Sato 1

Desenvolvimento gonadal de fêmeas de matrinxã, Brycon amazonicus, submetidas a. restrição alimentar

Sistema Reprodutor Feminino. Acadêmica de Veterinária Carolina Wickboldt Fonseca

Métodos Cito-Histoquímicos

CENTRO INFANTIL BOLDRINI DEPARTAMENTO DE ANATOMIA PATOLÓGICA APARECIDO PAULO DE MORAES

Contrastar e diferenciar Naturalmente incolor Maioria solúvel em água ou álcool

Estudos sobre a morfometria do espermatozoide e características seminais do Pseudoplatystoma corruscans

Análise histológica e histoquímica de cistos intra-epiteliais de tubas uterinas de novilhas mestiças

COMPONENTES SOMÁTICOS E GERMINATIVOS OVARIANOS DO CARANGUEJO-UÇÁ, Ucides cordatus LINNAEUS, 1763 (DECAPODA: OCYPODIDAE)

Reprodução. Biologia Ambiental Professora: Keffn Arantes

Centro de Estudos do Mar, Universidade Federal do Paraná. Avenida Beira Mar, Pontal do Paraná, Paraná, Brasil. 3. iidae), coastal area

VARIAÇÕES ESPAÇO-TEMPORAIS DO ICTIOPLÂNCTON EM UMA SUB-BACIA REPRESADA DO SUDESTE DO BRASIL

ALEXANDRE NIZIO MARIA

acidae (Osteichthyes, ormes) da bacia do São Francisco,

INVOLUÇÃO DOS FOLÍCULOS PÓS-OVULATÓRIOS EM Pseudoplatystoma fasciatum (PISCES, TELEOSTEI)

4- RESULTADOS Avaliação Macroscópica da Bolsa Algal e Coxim Plantar. inoculados na bolsa jugal, a lesão do local de inoculação era evidente e se

COMPOSIÇÃO DA PAREDE CELULAR DOS FUNGOS ECTOMICORRÍZICOS Pisolithus microcarpus e Pisolithus tinctorius

UNIVERSIDADE PAULISTA CENTRO DE CONSULTORIA EDUCACIONAL DELANE CRISTINA DA SILVA AVALIAÇÃO CITOLÓGICA DO PAPILOMAVÍRUS HUMANO-HPV

EFEITO DO TIPO DE SISTEMAS DE CULTIVO NO DESENVOLVIMENTO IN VITRO DE FOLÍCULOS PRÉ-ANTRAIS CAPRINOS ISOLADOS

INFLUÊNCIA DE TRIBUTÁRIOS SOBRE O POTENCIAL REPRODUTIVO DE TRÊS ESPÉCIES DE PEIXES DA BACIA DO RIO GRANDE: UM ESTUDO COMPARATIVO

FECUNDAÇÃO SEGMENTAÇÃO

PAULO RINCOSKI COSTANTINO

BIOINDICADORES INSTITUTO DE QUÍMICA DE SÃO CARLOS UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

R. Bras. Zootec., v.27, n.4, p , 1998

MEMBRANAS. As membranas tem estruturas tão diversas quanto funções

ATORES FINAL FELIZ PALCO 8/11/2016. oviduto. ovário útero. cervix vagina. Zigoto diplóide (2n) com os dois prónucleos da mesma espécie.

J. R. S. VITULE 2. Acta Biol. Par., Curitiba, 36 (3-4): F. F. GAZOLA-SILVA 3 & J. M. R. ARANHA 4

Biologia reprodutiva da tabarana Salminus hilarii (osteichthyes, characidae) na represa de Três Marias

Estudo histoquímico, bioquímico e morfométrico de células mucosas de peixes eurialinos adultos em estágio larval

FECUNDAÇÃO ESPERMATOZOIDE

Métodos Cito-Histoquímicos

MARCELO GRUMACH FALCÃO

INFLUÊNCIA DO COMPRIMENTO NO POTENCIAL REPRODUTIVO DO TUCUNARÉ AZUL NO RESERVATÓRIO DE SERRA DA MESA,GO.

BIOLOGIA. Moléculas, Células e Tecidos Gametogênese. Prof. Daniele Duó

Biologia reprodutiva do curimatã comum, Prochilodus brevis (Characiformes: Prochilodontidae) no açude Marechal Dutra, Rio Grande do Norte, Brasil.

Expressão Gênica em Oócitos e Embriões

EFEITO DA RELAÇÃO VOLUME DE SÊMEN/VOLUME DE ÁGUA SOBRE TEMPO DE ATIVAÇÃO ESPERMÁTICA EM PACU (Piaractus Mesopotamicus)

Biologia Celular e Molecular:

Efeito da desnutrição materna durante a gestação no desenvolvimento ovariano inicial e subsequente desenvolvimento folicular em fetos de ovelhas

Resumo. Introdução. Palavras-chave: Brânquias. Células do cloro. Células mucosas. Esquistossomose. Fluoreto de sódio.

O PERÍODO DE DEFESO NA BACIA DO RIO SÃO FRANCISCO

Demonstração de efeito citopático induzido por alguns vírus em células cultivadas "in vitro" e de corpúsculos de inclusão em tecido infectado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Programa de Pós-graduação em Zoologia de Vertebrados MORFOLOGIA COMPARATIVA DA ESTRUTURA GONADAL

Avaliação do Índice Apoptótico em Adenomas Pleomórficos de Glândulas Salivares

ASPECTOS DA BIOLOGIA REPRODUTIVA E PADRÃO SAZONAL DE RECRUTAMENTO DOS JUVENIS DO PAMPO Trachinotus SUL DO BRASIL

O sistema reprodutor feminino. Os ovários e os órgãos acessórios. Aula N50

INTRODUÇÃO. RICARDO AMARO DOS SANTOS Pesquisador Científico Instituto de Pesca. JAIME JOSÉ CASARI DA CAMARA Pesquisador Científico Instituto de Pesca

ESTUDO MORFOLÓGICO DE SCHISTOSOMA MANSONI PERTENCENTES A LINHAGENS DE BELO HORIZONTE (MG) E DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS (SP)

MARLON CORRÊA PEREIRA

AULA PRÁTICA 03 TECIDOS EPITELIAIS - EPITÉLIOS GLANDULARES LÂMINA Nº 46 INTESTINO GROSSO - HE

ORGANELAS CITOPLASMÁTICAS

SISTEMA REPRODUTOR FEMININO

Isolamento e caracterização ultraestrutural de folículos pré-antrais de vacas da raça Nelore (Bos taurus indicus)

Análise histoquímica das glândulas anexas do aparelho reprodutor do macho de paca (Cuniculus paca) 1

Citopatologia I Aula 5

Transcrição:

ARTIGO Dinâmica da ovogênese em peixes forrageiros da represa de Três Marias, Minas Gerais: estudo histológico e histoquímico Oogenesis dynamics in forrager fishes from Três Marias reservoir, Minas Gerais: histological and histochemical study NILO BAZZOLI Museu de Ciências Naturais - lcbs PUC-Minas Laboratório de lctiohistologia - Depto de Morfologia - ICB - UFMG ELIZETE RIZZO Laboratório de lctiohistologia - Depto de Morfologia - ICB - UFMG JOSÉ ENEMIR DOS SANTOS Depto de Ciências Biológicas - lcbs - PUC-Minas YOSHIMI SATO Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de Três Marias - CODEVASF RESUMO O desenvolvimento ovocitário dos teleósteos Hemigrammus marginatus, Moenkhausia costae e Roeboides xenodon foi dividido em quatro estádios, de acordo com características citológicas do ovócito e suas camadas envoltoras. Técnicas histoquímicas demonstraram presença de glicoproteínas neutras nos glóbulos de vitelo, nas células foliculares e na zona pelúcida das três espécies. O conteúdo dos alvéolos corticais variou entre as espécies: glicoproteínas neutras e glicoconjugados ácidos carboxilados ou sulfatados. A camada externa da zona pelúcida de M. costae e H. marginatus contém também glicoconjugados ácidos carboxilados e glicoproteínas ricas em ácido siálico, respectivamente. As variações morfológicas dessas estruturas foliculares podem estar relacionadas com funções específicas durante a ovogênese e fertilização. Unitermos: Ovogênese, peixes forrageiros, represa de Três Marias. ABSTRACT The oocyte development of teleost species Hemigrammus marginatus, Moenkhausia costae and Roeboides xenodon was divided into four stages based on çytological characteristics of the oocyte and its surrounding layers. Histochemical techniques showed the presence of neutral glycoproteins in the yoik globules, in follicular cells and in zona pellucida of three species. The cortical alveoli content varied among the species: neutral glycoproteins and sulphated or carboxilated acid glycoconjugates. The outer layer of zona pellucida in M. costae and H. marginatus also contained carboxilated acid glycoconjugates and sialic acid-rich glycoproteins, respectively. The morphological variations in the follicular structures may be related to specific functions during oogenesis and fertilization. key-words: Oogenesis, forager fishes, Três Marias reservoir. BIOS, Cadernos do Departamento de Ciências Biológicas da PUC-Minas, v.4, n.4, p. 5-10, Dez.1996

NILO BAZZOLI; ELIZETE RIZZO; JOSÉ ENEMIR DOS SANTOS; YOSHIMI SATO I Introdução Os peixes forrageiros Hemigrammus marginatus Ellis, 1911, Moenkhausia costae (Steindachner, 1907) e Roeboides xenodon (Reinhardt, 1849), characídeos de pequeno porte, constituem elo indispensável na cadeia alimentar da represa de Três Marias, Minas Gerais, servindo de alimento a diversos piscívoros. O estudo das características morfológicas das vesículas corticais, glóbulos de vitelo, zona pelúcida e células foliculares dos ovócitos de peixes nativos constitui etapa básica e primordial para estabelecer a biologia reprodutiva dos mesmos (Guraya, 1986). A determinação da natureza química dessas estruturas é essencial para a compreensão de seus papéis funcionais na fertilização, desenvolvimento inicial do embrião (Hart, 1990) e crescimento de larvas (Moodie et al., 1989). Estudos recentes com ovócitos de várias espécies de peixes da represa de Três Marias indicaram variações na morfologia e composição química de estruturas ovocitárias (Bazzoli & Rizzo, 1990; Rizzo & Bazzoli, 1991; 1993; 1995). Alguns aspectos da dinâmica da ovogênese podem apresentar padrões morfológicos similares em certos grupos sistemáticos sem, no entanto, apresentar correlação filogenética (Bazzoli & Godinho, 1994; 1995). Apesar da abundância de peixes forrageiros na referida represa, não existe literatura a respeito da biologia e, em particular da reprodução dessas espécies. Em vista disso, o presente trabalho caracteriza histológica e histoquimicamente aspectos da ovogênese de H. marginatus, M. costae e R. xenodon da represa de Três Marias. II Material e Métodos Exemplares de Hemigrammus marginatus, Moenkhausia costae e Roeboides xenodon capturados às margens da represa de Três Marias, com auxílio de redes de arrasto, foram fixados inteiros em líquido de Bouin por 18 a 24 horas. No Museu de Ciências Naturais da PUC-Minas, foram selecionadas 5 a 10 fêmeas em maturação avançada de cada espécie e seus ovários dissecados para processamento histológico. No Laboratório de lctiohistologia do ICB/ UFMG, as gônadas foram incluídas em resina plástica glicol-metacrilato (JB-4, Polysciences), cortadas com 1 a 5 µm de espessura e coradas com azul de toluidina-borato de sódio e coloração de Dominici. Para análise do conteúdo de carboidratos e proteínas nas estruturas ovocitárias, cortes de 5 a 7 µm, de fragmentos incluídos em parafina, foram submetidos às seguintes técnicas histoquímicas, de acordo com Pearse (1985): Periodic Acid-Schiff (PAS); amilase salivar + PAS; Alcian blue (AB) ph 2,5; AB ph 0,5; ninhidrina-schiff (NS); método combinado de Alcian yellow (AY) ph 2,5 + AB ph 0,5 (Ravetto, 1964) e hidrólise com HCl 0,1 N (8 horas a 60ºC) seguida do PAS e do AB ph 2,5 (Quintarelli et al., 1961). Para análise do conteúdo de lípides, alguns fragmentos de ovários foram fixados em formol a 10%, cortados em criostato com 12 a 15 µm de espessura e submetidos às técnicas de Sudan black B e Sulfato de azul do Nilo. III Resultados Ovócitos das espécies estudadas foram classificados em 4 estádios de desenvolvimento, de acordo com Bazzoli & Rizzo (1990): O1 = ovócito jovem, O2 = ovócito pré-vitelogênico, O3 = ovócito com vesículas corticais e, O4 = ovócito com glóbulos de vitelo ou vitelogênico (Figs. 1 a 6). Nos ovócitos das três espécies, vesículas ou alvéolos corticais ocorrem como estruturas vacuoladas, não coradas ou ligeiramente basófilas nas preparações histológicas de rotina (Figs. 2 e 3). Elas surgem no ooplasma periférico, antes do início da vitelogênese, aumentam em número e volume, constituindo colar periférico após a deposição dos glóbulos de vitelo (Figs. 4 a 6). Nos ovócitos vitelogênicos de R. xenodon observaram-se alvéolos corticais contínuos formados de vesículas grandes; glóbulos de vitelo esféricos; células foliculares cúbicas; zona pelúcida ondulada e com duas camadas (Fig. 5). Nos ovócitos vitelogênicos de H. marginatus e M. costae observaram-se alvéolos corticais descontínuos formados de vesículas pequenas; glóbulos de vitelo esféricos; células foliculares pavimentosas; zona pelúcida ondulada e também com duas camadas (Fig. 6). A análise histoquímica (Tab. I e II) demonstrou presença de glicoproteínas neutras nos alvéolos corticais, glóbulos de vitelo, células foliculares e zona pelúcida das espécies em estudo. Na camada externa da zona pelúcida de M. costae, detectaram-se também glicoconjugados ácidos carboxilados e glicoproteínas ricas em ácido siálico em H. marginatus. Nos glóbulos de vitelo das três espécies, demonstrou-se presença de lípides neutros. Nos alvéolos corticais de M. costae detectaram-se somente glicoproteínas neutras, nos de H. marginatus 6 BIOS, Belo Horizonte, v.4, n.4, p. 5-10, Dez. 1996

Dinâmica da ovogênese em peixes forrageiros da represa de Três Marias, Minas Gerais: estudo... glicoproteínas neutras e glicoconjugados ácidos sulfatados e nos de R. xenodon glicoproteínas neutras nos ovócitos vitelogênicos (04) e glicoconjugados ácidos sulfatados nos ovócitos com vesículas corticais (03). A reação do PAS permaneceu inalterada após tratamento prévio com amilase salivar, excluindo, deste modo, presença de glicogênio nas estruturas ovocitárias analisadas. A presença de ácido siálico na camada externa da zona pelúcida de H. marginatus foi confirmada pela reação negativa à hidrólise ácida seguida do AB ph 2,5 e também pela diminuição de intensidade da reação de hidrólise ácida seguida do PAS. IV Discussão Os alvéolos corticais dos ovócitos de teleósteos são análogos aos grânulos corticais de outros vertebrados e invertebrados, sendo seus conteúdos liberados no espaço perivitelínico durante a reação cortical pós-fertilização, impedindo a polispermia (Yamamoto, 1961; Selman et al., 1988; Ohta, 1990). No presente estudo, observou-se morfologia variada dos alvéolos corticais, dependendo da espécie, o que foi também constatado por Kobayashi (1985); Selman et al. (1988); Hart & Donavan (1983); Bazzoli & Rizzo (1990); Bazzoli & Godinho (1994). As glicoproteínas detectadas nos alvéolos corticais das três espécies analisadas coincidem com aquelas de outros teleósteos neotropicais estudados por Bazzoli & Godinho (1994). Variações no conteúdo das vesículas corticais nos 03 e 04 de R. xenodon indicam modificações na composição química dessas vesículas durante a maturação ovocitária. Observações similares foram feitas no lambari-bocarra, Oligosarcus argenteus por Neves et al. (1995). Segundo Verma & Thakur (1988), variações no conteúdo dos alvéolos corticais podem possibilitar desempenho de funções específicas durante a fertilização. Estudos recentes identificaram uma polisialoglicoproteína nos alvéolos corticais de Salmo gairdnerii (Inoue et al., 1987; Kitajima et al., 1989) que, após fertilização, apresenta propriedades similares a mucopolissacarídeos ácidos (Hart, 1990). A presença de ácido siálico nos alvéolos corticais das espécies analisadas no presente trabalho foi excluída, uma vez que a intensidade do PAS e do AB ph 2,5 permaneceu inalterada após hidrólise ácida. No entanto, glicoproteínas ricas em ácido siálico foram detectadas nos alvéolos corticais de ciclídeos, do pirarucu e do aruanã (Bazzoli & Godinho, 1994). Nos glóbulos de vitelo das três espécies estudadas detectaram-se glicoproteínas neutras e lípides neutros, coincidindo com as observações de Bazzoli (1992) em 103 espécies de teleósteos neotropicais de água doce. A presença de glicoproteínas neutras na zona pelúcida de teleósteos brasileiros é uma constante (Bazzoli, 1992). Entretanto, nossos resultados revelaram, ainda, glicoconjugados ácidos carboxilados na camada externa desse envoltório em M. costae, coincidindo com observações em Serrasalmus brandtii (Rizzo & Bazzoli, 1991) em outros characiformes das sub-famílias Serrasalminae, Myleinae e também em Prochilodontidae e Pimelodidae (Bazzoli, 1992). Por outro lado, a zona pelúcida de R. xenodon contém somente glicoproteínas neutras, tanto na camada interna como na externa, semelhante a vários characídeos, anastomídeos, curimatídeos, entre outros (Bazzoli, 1992). O ácido siálico parece ser de ocorrência rara na zona pelúcida de teleósteos brasileiros, uma vez que foi detectado somente na espécie Arapaima gigas, das 103 analisadas por Bazzoli (1992) e em H. marginatus, no presente trabalho. Variações na estrutura e composição química da zona pelúcida de teleósteos refletem adaptações de seus ovos a diferentes habitats (Guraya, 1986). Nas células foliculares das espécies estudadas no presente trabalho detectaram-se glicoproteínas neutras, o que foi também constatado em outros characiformes por Bazzoli (1992). As proteínas sintetizadas pelas células foliculares podem ser utilizadas no crescimento da camada folicular, maturação ovocitária e formação da zona pelúcida (Guraya, 1986). As variações na morfologia e conteúdo dos alvéolos corticais e zona pelúcida, observadas no presente estudo, podem refletir diferentes funções dessas estruturas durante a ovogênese e a fertilização. Agradecimentos À Estação de Hidrobiologia e Piscicultura de Três Marias-CODEVASF, pela coleta e fornecimento do material biológico, ao FIP-PUC-Minas, processo 95/ 011, CNPq, FAPEMIG e PRPq/UFMG. BIOS, Belo Horizonte, v.4, n.4, p. 5-10, Dez. 1996 7

NILO BAZZOLI; ELIZETE RIZZO; JOSÉ ENEMIR DOS SANTOS; YOSHIMI SATO Figura 1- ovócito jovem (01) com citoplasma basófilo, núcleo vesiculoso com vários nucléolos periférico e ovócito prévitelogênico (02) com nucléolos acolados no envoltório nuclear, fazendo protusões no mesmo- Moenkhausia costae - azul de toluidina - 180x. Figura 2- ovócito com vesículas corticais (03) pequenas (setas) em início de formação na periferia do ovócito, zona pelúcida ondulada e células foliculares pavimentosas - Hemigrammus marginatus - azul de toluidina - 190x. Figura 3- ovócito com vesículas corticais (03) grandes no ooplasma periférico - Roeboides xenodon - azul de toluidina - 190x. Figura 4- ovócito em início de vitelogênese (04), mostrando vesículas corticais (setas), formando colar descontínuo no ooplasma periférico - Hemigrammus marginatus - azul de toluidina - 190x. Figura 5- ovócito vitelogênico (04) com alvéolos corticais contínuos formados de vesículas grandes, glóbulos de vitelo esféricos, zona pelúcida ondulada com micrópila (seta) e células foliculares cúbicas - Roeboides xenodon - azul de toluidina - 150x. Figura 6- ovócito vitelogênico (04) com alvéolos corticais descontínuos formados de vesículas pequenas (seta), glóbulos de vitelo esféricos e células foliculares pavimentosas - Hemigrammus marginatus - azul de toluidina - 130x. 8 BIOS, Belo Horizonte, v.4, n.4, p. 5-10, Dez. 1996

Dinâmica da ovogênese em peixes forrageiros da represa de Três Marias, Minas Gerais: estudo... Tabela I Conteúdo das vesículas corticais, glóbulos de vitelo, zona pelúcida e células foliculares de ovócitos vitelogênicos de H. marginatus, M. costae e R. xenodon da represa de Três Marias, Minas Gerais CONTEÚDO ESTRUTURA H. marginatus M. costae R. xenodon Alvéolos corticais GNE + GSU GNE GNE Glóbulos de vitelo GNE + LIPN GNE + LIPN GNE + LIPN Zona pelúcida (CI) GNE GNE GNE Zona pelúcida (CE) GNE + GSI GNE + GAC GNE Células foliculares GNE GNE GNE CI= camada interna; CE= camada externa; GNE= glicoproteínas neutras; GSU= glicoconjugados ácidos sulfatados; GAC= glicoconjugados ácidos carboxilados; LIPN= lípides neutros; GSI= glicoproteínas ricas em ácido siálico. Tabela II Conteúdo ovocitário e respectivas reações histoquímicas REAÇÕES HISTOQUÍMICAS CONTEÚDO PAS AB 2,5 AB 0,5 AY 2,5 NS SB SAN HA + AB 2,5 GNE + - - - + - - - GNE + GSU + + + - + - - + GNE + GAC + + - + + - - + GNE + LIPN + - - - + + + - GNE + GSI + + - + + - - - GNE= glicoproteínas neutras; GSI= glicoproteínas ricas em ácido siálico; GSU= glicoconjugados ácidos sulfatados; GAC= glicoconjugados ácidos carboxilados; LIPN= lípides neutros; PAS= Periodic acid Schiff; AB 2,5= Alcian blue ph 2,5; AB 0,5= Alcian blue ph 0,5; AY 2,5= Alcian yellow ph 2,5; NS= ninhidrina- Schiff; SB= Sudan black B; SAN= Sulfato de azul do Nilo; HA= hidrólise ácida. BIOS, Belo Horizonte, v.4, n.4, p. 5-10, Dez. 1996 9

NILO BAZZOLI; ELIZETE RIZZO; JOSÉ ENEMIR DOS SANTOS; YOSHIMI SATO Referências bibliográficas BAZZOLI, N. Ovogênese em peixes teleósteos neotropicais de água doce. Belo Horizonte: Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. 1992.182 p. (Tese, Doutorado em Ciências: Morfologia). BAZZOLI, N.; GODINHO, H. P. Cortical alveoli in oocytes of freshwater neotropical teleost fish. Boll. Zool., v. 61, p. 301-308, 1994. BAZZOLI, N.; GODINHO, H. P. Comparative morphology of the yolk nucleus (Balbiani body) in freshwater neotropical teleost fish. Rev. Brasil. Biol. v. 55, n. 2, p. 207-214, 1995. BAZZOLI, N.; RIZZO, E. A comparative cytological and cytochemical study of the oogenesis in ten Brazilian teleost fish specie. Eur. Arch. Biol., v. 101, n. 4, p. 399-410, 1990. GURAYA, S. S. The cell and molecular biology of fish oogenesis. Basel: Sauer, H. W., 1986, 223p. HART, N. H. Fertilization in teleost fishes: mechanisms of sperm-egg interactions. Int. Rev. Cytol., v. 121, p. 166, 1990. HART, N. H.; DONAVAN, M. Fine structure of the chorion and site of sperm entry in the egg of Brachydanio. J. Exp. Zool. v. 227, p. 277-296, 1983. INOUE, S.; KITAJIMA, K.; INOUE, Y.; KUDO,S. Localization of polysialoglycoprotein as a major glycoprotein component in cortical alveoli of the unfertilized eggs of Salmo gairdnerii. Dev. Biol. v. 123, p. 442-454, 1987. KITAJIMA, K.; INOUE, S.; INOUE, Y. Isolation and characterization of a novel type of sialoglycoproteins (Hyosophorin) from the eggs of medaka, Orizias latipes: nonapeptide with a large N-Iinked glycan chain as a tandem repeat unit. Dev. Biol. v. 132, p. 544-553, 1989. KOBAYASHI, W. Communications of oocyte-granulosa cells in the chum salmon ovary detected by transmission electron microscopy. Develop. Growth Differ., v. 27, p. 553-561, 1985. MOODIE, G. E. E.; LOADMAN, N. L.; WIEGAND, M. D. Influence of egg characteristics on survival, growth and feeding in larval walleye (Stizostedion vitreum). Can. J. Fish. Aquat. Sci. v. 46, p. 516-521, 1989. NEVES, C. A.; ANDRADE, D. R.; MATTA, S. L. P.; VIDAL Jr., M. V.; SANTOS, A.A. Cytochemical analysis of polysaccharides from the cortical alveoli of the oocytes of the lambari-bocarra (Oligosarcus argenteus Gunter, 1864) (Pisces, Characidae). Rev. Brasil. Biol. v. 55, n. 4, p. 693-696, 1995. OHTA, T., IWAMATSU, M., TANAKA, Y., YOSHIMOTO, Y. Cortical alveolus breakdown in the eggs of the freshwater teleost Rhodeus ocellatus ocellatus. Anat. Rec., v. 227, p. 486-496, 1990. PEARSE, A. G. E. Histochemistry: theoretical and applied. 4 ed. Edinburgh: Churchill Livingstone, 1985, 1055p. QUINTARELLI, G., TSUIKY, S., HASCHIMOTO, Y., PIGMAN, W. Studies of sialic acid containing mucins in bovine submaxilary and rat sublingual glands. J. Histochem. Cytochem., v. 9, p. 176-183, 1961. RAVETTO, C. Alcian blue-alcian yellow: a new method for identification of different acidic groups. J. Histochem. Cytochem., v. 12, p. 441, 1964. RIZZO, E. & BAZZOLI, N. The zona pellucida of the white piranha Serrasalmus brandtii Reinhardt, 1874 (Pisces, Characidae): A cytological and cytochemical study. Func. Dev. Morphol. v. 1, n. 4, p. 21-24,1991. RIZZO, E. & BAZZOLI, N. Oogenesis, oocyte surface and micropylar apparatus of Prochilodus affinis Reinhardt, 1874 (Pisces, Characiformes). Eur. Arch. Biol. v. 104, p. 1-6, 1993. RIZZO, E. & BAZZOLI, N. Follicular atresia in Prochilodus affinis Reinhardt, 1874 (Pisces, Characiformes). Rev. Brasil. Biol. v. 55, n. 4, p. 697-703, 1995. SELMAN, K. WALLACE, R. A., BARR, V. Oogenesis in Fundulus heteroclitus. V. The relationship of yolk vesicle and cortical alveoli. J. Exp. Zool., v. 246, p. 42-56, 1988. VERMA, G. P; THAKUR, C. Origin and composition of cortical granules in oocytes of a teleost, Mastacembelus armatus armatus (Lacépède). Arch. Biol. v. 99, p. 325-334, 1988. YAMAMOTO, T. Physiology of fertilization in fish eggs. Int. Rev. Cytol. v. 12, p. 361-405,1961. 10 BIOS, Belo Horizonte, v.4, n.4, p. 5-10, Dez. 1996