Reunião n.º 185/XIV, de 10.02.2015. Deliberação



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Transcrição:

Reunião n.º 185/XIV, de 10.02.2015 Assunto: Pedido de esclarecimento apresentado pelo Partido Nacional Renovador relativo à apresentação de candidatos sem residência habitual na Região Autónoma da Madeira no quadro da eleição da ALRAM 2015 Deliberação A Comissão aprovou o Parecer n.º I-CNE/2015/74, cuja cópia consta em anexo, e deliberou, por unanimidade dos Membros presentes, transmitir o parecer agora aprovado ao Partido Nacional Renovador, para os efeitos tidos por convenientes, do qual se extraem as seguintes conclusões: «A matéria de inelegibilidades é da exclusiva competência dos tribunais, no caso, da Instância Local Secção Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, de cuja decisão cabe recurso para o Tribunal Constitucional. Sem prejuízo disso e atento o exposto, conclui-se o seguinte: a) O texto do artigo 4.º da LEALRAM obriga a que o candidato preencha o requisito da residência habitual na Região que em mais nenhuma outra eleição é exigido, em especial na eleição regional congénere a da ALRAA, o que, imporia, por identidade de razão, estar sujeita ao mesmo regime; b) A jurisprudência constitucional sobre esta temática não é uniforme e é anterior à alteração legislativa operada em 2000, no âmbito da LEALRAA, no sentido não só de expurgar a inconstitucionalidade que a feria (Resolução do Conselho da Revolução n.º 68/82 e Acórdão TC 189/88), mas ainda de eliminar o próprio requisito da mera residência ; Pág. 1 de 11

c) A Constituição da República Portuguesa não prescreve a correspondência concreta entre a capacidade eleitoral ativa e a capacidade eleitoral passiva, ela é meramente abstrata, estando a elegibilidade apenas dependente da inscrição no recenseamento eleitoral na sua universalidade; d) Aliás, o requisito da residência habitual não garante sequer a capacidade eleitoral ativa, porquanto é forçoso aceitar a possibilidade de existirem situações de falta de correspondência entre a residência habitual e a inscrição no recenseamento eleitoral, o que, acrescente-se, anula os fundamentos aduzidos em defesa daquele requisito; e) Deste modo, discorda-se da exigência do requisito da residência habitual para efeitos de candidatura à eleição da ALRAM, considerando-o merecedor de um juízo de inconstitucionalidade; f) A vingar a tese da exigência da «residência» ou mesmo da «residência habitual», sempre se dirá que esta é independente da circunscrição do recenseamento, admitindose a elegibilidade dos cidadãos que, cumprindo aquele requisito, se encontrem recenseados fora da Região, tal como o Tribunal Constitucional, no Acórdão 136/90, tinha acolhido. Caso contrário, o legislador limitar-se-ia apenas a exigir a inscrição no recenseamento eleitoral da área da Região Autónoma.». Pág. 2 de 11

Parecer n.º I-CNE/2015/74 Assunto: Pedido de esclarecimento apresentado pelo Partido Nacional Renovador relativo à apresentação de candidatos sem residência habitual na Região Autónoma da Madeira no quadro da eleição da ALRAM 2015 I. Pedido de esclarecimento 1. O Partido Nacional Renovador solicitou à Comissão Nacional de Eleições parecer sobre a candidatura de cidadãos sem residência habitual na Região Autónoma da Madeira no quadro da eleição da ALRAM 2015, nos termos que se transcrevem: «o Partido Nacional Renovador solicita de V. Exa. deliberação no sentido de clarificar a capacidade eleitoral passiva dos candidatos para a eleição da ARLA da Madeira, nomeadamente nos pontos que tocam aos critérios para figuração nas listas e suas proibições. Temos a intenção de incluir nas listas para o referido acto candidatos residentes no continente e, nesse sentido, solicitamos documento que delibere validando tal situação, em caso de dúvida no Tribunal Judicial da Comarca da Madeira.» II. Análise Jurídica 2. A matéria de inelegibilidades é da exclusiva competência dos tribunais, no caso da Instância Local Secção Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, de cuja decisão cabe recurso para o Tribunal Constitucional. Nessa medida, é ao Juiz da comarca que compete, no âmbito do processo de verificação das candidaturas, declarar se alguma situação de inelegibilidade se verifica ou não. Todavia, pode a Comissão Nacional de Eleições, no âmbito das suas atribuições no domínio do esclarecimento dos cidadãos, pronunciar-se a título informativo e é o que se fará de seguida. Pág. 3 de 11

3. Definindo a capacidade eleitoral passiva, dispõe o artigo 4. da Lei Eleitoral da Região Autónoma da Madeira 1 (LEALRAM) que "são elegíveis para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira os cidadãos portugueses eleitores com residência habitual na Região. 2 4. Este preceito trata de limitar a elegibilidade para aquela Assembleia Regional, exigindo, além da nacionalidade portuguesa e da inscrição no recenseamento eleitoral (o que não se coloca em crise), a residência habitual no território da Região. 5. À volta desta temática importa dar nota da jurisprudência produzida, começando pela Resolução do Conselho da Revolução n.º 68/82 que declarou inconstitucional o segmento final do artigo 4.º da LEALRA dos Açores 3, o qual dispunha: «são elegíveis para a Assembleia Regional os cidadãos portugueses eleitores com residência habitual na Região há mais de dois anos», na medida em que «não se contentando com limitar a elegibilidade para a Assembleia Regional aos cidadãos portugueses eleitores com residência na Região, exige ainda que essa residência se prolongue habitualmente por mais de 2 anos, e, isso, por infringir o princípio constante no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição». O Parecer n.º 11/82 da Comissão Constitucional que serviu de suporte à referida Resolução concluiu, quanto à exigência da residência na Região, que não se vislumbra qualquer limitação ao direito constitucional de acesso a cargos públicos, isto é, ao direito fundamental de poder ser eleito como deputado regional. Explicita o referido parecer que «Os eleitores, já se viu, terão de ser os residentes na região. Dizendo-se aí que os elegíveis provêm dos residentes, é dizer, dos eleitores, está-se a afirmar uma regra de direito eleitoral constitucionalmente reconhecida. A referência à residência não é uma restrição; decorre da necessidade de definir o elegível natural». Ao invés, quanto à exigência de residir na Região há mais de dois anos, o parecer conclui que a disciplina constitucional é ultrapassada, na medida em que «a Constituição não contempla quaisquer restrições à elegibilidade para a Assembleia Regional». Acrescenta, ainda, que «Nesta perspectiva, o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, reprova de imediato a desigualdade criada na região autónoma dos Açores entre os aí residentes há mais de dois anos e há menos tempo». 1 Lei Orgânica n.º1/2006, de 13 de fevereiro. 2 Semelhante ao artigo 17.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira: São elegíveis os cidadãos portugueses eleitores, salvas as restrições que a lei estabelecer, desde que tenham residência habitual na Região (Lei n.º 13/91, de 5 de junho). 3 Decreto-Lei n.º 267/80, de 8 de agosto. Pág. 4 de 11

6. Mais tarde, no âmbito da mesma LEALRAA, o Tribunal Constitucional teve oportunidade de apreciar uma norma constante do EPARAA 4, na parte em que se exigia no plano da elegibilidade a residência habitual na Região. Sucedeu que um partido político concorrente à eleição impugnou a admissão de um candidato de outra lista, por este não ter residência habitual na Região dos Açores. O Tribunal de Ponta Delgada rejeitou a impugnação, considerando inconstitucional a referida norma do EPARAA, no segmento em causa. Esta decisão foi confirmada pelo Acórdão n.º 189/88 do TC por entender que a formulação residência habitual colidia com o texto constitucional. Neste aresto é referido que o facto de o candidato em causa dispor de residência na Região Autónoma dos Açores (não importa qual o tempo da sua duração, nem a sua habitualidade ) constitui, no plano que se vem considerando, elemento decisivo para servir de suporte a existência da capacidade eleitoral passiva. Na verdade, por mais relevante que se tenha, jurídico-constitucionalmente, um requisito de conexão entre um candidato e a respectiva Região Autónoma, sempre porém terá de se considerar excessiva a exigência qualificada de uma residência habitual, a qual, além do mais, sempre poderá suscitar graves dificuldades no plano da sua densificação conceituais e da prova necessária, dificuldades acrescidas em processos com a natureza da que revestem os processos eleitorais. 7. Posteriormente, no Acórdão nº 136/90, a avaliação feita pelo Tribunal Constitucional diverge da que foi avançada em 1988. Na verdade, sobre o artigo 9.º do Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira 5 que dispunha «serão elegíveis os cidadãos portugueses eleitores, salvas as restrições que a lei estabelecer, desde que tenham residência habitual no território da Região há mais de um ano», concluiu aquele Tribunal que «não é uma exigência excessiva a que condiciona a capacidade eleitoral passiva à residência habitual na região autónoma respectiva, considerando porém constitucionalmente ilegítima a exigência de que a residência habitual se prolongue por certo tempo». Pode ler-se, ainda, no referido Acórdão que esta conclusão «não gera qualquer desigualdade com os candidatos recenseados em qualquer freguesia da Região Autónoma da Madeira (isto, claro, enquanto se mantiver a solução da actual da Lei do Recenseamento Eleitoral, de exigir a 4 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores - Lei n.º 39/80, de 5 de agosto. 5 DL n.º 318-D/76, de 3 de abril. Pág. 5 de 11

residência habitual numa freguesia para inscrição no respectivo caderno de recenseamento)». Porém, no mesmo aresto, o TC admite expressamente que podem ser elegíveis os cidadãos recenseados noutro ponto do território nacional desde que tenham residência habitual na Região. Isto é, são elegíveis porque têm residência habitual na Região e nesta deveriam estar recenseados, mas não estão: «se admite, como já se referiu, que possam apresentar-se ao sufrágio como candidatos a deputados regionais cidadãos que estejam indevidamente recenseados fora da respectiva região autónoma, visto que aí residem habitualmente, ou que não tiveram oportunidade temporal de transferir a sua inscrição no recenseamento». 8. Importa assinalar que após a jurisprudência acabada de enunciar houve lugar à alteração legislativa 6 do artigo 4.º da LEALRA dos Açores, no sentido não só de expurgar a inconstitucionalidade que a feria (quanto à duração da residência 7 e quanto ao facto de ter de ser habitual 8 ), mas ainda de eliminar o mero requisito da residência, passando a dispor apenas que «[s]ão elegíveis os cidadãos portugueses eleitores, salvo as restrições estabelecidas na lei», ainda hoje em vigor. 9. Do que se acabou de relatar, evidenciamos que o texto da LEALRA da Madeira obriga a que o candidato preencha um requisito que em mais nenhuma outra eleição é exigido, em especial na eleição regional congénere a da ALRA dos Açores. Efetivamente, o requisito da residência habitual ou mesmo só da residência não se encontra previsto em nenhuma outra lei eleitoral para efeitos de candidatura, verificando-se, inclusive, que nas eleições autárquicas qualquer cidadão português, desde que inscrito no recenseamento português pode candidatar-se: por exemplo, um cidadão recenseado na Guarda, só aí vota, mas pode candidatar-se aos órgãos autárquicos de um outro qualquer município ou freguesia, incluindo de uma das regiões autónomas, ou, mais elucidativo, um cidadão recenseado no estrangeiro não tem direito de voto naquelas eleições, mas ainda assim pode candidatar-se aos órgãos autárquicos de um qualquer município ou freguesia do território nacional (cf. acórdãos TC 254/85, 689/93 e 668/97). E no caso das eleições regionais, o mesmo cidadão, recenseado na Guarda, pode candidatar-se à eleição da ALRA dos Açores e já não à eleição da ALRA Madeira. 6 Lei Orgânica n.º 2/2000, de 14 de julho. 7 Por força da Resolução do Conselho de Revolução n.º 68/82. 8 Por força do Acórdão TC n.º 189/88. Pág. 6 de 11

Logo aqui, se imporia, por identidade de razão, dever estar sujeita ao mesmo regime. 10. Assim é em todas as restantes eleições porque, desde logo, a Constituição da República Portuguesa não prescreve a correspondência concreta entre a capacidade eleitoral ativa e a capacidade eleitoral passiva. É certo que a capacidade eleitoral passiva, escreve Jorge Miranda, «depende da capacidade eleitoral ativa só é elegível quem é eleitor (quem não pode o menos não pode o mais)» 9. Todavia, a correspondência entre a capacidade para ser eleitor e para ser eleito é uma correspondência meramente abstrata. Com efeito, a elegibilidade depende apenas da inscrição no recenseamento eleitoral na sua universalidade, sem exigir que ocorra recenseamento numa determinada circunscrição, não valendo, constitucionalmente, a afirmação de que só pode ser eleito para determinado órgão quem for eleitor para o mesmo órgão. Se esta asserção é praticamente irrelevante para as eleições do Presidente da República ou do Parlamento Europeu, por se tratar de eleições de círculo único, e também pouco problemática na eleição da Assembleia da República, podendo argumentar-se com o facto de que todos os cidadãos portugueses têm direito de voto, independentemente do local da sua residência, já é manifesta a sua relevância nas eleições autárquicas e na eleição da ALRA dos Açores, como vimos. Nestes casos, não pode mesmo afirmar-se que só pode ser eleito para determinado órgão quem for eleitor para o mesmo órgão. 11. O que é verdadeiramente relevante e decisivo é «a delimitação do universo dos eleitores e não do universo dos eleitos». A tónica foi dada numa das declarações de voto de um dos Juízes Conselheiros no já referido acórdão TC 136/90, precisamente sobre a eleição da ALRA da Madeira, e que não pode deixar de se expor: «A eleição resulta de uma convergência de actos de vontade dos residentes. Só estes podem determinar quem representa os seus interesses, ponderar o nível de identificação do candidato com a comunidade política. Nesta perspectiva, pode mesmo afirmar-se que o critério da residência, ao invés de defender a autonomia, a limita, na medida em que restringe o universo de escolha dos mais interessados em preservá-la. 9 MIRANDA, Jorge, «O Direito Eleitoral na Constituição», in Leal, António da Silva et alia, «Estudos Sobre a Constituição», 2.º vol., Lisboa, 1978, p. 473. Pág. 7 de 11

A defesa da autonomia é assegurada, assim, no próprio exercício de sufrágio. Salvaguardadas neste as condições de liberdade e universalidade, o candidato «estranho ao meio» só pode ter uma sanção política: não é eleito ou não volta a ser eleito. É um juízo que apenas respeita ao âmbito do mercado político. Mas não é o intérprete da Lei Fundamental que, hipertrofiando o zelo da autonomia, a pode fazer valer através de uma «profilaxia jurídica» que restringe um direito fundamental.» O referido voto de vencido quanto à não declaração de inconstitucionalidade do requisito «residência» a que se referia a norma contida no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril (Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira), baseou-se, ainda, no principio da mera correspondência abstrata entre a capacidade eleitoral ativa e a capacidade eleitoral passiva, o que tem clara expressão na organização do sufrágio ao nível das autarquias, e na norma contida no artigo 50.º, n.º 3, da CRP, considerando-se que o programa limitativo do seu enunciado não se compadece com uma qualquer restrição da capacidade eleitoral passiva, ( ) para já não falar da liberdade de fixação de residência (artigo 44.º da CRP) que, eventualmente funcionalizada em vista da realização daquele direito (direito de sufrágio passivo) seria indirectamente restringida. 12. Por fim, devemos analisar o requisito da residência habitual em confronto com o da inscrição no recenseamento eleitoral, exigido pela mesma norma. 12.1 O direito de sufrágio, em toda a sua extensão (ativo e passivo), envolve a imprescindível inscrição no recenseamento eleitoral (pressuposto do exercício do direito de sufrágio), só podendo votar quem se encontre recenseado e, naturalmente, só podendo ser eleito quem se encontre recenseado (cf. CRP, art.º 113.º, n.º 2, e artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 13/99, de 22 de março). Com as alterações operadas pela Lei n.º 47/2008, de 27 de agosto, tornou-se automática a inscrição dos cidadãos para quem ela é obrigatória (nacionais residentes no território nacional), dando assim pleno cumprimento ao princípio da oficiosidade, e cada cidadão eleitor é alocado ao local de residência que constar do seu documento de identificação. Pág. 8 de 11

12.2 Ora, a morada que consta do documento de identificação é «livremente indicada pelo cidadão, correspondente ao local de residência onde pode ser regularmente contactado» (cf. artigo 13.º da Lei nº 7/2007, de 5 de fevereiro - diploma que criou o cartão de cidadão). Assim, é legalmente admissível que um cidadão tenha residência habitual na Região e esteja recenseado num outro ponto do território nacional, por aí ter outra residência e esta constar do seu documento de identificação. Aliás, a possibilidade de existirem situações de falta de correspondência entre a residência habitual e a inscrição no recenseamento já tinha sido admitida pelo TC, no âmbito do Acórdão citado, mas justificada pelo facto de a lei do recenseamento eleitoral, à data, exigir a residência habitual numa freguesia para inscrição no respetivo caderno de recenseamento e, só por recenseamento indevido ou por falta de oportunidade temporal para transferir a inscrição, não corresponderiam. Desde então, o cenário agravou-se porque a mobilidade social crescente e a falta de paralelismo necessário entre a residência habitual e o local de recenseamento podem potenciar o número de cidadãos que possam alegar ter residência habitual na Região Autónoma da Madeira e aí não estão recenseados. 12.3 Nesta perspetiva é forçoso concluir que o requisito da residência, fundamentado na regra de que os elegíveis provêm dos eleitores e na pretendida conexão entre o candidato e a Região Autónoma, afinal não garante sequer a capacidade eleitoral ativa, o que anula os ditos fundamentos. 13. A vingar a tese da exigência da «residência» ou mesmo da «residência habitual», sempre se dirá que esta é independente da circunscrição do recenseamento, admitindo-se a elegibilidade dos cidadãos que, cumprindo aquele requisito, se encontrem recenseados fora da Região, tal como o Tribunal Constitucional, no Acórdão 136/90, tinha acolhido. Aliás, não fosse assim, o legislador limitar-se-ia apenas a exigir a inscrição no recenseamento eleitoral da área da Região Autónoma. Pág. 9 de 11

III. Conclusão A matéria de inelegibilidades é da exclusiva competência dos tribunais, no caso, da Instância Local Secção Cível do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, de cuja decisão cabe recurso para o Tribunal Constitucional. Sem prejuízo disso e atento o exposto, conclui-se o seguinte: a) O texto do artigo 4.º da LEALRAM obriga a que o candidato preencha o requisito da residência habitual na Região que em mais nenhuma outra eleição é exigido, em especial na eleição regional congénere a da ALRAA, o que, imporia, por identidade de razão, estar sujeita ao mesmo regime; b) A jurisprudência constitucional sobre esta temática não é uniforme e é anterior à alteração legislativa operada em 2000, no âmbito da LEALRAA, no sentido não só de expurgar a inconstitucionalidade que a feria (Resolução do Conselho da Revolução n.º 68/82 e Acórdão TC 189/88), mas ainda de eliminar o próprio requisito da mera residência ; c) A Constituição da República Portuguesa não prescreve a correspondência concreta entre a capacidade eleitoral ativa e a capacidade eleitoral passiva, ela é meramente abstrata, estando a elegibilidade apenas dependente da inscrição no recenseamento eleitoral na sua universalidade; d) Aliás, o requisito da residência habitual não garante sequer a capacidade eleitoral ativa, porquanto é forçoso aceitar a possibilidade de existirem situações de falta de correspondência entre a residência habitual e a inscrição no recenseamento eleitoral, o que, acrescente-se, anula os fundamentos aduzidos em defesa daquele requisito; e) Deste modo, discorda-se da exigência do requisito da residência habitual para efeitos de candidatura à eleição da ALRAM, considerando-o merecedor de um juízo de inconstitucionalidade; f) A vingar a tese da exigência da «residência» ou mesmo da «residência habitual», sempre se dirá que esta é independente da circunscrição do recenseamento, admitindo-se a elegibilidade dos cidadãos que, cumprindo aquele requisito, se encontrem recenseados fora da Região, tal como o Tribunal Constitucional, no Acórdão 136/90, tinha acolhido. Caso Pág. 10 de 11

contrário, o legislador limitar-se-ia apenas a exigir a inscrição no recenseamento eleitoral da área da Região Autónoma. IV. Proposta Propõe-se que seja deliberado aprovar o presente parecer transmitindo-se o mesmo ao Partido Nacional Renovador, para os efeitos tidos por convenientes. A Técnica Superior Ilda Rodrigues Pág. 11 de 11