MODELOS COMPORTAMENTAIS NA COMPREENSÃO DA PROBLEMÁTICA DO SISTEMA DE TRANSPORTE INTERURBANO DE PASSAGEIROS DO CEARÁ Hélio Henrique Holanda de Souza Carlos Felipe Grangeiro Loureiro
MODELOS COMPORTAMENTAIS NA COMPREENSÃO DA PROBLEMÁTICA DO SISTEMA DE TRANSPORTE INTERURBANO DE PASSAGEIROS DO CEARÁ Hélio Henrique Holanda de Souza Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Ceará e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará Orientador: Carlos Felipe G. Loureiro Universidade Federal do Ceará Programa de Pós-graduação em Engenharia de Transportes RESUMO A compreensão da problemática é uma das fases do processo de planejamento que é tão ou mais importante do que a outra fase que trata da proposição e avaliação de alternativas. Mesmo sendo de importância inquestionável essa fase é preterida nos trabalhos técnicos e pesquisas acadêmicas, e ainda carece de consenso sobre a metodologia a ser utilizada. Desta forma esta pesquisa em andamento tem como objetivo contribuir com o preenchimento desta lacuna propondo um método de compreensão da problemática de sistemas de transporte de passageiros que utilize modelos de escolha discreta (modelos comportamentais), bem como, aplicá-lo no sistema de transporte interurbano de passageiros do Ceará. 1. CONTEXTUALIZAÇÃO DA PROBLEMÁTICA O processo de planejamento de sistemas de transportes é complexo e, portanto, deve-se utilizar técnicas adequadas e de forma sistematizada. Existem diversas propostas metodológicas tais como as presentes em Meyer e Miller (2001), Magalhães e Yamashita (2009), e Garcia et al. (2013). Mesmo existindo abordagens e propostas distintas, pode-se resumir o processo de planejamento em duas fases: i) compreensão da problemática e definição de objetivos e, ii) proposição e avaliação de alternativas. A primeira podendo ser ainda subdividida em identificação da problemática, caracterização, diagnóstico e definição de objetivos. Toda essa complexidade exige rigor científico em todo o processo. O que demanda, entre outras, a modelagem matemática e computacional. Entretanto, por vezes, esse processo de planejamento é mal compreendido e associado somente às propostas de intervenção e sua avaliação. Os tratamentos dados à primeira fase, tão ou até mais importante que a segunda, como afirmam Meyer e Miller (2001), tendem a ser bastante gerais e naturalmente abstratos, e normalmente não utilizam todo o potencial da modelagem. Mesmo em trabalhos acadêmicos a modelagem normalmente é estudada como ferramental da fase de proposição e avaliação de alternativas. A primeira fase é relegada a um segundo plano e ainda carece de consenso sobre a metodologia a ser utilizada, bem como, de sistematização e apoio por parte de ferramentas adequadas. Assumindo-se que a primeira fase do processo de planejamento é importante e complexa e que os tratamentos dados são abstratos e sem rigor científico verifica-se um grande espaço para a utilização da modelagem. Além da grande importância da modelagem na fase de proposição e avaliação, destacada por Cascetta (2009), ela permite quantificar atributos e indicadores do sistema e de seus problemas. Por outro lado a ausência da modelagem na fase de compreensão da problemática abre espaço para abordagens intuitivas reduzindo a eficiência do processo de planejamento. Essa inconsistência metodológica é observada em diversos estudos técnicos brasileiros o que implica muitas vezes em caracterizações e diagnósticos incompletos ou falhos não possibilitando uma compreensão da problemática existente. Esse problema é observado no Estado do Ceará que apesar de ter diversos estudos 1
no setor ainda não apresenta uma compreensão mais profunda do fenômeno de transportes. 2. REVISÃO DA LITERATURA A falta de rigor e o pouco uso da modelagem na fase de compreensão da problemática se constitui uma lacuna que deve ser explorada, principalmente se forem consideradas ferramentas como a escolha discreta que possibilita modelar o fenômeno de forma desagregada e incorporar a questão comportamental. Alguns trabalhos tais como Ortúzar e Willumsen (2011), McFadden e Domencich (1975), Cascetta (2009), Bowman (2009), Ben- Akiva (1985), La Barra (1989) utilizam e defendem essa técnica. Os dois primeiros em modelos sequenciais desagregados, o terceiro em modelos sequenciais desagregados e juntamente com o quarto em modelos de atividades, e o quinto trabalho em modelos integrados de uso do solo e transportes. Os modelos de Escolha Discreta (ED) descrevem as escolhas dos tomadores de decisão entre alternativas. Os tomadores de decisão podem ser pessoas, famílias, firmas, ou qualquer outra unidade, e as alternativas devem representar produtos que competem entre si, alternativas de ação, ou qualquer outra opção ou itens sobre os quais escolhas possam ser feitas (Train, 2009), por sua vez McFadden e Domencich (1975), afirmam que os modelos de escolha discreta são capazes de prever corretamente os efeitos de mudanças da política de transporte, pois estabelecem relação causal, comportamental, entre os atributos do sistema de transporte e as decisões do indivíduo. Estes modelos foram desenvolvidos com fundamento na teoria do consumidor, mais especificamente os conceitos de preferências do consumidor e de utilidade. Os consumidores, considerando suas restrições notadamente orçamentárias, podem escolher entre uma série de bens e serviços. Na teoria econômica esses mesmos consumidores são considerados racionais e, portanto, maximizadores da satisfação que o consumo desses bens e serviços pode proporcionar. No âmbito do planejamento de transportes, sobretudo na modelagem da demanda, essa ferramenta é utilizada principalmente no processo de escolha modal e de escolha de rotas, ou ainda para estimar o valor de algum atributo, normalmente o valor do tempo, para fins de proposição e avaliação de alternativas. Mesmo no ambiente acadêmico as pesquisas sobre a escolha discreta em sua maioria se limitam as aplicações listadas acima ou a discussão ou ainda desenvolvimento da própria ferramenta em si, tais como trabalhos voltados aos modelos matemáticos, estimação, calibração e simulação, ou às técnicas de levantamento de dados. Outras aplicações principalmente voltadas à compreensão da problemática não são facilmente encontradas. Apesar desta constatação pode-se verificar um grande potencial de aplicação. A partir destes modelos é possível extrair diversas informações sobre o fenômeno e sobre o comportamento dos usuários além da escolha entre modos ou rotas. Entre estas informações pode-se citar: valor do tempo (Da Silva, 2011; Antoniou et al, 2007); disponibilidade a pagar; penalidades de transbordo (Cavalcante, 2002), elasticidade da demanda; variações de preferência entre grupos de indivíduos, interações entre atributos. Todas estas de extrema importância na fase de compreensão da problemática. 2
3. OBJETIVOS A partir das discussões anteriores e questões de pesquisas apontadas observa-se lacunas de ordem metodológica e fenomenológica. O desafio é propor um método com base na ED para aplicação nas fases de planejamento de Sistemas de Transporte de Passageiros (STP), dando maior ênfase na fase de compreensão da problemática, bem como, aplicá-lo na compreensão do fenômeno de transporte no Estado do Ceará. Para tanto estabeleceu-se os seguintes objetivos específicos: Discutir o papel da modelagem em geral e dos modelos comportamentais na compreensão da problemática e as diferenças com relação à fase de proposição e avaliação de alternativas; Identificar tipos de problemas de STP e indicadores que podem ser melhor analisados por meio da ED; Desenvolver método para uso da ED na quantificação dos indicadores para caracterização e diagnóstico da problemática; Validar o método proposto por meio de sua aplicação na compreensão da problemática do Sistema de Transporte Interurbano de Passageiros do Ceará STIP-CE; 4. METODOLOGIA DA PESQUISA Para a consecução do objetivo geral e dos objetivos específicos pode-se dividir a pesquisa em quatro momentos principais. O primeiro momento diz respeito a revisões bibliográficas com o fim de identificar o papel da modelagem na compreensão da problemática e as diferenças de aplicação com relação à fase de proposição e avaliação de alternativas. Esta etapa se encontra em andamento e estão sendo analisados livros e artigos científicos que tratam do planejamento de sistemas de transportes, da modelagem sequencial, modelagem integrada transportes uso do solo, modelagem baseada em atividades, e escolha discreta. Até o momento foi possível identificar as lacunas discutidas na contextualização e na revisão bibliográfica, e levantar algumas hipóteses para o uso da modelagem na compreensão da problemática. O segundo momento trata de identificar problemas gerais ou comuns a sistemas de transporte de passageiros e suas possíveis causas e efeitos. Para os problemas suas causas e efeitos devese propor indicadores e avaliar destes quais os mais indicados para serem modelados pela ED. Estes indicadores serão descritos e justificados. Após a identificação dos indicadores será desenvolvido método para compreensão da problemática que contemplará a definição de fases e procedimentos a serem adotados, bem como, de procedimento para quantificação dos indicadores. O procedimento para quantificação dos indicadores deve contemplar para cada indicador a seleção do modelo de ED adequado, a especificação e, ainda, as recomendações com relação ao projeto de experimento. Neste momento da pesquisa deve-se repensar o uso da ED no planejamento de sistemas de transporte e propor novo uso voltado à compreensão da problemática. Isto pode ser ilustrado de forma breve pelo Valor do Tempo (VT). Este é normalmente utilizado de forma agregada e para a estimativa dos benefícios de projetos de transporte na fase de avaliação. Segundo Antoniou et al (2007) uma das formas de se determinar o VT é desenvolver um modelo de ED baseado na coleta de dados e usar os coeficientes estimados para o custo e para a duração da viagem e assim estimar o VT. Os autores ainda afirma que na 3
maioria dos casos se utiliza a preferência declarada e o modelo logit, e em alguns poucos estudos se utiliza modelos mais avançados tais como o logit misto. Entretanto, o VT pode ser utilizado para compreender a problemática de STP. Sua determinação pode ser desagregada considerando características socioeconômicas dos usuários e características do sistema ou do deslocamento. Sua aplicação desagregada e numa fase distinta da avaliação de alternativas pode ensejar em especificações, modelos e projetos de experimentos distintos. O último momento trata da aplicação do método proposto com a finalidade de validá-lo e de contribuir na compreensão da problemática do STIP-CE. Esse momento deve contemplar a consolidação do banco de dados existente, o planejamento e execução de pesquisas complementares, calibração e aplicação dos modelos, análise dos resultados e validação do método proposto. A consolidação da base de dados já foi concluída e contemplou as pesquisas realizadas em virtude do estudo denominado Plano Diretor e Operacional do Transporte Intermunicipal de Passageiros do Estado do Ceará (PDOTIP-CE) e os dados disponíveis na agência reguladora do Estado (ARCE). Os resultados desta aplicação servirão ainda para criticar o método proposto e efetuar possíveis ajustes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Antoniou, Constantinos; Natsoukis, Evangelos; Roussi, Penelope. (2007) Methodology for the Estimation of Valeu-of-Time Using State-of-the-Art Econometric Models. Journal of Public Transportation, v. 10, n. 3, p. 1-19. Ben-Akiva, Moshe; Lerman, Steven R. (1985) Discrete Choice Analysis: Theory and Application to Travel Demand. MIT Press, Cambridge, MA. Bowman, John L. (2009) Historical Development of Activity Based Model Theory and Practice, Traffic Engineering and Control, Vol. 50 No. 2: 59-62 (part 1), Vol. 50 No. 7: 314-318 (part 2) Cascetta, Ennio. (2009) Transportation Systems Analysis: Models and Applications. (2ª ed.) New York Dordrecht Heidelberg London: Springer, New York, NY. Cavalcante, Rinaldo Azevedo. (2002) Estimativa das Penalidades Associadas com os Transbordos em Sistemas Integrados de Transporte Público. Dissertação de Mestrado, COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Da Silva, Francisco Gildemir Ferreira. (2011) Modelando o Valor do Tempo de Viagens para Modos Concorrentes por Diferentes Modelos Logit: O que se Ganha e o que se Perde? Tese de Doutorado, CAEN, Universidade Federal do Ceará. Garcia, Camila; Macário, Rosário, Loureiro, Carlos Felipe Grangeiro. (2013) The Role of Assessment in the Urban Mobility Planning Process. In: 13th WCTR World Conference on Transport Research, 2013, Rio de Janeiro. La Barra, Tomás de. (1989) Integrated Land Use ant Transport Modelling: Decision Chains and Hierarchies. Cambridge University Press 1989. New York, NY. Magalhães, Marcos Thadeu Queiroz; Yamashita, Yaeko. (2009) Repensando o Planejamento: Texto para Discussão. Centro de Formação de Recursos Humanos em Transportes CEFTRU, Universidade de Brasília, DF. McFadden, Daniel; Domencich, Thomas A. (1975) Urban Travel Demand: A Behavioral Analysis. American Elsevier. New York. NY. Meyer, Michael D.; Miller, Eric J. (2001) Urban Transportation Planning: A Decision-Oriented Approach. (2ª. ed). McGraw-Hill. New York, NY Ortúzar, Juan de D.; Willumsen, Luis G. (2011) Modelling Transport. (4ª ed.). John Wiley e Sons. Chichester, UK. Train, Kenneth E. (2009) Discrete Choice Methods With Simulation. Cambridge Press. New York. NY. Hélio Henrique Holanda de Souza (hhhsozua@gmail.com) Carlos Felipe G. Loureiro (felipe@det.ufc.br) 4