MOBILIDADE DAS PRAIAS NO MAR GROSSO, SÃO JOSÉ DO NORTE, RS. Allan de Oliveira de Oliveira 1 e Lauro Júlio Calliari 2 1 Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Física, Química e Geológica, FURG (allan@riogrande-rs.com.br); 2 Programa Train Sea Coast Brasil, FURG. Abstract. Volumetric and morphologic changes based on monthly beach profiles done between March of 2004 and April of 2005 at three section of Mar Grosso Beach in the central portion of Rio Grande do Sul coastline adjacent to the Patos lagoon jetties indicate that beaches display similar behavior. The results show that beach mobility and erosive characteristics increases toward the east jetty as a function of the concentration of wave energy and associated circulation patterns which induces coarsening of the beach sediments as already detected in earlier studies performed in this area. Maximum vertical changes occur at the seaward side of the frontal dunes, backshore and upper foreshore. After thirteen months of monitoring, section A located at 2 Km of the east jetty exhibit a negative sediment balance of 3.6 m 3 /m. Sections B and C located respectively at 4 Km and 6 Km of the jetty demonstrated a positive net sediment change increasing toward the north from 15. 3 m 3 /m to 34.4 m 3 /m. Palavras-chave: Mobilidade de praia,variação volumétrica, molhe leste. 1. Introdução Variações na morfologia de um sistema praial são causadas pela interação dos efeitos dos ventos, ondas, marés e correntes que se somam às características do material formador das praias. De uma forma geral, acresção e erosão estão relacionadas às estações de verão e inverno, respectivamente. Segundo Komar (1998) este processo é muito nítido na costa oeste dos Estados Unidos onde existe uma sazonalidade bem marcada com tempestades no inverno e predominância de ondulações no verão. Na costa do RS essa sazonalidade também existe porém não é tão marcante. Segundo Calliari e Klein (1993) as praias do RS sofrem acentuada influência dos sistemas frontais, podendo ocorrer erosão no prisma praial durante o período de verão e até mesmo acresção nos períodos de inverno devido à diminuição ou até inexistência de sistemas frontais atuantes na região. Pereira (2003) após monitoramento de alta freqüência entre os meses de janeiro e março de 2002 na praia do Cassino, observou taxas de erosão acentuadas devido a uma tempestade em fevereiro, mas com posterior recuperação devido à migração de areia em direção a praia causada por ondas de swell, típicas da estação de verão. Além das variáveis naturais acima citadas e da própria dinâmica ambiental, obras de engenharia construídas com a finalidade de minimizar processos erosivos, ou para fixar embocaduras lagunares e fluviais também ocasionam mudanças consideráveis em praias localizadas em suas adjacências. Este trabalho tem por objetivo avaliar a mobilidade do trecho de praia adjacente ao molhe leste e suas variações volumétricas, mais especificamente na praia do Mar Grosso no município de São José do Norte. Para isso três seções de monitoramento foram escolhidas, estando estas distribuídas em aproximadamente 6Km de praia (figura 1). 2. Métodos e Técnicas
Para a realização dos perfis praias entre março de 2004 e abril de 2005, foram instalados marcos topográficos ao longo da praia, com distância de 2Km entre cada um (figura 1). A utilização de uma Estação Total modelo NIKON 330 permitiu a aquisição de um grande número de dados, abrangendo parte do campo de dunas, pós-praia e estirâncio. Foi adotado o programa MatLab para plotagem e cálculo do volume. Foram calculados cinco parâmetros morfométricos propostos por Short (1980) e Short e Hesp (1982), sendo estes largura média da praia (Yb), mobilidade da praia (σ Yb), coeficiente de variação da largura média de praia (CV), Variação do volume da praia acima do datum (Vv) e desvio padrão do volume da praia acima do datum (σvv). 3. Resultados De acordo com os parâmetros morfométricos calculados neste trabalho, a seção A da praia do Mar Grosso foi a que apresentou características mais intermediárias. O índice de mobilidade (CV) atingiu o valor 9, além de obter as maiores variações volumétricas e, ao final do levantamento, apresentou um balanço negativo no volume de praia. Já as seções B e C obtiveram índice de mobilidade menor (6), característico de praias mais dissipativas. Com relação ao balanço sedimentar estas seções apresentaram equilíbrio e valores positivos. A tabela 1 mostra todos os índices calculados para cada seção. 3.1. Seção A A seção A, localizada a 2Km do molhe leste, apresentou uma largura média de praia de 94m e baixa declividade (~2 ), sendo considerada a menor largura entre todas as seções monitoradas. Feições como bermas de acresção foram predominantemente formadas no verão (entre fevereiro e março). Foi observado também a migração de bancos em direção à praia nos meses de julho e janeiro formando uma morfologia do tipo crista e canal (estágio intermediário ridge and runnel de Wright e Short, 1984). No período dos levantamentos não foi observado processo de erosão no campo de dunas, mas sim de deposição na face voltada para a praia e por isso variações positivas foram encontradas. Com relação às dunas embrionárias se notou um controle sazonal com erosão no inverno caracterizada pela remoção da vegetação típica desta área (Blutaparon portulacoides). Com base nas variações volumétricas, a seção A apresentou maiores taxas de erosão entre abril e maio de 2004 (15,8 m 3 /m), e setembro e dezembro de 2004 (15,2 m 3 /m), já as maiores taxas de acresção ocorreram entre junho e julho de 2004 (13,9 m 3 /m). Foram observadas cinco fases erosivas e cinco deposicionais. O total de material erodido foi de 49,8 m 3 /m e de material depositado 46,2 m 3 /m, totalizando um balanço sedimentar negativo de 3,6 m 3 /m. Variações verticais se concentraram na duna frontal, em todo pós-praia e estirâncio superior, com valores ultrapassando 1,2m. O envelope dos perfis e a máxima variação vertical estão representados na figura 2. 3.2. Seção B A seção B apresentou uma largura média de praia de 98m e baixa declividade (~2 ). As máximas variações verticais foram na duna frontal, pós-praia e estirâncio superior e não ultrapassaram 1m. Houve formação de bermas de acresção no verão e no mês de janeiro o primeiro banco também migrou em direção à praia formando uma morfologia do tipo crista e canal. Como na seção A, as dunas também não sofreram
erosão e variações positivas foram observadas. Quanto às dunas embrionárias, estas também perderam sedimentos principalmente no outono e inverno. As variações volumétricas na seção B da praia mostraram uma taxa de erosão maior entre setembro e dezembro de 2004 (10,7 m 3 /m) e maior acresção entre dezembro de 2004 e janeiro de 2005 (20,9 m 3 /m). Ocorreram seis fases erosivas nesta seção, que somaram 33,4 m 3 /m, enquanto que as quatro fases deposicionais somaram 48,8 m 3 /m; um balanço sedimentar positivo de 15,3 m 3 /m. A figura 3 mostra o envelope com os perfis praias realizados além da máxima variação vertical. 3.3 Seção C Entre as três seções monitoradas, esta foi a que apresentou maior largura média de praia, 107m, também com baixa declividade (~2 ). Houve formação de bermas de acresção no verão e, em janeiro, também houve migração do primeiro banco que se soldou à praia. Episódios de erosão no campo de dunas frontais não foram observados. Máximas variações verticais chegaram a 0,8m e ocorrendo principalmente no pós-praia superior, no estirâncio superior e nas dunas. As maiores taxas de erosão ocorreram entre julho e setembro de 2004 (4,1 m 3 /m) e as de acresção entre setembro de 2004 e janeiro de 2005 (16,3 m 3 /m). Somente três fases erosivas ocorreram no período de análise, que somaram 11 m 3 /m, já as sete fases deposicionais somaram 45,4 m 3 /m, obtendo-se um balanço sedimentar positivo de 34,3 m 3 /m. A figura 4 mostra o envelope dos perfis praiais realizados e as máximas variações verticais. 4. Discussões Com base nos parâmetros morfométricos de Short (1980) e Short e Hesp (1982) calculados neste trabalho foi possível constatar que a variabilidade em estágios morfodinâmicos da área de estudo é pequena. Entretanto foi possível identificar que entre as três seções monitoradas, a seção A foi a que mais se diferenciou do restante da área monitorada. Desta forma é possível inferir que os processos atuantes nas proximidades do molhe leste geram modificações neste trecho de praia fazendo com que ocorram características intermediárias, o que explicaria a sua maior mobilidade. Em termos de sazonalidade foi observado que o maior estoque sedimentar ocorreu na porção subaérea da praia nos meses de verão, a exceção do mês de dezembro de 2004 e março de 2005, devido à passagem de sistemas frontais que erodiram a praia. Com relação ao campo de dunas, os valores encontrados para as variações verticais ocorreram devido às condições climáticas que a partir de outubro de 2004 até abril de 2005 favoreceram o acúmulo de sedimentos no pós-praia. De acordo com dados disponibilizados pela Estação Meteorológica de Rio Grande (8 DISME, n 83995) ocorreram baixas taxas pluviométricas neste período, além de escassez de chuva ao longo de todo verão o que corroborou para que variações verticais de até 1m fossem quantificadas nas dunas em sua face voltada para o mar. No outono, estação em que as frentes frias começam a se deslocar pelo sul do Brasil e são intensificadas por sistemas frontais, houve redução no estoque sedimentar subaéreo da praia, e em maio de 2004 as duas praias adjacentes aos molhes oeste e leste (Cassino e Mar Grosso, respectivamente) passaram por variações negativas, devido à alta energia hidrodinâmica com ondas atingindo 4m. (CEPTEC/INPE). Com a ocorrência de maior energia de ondas nesta estação por causa das tempestades, há formação de perfis de erosão (Tozzi, 1999; Barletta,
2000), entretanto novamente a seção A foi que apresentou a maior variação negativa, de 15m 3 /m, enquanto que a seção B perdeu 5,1m 3 /m e a seção C não foi erodida, mas sim ocorreu acresção de 3,7m 3 /m. Figueiredo (2005) estudando a sedimentologia nas áreas adjacentes à desembocadura da laguna dos Patos mostrou que os sedimentos que compõem a praia do Mar Grosso têm como tamanho médio de grão predominante areia fina (2.5 a 3φ), mas que entre os quilômetros 1 e 7 onde foram realizados os perfis ocorre diminuição da sua concentração e aparecem na praia sedimentos de diâmetro areia média. Esta diferenciação é uma indicação de que a existe maior energia neste trecho. Assim padrões de circulação influenciados pelos molhes devem intensificar a retirada de sedimentos mais finos imprimindo a praia características erosivas e de maior mobilidade típicas de praias intermediárias. Silva e Calliari (2001) observaram através de perfis seqüenciais realizados a aproximadamente 3Km do molhe um recuo na linha de dunas de 6,7m após passagem de um sistema frontal no ano de 1996. Calliari e Speranski (2002) através de diagramas de refração de ondas mostraram que existe a indicação de um foco de energia nas adjacências do molhe leste. Lélis (2003) estudando a variabilidade da linha de costa próxima a desembocaduras através do uso de fotografias aéreas também demonstrou que o trecho de praia adjacente ao molhe leste apresenta características erosivas. Efeitos de grande magnitude como os observados por Silva e Calliari (op. cit) no ano de 1996 não ocorreram entre 2004/2005. Isto mostra que eventos extremos, como as marés meteorológicas, causam desestabilização e conseqüentemente erosão intensa na praia (Calliari et. al. 1998; Saraiva et. al. 2003). 5. Conclusões A partir da análise dos dados, pode ser considerado que este trecho da praia do Mar Grosso possui características dissipativas, mas quanto mais próximo do molhe leste maior é a instabilidade da praia e mais intermediária ela se torna. Mesmo sem a utilização de outros parâmetros morfométricos para a determinação do estágio modal da praia (altura da arrebentação, período das ondas e Ω) foi possível identificar que a influência dos molhes é decisiva quanto à caracterização das praias adjacentes aos molhes. Enquanto a praia do Cassino localizada ao sul do molhe oeste possui características mas dissipativas (Calliari e Klein, 1993, Tozzi, 1995) e à medida que se afastam são intermediárias (praias do Taim, Verga, Albardão), na Praia do Mar Grosso o processo é inverso. 6. Referências BARLETTA, RC. 2000. Efeito da interação oceanoatmosfera sobre a morfodinâmica das praias do litoral central do Rio Grande do Sul, Brasil. Dissertação de mestrado. Pós-graduação em Oceanografia Física, Química e Geológica, FURG, Rio Grande, RS. 134p. CALLIARI, LJ e KLEIN, AHF. 1993. Características morfodinâmicas e sedimentológicas das praias oceânicas entre Rio Grande e Chuí, RS. Pesquisas em Geociências 20: 48-56. CALLIARI, LJ; TOZZI, HAM E KLEIN, AHF. 1998. Beach morphology and coastline erosion associated with Storm Surges in southern Brazil Rio Grande to Chuí, RS. Anais da Academia Brasileira de Ciências 70: 232-247. CALLIARI, L J. e SPERANSKI, N. 2002. Padrões de refração para a costa do RS e erosão costeira. In: MARTINS, LR S; TOLDO JR., EE e DILLENBURG, SR. 2002. Erosão costeira: causas, análise de risco e sua relação com a gênese de depósitos minerais. CD...OEA/UFRGS/FURG. Porto Alegre, RS. FIGUEIREDO, SA. 2005. Sedimentologia e suas implicações na morfodinâmica das praias adjacentes às desembocaduras lagunares e fluviais da costa do Rio Grande do Sul.
Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Oceanografia Física, Química e Geológica, FURG. Rio Grande, RS. 178 p. KOMAR, PD. 1998. Beach processes and sedimentation. Englewood Cliffs, New Jersey, Pretice HALL, 544 p. LÉLIS. RJF. 2003. A variabilidade da linha de costa oceânica adjacente às principais desembocaduras do Rio Grande do Sul. Monografia de Graduação. Curso de Oceanologia. FURG, Rio Grande, RS. 117 p. PEREIRA, PS. 2003. A morfodinâmica praial como ferramenta para a segurança dos banhistas da praia do Cassino: Estudo de caso da temporada 2002. Monografia de conclusão de curso. Curso de Oceanografia. FURG, Rio Grande, RS. 77p. SARAIVA, JMB; BEDRAN, C e CARNEIRO, C. 2003. Monitoring of Storm Surges on Cassino Beach, RS, Brazil. J Coast Res, SI 35: 323-331. SHORT, AD. 1980. Beach response to variations in breaker height. In: 17 th International Coastal Engineering Conference. ASCE/ Austrália. Proceedings Austrália: 1980, p. 1016-1035. SHORT, AD. e HESP, PA. 1982. Wave, beach and dune interaction in southeastern Australia. Marine Geology 48: 259-284. SILVA, ARP. e CALLIARI, LJ. 2001. Erosão versus progradação da linha de costa de praias expostas e contíguas a grandes estruturas. In: Congresso da ABEQUA, VIII. Mariluz, RS. Boletim de Resumos...p.55. TOZZI, HAM. 1995. Morfodinâmica da Praia do Cassino, Rio Grande, RS. Monografia de Graduação. Curso de Oceanologia. FURG, Rio Grande, RS. 56p. TOZZI, HAM. 1999. Influência das tempestades extratropicais sobre o estoque subaéreo das praias entre Rio Grande e Chuí, RS. Campanha do outono e inverno de 1996. Dissertação de Mestrado. Pós-graduação em Geociências, UFRGS, Porto Alegre, RS. 115p. WRIGHT, LD. e SHORT, AD. 1984. Morphodinamic variability of surf zones and beaches: a synthesis. Marine Geology 56: 93-118.
Figura 1 - Mapa de localização da área de estudo. Figura 2 Envelope de perfis praias na seção A da praia, com a máxima variação vertical. Figura 3 - Envelope de perfis praias na seção B da praia, com a máxima variação vertical. Figura 4 Envelope de perfis praiais na seção C da praia, com a máxima variação vertical. Tabela 1. Número de levantamentos (n), largura da praia (Yb), índice de mobilidade (σyb), coeficiente de variação (CV), Variação do Volume da praia acima do datum (Vv) e desvio padrão da variação do volume da praia acima do datum (σvv) para as seções A, B e C na praia do Mar Grosso (RS). Seção A Seção B Seção C n 11 11 10 Yb (m) 94 98 107 σyb (m) 8 6 7 CV (%) 9 6 6 Vv (m 3 /m) 10 8 6 σvv (m 3 /m) 6 6 5