Tendências europeias para a valorização dos materiais Paulo Lemos
(imagem: fonte LIPOR)
A legislação relativa aos resíduos tem tratado o resíduo como um problema ambiental sendo a preocupação principal o seu tratamento adequado. A reciclagem é encarada como uma solução de fim de linha tentando limitar os impactos do modelo linear (extracção, produção, consumo e eliminação). Como consequência a prevenção da produção de resíduos, a recuperação, a reutilização a remanufactura para além de enfrentarem barreiras regulamentares não têm recebido a atenção e os incentivos que deveriam tendo em conta o seu lugar na hierarquia de gestão de resíduos.
Directiva Quadro dos Resíduos (2008/98/CE) : Artigo 4. o Hierarquia dos resíduos 1. A hierarquia dos resíduos a seguir apresentada é aplicável enquanto princípio geral da legislação e da política de prevenção e gestão de resíduos: a) Prevenção e redução; b) Preparação para a reutilização; c) Reciclagem; d) Outros tipos de valorização, por exemplo a valorização energética; e e) Eliminação. Artº 9º: obriga a Comissão a desenvolver um plano de acção, a nível europeu, com medidas destinadas a alterar os actuais padrões de consumo Artº 29º: obriga Estados Membros a desenvolverem programas de prevenção de resíduos
A dificuldade em apostar em políticas de prevenção da produção de resíduos está relacionada com as alterações de estilo de vida que implicam quer para produtores quer para consumidores. Esta aposta será mais difícil de alcançar mas beneficia de anos de promoção da alteração dos comportamentos que contribuíram para um aumento significativo na reciclagem e para a criação de um sector ligado ao tratamento dos resíduos dinâmico e inovador. Para que a economia transite de um modelo linear para um modelo circular é necessário passar para o próximo nível.
Aumentar as taxas de reciclagem não basta para a transição para a economia circular O processo de reciclagem, com excepção de poucos materiais ou processos em que seja possível fazer o upciclyng (o valor do produto resultante da reciclagem é superior ao produto reciclado) implica uma perda de valor que pode ser, em média, de 95%. Segundo a Fundação EllenMacArthur mesmo em processos mais eficientes como a reciclagem do PET, aço ou papel a perda do valor material, depois da primeira utilização, varia entre 30% e 75%.
A economia circular passa assim por um maior foco na prevenção, na redução e na reutilização minimizando ou erradicando a criação de resíduos. Para além da análise do processo produtivo é fundamental revisitar o conceito de concepção ecológica dos produtos melhorando não apenas a sua eficiência energética mas também a respectiva durabilidade, a possibilidade/facilidade de reparação, possibilidade de modernização, reciclabilidade e a identificação de certos materiais ou substâncias.
Economia circular implica uma nova abordagem da reciclagem: - A montante com uma aposta na eco inovação e no design para a reciclagem - Aumentar a taxa e a eficácia da reciclagem. - Reduzir a perda de materiais criando cascatas de utilização mais prolongada e promovendo o upcycling. Exemplos de upcycling(obter através da reciclagem um produto que tenha maior valor e /ou qualidade e menos impactos ambientais que o produto original): - espinhas de bacalhau utilizadas para protetor solar - Restos animais utilizados em petfood - Cascas de marisco utilizadas em próteses - Restos de cortiça utilizados em isolamentos ou acessórios de moda - Restos de pneus utilizados como sola de botas.
No Tendências europeias para a valorização dos materiais Como apostar nos níveis mais elevados da hierarquia de resíduos: - Prevenção - evitar o desperdício em todo o ciclo do produto - Concepção para a durabilidade (combater obsolescência, promover a reparação) - Reutilização (garrafas, roupas, computadores) - Remanufactura ( carros, aviões, maquinaria pesada, equipamento médico, computadores, fotocopiadoras) - Upgrade tecnológico ( carros, aviões, maquinaria pesada, equipamento médico, computadores)
Remanufatura recuperar produtos usados( desmontagem, limpeza, reparação e remontagem) e transforma-los em novos produtos com a mesma garantia de qualidade dos novos Arranque - 2ª Guerra Mundial - Sector em expansão (cerca de 500 000 empregos nos EUA e 35 000 na Europa). - Predomina em sectores como a aviação (Rolls Royce,) automóvel (Renault) maquinaria pesada (Catrapiller) equipamentos médicos (Siemens, General Electrics) eléctrónica (IBM, Xerox). Vantagens - Recupera uma fração substancial dos materiais e do valor acrescentado do produto original - Menor utilização de matérias primas - Redução custos entre 30 a 50% - Menor consumo de energia (-80% no sector automóvel) - Menor consumo água (-88% no sector automóvel) - Menor utilização de matérias primas - Menor utilização de químicos (-92% no sector automóvel) - Menor produção de resíduos (70% no sector automóvel) - Reduz emissões de CO2 e outros poluentes atmosféricos - Reindustrialização e criação de postos de trabalho sobretudo locais Associada ao upgrade tecnológico
Novos modelos de negócio ou reforço de modelos já existentes: Vender serviços em vez de produtos: Leasing ou renting de automóveis ou equipamentos electrónicos (servidores ou fotocopiadoras) vender o serviço da iluminação em vez de lâmpadas (Phillips) acesso a filmes e séries (Netflix) jeans (Mud Jeans) pneus (Michelin pay per mile). Sociedade da partilha o modelo económico em que bens ou serviços são partilhados, entre indivíduos com ou sem um custo associado utilizando a internet. Exemplos : - Uber, Zipcar automóveis - Airbnd alojamento - Grandes empresas também apostam nesta área BMW DriveNow VW Quicar Portugal: Chic by Choice - plataforma de aluguer de vestido de designers internacionais Uniplaces - empresa que disponibiliza ofertas de alojamentos para estudantes universitários. Carácter social: Re-Food e o movimento Zero Desperdício, que recolhem refeições ou alimentos que de outra forma se tornariam resíduos de restaurantes, supermercados, padarias e pastelarias ou a Fruta Feita, que recolhe a fruta com qualidade, mas sem a aparência necessária para ser comercializada. Misto; parceria Marks and Spencer com Oxfam Vantagens económicas: As empresas mantêm maior controle sobre os seus produtos possibilitando melhor manutenção, upgrade e recuperação. Criam uma relação de maior durabilidade e fidelidade com o cliente. As empresas tem mais incentivos para apostar na durabilidade, reparabilidade e reciclagem do produto Clientes beneficiam porque só pagam pelos serviços que encomendaram e pelo uso e normalmente recebem um melhor serviço dado que o produtor tem um maior interesse em proporcionar um serviço de qualidade e duradouro. Podem também beneficiar de manutenção e upgrades tecnológicos.
Instrumentos para uma transição: - Metas de reciclagem e deposição de resíduos mais ambiciosas (pacote da Comissão). - Legislação (vg evitar obstáculos ao mercado das matérias primas secundárias, Ecodesign, Eco Management and Audit System EMAS, Ecolabel, BATS, responsabilidade alargada do produtor) - Plataformas de cooperação que promovam boas práticas e incentivem o desenvolvimento conjunto de produtos e de investigação e desenvolvimento - Simbioses industriais; - I&D; - Sistema fiscal; - Incentivos financeiros; - Compras públicas ecológicas; - Educação e sensibilização.