Evolução e conversão de áreas de cana-de-açúcar na bacia do Pantanal. Victor Danilo Manabe¹ João dos Santos Vila da Silva¹

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Transcrição:

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 598-607 Evolução e conversão de áreas de cana-de-açúcar na bacia do Pantanal Victor Danilo Manabe¹ João dos Santos Vila da Silva¹ 1 Embrapa Informática Agropecuária - CNPTIA Av. André Toselo, 209 - Caixa Postal 6041 13083-886 - Campinas, SP, Brasil {victor, jvilla}@cnptia.embrapa.br Resumo. A política de incentivo à produção de biocombustíveis vem nos últimos anos, construindo um novo cenário de investimentos no setor sucroalcooleiro, tendo maior foco na região Centro-Sul. Por se apresentar como uma área importante para conservação, a bacia do alto Paraguai, por conter o Pantanal, não foi incluída no Zoneamento Agroecológico da cana-de-açúcar de 2009. O presente trabalho tem por objetivo analisar a evolução da área cultivada com cana-de-açúcar nessa bacia, nos anos de 2005 a 2009, e quais fisionomias foram convertidas. Para tal estudo, foram cruzados dados de localização das áreas de cultivo com dados de cobertura vegetal e uso da Terra do ano de 2002. Com o trabalho das informações foi possível notar que não há ocorrência de cana-de-açúcar dentro do Pantanal, mas somente em sua borda, concentrando-se ao norte da bacia, no estado de Mato Grosso. A taxa de crescimento de área plantada na bacia foi de 6,55 % ao ano durante o período de estudo, bem menor da ocorrida nos Estados, porém a cana ocupa menos que 1% da bacia. Dessa expansão verificada, 91,28% ocorreu em áreas anteriormente desmatadas, sendo em sua maioria áreas de agricultura ou pecuária. Desta maneira, apesar da presença da cana-de-açúcar em uma área fora daquela indicada pelo Zoneamento Agroecológico, a mesma não avança sobre áreas nativas, ou de vegetação permanente. Palavras-chave: bacia do alto Paraguai, cobertura vegetal, geotecnologia, biomas. 598

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 599-607 Abstract. In recent years, the policy of encouraging biofuel production has building a new arena of investments in the sugar and ethanol production, with greater focus on South-Central region. For present as an important area for conservation, the high Paraguay river basin was not included in Agroecological Zoning of Sugar cane 2009. This paper aims to analyze the evolution of the area cultivated with sugar cane in this basin, in the years 2005 to 2009 and appoint what kind of vegetation was replaced by sugar cane. For this study, cross data of crop fields with data of vegetation and land use in 2002. It was noticeable that there is no occurrence of sugar cane within the Pantanal, but only on its edge, concentrating on the Northern basin, on state of Mato Grosso. The growth rate of planted area in the basin was 6.55% per annum during the studied period and occurred in smaller than on States, but sugar cane occupies less than 1% of the basin. Verified this expansion, 91.28% occurred in areas previously deforested in mostly of the cases in agricultural or livestock. Thus, despite the presence of sugarcane in an area outside that specified by in Agroecological Zoning, it does not advance on wild areas,or permanent vegetation. Key-words: high Paraguay river basin, vegetation, geotechnology, biomes. Introdução A política de incentivo à produção de biocombustíveis vem nos últimos anos, construindo um novo cenário de investimentos no setor sucroalcooleiro. Os estados do Mato Grosso do Sul e Mato Grosso representam bem essa nova realidade, pois se firmaram como um território de expansão da cana-de-açúcar. Figuram entre os principais fatores desta expansão a qualidade do solo, boas condições topográficas, clima favorável e disponibilidade de terras. Junto a isso uma política de investimento dos governos estaduais e federal. Dentro destes estados se encontra a bacia do alto Paraguai (BAP), que é formada por uma área de planície, onde se encontram o Pantanal e uma área de planalto, sendo a área de transição entre elas, as depressões. Muitas das ameaças graves ao Pantanal são de origem externa, ocorrendo em regiões de cabeceira, como o desmatamento da vegetação ripária, erosão do solo, barragens para geração de energia e poluição por agroquímicos, utilizados na agricultura de larga escala. Estes processos ocorrem em áreas de planalto, mas afetam todo o sistema de áreas úmidas na planície. (Jesus et al., 2003) Segundo dados da União da Indústria de cana-de-açúcar (UNICA, 2009) os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul juntos corresponderam na safra 2008/2009 por 5,9% de toda produção brasileira, na comparação entre as safras 2004/2005 e 2008/2009 houve um aumento em número de toneladas de 5,8% no estado do Mato Grosso e 86,5% em Mato Grosso do Sul. Tal crescimento do cultivo irá ocasionar buscas por novas áreas para expansão, criando assim uma pressão sobre o meio ambiente. Essa busca por novas terras agricultáveis e mesmo as mudanças do uso do solo devem ser feitas dentro de um conceito sustentável de desenvolvimento, a fim de não agravar ainda mais os desequilíbrios ambientais de origem antrópica (Lima et al., 2009). O Pantanal é um bioma sensível a mudanças e com grande diversidade de fauna e flora, sendo ele o bioma mais conservado do Brasil (Abdon et al., 2007). Dada essa fragilidade do Pantanal, a BAP ficou fora do Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar de 2009. (Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar, 2009). O presente trabalho irá abordar o tema pelo tipo de cobertura vegetal substituída pelo cultivo, pois a conversão de determinados tipos de cobertura pela cana-de-açúcar poderá afetar a região. Objetivos Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo o estudo temporal do avanço da área de 599

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 600-607 cultivo de cana-de-açúcar na bacia do alto Paraguai para safras de 2004/2005, 2005/2006, 2006/2007, 2007/2008 e 2008/2009, e o estudo de quais coberturas vegetais foram substituídas pelo cultivo, visando contribuir para o planejamento da BAP. Material e Métodos A área de estudo é a Bacia do Alto Paraguai que, segundo Silva e Abdon (1998) possui 361.666 km 2, distribuindo-se nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul que, de acordo com IBGE (2004), ocupa áreas parciais dos Biomas Cerrados e Amazônia e toda a extensão do Pantanal brasileiro. Na Figura 1 observa-se a área de estudo, incluindo-se algumas delimitações internas importantes para a discussão posterior, tais como biomas, estados e municípios canavieiros. Figura 1. Bacia do Alto Paraguai, biomas que a pertencem e municípios que produzem cana-de-açúcar. 600

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 601-607 Foi criado um banco de dados geográfico para a área de estudo contendo as seguintes informações: a) limite da BAP; b) limite dos biomas; c) limites dos municípios ano 2005; d) mapa de cobertura vegetal e uso da terra da BAP para o ano de 2002 e; e) mapas do cultivo de cana-de-açúcar para safras 2005 a 2009. O mapa de cobertura e uso para o ano de 2002 foi elaborado a partir dos dados do programa Probio <http://mapas.mma.gov.br/mapas/aplic/probio/datadownload.htm>. O mosaico da parte de Mato Grosso foi elaborado neste trabalho utilizando os dados básicos do Probio, enquanto para a parte de Mato Grosso do Sul foram utilizados os trabalhos de Ferrari et al. (2009) e Silva et al. (no prelo). As informações dos mapas de cultivo das safras estudadas foram adquiridas junto ao Projeto Canasat <http://150.163.3.3/canasat/>, desenvolvido pelo INPE em conjunto com UNICA (União da Agroindústria Canavieira), com o CTC (Centro de Tecnologia Canavieira) e com o CPEA (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). A metodologia para geração destes mapas é descrita por Rudorff et al. (2004), onde foram utilizadas imagens obtidas pelos sensores TM (Thematic Mapper) e ETM+ (Enhanced Thematic Mappar Plus) a bordo dos satélites Landsat-5 e Landsat-7, respectivamente, para a classificação foram utilizados os métodos de segmentação, classificação através de um algoritmo não supervisionado e por final classificação visual para correção dos erros. Dentro das informações disponíveis nos mapas foi somente utilizada a de localização do cultivo. Salienta-se que os dados vetoriais foram obtidos do INPE (Rudorff informação pessoal). O aplicativo de geoprocessamento utilizado em todo projeto foi o Spring, que é desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Com as ferramentas dispostas pelo aplicativo, foram feitas análises do banco de dados para a determinação da área planta nas safras estudas. Assim como a área plantada por município, obtendo dessa forma as informações do aumento do cultivo. Para o conhecimento da conversão dos tipos de uso da Terra que foram substituídos por cana-de-açúcar cruzaram-se os mapas do cultivo da cana-de-açúcar com os de cobertura vegetal e uso, permitindo identificar sobre quais coberturas a cana-de-açúcar está expandindo. Para facilitar essa análise os tipos de cobertura e uso encontrados na BAP em 2002 foram reunidos em quatro grandes grupos (Quadro 1): Vegetação Natural, Desmatamento, Agricultura e Vegetação Natural + Desmatamento. Em Vegetação Natural foram consideradas todas as áreas com vegetação primária ou original, em Desmatamento toda área que teve uma interferência antrópica, sendo o grupo Desmatamento + Vegetação uma área com presença dos dois grupos anteriores. O grupo Agricultura apesar de pertencer ao grupo Desmatamento foi analisado de forma separada. A safra de 2005 será usada como base, por essa razão, as áreas identificadas como agricultura, nesta safra, não entraram nas contas realizadas, pela não possibilidade de conhecimento se estas áreas já eram cultivadas por cana-de-açúcar desde 2002. 601

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 602-607 Quadro 1. Agrupamento dos tipos de cobertura do solo. Vegetação Natural Desmatamento Vegetação Natural + Desmatamento Agricultura Mata Ciliar Mata Ciliar + Pioneiras Floresta Estacional Semi-decidual - Terras baixas Floresta Estacional Semi-decidual - Submontana Floresta Estacional decidual - Submontana Savana Florestada - Cerradão Savana Parque com floresta de galeria Savana - Gramínea lenhosa - com floresta de galeria Savana - Com floresta de galeria Savana Parque Savana Parque sem floresta de galeria Savana Parque sem floresta de galeria Ecótono Pecuária Influencia Urbana Reflorestamento Vegetação Secundária Pastagem plantada na Região de Floresta Estacional Semidecidual Submontana Pastagem plantada na Região de Savana Pecuária + Vegetação Secundária Agropecuária Savana arborizada + Pecuária Agropecuária + Savana Arborizada Floresta Estacional Semi-decidual Semimontana + Vegetação secundaria Floresta Estacional Semi-decidual - Terras baixas + Vegetação Secundaria Agricultura Resultados e discussão O Quadro 2 apresenta o desenvolvimento da área plantada e sua variação na BAP durante o período estudado. A expansão anual da área cultivada por cana-de-açúcar na BAP teve média de 6,55% entre as safras de 2005 e 2009. Para tal período foram acrescidos 510,3 km² de cultivo. O maior crescimento percentual anual neste período ocorreu na safra 2007, onde atingiu o número de 17,0 %. Quando comparado o crescimento percentual médio anual nos estados, verifica-se que este é bem superior a da BAP, pois no período este foi de 9,2% em Mato Grosso e de 41,6 % em Mato Grosso do Sul ao ano. 602

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 603-607 Quadro 2. Área plantada na bacia do alto Paraguai 2005 2006 MT MS Total Bioma Amazônia Bioma Cerrado 2007 2008 2009 Área (km²) 1634,2 1661,1 1939,1 2017,0 2031,5 (%) 1,6 14,3 3,9 0,7 (km²) 27,0 277,9 77,9 14,5 Área (km²) 312,4 318,0 377,0 396,2 425,4 (%) 1,8 15,7 4,9 6,8 (km²) 5,6 59,0 19,2 29,1 Área (km²) 1946,6 1979,1 2316,1 2413,2 2456,8 (%) 1,7 17,0 4,2 1,8 (km²) 32,6 337,0 97,1 43,6 Área (km²) 1317,8 1270,6 1446,0 1463,8 1513,3 (%) -3,6 13,8 1,2 3,4 (km²) -47,2 175,4 17,8 49,5 Área (km²) 628,8 708,5 870,1 949,4 943,5 (%) 12,7 22,8 9,1-0,6 (km²) 79,7 161,6 79,3-5,9 As Figuras 2, 3 e 4 mostram o desenvolvimento do cultivo dentro da BAP. Nele notase que a concentração de áreas plantadas em quatro grupos (Norte, Nordeste, Centro- Leste e Sudeste), sendo aquela localizada ao Norte a de maior concentração. Figura 2. Áreas cultivadas de cana-de-açúcar nas safras 2005 e 2006. 603

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 604-607 Figura 3. Áreas cultivadas de cana-de-açúcar nas safras 2007 e 2008. Figura 4. Áreas cultivadas de cana-de-açúcar na safra 2009. Os municípios que apresentaram a maior expansão de área foram Barra do Bugres (MT) e Jaciara (MT), que estiveram sempre em expansão durante o período analisado. Já com relação ao crescimento percentual no período, os municípios de Curvelândia (MT), Mirassol d Oeste (MT) e Itiquira (MT) apresentaram os maiores valores, sendo 353,4, 883,3 e 200,8 % respectivamente. Outros municípios com grandes extensões de área destinadas 604

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 605-607 cana-de-açúcar como Denise (MT), Nova Olímpia (MT), Sonora (MS) e Tangara da Serra (MT) obtiveram uma diminuição da área de cultivo na safra 2007, voltando a aumentar nos anos subseqüentes. Houve também municípios que diminuíram sua área de cultivo, como nos casos de Santo Afonso (MT) e Arenápolis (MT). Em alguns municípios como Alto Araguaia (MT), Alto Taquari (MT), Costa Rica (MS) e Rondonópolis (MT) ocorreu a introdução de pequenas áreas de cultivo nas áreas dos municípios encontradas dentro da BAP, o que caracterizam estas áreas como potenciais pólos de crescimento do cultivo. As Figuras 5 e 6 mostram a evolução das áreas cultivadas em cada município. Figura 5. Gráfico da dinâmica espacial do cultivo da cana-de-açúcar na BAP dos municípios do Mato Grosso. 200 180 160 140 2005 2006 2007 2008 2009 120 km² 100 80 60 40 20 0 Costa Rica Dois Irmãos do Buriti Maracaju Sidrolandia Sonora Terenos Figura 6. Gráfico da dinâmica espacial do cultivo da cana-de-açúcar na BAP dos municípios do Mato Grosso. 605

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 606-607 Da comparação das áreas de cultivo das safras estudadas com o mapa de cobertura do solo do ano de 2002 obteve-se o Quadro 3. Os dados referentes as áreas da 2005 representam a acumulação das mudanças na área desde 2002, quando o levantamento de cobertura do solo foi realizado. No período de 2002 até a data da safra de 2009, 91,3 % das novas áreas destinadas à cana-de-açúcar apresentam-se como já desmatadas em 2002, sendo as áreas com pecuária e vegetação secundária as que sofreram maior substituição, representando 54,3 % do total de novas áreas. Áreas de vegetação primária representam 7,6 % do total ocupado por cana-de-açúcar desde 2002, sendo as áreas de ecótono e de mata ciliar com pioneiras as mais desmatadas, representando um total de 66,5 % do total da mesma. Os municípios de Lambari d Oeste (MT) e Denise (MS) são os que apresentam as maiores áreas de vegetação substituídas por cana-de-açúcar. Por outro lado Santo Afonso (MT), Tangará da Serra (MT), Itiquira (MT) e Santo Antônio do Leverger (MT), apresentaram um crescimento da área destinada à cana-de-açúcar, porém com as mais baixas utilizações de áreas de vegetação natural para a expansão, sendo em sua maioria implantada onde havia outro cultivo ou pecuária. Durante os anos das safras estudadas novas áreas destinadas ao cultivo de cana-deaçúcar apareceram, assim como, algumas áreas deixaram de ter esta finalidade, porém estas áreas não voltaram a ter o cultivo de cana-de-açúcar como uso até o tempo estudado. Quadro 3. Tipos de uso de solo que passaram a ser destinado à cana-de-açúcar. 2005 2006 2007 606 km² % 0208 2009 Total Total Vegetação 67,3 27,6 29,9 35,2-160,0 7,6 Desmatamento 1451,5-189,6 64,6 55,0 1760,8 83,4 Agricultura Desmatamento e Vegetação - 3,8 118,4-45,4 167,6 7,9 16,0 3,2-4,9-24,1 1,1 A planície ou o bioma Pantanal não apresentam cultivo de cana-de-açúcar em nenhuma parte de sua extensão, em conformidade com a Lei do Estado do Mato Grosso nº 8.830, Artigo de nº 9, de 2008, que proíbe o plantio de cana-de-açúcar e a implantação de usinas de açúcar e etanol na planície alagável do Pantanal. Dada a 09, Quadro 2, o bioma Amazônia apesar de ser o de menor tamanho dentro da BAP (8,6 %) encontra a maior concentração de áreas plantadas de cana-de-açúcar 61,6 %. Já o bioma Cerrado apesar de possuir a maior área dentro da BAP (48,2 %), corresponde por 38,4 % da área de cana. Porém durante o período estudado o cultivo dentro do Cerrado apresentou 57,0 % das novas áreas e a Amazônia 43,0 %, o que indica um avanço maior sobre as áreas de Cerrado. Conclusões O presente trabalho teve a importância de caracterizar o desenvolvimento de uma atividade agrícola em crescimento, em uma área sensível a mudanças, como o BAP onde se encontra o Pantanal e seu entorno que se encontram localizados em uma área nova e em constante expansão para atividade agropecuária, e mais recentemente para a cana-deaçúcar. Notou-se que o cultivo se apresenta em expansão em toda a área da BAP, apesar de apresentar uma média de crescimento menor que aquelas dos estados do Mato Grosso e

Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 607-607 Mato Grosso do Sul. Estas novas áreas vêm se estabelecendo em sua maioria em áreas antrópicas, ou seja, desmatadas, sendo áreas onde antes serviam como pastagem para a pecuária. Este fato ameniza a introdução da cana-de-açúcar na BAP uma vez que áreas de vegetação primária não estão sendo substituídas pelo cultivo. Desta maneira, apesar da presença crescente da cana-de-açúcar em uma área fora daquela indicada pelo Zoneamento Agroecológico, a mesma não avança sobre áreas nativas, ou de vegetação permanente, pois vem em sua maioria substituindo a atividade agropecuária que já existia na região. 6. Agradecimentos Esta pesquisa foi financiada parcialmente pela Embrapa Informática Agropecuária e pelo Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio do projeto GeoMS, convênio 008/2006 Embrapa/IMAP/Fundapam. Referências Abdon, M. De M.; Silva, J. S. V..; Souza, I. De M.; Romon, V. T.; Rampazzo, J.; Ferrari, D. L. Desmatamento no bioma Pantanal até o ano 2002: Relações com a fitofisionomia e limites municipais. Revista Brasileira de Cartografia nº 59/01, Abril 2007, p.17-24. ISSN 1808-0936, ISBN 0560-4613. Ferrari F. F.; SILVA, J. S. V.; Silva, A. M. Confecção dos mosaicos das cartas de vegetação do Pantanal na escala 1:250.000 em diferentes recortes. In: Simpósio de Geotecnologias no Pantanal, 2., Corumbá, 2009. Anais... Campinas: Embrapa Informática Agropecuária/INPE, 2009. p.815-824. Jesus, F. (Cord). Classificação dos ecossistemas aquáticos do Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai. Brasília, The Nature Conservancy, 108 p. 2003. IBGE. Mapa de Biomas do Brasil; primeira aproximação. Rio de Janeiro: IBGE. 2004. Lima, A.; Aguiar, D. A.; Rudorff, B. F. T.; Shimabukuro, Y. E.; Adami, M. Dinâmica espaço-temporal e caracterização ambiental do cultivo da cana-de-açúcar na Bacia Pantaneira. Geografia (Rio Claro), v. 34, n. 1, p. 193-202, 2009. Rudorff, B. F. T.; Berka, L. M. S.; Moreira, M. A.; Duarte, V.; Avier, A. C.; Rosa, V. G. C.; Shimabukuro, Y. E. Imagens de satélite no mapeamento e estimativa de área de cana-de-açúcar em São Paulo: ano-safra 2003/04. Agricultura em São Paulo, São Paulo, v. 52, n. 1, jan./jun. 2005. p. 21-39. Silva. J. S. V. da; Abdon, M. M. Delimitação do Pantanal brasileiro e suas sub-regiões Pesquisa Agropecuária Brasileira, v. 33, n. especial, p.1703-1711, 1998. Silva, A. M., Silva. J. S. V., Ferrari F. F. Vegetação natural e área antrópica no Mato Grosso até o ano de 2002. (no prelo). Submetido ao Simpósio de Geotecnologia no Pantanal, 3. ÚNICA. Ranking de produção das unidades do Estado de São Paulo, safra 2008/2009. União da indústria de cana-de-açúcar. Disponível em: http://www.unica.com.br/dadoscotacao/estatistica. Acesso em: 9 de Ago. 2010. Manzatt, C. V. (Org). Zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 2009. 55 p. (Documentos / Embrapa Solos, ISSN 1517-2627 ; 110). 607