Entrevista com Alexandre Leitão



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Transcrição:

Entrevista com Alexandre Leitão Doutorado em Ciências Veterinárias, investigador no Instituto de Investigação Científica Tropical no domínio da infecciologia veterinária, Alexandre Leitão, tem nos últimos 15 anos estudado em particular a peste suína africana e os protozoários, mais concretamente a interacção entre agentes patogénicos e os hospedeiros, mas os métodos de diagnóstico tem merecido também a atenção. Desde os anos 80 que Portugal não sofre um surto de Peste Suína, mas a ameaça está presente e manifesta-se actualmente em países ao sul do Saara e mesmo na Europa mais propriamente na Sardenha. A doença de natureza virológica é uma preocupação permanente de todos os estados dado o impacto económico e de saúde pública que provoca. Para nos auxiliar a compreender melhor os problemas associados à investigação sobre a peste suína africana que é nosso convidado Alexandre Leitão. TV Ciência: Doutor Alexandre Leitão, obrigada pela sua presença. A peste suína africana constitui uma ameaça em Portugal? Alexandre Leitão: Constitui uma ameaça no sentido de que pode ser introduzida, portanto, representa uma ameaça. Nesta altura, como disse bem na introdução, ela não existe, está erradicada desde finais dos anos 90 e, por tal, existe a ameaça apenas no sentido de devermos tomar todas as cautelas para que ela não seja introduzida. TV Ciência: Como especialista em Virologia, nomeadamente da peste suína africana, pode-nos falar um pouco da origem da doença e do modo como se transmite? Alexandre Leitão: O conhecimento da doença data de 1910. A doença existiria em África, naturalmente o vírus existiria em África em equilíbrio com os seus hospedeiros naturais, os javalis africanos e a carraça, é uma carraça que chama Ornithodoros. A doença dá notícia quando em 1910, 1911 são introduzidos no Quénia suínos europeus altamente sensíveis ao vírus e

manifestou-se a infecção com uma doença aguda, hemorrágica, seríssima, com níveis de mortalidade próximo de 100 por cento e, portanto, este é o marco do início do conhecimento da peste suína africana. O aparecimento da doença depois na Europa veio apenas em 57, 60, portanto, a história da origem na Europa é outra, aqui foi o vírus que foi introduzido em Portugal que foi o primeiro país infectado fora do continente africano. E o resto da história já o disse há pouco, terminou em 90. TV Ciência: E o modo como se transmite? Alexandre Leitão: A forma aguda a que nos estamos a referir agora, é a transmissão porco a porco. Portanto, o vírus produz uma infecção no suíno que produz grande quantidade de vírus, logo, o vírus está presente nos tecidos do porco em grande quantidade e, de alguma forma, consegue passar-se por contacto a suínos sãos e assim manter-se dentro da população. Em África, a situação é diferente, o problema é diferente porque o vírus existe no seu ciclo natural, entre os suídeos selvagens e a carraça que é uma carraça que reside nas tocas dos suídeos selvagens e a transmissão aos suídeos domésticos acontece quando há um contacto próximo entre o suídeo doméstico, por alguma razão, com este ciclo silvático, seja por contacto com o suíno, seja, eventualmente, por um contacto com a carraça que esteja infectada. TV Ciência: Pode-se dizer que há condições mais favoráveis que levam à propagação da doença? Alexandre Leitão: A grande condição que leva à propagação da doença é a presença de suínos, especialmente se forem os suínos domésticos europeus e, naturalmente associado a isto, a forma como são criados. Portanto, são noções importantes o facto de o vírus ser um vírus muito grande, muito pesado, por oposição a vírus pequenos como seja, por exemplo, o vírus da febre aftosa que o vento transporta para longe ao longo de longas distâncias ou outros agentes que são transmitidos por mosquitos que voam. No caso da peste suína africana nada disto acontece. É preciso um contacto ou uma proximidade considerável ou então que alguém, pessoa normalmente, transporte qualquer coisa infectada de um lado a outro.

TV Ciência: E pode afirmar-se que existem países mais vulneráveis que outros? Alexandre Leitão: Decorrendo do que acabo de dizer, os países mais vulneráveis são aqueles que mantêm relações mais estreitas com os países onde a doença é endémica. Portugal, com as suas ligações a África, está com certeza numa linha da frente em termos de risco de contrair a doença ou não tivesse sido Portugal o primeiro país a ser infectado. TV Ciência: Pode-se dizer que o continente africano constitui uma zona de risco elevado? Alexandre Leitão: Todo o continente africano é uma região onde o risco é elevado. Todo o continente africano, enfim, falamos da África ao Sul do Sahara. Aí a continuidade territorial é fundamental na disseminação da doença. Como os suídeos selvagens não têm passaporte, passam facilmente fronteiras e com eles vai o vírus. TV Ciência: E em que medida é que pode afectar as populações humanas? Alexandre Leitão: Importante noção é de que o vírus não infecta humanos, só infecta suídeos. Agora, isso não impede que tenha grande impacto na saúde das pessoas, ou pelo menos, nas pessoas através do problema económico. Em África o porco é economicamente importante como fonte de riqueza. Os santomenses gostam de lhe chamar o cofre da família. O porco representa de facto um bem muito importante para a economia familiar. E, de uma forma geral, em termos de populações, o porco é uma fonte de proteína animal barata e prevê-se que com importância crescente nos próximos anos, a par da galinha. Portanto, como pode imaginar, a dificuldade em criar porcos que são importantes para as pessoas definitivamente. TV Ciência: Vamos agora falar um pouco da investigação que desenvolve. Pode-nos dizer em que consiste, o que é que está em causa? Alexandre Leitão: A minha preocupação tem sido, ao longo dos 15 anos em que tenho trabalhado com a peste suína africana, a interacção entre o vírus e o

suíno, as minhas preocupações são precisamente a linha entre o agente que infecta e o animal infectado. Em termos muito gerais, nos primórdios, o que foi o assunto do meu mestrado, as coisas começaram por: caracterizar ou contribuir para um melhor conhecimento dum modelo de protecção baseado num vírus de peste suína africana isolado em Portugal que não mata os porcos, que é um vírus de baixa virulência e que protege contra a infecção por um vírus virulento. Este modelo de protecção tinha sido proposto já pelo Doutor José Vigário, do Laboratório de Benfica e depois, no Mestrado, sob a orientação do Professor Carlos Martins e do Professor Martins Mendes tentámos caracterizar a resposta ao vírus não-virulento com o propósito de melhor conhecer os mecanismos de que o porco se podia socorrer para sobreviver à infecção, tanto mais relevantes quanto permitiam ao suíno infectado sobreviver à infecção com o vírus virulento. Depois, as coisas foram crescendo. Preocupámo-nos em estudar partes do vírus, portanto, a apresentação das proteínas que compõem o vírus. Para isso, era preciso apresentar essas proteínas aos animais e investi, no meu doutoramento, em desenvolver e avaliar um sistema de expressão que permitia aproximarmo-nos do que acontece com o vírus vivo quando usamos uma proteína apenas. Hoje, os trabalhos em que estou envolvido a propósito da peste suína africana têm a ver basicamente com a interacção entre o vírus e a célula que ele infecta no porco, isto é, a primeira célula, a célula que, no porco, quando o vírus entra, vai servir para a multiplicação do vírus e vai permitir-lhe tomar conta do sistema do porco, do organismo vivo, que é o macrófago, portanto, estou particularmente preocupado com o que acontece nesse macrófago quando é infectado por um vírus da peste suína africana e, traços gerais, eu diria que são estas as minhas preocupações. TV Ciência: Nesta investigação estão envolvidas mais entidades além do Instituto de Investigação Científica Tropical? Alexandre Leitão: Naturalmente e obrigado por me dar a oportunidade de o referir. A Faculdade de Medicina Veterinária é a primeira nesta lista de outras porque, desde logo, o meu Mestrado foi feito nesta faculdade, os trabalhos do meu Doutoramento foram orientados pelo professor Carlos Martins da Faculdade de Medicina Veterinária, o professor Martins Mendes que fundou o

Centro e que tem história na investigação de peste suína africana era professor desta faculdade. Portanto, a Faculdade de Medicina Veterinária é de facto importante nestes trabalhos, é com eles que temos colaborado; o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária tem sido parte importante nas colaborações que temos mantido a propósito da peste suína africana; o Instituto Gulbenkian de Ciência, o grupo do Doutor Michael Parkhouse com quem partilho a orientação dum estudante, nesta lista, e, em Portugal, eu espero não estar a cometer a terrível gaffe de me esquecer de alguém, mas sobre peste suína africana no nosso país, em termos de colaboração, penso que não me esqueci de ninguém. TV Ciência: Em que medida a investigação que está a desenvolver pode contribuir para o combate da doença? Alexandre Leitão: Pois, aí custa-me ser muito atrevido, eu penso que contribuo muito pouco. Embora nós façamos o melhor, a investigação de cada um de nós é uma migalha no conjunto, mas esperamos que no conjunto de todas as migalhas consigamos contribuir qualquer coisa para que um dia possamos ter um controlo da doença mais eficaz do que hoje dispomos. Talvez valha a pena fazer claro que nesta altura não há tratamento, não é conhecido nenhum anti-viral eficaz contra o vírus da peste suína africana, não há vacina, portanto, o controle da doença baseia-se estritamente no diagnóstico e no abate dos animais infectados, isto é, medidas de controlo sanitário que são, naturalmente, tremendamente dispendiosas. TV Ciência: Então podemos dizer que estamos longe de uma vacina? Alexandre Leitão: Eu preferiria dizer que não faço ideia da distância a que estamos de uma vacina. De facto, naturalmente, para a peste suína africana, como para todas as outras doenças, foram sendo ao longo do tempo testadas todas as abordagens que funcionaram para alguns vírus. As tentativas de vacina começaram creio que nos anos 50, o professor Martins Mendes está nas primeiras tentativas que foram sendo ajustadas às tendências e os resultados foram sugerindo novas abordagens, mas sempre muito longe de bons resultados para uma vacina. Não seria demais dizer que talvez, admito, a formulação de uma vacina para a peste suína africana passe por um conceito

de vacinação ligeiramente diferente do conceito clássico. Quero dizer com isto que as abordagens mais clássicas não permitiram produzir imunogénios capazes de proteger o animal contra a infecção. Em alguns casos, nós temos protecção contra a morte, isto é, o animal fica infectado, mas sobrevive à infecção, como, por exemplo, no modelo de protecção que lhe referi de início. Os animais que sobrevivem ao vírus que eu uso de baixa virulência resistem à infecção com o vírus homólogo da alta virulência. Mas muito longe de isto poder representar uma vacina porque os animais ficam cronicamente infectados, acabam por ter manifestações de doença crónica, portanto, não é uma vacina. A investigação para uma vacina de peste suína africana é qualquer coisa que nos deve merecer todo o empenho sem a veleidade de pensarmos que vai ser para amanhã ou para daqui a dois anos ou daqui a cinco anos e sem podermos negar que uma boa ideia possa resolver o problema dentro de pouco tempo. TV Ciência: Alguns dos resultados da investigação que tem desenvolvido permitem já auxiliar os suinicultores que se debatem com este problema? A que resultados práticos já conseguiram chegar? Alexandre Leitão: Sendo o controlo da peste suína africana dependente de diagnóstico, o melhor que nós, em termos práticos, em termos aplicáveis directamente, vamos produzindo são métodos de diagnóstico. Melhorando métodos de diagnóstico, contribuímos para que este possa ser mais eficaz, mais célere, mais barato. Portanto, quando a pergunta é o impacto directo, o impacto agora, basicamente é o que resulta em métodos de diagnóstico. Directamente para os produtores, é disso que falamos. TV Ciência: Para além da peste suína africana, tem-se dedicado também ao estudo de alguns protozoários. Pode-nos falar um pouco esse trabalho? Alexandre Leitão: De facto assim é, há meia dúzia de anos encetei algum trabalho sobre, mais uma vez, a interacção entre o agente de doença e o hospedeiro, mas desta vez com protozoários. As coisas são semelhantes, a doença por agentes infecciosos tem um mecanismo subjacente muito próximo e foi muito interessante para mim pegar num novo modelo tão distante quanto

um protozoário. Pediu-me que explicasse o que é um protozoário, em muito pouco, um protozoário é um ser unicelular muito maior que um vírus, portanto, num vírus nós falamos numa pequena partícula, um protozoário já é um eucariota, já é um organismo bastante complexo, ainda assim, um organismo unicelular e ele próprio pode ser vítima de doenças causadas por vírus, se é que de doença se pode falar num protozoário, mas só para lhe dar noção da diferença de tamanho entre um vírus e um protozoário. O protozoário das minhas maiores preocupações é com certeza a Besnoitia e estes últimos anos tem sido um tempo interessante a estudar um organismo bastante pouco conhecido. TV Ciência Inclusive surgiram casos recentes em Portugal, França e Espanha, se não estou em erro?! Alexandre Leitão: Sim, o interesse passa por aí. A besnoitiose bovina (besnoitiose bovina. Não maiúscula e não itálico) é uma doença descrita em finais de 1800 em França, em Portugal o professor Ildefonso Borges seguiu desde o primeiro momento a doença, ela existia em Portugal, ele publica em 1900 e pouco, 1915 creio, um trabalho imponente sobre a Besnoitiose bovina (besnoitiose bovina, como acima) em Portugal, mas depois pouca atenção mereceu. A doença é uma preocupação em África, ela existe em África e é um problema económico, é um problema a merecer a atenção dos criadores e dos veterinários. Em Portugal, de facto, tem passado despercebida. Recentemente, de finais da década de 80 para cá, ela tem-se manifestado em Portugal, em Espanha, como disse e há um relato em França. Eu não queria parecer atrevido, mas estou convencido que faz sentido, ou faria sentido que a incidência estivesse a aumentar em Portugal, embora, naturalmente, me possa dizer que se calhar somos nós que estamos mais atentos e portanto estamos a ver qualquer coisa que sempre lá esteve e que nos passava despercebido. Mas o quadro lesional, a doença clínica é tão aparatosa, é tão dramático o quadro clínico que me é difícil imaginar que tenha passado despercebido durante tanto tempo.

TV Ciência: Actualmente fala-se muito no vírus H5N1 da gripe das aves e na passagem para os humanos através de um ciclo ave, suíno e humano. Existe alguma ligação com a investigação que desenvolve? Alexandre Leitão: Não, de todo em todo. Trata-se de um vírus que infecta também o porco, mas a relação pára por aí a menos naquilo que se refere à grande ciência da Infecciologia, mas de facto não há relação nenhuma entre o meu trabalho e o estudo do vírus da gripe. TV Ciência: Os trabalhos que tem vindo a desenvolver acha que podem contribuir de alguma maneira para um melhor entendimento de doenças de natureza virológica? Alexandre Leitão: Isso eu espero que sim, uma pequena contribuição, mas é o objectivo, ou melhor, eu gostaria de acreditar que sim. TV Ciência: Para terminar, qual a importância do trabalho de Virologia no contexto do Instituto de Investigação Científica Tropical? Alexandre Leitão: Eu espero que seja muito importante. TV Ciência: Mais concretamente? Alexandre Leitão: Repare, se o Instituto de Investigação Científica Tropical entende manter esta valência que eu aqui represento, eu faço o possível para que o conhecimento que eu possa produzir seja da maior utilidade para os propósitos do Instituto, naturalmente. É claro que eu não determino se o trabalho que estou a fazer é de interesse para o Instituto ou se o resultado que estou a observar é de interesse para um instituto ou para qualquer outro fim, enfim, no dia-a-dia da investigação não é assim que as coisas se põem, mas no conjunto penso que assim é. TV Ciência: Doutor Alexandre Leitão, obrigado pela sua presença e a continuação de um bom trabalho. Alexandre Leitão: Foi um prazer. TV Ciência: Obrigada.