GUSTAVO NISHIDA ANÁLISE ACÚSTICA DO TAP EM CODA DO ESPANHOL

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Transcrição:

GUSTAVO NISHIDA ANÁLISE ACÚSTICA DO TAP EM CODA DO ESPANHOL CURITIBA 2006

GUSTAVO NISHIDA ANÁLISE ACÚSTICA DO TAP EM CODA DO ESPANHOL Monografia apresentada à disciplina Orientação Monográfica II como requisito parcial à obtenção do bacharelado em Letras Espanhol do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof. Dr. Rodrigo V. Machado CURITIBA 2006

AGRADECIMENTOS Aos amigos que me acompanharam desde o começo da graduação: Felipe, Jahyr e Michele. À Heloyse pela paciência em ouvir minhas questões lingüísticas e pela companhia indíspensável. À Adelaide pela orientação precisa. À banca avaliadora: Jorge de Oliveira e Rodrigo Vasconcelos. Obrigado a todos!

SUMÁRIO RESUMO 0. INTRODUÇÃO... 06 1. EMBASAMENTO TEÓRICO... 08 1.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO TAP... 09 1.2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA... 12 1.2.1. O tap em outras línguas do mundo... 12 1.2.2. O tap no espanhol... 16 2. METODOLOGIA... 18 2.1. DESIGN EXPERIMENTAL... 18 2.1.1. Montagem do corpus... 18 2.1.2. Coleta de dados... 19 2.1.3. Análise dos dados... 20 3. DISCUSSÃO DOS DADOS... 22 3.1. INSPEÇÂO VISUAL... 22 3.1.1.O tap... 22 3.1.2. A aproximante... 23 3.1.3. O elemento vocálico... 24 3.2. TAP E APROXIMANTE... 24 3.3. ELEMENTO VOCÁLICO... 26 3.3.1. Configuração dos formantes... 26 3.3.2. Padrão duracional... 33 3.3.3. Resultados... 33 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 35 BIBLIOGRAFIA... 36

RESUMO Descrições acústicas sobre o tap nas línguas do mundo relatam que há a produção de um elemento vocálico à direita do tap quando em coda. Este estudo surge da falta de uma caracterização acústica quantificada sobre a natureza formântica desse elemento vocálico. Esses estudos mostram que a depender da língua a natureza formântica desse elemento é variável, uma vez que para o tap em grupos do tipo obstruinte + /r/ + vogal de línguas como o norueguês (Kvale & Foldvik, 1995), búlgaro e tcheco (Jetchev, 1995) desenvolvem entre a consoante e o rótico um elemento vocálico que se assemelha a uma vogal neutra do tipo schwa; e em outras línguas, como o português (Silva, 1996; Carvalho, 2004) e o espanhol (Quilis, 1993; Almeida & Dorta, 1993), esse elemento vocálico parece ter a estrutura formântica condicionada pela vogal nuclear do grupo, se tratando da mesma vogal. Assim, pode-se dizer que o elemento vocálico produzido em grupos se trata de um específico de língua sendo necessário representá-lo na gramática da língua. Clemente (2005) descreve o tap em coda do Português Brasileiro e constata que, diferentemente do tap em grupos (Nishida 2005), o elemento vocálico parece seguir uma estrutura formântica fixa, tendendo a uma vogal neutra do tipo schwa. Desta forma, tem-se em português a natureza formântica do elemento vocálico condicionada pela posição que o tap se encontra na sílaba: se em grupos se trata da mesma vogal nuclear; se em coda se trata de uma vogal fixa do tipo schwa. Tenta-se, então, caracterizar acusticamente o tap em coda do espanhol, uma vez que pode haver essa mesma diferenciação da natureza formântica do elemento vocálico a depender da posição que o tap se encontra na sílaba. Os primeiros resultados convergem para a mesma diferenciação feita em português.

0. INTRODUÇÃO Um dos sons que mais apresentam problemas tanto na sua produção como na sua descrição são as líquidas. Estudos sobre aquisição de linguagem mostram que esses são uns dos últimos sons a serem adquiridos pelas crianças. Este fato decorre, provavelmente, da complexidade articulatória que esses sons apresentam. Um outro problema se deve ao fato de que as teorias lingüísticas, como por exemplo, a Teoria Acústica de Produção de Fala (Fant 1960), apenas dão conta das características bidimensionais dos sons, não conseguindo, com isso, modelar satisfatoriamente as líquidas. Por essas razões é que há uma escassez de estudos acústicos e articulatórios sobre os róticos tanto do Português Brasileiro (doravante PB) como da Língua Espanhola 1. A grande freqüência de ocorrência dos róticos nas línguas do mundo é apontada por Maddieson (1980). Seus resultados mostram que 59% das 321 línguas do corpus do UCLA Phonological Segment Inventory Database (UPSID) possuíam pelo menos um tipo de rótico e, com isso, aponta para a necessidade de se estudar mais detalhadamente esses segmentos. O presente trabalho faz uma descrição acústica de um tipo de rótico que ocorre em Espanhol: o tap ([ſ]). Este som é produzido, em espanhol, nos seguintes contextos: a) ambiente intervocálico: caro, pareja; b) coda silábica: caer, hogar; c) grupos consonantais do tipo obstruinte + tap + vogal: libro, brazo. Decidiu-se, então, descrever acusticamente o tap em coda do Espanhol. Descrições anteriores (ver item 1.1.) relatam que o tap em coda desenvolve, a sua direita, um evento acústico que se assemelha a uma vogal. Por essa razão, decidiu-se chamá-lo de elemento vocálico. Um dos objetivos deste trabalho é descrever qual a natureza formântica do elemento vocálico. Pois, pode se tratar de uma vogal neutra do tipo schwa ou de um 1 Não me deterei neste trabalho sobre questões variacionistas. Pois, como é relatado em Vaquero de Ramírez (1996), a variação dialetal da língua espanhola é grande e, tais variações, se dão em diversos níveis da linguagem. Para uma breve descrição sobre as diferencias fônicas do espanhol americano ver Vaquero de Ramirez. El español de América I pronunciación. Cuadernos de lengua española. Madrid: Arco/Libros, S.L, 1996. 6

elemento vocálico que segue as mesmas características acústicas da vogal nuclear da sílaba, ou seja, a própria vogal da sílaba estaria sendo entrecortada pelo tap. Um outro objetivo deste trabalho é comparar o tap do espanhol com o tap do PB, uma vez que esse som ocorre nas duas línguas nos mesmos contextos e por haver uma descrição acústica sobre o elemento vocálico do PB (Clemente 2004, 2005). Pelo que a literatura descreve, esse elemento vocálico parece ser uma característica do tap. Contudo, as línguas parecem fazer uso de elementos vocálicos de estruturas formânticas distintas nos mesmos contextos ou, como é o caso do português brasileiro, fazem uso de elementos vocálicos de estrutura formântica distinta a depender da posição que o tap ocorre nas palavras, isto é, há a escolha de um elemento vocálico é condicionada pelo contexto fonológico. Assim, se este fato passa a ser uma característica específica de uma língua, deve-se descrever esse fenômeno na gramática da língua. Este estudo também é importante para que se dê maior naturalidade a programas de síntese de fala, uma vez que a produção do elemento vocálico parece ser uma característica do tap, tanto em coda como em grupos consonantais do tipo obstruinte +tap+vogal. 7

1. EMBASAMENTO TEÓRICO A classe dos róticos, ou sons de r, divide espaço com as laterais na classe das líquidas. Esses sons vêm despertando interesse de lingüistas em diversos aspectos (históricos, sociolingüísticos, fonético-fonológicos, entre outros). Uma das características intrigantes desses sons é a sua aprendizagem tardia por crianças em fase de aquisição de linguagem, sendo um dos últimos sons a serem aprendidos, por exemplo, por falantes de português (Hernandorena 1990). A comum troca de /r/ por /l/ por crianças em fase de aquisição de linguagem (não levando em conta aspectos patológicos ou variantes socialmente estigmatizadas) mostram as possíveis semelhantes que acabam por unir róticos e laterais em uma mesma classe natural de sons. As descrições acústicas sobre os róticos também podem despertar interesse aos que se interessam pela aprendizagem de línguas estrangeiras, como por exemplo, o aprendizado da vibrante múltipla do espanhol por falantes de português. Carvalho (2004) faz uma descrição fonético-acústica das vibrantes do PB e do espanhol, preocupando-se, especialmente, em traçar suas diferenças acústicas. Essa descrição tem como principal objetivo encontrar pistas acústicas que mostrem algumas possíveis razões pelas quais há dificuldade de luso-falantes de se produzir os róticos do espanhol. A descrição acústica desses sons emerge de uma questão levantada primeiramente por Ladefoged & Maddieson (1996). Esse estudo relata que os róticos parecem ter uma grande variação articulatória (tanto no modo quanto no ponto de articulação) e o que parece haver de comum a esses sons é que eles são, em sua grande maioria, arbitrariamente representados pela letra r na ortografia das línguas do mundo. Outra questão importante é que essas observações sobre como se articulam os róticos acabam sendo impressionísticas, pois são, em grande parte, descritas auditivamente, sem a utilização de nenhum aparato que permita uma análise refinada desses sons. Os róticos, desta forma, formam um grupo heterogênio do ponto de vista fonético, pois apresentam grande variedade articulatória, podendo ser articulados em vários pontos do trato vocal e de vários modos. Assim, se encontram em várias línguas do mundo coexistindo variantes fricativas, vibrantes, taps, aproximantes, retroflexas ou silábicas. Diante dessa variedade articulatória, emerge uma questão de como unir sons com 8

características distintas em uma mesma classe natural de sons. Não se trata do ponto de articulação pois há, por exemplo, variantes alveolares, velares, uvulares, etc. Também não se trata do modo de articulação, pois, tal como propõe Maddieson & Ladefoged (op cit), se se tomasse como rótico prototípico a vibrante múltipla acabar-se-iam por incluir na classe as vibrantes uvulares, por exemplo, mas não as vibrantes bilabiais, que não são róticos. Os autores acabam concluindo que as semelhanças entre esses sons só podem ser dadas quando se buscam as relações sincrônicas e diacrônicas ou pela simples determinação impressionística de um correlato auditivo ou alguma característica acústica que possa unir os róticos em uma única classe natural. Essas questões já faziam parte do trabalho de Lindau (1985). A autora propunha, inicialmente, que a característica acústica que estaria unindo os róticos a uma única classe natural seria o fato de eles apresentarem o F3 baixo (não superando a faixa dos 2000Hz). No entanto, após basear-se em um corpus composto por 13 línguas do mundo, seu estudo conclui que o F3 baixo somente é característica dos róticos retroflexos. Nas seções seguintes se apresentarão as características gerais sobre o tap bem como uma revisão bibliográfica sobre o comportamento dos taps em outras línguas do mundo. 1.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO TAP O rótico a ser analisado no presente estudo é o tap. Um tap é um som em que um breve contato entre os articuladores é feito pelo movimento de um articulador ativo diretamente em direção ao céu da boca (...) é mais tipicamente feito por um movimento direto de ponta de língua com a região dental ou alveolar (Ladefoged & Maddison 1996: 231) 2. O tap, acusticamente, caracteriza-se no espectrograma por descontinuidade espectral, ou seja, é representado por espaços em branco no espectrograma, pois devido à breve oclusão que ocorre quando a ponta da língua toca na região alveolar durante a sua produção há a interrupção da passagem do ar pelo trato vocal. Pode-se notar, além dos espaços em branco no espectrograma, uma queda da energia de produção, que é identificada pela diminuição da amplitude da onda sonora. Na Figura 1, abaixo, pode-se notar, entre linhas 2 As traduções dos originais são minhas. 9

verticais pontilhadas, a produção de um tap na palavra galeria. Nota-se que é possível identificar no espectrograma, abaixo, as características visuais apresentadas anteriormente. Figura 1 No espectrograma, entre linhas verticais pontilhadas, o tap na palavra galeria. Silva (1996) sugere que se utilize a mesma nomenclatura proposta por Recasens (1991b) para designar os dois momentos que constituem a produção do tap. Tal escolha se dá pois parece haver uma semelhança entre os taps do PB e do Catalão (língua investigada por Recasens) e também por ser a única fonte encontrada que fornece uma nomenclatura um pouco menos ambígua do que outras (Silva op cit: 40). Com isso, pode-se notar que há no tap um período de quase silêncio rotulado de início do fechamento e, ao ocorrer a batida da ponta da língua nos alvéolos, o final do fechamento, ou seja, o início do fechamento corresponde à batida da ponta da língua nos alvéolos e o final do fechamento à soltura da oclusão. Silva descreve dessa maneira o que ocorre no trato vocal humano ao se produzir um tap: Pode-se dizer que esta estrutura do tap se deve ao fato de que, quando a língua bate nos alvéolos, há uma interrupção momentânea 10

de saída de ar pela boca, de tal forma que a voz quase desaparece, devido ao aumento da pressão supraglótica. Antes que a voz desapareça, no entanto,a constrição se desfaz e a laringe retoma a produção da voz, ainda que com pouca energia (comparando sempre com vogais ou outras aproximantes) (Silva op cit: 40-41) Durante a análise dos dados (ver item 3) verificou-se que nem sempre os informantes produziram um tap canônico. Produziram-se segmentos que se caracterizavam como uma aproximante. Vale salientar que esse fato não enviesou a coleta de dados, corroborando, até mesmo, algumas hipóteses levantadas durante as análises dos dados. Nas seções seguintes se desenvolverão mais detalhadamente essas questões. Por ora, faz-se necessário caracterizar esse outro tipo de rótico: a aproximante. Ladefoged & Maddieson (op cit) acrescentam que à família dos róticos incluem-se também membros em que não há contato, mas apenas uma aproximação entre os articuladores (p. 232). Ao contrário do que se tem para o tap, quanto às suas características visuais do tap no espectrograma, a aproximante é caracterizada por continuidade espectral, podendo até mesmo reconhecer uma certa estrutura formântica. Pode-se notar que não há uma queda na energia de produção da aproximante, identificada por picos regulares e de maior amplitude que do tap. Lindau (op cit) afirma que os taps não são produzidos de uma mesma maneira em diferentes línguas e nem sempre são produzidos da mesma maneira por diferentes falantes de uma mesma língua (p. 161). Recasens (1991a) mostra, através de análises baseadas em eletropalatografias, que há uma certa invariância acústica mesmo quando há variabilidade articulatória em decorrência do contexto adjacente aos taps, neste caso as vogais. O autor acaba classificando todas essas variações como sendo taps, mesmo não havendo uma mesma configuração articulatória específica para a sua produção. Com isso, pode-se dizer que Lindau está tratando de variações entre sujeitos e Recasens trata de variações entre os mesmos sujeitos. Embora esses estudos propusessem que realmente era de se esperar que houvesse diferenças entre as produções dos taps dos informantes pode-se propor que como se tratam de segmentos que exigem uma manobra articulatória complexa produzida em um espaço de 11

tempo muito breve, qualquer manobra que não seja produzida completamente (seja por ritmo de fala acelerada, seja por possível efeito de coarticulação com algum segmento adjacente) pode promover a produção de segmentos que perceptualmente sejam identificados como taps, mas que ao serem submetidos a uma análise espectrográfica revelam as pequenas diferenças acústicas produzidas pelos falantes. Mesmo porque taps e aproximantes são produzidas pelos mesmos informantes nas mesmas palavras-alvo utilizadas no experimento (ver item 3.2.). Ou seja, as diferenças na produção desses elementos podem ocorrer na fala de um mesmo informante e pequenas diferenças articulatórias resultam em diferenças acústicas. Por essas razões é que seria necessário investigar o que estaria condicionando a produção de taps por aproximantes. 1.2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Na seção anterior tentou-se caracterizar minimamente o tap, levando em conta tanto suas características articulatórias quanto acústicas. Nas seções seguintes se revisará a literatura referente ao tap em coda. No item 1.2.1. serão expostos os trabalhos referentes a diferentes línguas do mundo e no item 1.2.2. os trabalhos sobre o espanhol. 1.2.1 O tap em outras línguas do mundo Procurou-se, primeiramente, estudos sobre o tap em coda nas línguas do mundo. No entanto, constatou-se que não havia muitos estudos que o descreviam acusticamente. Encontraram-se alguns estudos sobre como se comporta o tap em grupos e, em alguns raros casos, há uma breve descrição sobre o tap em coda. Jetchev (1995) analisa a evolução histórica das vogais do búlgaro e de outras línguas eslávicas. O autor, ao tratar das vogais quando em grupos do tipo obstruinte + tap + vogal, descreve que há a produção de um elemento esvarabático entre a consoante e o rótico, isto é, esse elemento vocálico parece ser uma vogal neutra do tipo schwa. Embora não haja uma descrição detalhada desse segmento, pode-se levantar a hipótese que o elemento vocálico produzido no tap em coda do espanhol possa se comportar como o 12

elemento vocálico do tap em grupo do búlgaro. O autor afirma que esse fenômeno também ocorre no tcheco. O norueguês apresenta fenômeno semelhante ao do búlgaro e do tcheco. Kvale & Foldvik (1995) elaboram um estudo acústico para investigar as características do flap retroflexo do norueguês, variante de um dialeto não padrão. Esse estudo demonstra que diferentes contextos fonéticos afetam sistematicamente a realização do rótico. Os autores notam que os clusters do norueguês (constituídos de oclusivas ou fricativas mais um flap retroflexo) também apresentam a produção de uma vogal epentética, ou seja, um elemento vocálico do tipo schwa, entre a consoante e o rótico. É interessante notar que a duração desse evento acústico é bem variável e longa, com 30ms depois de [p] e 50ms depois de [b] e [m]. Nessa descrição foram analisados tanto dados de fala de laboratório quanto fala contínua. É interessante notar que se encontraram os mesmos fenômenos em ambas as modalidades de fala. Os autores notam que em trava silábica do tipo vogal + /r/ + consoante também há a produção dessa vogal epentética, só que à direita do rótico. Verifica-se que esse elemento é mais fraco e curto que nos grupos. Silva (1996) realiza a primeira descrição acústica das líquidas do PB. Em seu experimento fonético-acústico utilizou 77 logatomas no total, sendo estes mono e dissílabos oxítonos. As vogais tônicas dos logatomas foram alternadas entre as 7 vogais orais do PB e nas sílabas átonas deixou-se fixa a vogal [a]. Os logatomas foram inseridos em frasesveículo e lidos, em cinco repetições, por um informante paulistano que produzia todas as líquidas que se pretendia descrever. Nesse trabalho se analisou a vibrante alveolar múltipla, o tap, a lateral alveolar e a lateral palatal. Dos 77 logatomas utilizados, 7 continham o tap em coda, somando, com isso, um total de 35 dados de monossílabos com o tap em coda. Visualmente, os taps (intervocálico, final e em grupos) se caracterizam pela descontinuidade espectral, sendo possível observar dois momentos bastante distintos, o início do fechamento (durante o qual a energia de vozeamento é muito baixa, chegando,inclusive, a ser praticamente nula) e o final do fechamento, 13

que coincide no espectrograma com um estouro muito breve (Silva, op cit: 66, 67). Outra característica é a considerável variação de energia de produção, expressada por picos irregulares na forma de onda, que quase atinge zero. A amplitude da onda é bem menor que de uma vogal. Em seu estudo, Silva nota que tanto em grupos quanto em posição final de palavra há a produção de um elemento vocálico, sendo à direita do tap em grupos e à esquerda em posição final 3. Com isso, o tap se apóia sempre em duas vogais, independente da posição silábica (p.68). Nota-se, também, que esse fenômeno ocorre mais de uma vez na vibrante, tendo, porém, uma estrutura formântica menos próxima daquela das vogais tônicas (p.69). A única diferença que parece haver entre o elemento vocálico e a vogal nuclear é a duração, sendo muito mais breve para o elemento. No entanto, seu estudo não chega a conclusões a respeito da natureza da estrutura formântica do elemento vocálico tanto do tap em grupos como do tap em coda. Carvalho (op cit) compara as vibrantes do PB com as do espanhol colombiano. Ao tratar das vibrantes do PB, principalmente dos róticos em grupos, notou-se que tanto numa língua como noutra, o erre se realiza como [ſ], precedido por uma vogal epentética bem marcada (Carvalho op cit: 116). Esse estudo não faz medições sobre a estrutura formântica desses elementos, o que impede que se diga categoricamente qual é a qualidade desse segmento. Em seu estudo o tap em coda não foi encontrado, pois os informantes realizavam uma variante retroflexa em contexto de coda 4. Seguindo essas questões levantadas por Silva (op cit) e por Carvalho (op cit), Nishida (2004, 2005) faz uma descrição acústica do elemento vocálico que é produzido no tap em grupos do PB. Sua descrição se baseia em um corpus composto por 37 palavras da língua, sendo estas dissílabas paroxítonas. Na sílaba tônica alteraram-se entre as oclusivas [p, b, t, d, k, g] e a fricativa [f], uma vez que somente essas consoantes ocorrem em posição tônica no PB. E, toda vez que possível, alterou-se entre as 7 vogais orais do PB. Essas 3 Esse elemento vocálico é chamado por Silva de abertura oral. 4 Para uma análise acústica do erre retroflexo do português ver Ferraz, I. Características fonético-acústicas do /r/ retroflexo do português brasileiro: dados de informantes de Pato Branco (PR). Dissertação de mestrado. Inédito. Curitiba: UFPR, 2005. 14

palavras foram encontradas com o auxílio do software Listas 5. Os dados foram gravados em uma sala com tratamento acústico por dois informantes 5 vezes cada e, em seguida, submetidos á análise espectrográfica. As palavras-alvo foram inseridas em sentenças de uso cotidiano, mas obedecendo a uma mesma estrutura sintática, para que se evitassem vieses prosódicos, como por exemplo, topicalização. Seu estudo concluiu que os elementos vocálicos parecem ter seus formantes condicionados pela estrutura formântica da vogal nuclear do grupo. Assim, propõe que o elemento vocálico do tap em grupo do PB seja a mesma vogal nuclear do grupo sendo entrecortada pelo tap após alguns milissegundos que se inicia a articulação da vogal. A primeira descrição acústica sobre a estrutura formântica do elemento vocálico do tap em coda do PB é feita por Clemente (2004, 2005). Seu estudo, primeiramente, pretendia estudar a queda do tap em coda conforme descrevem os estudos sociolingüísticos. No entanto, em seu estudo preliminar não houve a queda do tap e foi possível fazer uma primeira inspeção sobre a estrutura formântica do elemento vocálico. Seus primeiros resultados mostravam que o elemento vocálico poderia estar se comportando do mesmo modo que a vogal do núcleo silábico. Decidiu-se, então, elaborar um experimento mais controlado, pois acreditava que a estrutura das sentenças utilizadas no primeiro experimento poderia ter influenciado a produção do tap e do elemento vocálico. Assim, foram utilizadas palavras da língua (dissílabos oxítonos) inseridas na sentença-veículo do tipo Digo pra ele.. Segundo o autor, não foi por acaso a escolha dessa oclusiva. Primeiramente, a oclusiva bilabial evita qualquer efeito de coarticulação com o tap. Esse efeito prejudicaria a análise, pois haveria mais um fenômeno ocorrendo além do aparecimento do elemento vocálico. Outro motivo que levou à escolha da oclusiva foi o fato de ela limpar o espectrograma (Clemente, op cit: 20). As palavras-alvo também foram divididas entre verbos no infinitivo e substantivos, com a finalidade de se investigar se há alguma diferença morfológica na produção do elemento vocálico do tap em coda. Desta forma, seu corpus era composto por 55 dados por informante, somando um total de 220 dados, pois foram utilizados 4 informantes para esse experimento (dois homens e duas mulheres). 5 Programa desenvolvido no LAFAPE/UNICAMP que possibilita realizar quantificações das estruturas de sílabas e palavras da língua. 15

Seus resultados apontaram para uma centralização dos formantes do elemento vocálico tanto para os infinitivos verbais como para os substantivos. O autor propõe que no PB há diferença de estrutura formântica do elemento vocálico a depender do contexto fonológico que se encontra, isto é, em grupos o elemento vocálico parece ser condicionado pela estrutura formântica da vogal nuclear do grupo e em coda o elemento vocálico parece sempre seguir uma mesma estrutura formântica, assemelhando-se a uma vogal centralizada. Como foi apresentado nesta seção, pode-se dividir a produção do elemento vocálico em dois conjuntos: 1) as línguas em que há a produção de uma vogal neutra do tipo schwa ou centralizada; 2) e as línguas em que a qualidade do elemento vocálico estaria condicionada à qualidade da vogal nuclear do grupo. 1.2.2 O tap no espanhol Como se apresentou na seção anterior, não havia muitos estudos sobre o tap em coda nas línguas do mundo, sendo a maioria dos estudos relacionados ao comportamento do tap em grupos. Esse fato também se verifica na bibliografia referente ao espanhol. Desta forma, revisar-se-á como se comporta o tap em grupo do espanhol. Em seu Tratado de fonética y fonología españolas, Quilis (1993) trata do tap em seus distintos ambientes de ocorrência. No espanhol, o tap é produzido em posição intervocálica e em grupos tautossilábicos (p.330). Para o autor, o rótico em coda é produzido como no português, tem sua articulação formada por meio de uma breve oclusão entre o ápice da língua e os alvéolos (p.330). Ao se tratar dos grupos tautossilábicos, Quilis nota que entre a consoante e o tap há o desenvolvimento de um elemento esvarabático. Vale salientar que, impressionísticamente, Lenz (1892 apud Quilis op cit) relata que, tanto no espanhol americano quanto no peninsular, era possível ouvir auditivamente a produção de um segmento glótico nesse contexto segmental. Por inspeção visual, Quilis propõe que a estrutura formântica do elemento vocálico parece seguir a da vogal nuclear do grupo. Almeida & Dorta (1993), em seu estudo, têm como material de análise fragmentos de conversas (segundo eles, em estilo semi-espontâneo) de sete falantes da Ilha de Tenerife (3 homens e 4 mulheres). Essa descrição, embora mais detalhada, não vai muito além dos 16

apontamentos de Quilis (op cit). Ao tratarem dos grupos nessa variante do espanhol, os autores também identificaram o desenvolvimento de um elemento vocálico cuja duração pode superar a do tap (p.107). Carvalho (op cit) mostra que no espanhol colombiano há o desenvolvimento de um elemento vocálico entre a consoante e o tap nos grupos e à direita do tap em coda. Seu trabalho afirma que esse elemento vocálico é uma vogal epentética. No entanto, nao há nenhuma quantificação feita em relação a estrutura formântica desses segmentos. Como nenhum desses estudos descrevem de modo mais detalhado qual é a estrutura formântica do elemento vocálico do espanhol tanto em grupo quanto em coda, pode-se levantar duas hipóteses sobre o elemento vocálico do tap em coda: 1) trata-se de um elemento vocálico do tipo schwa (como se tem para o norueguês) ou centralizado (como no PB); 2) trata-se da mesma vogal nuclear do grupo entrecortada pelo tap (como se tem para os grupos do PB). 17

2. METODOLOGIA Tendo em vista o que foi apresentado nas seções anteriores, decidiu-se elaborar um experimento fonético acústico com a finalidade de se caracterizar acusticamente a natureza formântica do elemento vocálico que é produzido à direita do tap em coda do espanhol para que, em seguida, se possa fazer uma comparação com o tap em coda do PB. 2.1. DESIGN EXPERIMENTAL A metodologia adotada neste estudo segue o experimento elaborado por Clemente (op cit), já que tais escolhas feitas em seus estudos geraram resultados consistentes acerca do elemento vocálico do tap em coda do PB. 2.1.1. Montagem do corpus O tap em coda no espanhol ocorre travando sílaba dentro de palavra e em fronteira de palavra. Assim, decidiu-se escolher palavras da língua que possuíam o tap nesses contextos de ocorrência. Alterou-se, toda vez que possível, as vogais nucleares das sílabas entre as cinco vogais do espanhol, com a finalidade de se averiguar se o núcleo silábico condiciona a natureza formântica do elemento vocálico. Decidiu-se contemplar no corpus a palavra-alvo puerta. Esse dado da língua espanhola se torna interessante, pois se o elemento vocálico em coda for condicionado pela estrutura formântica do núcleo silábico qual vogal do ditongo que estaria condicionando? Ao contrario do que se tem para o PB, não há para o espanhol um software que realiza quantificações sobre estruturas de sílabas e palavras da língua 6, fazendo com que se escolhesse as palavras fazendo uso de dicionários e, até mesmo, o próprio conhecimento da língua. Seguindo a metodologia aplicada por Clemente (op cit), selecionou-se, então, dissílabos paroxítonos e oxítonos que possuíam o tap em coda nas respectivas sílabas tônicas. 6 Para o PB há o software Listas, desenvolvido no LAFAPE / UNICAMP. 18

Assim, montou-se um corpus com 11 palavras-alvo: [i] [e] [a] [o] [u] [we] Paroxítonas circo cerca carta torta turco puerta Oxítonas huir poder hogar tutor yogur - Tabela 1 Dissílabos paroxítonos e oxítonos utilizados como palavras-alvo no experimento 7. As palavras alvo do experimento foram inseridas em sentenças veículo do tipo Digo bajito para que se evitassem vieses prosódicos na produção dos segmentos submetidos à análise espectrográfica 8. Clemente (op cit) observou que sentenças de uso cotidiano da língua, embora seguissem uma mesma estrutura sintática, dificultavam a produção dos taps em coda. A utilização de sentenças veículo se tornou uma saída plausível para que se controlasse satisfatoriamente o fenômeno em questão. 2.1.2. Coleta de dados As 11 sentenças do experimento foram lidas 5 vezes por um falante nativo (F) de espanhol de Buenos Aires (Argentina). Cada conjunto de repetição possuía as 11 sentenças lidas em ordem aleatória, para que o informante não as memorizasse. Não foram utilizados distratores na coleta de dados, pois um número maior de sentenças poderia cansar o informante e enviesar a coleta de dados, pois, uma variável a mais seria inserida no experimento. Vale salientar que o informante não percebeu qual era o objetivo do experimento, não enviesando a coleta de dados. Pois ao perceber o que estava sendo analisado no experimento, o informante poderia hiperarticular a produção do tap. 7 Não foi encontrada nenhuma palavra que possuísse um ditongo travado por tap em dissílabos oxítonos no espanhol. 8 Para uma leitura sobre o condicionamento de estruturas sintáticas e prosódicas na produção da vibrante múltipla em início de palavra ver SILVA, Adelaide H. P. As fronteiras entre Fonética e Fonologia e a alofonia dos róticos iniciais em PB: dados de dois informantes do sul do país. Tese de doutorado, inédito. Campinas: IEL/UNICAMP, 2002. 19

As repetições foram gravadas digitalmente em uma sala com tratamento acústico no LACOMUS (Laboratório de Computação Musical) do Departamento de Artes da UFPR (DEARTES), com taxa de amostragem do sinal a 44100Hz 9. 2.1.3. Análise dos dados Figura 2 Espectrograma mostrando um tap em coda na palavra-alvo hogar, entre as linhas verticais pontilhadas. Como é possível notar visualmente no espectrograma acima, há à direita do tap (espaço em branco com amplitude de onda baixa entre as linhas verticais pontilhadas) a produção de um evento acústico de aspecto contínuo que se assemelha à uma vogal, só que de duração reduzida, esse segmento é o elemento vocálico. Pode-se notar que, nesse caso, aparentemente a estrutura formântica do elemento vocálico segue a estrutura formântica do núcleo silábico, fazendo com que se pense que os formantes do elemento vocálico talvez estivesse sendo condicionado pela natureza formântica do núcleo silábico. 9 Um agradecimento à Prof. Dra. Roseane Yampolschi por autorizar a utilização do estúdio do Deartes e ao aluno Felipe Ribeiro pelo auxílio técnico nas gravações. 20

Decidiu-se, então, extrair os três primeiros formantes da vogal do núcleo silábico e do elemento vocálico em seus respectivos pontos médios. Desta maneira pode-se caracterizar comparativamente a natureza desse evento acústico que surge à direita do tap com a vogal do núcleo silábico. Isso é possível pois, como propõe a Teoria Acústica de Produção de Fala (Fant 1960), há uma relação entre os formantes e a articulação dos sons. O primeiro formante (F1) e o segundo formante (F2) têm como correlato articulatório abertura de mandíbula e movimento de dorso de língua, respectivamente. Mediu-se, também, a duração dos elementos vocálicos para se saber qual é o padrão duracional desses segmentos, uma vez que se tratam de eventos acústicos aparentemente muito breves, o que seria uma pista para que as pessoas não ouçam esses segmentos. 21

3. DISCUSSÃO DOS DADOS Tendo colhido as 5 repetições do corpus elaborado, passou-se à etapa de análise dos dados. Para a análise dos dados fez-se uso da extração automática do software Praat 10 (versão 4.2.07) e, em seguida, os valores foram conferidos manualmente para que se evitassem possíveis erros nas medições automáticas. 3.1. INSPEÇÃO VISUAL Nesta seção se apresentarão as características visuais do tap, da aproximante em coda e do elemento vocálico. 3.1.1. O tap Figura 3 - Espectrograma mostrando um tap em coda na palavra-alvo circo, entre as linhas verticais pontilhadas. 10 Programa gratuito desenvolvido por Paul Boersma e David Weenink no Instituto de Ciências Fonéticas da Universidade de Amstredã. Disponível em www.praat.org. 22

Pode-se notar, na figura 3 acima, as características visuais do tap apresentadas em Silva (op cit), como exposto na seção 1.2.1. Visualmente o tap se caracteriza por descontinuidade espectral decorrente da interrupção da passagem do ar pelo trato vocal. Outra característica é a irregularidade e a baixa amplitude na forma de onda, ambos decorrentes da diminuição da energia de produção. Assim, na palavra-alvo circo, no espectrograma acima, nota-se que o tap (entre linhas verticais pontilhadas) apresenta descontinuidade espectral, ou seja, é representado por espaços em branco no espectrograma. Pois quando a ponta da língua toca os alvéolos há uma breve interrupção da passagem do ar pelo trato vocal. Pode-se notar, também, que a amplitude de onda é mais baixa e irregular que do elemento vocálico (evento acústico de aspecto contínuo localizado à direita do tap). 3.1.2. A aproximante Durante a análise dos dados, notou-se que nem sempre o informante F produziu um tap canônico. O informante produziu um rótico do tipo aproximante alveolar. Como se trata de um som com características acústicas diferentes das do tap, há diferenças visuais no espectrograma. Na figura 4, abaixo, há entre linhas verticais pontilhadas uma aproximante na coda da palavra-alvo carta. Pode-se notar que não há descontinuidade espectral, baixa amplitude e irregularidade na forma de onda como se tinha para o tap. Um som aproximante se caracteriza por apenas haver uma leve aproximação entre os articuladores, não havendo a total interrupção da passagem do ar pelo trato vocal e sem produzir ruído fricativo. Assim, a aproximante vai apresentar continuidade espectral. Quanto à forma de onda, há uma certa regularidade nos pulsos, chegando até mesmo a exibir uma certa estrutura formântica, mas com amplitude mais baixa que de vogais e elementos vocálicos e mais alta que dos taps. Isso resulta em um tom de cinza no espectrograma. 23

Figura 4 - No espectrograma, entre linhas verticais pontilhadas, uma aproximante produzida na palavra-alvo carta. 3.1.3. O elemento vocálico Como é possível notar nas Figuras _ e_, há à direita do tap e da aproximante a produção de um evento acústico breve que se assemelha a uma vogal. Essa semelhança se dá porque esse segmento apresenta continuidade espectral, estrutura formântica bem definida e regularidade nos pulsos. A única diferença desse segmento com a relação a uma vogal parece ser a sua breve duração e a baixa amplitude de onda. Por esta razão é que se convencionou chamar esse evento acústico de elemento vocálico. 3.2. TAP E APROXIMANTE Ao contrário do que aconteceu para os dados do PB (Clemente op cit), não houve grande número de ocorrência da variante aproximante na coleta de dados do espanhol. O que poderia indicar que, talvez, o sistema dos sons do espanhol seja mais rígido que o do PB, uma vez que tanto em coda silábica quanto nos grupos do tipo obstruinte+/r/+vogal (Nishida 2005) parece haver maior variância nos tipos de róticos do PB, variando entre tap, 24

aproximantes e, em alguns casos, retroflexo. Esse fato talvez seja o que Quilis (op cit) chamou de articulação tensa, ou seja, a língua espanhola tenderia a não reduzir seus sons, inclusive vogais átonas finais. No entanto isto requereria uma análise mais profunda, uma vez que o sistema fonológico do espanhol faz com que as oclusivas, por exenplo, relaxem quando em contexto intervocálico. Seria interessante, com isso, fazer um estudo articulatório para se traçar as razões pelas quais ocorre essa variação entre taps e aproximantes. Tabela de Ocorrência de Taps e Aproximantes Informante F Paroxítonas Oxítonas Total % Tap 20 18 43 78,19 Aproximante 5 7 12 21,81 55 Tabela 2 - Tabela de ocorrências de taps e aproximantes para o informante F. Como mostra a Tabela 2, acima, há maior produção de taps que de aproximantes. Uma das razões pelas quais se poderia pensar que há a produção de aproximantes seria a de que ocorreu uma hipoarticulação dos articuladores. Como o tap é um som muito breve e com grande complexidade articulatória, a mínima variação que se faça nos articuladores há diferenças acústicas visíveis na análise espectrográfica. Uma pequena aceleração do ritmo de fala do informante, por exemplo, pode ter relaxado a produção do tap, fazendo com que se não completasse o toque da ponta da língua na região alveolar, apenas ocorrendo uma aproximação. Como discutido acima, há a necessidade de se estudar o que estaria condicionando essa variação. No entanto, não há este recurso, ainda, para se realizar análise articulatória no Brasil. O fato de ter ocorrido a produção de aproximantes no experimento não enviesou a coleta de dados, pois, ao contrário do que ocorreu para o PB (Nishida 2005), as aproximantes não influenciaram na produção do elemento vocálico, sendo produzido em todos os dados. Para grupos do PB, o elemento vocálico sempre ocorria quando era produzido um tap, mas quando se produzia uma aproximante o elemento vocálico parecia ser opcional. A hipótese que se levantou era a de que o tap, por se tratar de um som descontínuo, necessitaria de um som contínuo pra se apoiar, pois a fonotaxe do português não permitiria que dois sons descontínuos ocorressem lado a lado. Desta forma, o elemento 25

vocálico seria opcional para as aproximantes, uma vez que elas são sons contínuos, não ferindo a fonotaxe da língua (Magalhães 1997). 3.3. ELEMENTO VOCÁLICO A razão pela qual se decidiu caracterizar acusticamente a estrutura formântica do elemento vocálico decorre de uma questão levantada na revisão bibliográfica (item _) que daria duas possibilidades: 1) ou se trataria de uma vogal neutra do tipo schwa (como se tem para o norueguês, búlgaro, tcheco e PB); ou da própria vogal nuclear do grupo sendo entrecortada pelo tap alguns milissegundos após o início da sua produção (como se tem para o tap em grupos do PB). Nas seções seguintes se examinará a configuração dos formantes para que se determine qual é a estrutura formântica do elemento vocálico do tap em coda do espanhol. 3.3.1. Configuração dos formantes Tendo extraído os três primeiros formantes das vogais nucleares e dos elementos vocálicos e, em seguida, calculado as médias aritméticas, decidiu-se plotar os valores de F1 e de F2 em gráficos de F1 X F2. Cada ponto no gráfico corresponde aos valores médios de F1 e de F2 nas 5 repetições do informante F. Os gráficos estão divididos em dois grupos: o tap em coda silábica dentro de palavra, isto é, em dissílabos paroxítonos; e o tap em coda em fronteira de palavra, ou seja, em dissílabos oxítonos. 26

Vogais Nucleares (Paroxítonas) F2 2500 2000 1500 1000 500 [i] [u] [o] [e] [we] [a] 0 0 200 400 600 800 F1 Gráfico 1 Média dos valores de F1 X F2 das vogais nucleares nos dissílabos paroxítonos do informante F. 11 Vogais Nucleares (Oxítonas) 2500 2000 1500 [i] [e] [a] F2 1000 500 [u] [o] 0 0 200 400 600 800 F1 Gráfico 2 - Média dos valores de F1 X F2 das vogais nucleares nos dissílabos oxítonos do informante F. Nos Gráficos 1 e 2, acima, tem-se as médias dos valores de F1 e F2 das vogais nucleares das silabas tônicas dos dissílabos paroxítonos e dos dissílabos oxítonos, 11 Ao lado dos pontos dos gráficos há uma transcrição fonética para se saber à quais vogais os elementos vocálicos se referem. 27

respectivamente, produzidos pelo informante F. Pode-se notar que os valores se dispõe no gráfico de modo a formar o triângulo vocálico das 5 vogais do espanhol. Também é possível notar que os Gráficos 1 e 2, mesmo sendo reflexo da produção do mesmo informante, não são idênticos, isto é, não há um mesmo valor para cada vogal. Isso, de certa forma, era de se esperar, uma vez que todo som não é produzido de uma mesma maneira mais de uma vez, assim, não se obtêm os mesmos valores para as mesmas vogais. Pode-se notar que as vogais médias [e] e [o] do grupo das paroxítonas não estão alinhadas quanto ao eixo de F1 do mesmo modo que estão alinhadas no Gráfico 2, referente às vogais oxítonas. Essas diferenças não enviesam os resultados deste trabalho, uma vez que podem ser idiossincrasias do informante F e, ainda mais, o importante nesses gráficos são as relações entre os pontos, pois são elas que vão determinar as diferenças entre as vogais. Pode-se notar que nos Gráficos 1 e 2, as vogais anteriores têm seus valores de F1 baixo e F2 alto, ou seja, distantes entre si, e para as vogais posteriores F1 e F2 baixos, mais próximos. Essas relações caracterizam acusticamente as vogais. Assim, esses gráficos serviram como ponto de comparação para que se determine se a natureza formântica do elemento vocálico em coda se trata de uma vogal neutra do tipo schwa ou da mesma vogal do núcleo silábico sendo entrecortada pelo tap. No grupo das paroxítonas há um ditongo sendo travado pelo tap na palavra-alvo puerta. Os valores de F1 e F2 do ditongo corresponde à parte final do ditongo, Isto é, o que seria o [e]. Pode-se notar que seus valores de F1 e F2 ocupam uma região central do gráfico, ou seja, F1 próximo de 500 Hz e F2 pouco abaixo de 1500 Hz. Tal diferença entre o [e] da palavra-alvo cerca e o [e] do ditongo de puerta talvez seja por coarticulação da semivogal do ditongo, que pode estar fechando e posteriorizando o [e]. 28

Elementos Vocálicos (Paroxítonas) 2500 F2 2000 1500 1000 500 [i] [we] [u] [e] [a] [o] 0 0 200 400 600 800 F1 Gráfico 3 - Média dos valores de F1 X F2 dos elementos vocálicos nos dissílabos paroxítonos do informante F. Elementos Vocálicos (Oxítonas) 2500 F2 2000 1500 1000 500 [u] [i] [o] [e] [a] 0 0 200 400 600 800 F1 Gráfico 4 - Média dos valores de F1 X F2 dos elementos vocálicos nos dissílabos oxítonos do informante F. Os Gráficos 3 e 4, acima, correspondem às médias de F1 e F2 dos elementos vocálicos do tap em coda dos dissílabos paroxítonos e oxítonos, respectivamente. Pode-se 29

notar que os pontos nos gráficos não formam, como se tem para as vogais de núcleo silábico, um triângulo que se assemelha ao triângulo vocálico das vogais do espanhol. Os pontos nos gráficos parecem se agrupar ao centro, indicando que há uma certa centralização dos valores de F1 e F2, levando a concluir, inicialmente, que o elemento vocálico não possui sua estrutura formântica condicionada pela vogal nuclear da sílaba. Os valores de F1 e F2 do elemento vocálico referente ao ditongo [we] parece se comportar do mesmo modo que se comportam os valores de F1 e F2 do ditongo em núcleo silábico. Tal fato dá uma pista para se pensar que há centralização dos valores de F1 e F2, uma vez que, aparentemente, há mudança dos valores das vogais não centrais e não há mudança dos valores centrais. Os dados do espanhol parecem apontar para a mesma direção dos dados de Clemente (op cit) para o PB. Seu estudo, como mencionado na seção 1.2.1, mostra que tanto para infinitivos verbais como para substantivos, o tap em coda se comporta da mesma maneira: tem seu elemento vocálico seguindo uma mesma estrutura formântica, se assemelhando a uma vogal centralizada. Decidiu-se, neste trabalho, replicar o mesmo procedimento que Clemente realizou para se determinar quais são as diferenças entre os valores de F1 e F2 das vogais nucleares com os elementos vocálicos. Com isso, decidiu-se subtrair dos valores de F1 e F2 do núcleo silábico os valores de F1 e F2 dos elementos vocálicos. Pois, comparando os resultados obtidos, é possível saber se o elemento vocálico se aproxima da vogal tônica ou se há um distanciamento entre os segmentos (Clemente op cit: 25). Desta forma, se chegou aos seguintes valores: 30

PAROXÍTONAS F1 VOGAL NUCLEAR ELEMENTO VOCÁLICO DIFERENÇA [i] 350 394-44 [e] 534 460 74 [a] 676 487 187 [o] 475 507-32 [u] 362 391-29 [we] 543 489 54 F2 VOGAL NUCLEAR ELEMENTO VOCÁLICO DIFERENÇA [i] 1989 1479 510 [e] 1600 1534 66 [a] 1459 1303 156 [o] 1071 1200-129 [u] 1006 998 8 [we] 1420 1386 34 Tabela 3 - Tabela contendo as diferenças dos valores médios das freqüências entre vogais tônicas paroxítonas e elemento vocálicos para o informante F. OXÍTONAS F1 VOGAL NUCLEAR ELEMENTO VOCÁLICO DIFERENÇA [i] 378 433-55 [e] 458 464-6 [a] 659 493 166 [o] 451 438 13 [u] 336 377-41 F2 VOGAL NUCLEAR ELEMENTO VOCÁLICO DIFERENÇA [i] 1877 1521 356 [e] 1696 1438 258 [a] 1447 1405 42 [o] 1065 1166-101 [u] 891 1105-214 Tabela 4 - Tabela contendo as diferenças dos valores médios das freqüências entre vogais tônicas oxítonas e elemento vocálicos para o informante F. Na Tabela 3 relacionada às paroxítonas, acima, pode-se notar que os elementos vocálicos relacionados às vogais [i], [o] e [u] realizam movimento de abertura de mandíbula, pois seus valores de F1 aumentam. Os elementos vocálicos das vogais [e] e [a] realizam um leve fechamento, pois há uma diminuição dos valores de F1. O valor de [a] é o que apresenta maior diferença (187 Hz). Como [a] apresenta a maior abertura de mandíbula das vogais e seu F1 foi o que mais diminuiu, isso indica que há um movimento de 31

fechamento da mandíbula. O valor de F1 do ditongo sofre pequena diminuição, indicando que há um pequeno fechamento da mandíbula. Mesmo assim, o valor de F1 desse elemento vocálico ainda permanece numa região central, isto é, muito próximo de 500 Hz. Os valores de F2 dos elementos vocálicos de [i] e [e], definitivamente, realizam movimento de dorso de língua em direção ao centro, pois seus valores diminuem. [a] e [o] também têm seus valores diminuídos, mas há muito mais uma posteriorização do dorso de língua que uma centralização, pois os valores estão aproximadamente 200 Hz abaixo de 1500 Hz (o valor absoluto de uma vogal neutra do tipo schwa). Já o valor de [u] e de [we] parece não ter sofrido nenhuma variação significativa (apenas 8 Hz e 34 Hz de diferença, respectivamente). Mesmo assim pode-se pensar em um movimento de centralização dos articuladores, embora não se pareça com um schwa canônico. Na Tabela 4 relacionada às oxítonas, acima, pode-se notar que os elementos vocálicos relacionados às vogais [i], [e] e [u] realizam movimento de abertura de mandíbula, pois há o aumento dos valores de F1. [a] e [o] fecham a mandíbula, pois há diminuição do valor de F1. O elemento vocálico da vogal [a] também, como os dados das paroxítonas, é o que possui maior diferença (166 Hz de fechamento). Pode-se, então, dizer que há centralização de F1. É interessante notar que os valores de F1 dos elementos vocálicos não chegam ao valor de F1 da vogal [a], dando uma pista que os elementos vocálicos não atingem a abertura de um [a], ou seja, não atingem a abertura máxima de uma vogal. Quando aos valores de F2, [i] e [e] se posteriorizam (valores diminuem) e [o] e [u] se anteriorizam (aumento dos valores). Quanto ao elemento vocálico da vogal [a] parece não haver diferenças significativas, pois os 42 Hz de diferença ainda mantêm o F2 em uma região central. Desta forma, pode-se dizer que os valores de F1 e de F2 tanto para oxítonas quanto para paroxítonas realizam movimento de centralização, dando a pista de que a estrutura formântica dos elementos vocálicos do tap em coda seja uma só, muito parecida com a de uma vogal neutra. 32

3.3.2. Padrão duracional Seguindo a metodologia utilizada por Clemente (op cit), decidiu-se medir a duração dos elementos vocálicos. Esse procedimento emerge da questão levantada por Silva (1996), pois a autora, ao comentar a ocorrência dos elementos vocálicos no tap do PB, afirma que uma das únicas diferenças que pareciam haver entre a vogal nuclear do grupo e o elemento vocálico era a sua duração, sendo muito mais breve para o elemento vocálico, o que parece ser uma pista para que esses segmentos não sejam ouvidos. DURAÇÃO [i] [e] [a] [o] [u] [we] Paroxítonas 14,6 18,2 23,4 18,8 18,2 23 Oxítonas 27 26,8 24,5 22,6 23,6 - Tempo em ms Tabela 5 - Média da duração dos elementos vocálicos em coda. Na tabela 5, acima, há a medição da duração dos elementos vocálicos do tap em coda do espanhol, em milissegundos. Pode-se notar que se trata de elementos muito breves, chegando a atingir valor mínimo de 14,6 ms para o [i] das paroxítonas e valor máximo de 27ms para o [i] das oxítonas. É interessante notar que a duração dos elementos vocálicos do espanhol é parecida com a dos elementos vocálicos do PB. Para os dois informantes masculinos, R e F, de Clemente (op cit) a duração dos elementos vocálicos variaram entre 16 ms e 22 ms e entre 16 ms e 24 ms, respectivamente. Para a sua informante feminina, A, a duração variou entre 20 ms e 27 ms. Pode-se notar, com isso, que tanto em espanhol com no PB a duração do elemento vocálico é breve. 3.3.3. Resultados Com base no que foi apresentado nas seções anteriores, pode- se dizer que o elemento vocálico produzido no tap em coda do espanhol não tem a estrutura formântica condicionada pelo núcleo silábico, tal como ocorre para o tap em grupo do PB e do 33