O papel da anatomia radicular na colocação de pinos pré-fabricados: uma visão endodôntica

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REVISÃO REVIEW O papel da anatomia radicular na colocação de pinos pré-fabricados: uma visão endodôntica The role of radilar anatomy on the post systems rehabilitation: an endodontic point of view Erick Miranda SOUZA 1 Fernanda Geraldes PAPPEN 2 Denise Piotto LEONARDI 3 Vitor Obergoso FLORES 4 Fábio Luiz Camargo Vilela BERBERT 4 RESUMO O tratamento de escolha para a reabilitação de dentes tratados endodonticamente se caracteriza pela colocação de pino intra-radicular para adaptação de uma coroa protética. Atualmente vários sistemas de pinos pré-fabricados indicam a utilização de fresas específicas para adaptação da anatomia do canal radicular à anatomia do pino. Esta situação tem levado profissionais a promover desgastes na estrutura dental além dos limites aceitáveis tornando o elemento dental mais susceptível ao insucesso pela possibilidade de perfuração e/ou enfraquecimento da estrutura dental remanescente. O objetivo desta revisão é trazer ao reabilitador oral uma visão objetiva da anatomia radicular com um enfoque baseado em recentes evidências científicas a fim de demonstrar que é injustificável o risco de desgastes sucessivos do espaço do canal radicular. A espessura dentinária em vários grupos dentários é muito precária mesmo antes do preparo endodôntico, e a determinação da espessura dentinária por meio de exame radiográficos podem levar a sérias iatrogenias. Desta forma, conclui-se que a preparação do canal radicular além da configuração já estabelecida pelo preparo biomecânico é desnecessária e de alto risco. A indústria de pinos pré-fabricados deve se adaptar a realidade da diversidade anatômica e não a via oposta. Termos de indexação: técnica para retentor intra-radicular; raiz dentária; preparo prostodôntico do dente. 1 Faculdade de Odontologia, Centro Universitário do Maranhão. São Luis, MA, Brasil. 2 Mestre em Endodontia, Universidade Estadual Paulista. Rua Expedicionários do Brasil, 2030, 14801-360, Araraquara, SP, Brasil. Correspondência para / Correspondence to: F. G. PAPPEN. 3 Setor de Ciências da Saúde, Departamento de Odontologia Restauradora, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, PR, Brasil. 4 Faculdade de Odontologia, Universidade Estadual Paulista. Araraquara, SP, Brasil.

E. M. SOUZA et al. ABSTRACT The treatment of choice for endodontically treated teeth restoration is represented by a crown intra-radicular post-retained. Nowadays, various systems recommend the use of specific drills to enlarge the root canal until it fits the post conformation. Under such circumstances dental professionals carry out excessive enlargement of the canal, most of them beyond the acceptable limits of root canal thickness exposing the root to perforation and/or fracture. The aim of this revision is to support the oral rehabilitator with an evidence-based vision of the radicular anatomy in order to demonstrate the risk of carrying out successive intracanal preparations. The dentin thickness in various teeth is actually poor even before the root canal preparation and minimal thickness data obtained from radiographs analyses could lead to serious iatrogenesis. Therefore, we may conclude that the root canal enlargement after root canal preparation is unnecessary and brings a lot of risk. The post industry must produce posts within the reality of the root diversity. Indexing terms: post and core technique; tooth root; tooth preparation prosthodontic. INTRODUÇÃO Classicamente, a devolução do elemento dental tratado endodonticamente à funcionalidade, e sua conservação a longo prazo passa pela colocação de coroa protética com sustentação intra-radicular fornecida por um pino intra-canal 1. Atualmente, o sucesso do tratamento endodôntico está vinculado à execução rápida desta etapa operatória, uma vez que a imediata reconstrução da coroa dental diminui o risco de infiltrações marginais e reintegra o elemento dental à atividade mastigatória favorecendo o reparo apical 2. No entanto, apesar de ser a técnica de escolha mundialmente aceita para restauração de dentes tratados endodonticamente, várias evidências científicas têm levantado a questão de que a colocação de pinos intra-radiculares pode, na verdade, contribuir para o fracasso, e não para a manutenção do elemento dental tratado endodonticamente 3-7. A colocação de pino intra-radicular muitas vezes não proporciona o esperado reforço à estrutura radicular, pelo contrário, pode contribuir para o maior enfraquecimento desta já comprometida estrutura. Este risco eminente de fratura radicular pós-colocação de pino intra-radicular se dá principalmente devido à quantidade de dentina remanescente 4,5 a qual depende da própria anatomia da raiz, do canal radicular e do preparo do canal para receber o pino 6. Além do risco eminente de fratura radicular, a possibilidade de perfuração da raiz durante a preparação do canal para o pino constitui-se em uma iatrogenia bastante comum principalmente em dentes com raízes achatadas 3-5. Tão importante quanto a técnica de preparo do canal radicular para a colocação do pino intra-radicular é discernir se há realmente a necessidade do desgaste dentinário adicional ao preparo endodôntico. Grande parte dos sistemas de pinos pré-fabricados, atualmente disponíveis no mercado odontológico, recomenda um desgaste adicional por meio de fresas especiais com o objetivo de promover uma adaptação do espaço do canal radicular ao formato do pino selecionado. Katz et al. 3 demonstraram que após subseqüentes preparos com seqüências de fresas determinadas pelo fabricante do Sistema Parapost verifica-se um comprometimento significante das paredes mesial e distal em dentes com canais ovalados 7. Desta forma, de acordo com a anatomia da raiz e do canal radicular, uma manobra adicional de desgaste dentinário pode de fato colocar em risco a integridade e manutenção do remanescente dentário a longo prazo, tornando-o susceptível a futuras fraturas radiculares pela concentração de stress em pontos enfraquecidos pelo desgaste, bem como a perfurações durante a confecção deste preparo adicional. Portanto, visa-se por meio desta revisão, equacionar os recentes conhecimentos das áreas de endodontia e prótese a fim de evitarem-se acidentes tais como o enfraquecimento do remanescente dentário ou perfuração radicular durante o 78

Anatomia radicular na colocação de pinos pré-fabricados preparo para a colocação do pino, trazendo subsídios para se encontrar uma técnica de colocação de pinos intra-radiculares que respeite a anatomia dental e proporcione a adequada sustentação e durabilidade. REVISÃO DA LITERATURA E DISCUSSÃO O papel da anatomia e da endodontia no sucesso dos pinos intra-radiculares Do ponto de vista endodôntico grande enfoque tem sido dado nas últimas décadas à importância do conhecimento e reconhecimento da anatomia radicular como a grande orquestradora na condução das diversas técnicas de preparação dos canais radiculares 8,9. A indústria odontológica tem se adaptado a esta realidade e lançado no mercado produtos que tentam se adaptar às distintas condições de anatomia radicular buscando facilitar e, sobretudo diminuir os riscos de insucesso nos tratamentos de canais radiculares 8,10. No entanto, do ponto de vista restaurador, em relação à colocação de pinos intra-radiculares, pouca importância tem sido dada ao aspecto anatômico do remanescente dental que concorre para o sucesso do tratamento. Desta forma, tanto as pesquisas científicas quanto a indústria tem-se se preocupado com aspectos mais relacionados ao pino em si, tais como o material de composição (fibra de carbono, fibra de vidro, metálico, etc.), morfologia externa (rosqueável, liso), propriedades mecânicas, sistemas de cimentação, ao deslocamento, etc., o que leva profissional a adaptar a anatomia endodôntica existente à realidade anatômica do pino. Estes procedimentos frequentemente exigem o desgaste dentinário adicional, além do preparo endodôntico previamente realizado, que em muitos casos leva ao fracasso pelo enfraquecimento da estrutura remanescente e/ou perfurações radiculares. Tais iatrogenias são mais comuns no desencadeamento do fracasso da manutenção do elemento dental do que falhas no tratamento endodôntico em si 11. Há um consenso na literatura que a espessura da dentina remanescente após o dente ser preparado para receber um pino intra-radicular, é determinante na resistência à fratura do remanescente dental 4,6,12,13. Desta forma, o limite de 1mm de espessura dentinária remanescente pós-preparo é mundialmente reconhecido como o mínimo aceitável com o objetivo de prevenir o enfraquecimento dental 13. Esta afirmação é valida do ponto de vista mecânico 6, porém, ignora a condição anatômica da raiz previamente ao preparo para o pino intra-radicular. Analisando a espessura de dentina e cemento nos níveis apicais, médios e cervicais de raízes de incisivos, caninos e pré-molares superiores e inferiores, Belucci & Perrini 14 observaram dimensões muito próximas de 1mm antes mesmo de qualquer preparo endodôntico nas regiões do terço médio das raízes, principalmente em dentes mais achatados mésio-distalmente. Foram encontrados valores mínimos variando entre 1,12mm e 1,47mm no terço médio de raízes achatadas. Zuckerman et al. 7, McCann et al. 15 e Garala et al. 16 encontraram áreas de 1mm de remanescente dental no terço médio após o preparo endododôntico. Considerando esta espessura como a mínima aceitável, um preparo adicional para pino levaria conseqüentemente à diminuição deste remanescente 16 e ao aumento do risco à fratura. A perda de substância dentinária pós-preparo endodôntico é em média de 25% nos diferentes terços da raiz dentária 16. Um preparo adicional para pino pode elevar esta perda para 50% ou mais de acordo com a fresa indicada para cada sistema de pino intra-radicular 7. Assim como a espessura mínima da parede radicular, o diâmetro apical mínimo do pino intra-radicular também já foi estabelecido, e corresponde a 1mm de diâmetro 17. No entanto, este valor da mesma forma desconsidera a grande variabilidade anatômica existente entre os diferentes grupos dentais. Já, Goodacre & Spolnik 18 afirmam que o diâmetro apical do pino nunca deve exceder a terça parte do diâmetro da raiz. Desta forma, muitos pinos intra-radiculares podem ter seus diâmetros apicais severamente reduzidos, comprometendo assim a resistência do pino à fratura. Zuckerman et al. 7 encontraram valores de aproximadamente 0,50mm de diâmetro do canal radicular nos terços médios de raízes de molares inferiores após o preparo endodôntico com light-speed. Considerando que a espessura remanescente da parede de dentina neste mesmo estudo foi de 1mm, tem-se uma situação de difícil manejo clínico. Certamente um preparo adicional com o objetivo de aumentar o diâmetro apical levaria a uma perda excessiva da espessura da parede radicular. Na tentativa de evitar desgastes desnecessários de estrutura dentinária para se adequar a esta medida mínima, Ricketts et al. 11 estabeleceram valores mínimos aceitáveis para a porção apical dos pinos intra-radiculares para cada grupo dental. Os autores sugeriram os valores de 0,6mm para incisivos inferiores, 1mm apenas para incisivos superiores 79

E. M. SOUZA et al. e caninos e de 0,8mm para os demais grupos dentais. Além do enfraquecimento do remanescente radicular, há um risco exponencial de perfuração radicular. Abou-Rass 17 encontrou medidas médias de 0,92mm na região de furca na raiz distal de molares inferiores após a utilização de fresas Peeso n. 2, 3 e 4. Ouzounian & Schilder 19, encontraram em dentes tratados endodonticamente e sem preparo para pino espessuras de 0,8mm na zona de furca nas raízes distais de molares inferiores. Considerando o alto risco de perfuração radicular a este nível, bem como o enfraquecimento da estrutura dental remanescente, Kuttler et al. 20 confeccionaram preparos para pinos em raízes distais de molares inferiores tratados endodonticamente utilizando fresas de Gates-Glidden n. 1, 2, 3, 4, 5 e 6 e observaram perfurações radiculares na porção cervical da parede de furca a partir da broca de n. 4. Desta forma, consideram os autores, a fresa Gates-Glidden n. 3 como sendo o limite máximo para um desgaste seguro no preparo para pino nesta raiz. Considerando que uma fresa Gates-Glidden n. 3 possui 0,9mm de diâmetro, este deveria ser o diâmetro máximo apical de um pino para molares inferiores. Estes achados corroboram com as conclusões de Tilk et al. 21 que, após analisarem 125 raízes distais de molares inferiores já recomendavam o uso de pino com no máximo 0,9mm de diâmetro apical. Em pré-molares superiores, Raiden et al. 5 encontraram medidas de 0,8mm no terço cervical após o preparo com fresas Gates-Glidden. A fresa de Gates-Glidden é amplamente utilizada durante o tratamento do canal radicular para procedimentos de preparo cervical e desgastes anti-curvatura 22. Por meio deste método a abertura cervical é ampliada até as proximidades do terço médio da raiz com o objetivo de facilitar o preparo do terço apical, a irrigação e os procedimentos de obturação 22. Portanto após o uso de gates glidden, especialmente a de no 3, o que geralmente acontece durante o preparo endodôntico, a raiz já foi suficientemente alargada do ponto de vista de espessura dentinária. Desta forma, o somatório de evidências científicas ratifica a idéia de que um preparo adicional da raiz para receber um pino é dispensável. O papel das curvaturas e concavidades externas das paredes radiculares O método clínico mais utilizado e largamente aceito para a determinação da espessura dentinária remanescente é através da medição na imagem radiográfica da raiz dentária. Por este método o profissional pode medir a espessura das paredes mesial e distal da raiz e a partir desta mensuração calcular a quantidade de dentina que pode ainda ser removida com segurança. No entanto, esta ferramenta de diagnóstico apenas nos permite uma visão bidimensional de estruturas tridimensionais. Apesar de frequentemente serem estas paredes (mesial e distal) as mais estreitas e sujeitas à perfuração radicular, a imagem radiográfica não revela a realidade externa destas paredes, ou seja, não são observadas as curvaturas e concavidades geralmente existentes em raízes de pré-molares e molares 5. A presença de curvaturas nas faces proximais de dentes achatados mésio-distalmente, quer seja uma leve ou acentuada, representa um risco potencial de perfuração radicular durante o preparo da mesma para a instalação de um pino 6. Raiden et al. 5 não encontraram correlação entre as medidas proximais de imagens radiográficas de pré-molares superiores e as medidas tomadas no elemento após o corte no mesmo nível de onde ocorrera a mensuração radiográfica. As discrepâncias entre as medidas radiográficas e após o corte da raiz chegaram a significantes 0,8mm, principalmente em dentes com concavidades proximais bastante acentuadas. Estas concavidades não são claramente identificadas na radiografia levando o profissional a medições incorretas e consequentemente ao alto risco de perfuração radicular Além do risco acentuado de perfuração radicular durante o preparo para pino de raízes achatadas e com curvaturas proximais, pela não observação radiográfica desta anatomia, a presença de curvatura proximal, segundo Sathorn et al. 6, é um indicador natural de risco de fratura radicular. Utilizando o método de elementos finitos os autores determinaram que o risco de fratura radicular aumenta consideravelmente quando a concavidade proximal se apresenta mais acentuada. O mesmo risco à fratura é elevado quando a espessura dentinária diminui em virtude do preparo radicular. A força necessária para a fratura dental diminui de 80N para 2,5N se o decréscimo de dentina remanescente passa de 1mm a 0,05mm. Em um decréscimo de apenas 0,25mm a força necessária para provocar fratura reduz em quase 50%. Preparo para pino em canais ovalados A maioria dos canais radiculares apresenta-se de forma ovalada com seu maior diâmetro no sentido vestíbulolingual 8. Em canais radiculares com esta anatomia, o tipo de preparo para pino exerce uma particular diferença no risco à fratura do elemento dental 6. Preparos circunferenciais, ou seja, 80

Anatomia radicular na colocação de pinos pré-fabricados que preservem dentina das paredes vestibular e lingual aumentam consideravelmente o risco à fratura uma vez que reduzem a força necessária para fratura de 40N para 21.5N. Desta forma, para canais ovalados, um preparo menos conservador no sentido vestíbulo-lingual, mas que mantenha a forma original do canal radicular permite uma melhor distribuição de forças e uma maior resistência à fratura do elemento dental. Portanto, durante o preparo para pino deve-se buscar o equilíbrio entre a manutenção da forma ovalada e a conservação das paredes, principalmente as proximais. Considerando que a indústria dos pinos pré-fabricados não possui pinos que correspondam adequadamente à anatomia ovalada destes canais, tem-se criada uma situação clínica de difícil manejo. Isto leva o profissional à tentativa de alargamento para adequar o formato do canal ao do pino resultando em perfurações ou enfraquecimento da estrutura dental. Para Stockton et al. 23 o risco de se buscar a adaptação do canal à realidade dos diversos sistemas de pinos pré-fabricados é injustificável do ponto de vista do aumento da retenção. Para eles, esta prática ignora não apenas o risco exponencial de perfurações radiculares, mas também o potencial adesivo de novos cimentos resinos. Atualmente, um dos maiores problemas em relação ao estudo de pinos intra-radiculares é que a maioria dos trabalhos se concentra em avaliar propriedades físicas dos pinos, bem como sua retenção, mas raramente as associam à anatomia radicular e à anatomia endodôntica 24. Ricketts et al. 11 consideram as condições anatômicas da raiz e do canal o fator mais importante quando buscamos alcançar o sucesso na colocação de um sistema de pino intra-radicular, muito mais que o próprio tipo de pino. Sendo a estrutura dental remanescente um dos fatores mais importantes que concorrem para o sucesso na manutenção do elemento dental, a utilização de pino o mais fino possível é altamente recomendada 25. A observação da anatomia do canal radicular e de sua importância no padrão de suscetibilidade à fratura e risco de perfuração constituemse, portanto em fatores de grande importância no sucesso da colocação de um sistema de pino/núcleo intra-radicular, pois é esta anatomia que implica no padrão de concentração de stress em diferentes áreas da raiz e no risco de perfuração iminentes em áreas não identificadas radiograficamente. A grande questão atual relacionada à colocação de pinos intra-radiculares tem sido em relação ao desgaste dental desnecessário 7. É freqüente a observação clínica de dentes severamente desgastados para receber pinos intra-radiculares. Espera-se uma maior atenção dos clínicos gerais e especialistas em endodontia e prótese no que diz respeito à observação e ao entendimento da importância da anatomia no sucesso da manutenção do elemento dental. CONCLUSÃO Mudança de paradigma De acordo com o levantamento literário realizado é possível afirmar que: As anatomias do canal e da raiz são determinantes para o sucesso na colocação de pino intra-radiculares; A imagem radiográfica é insuficiente para determinar a real anatomia e espessura de dentina do remanescente radicular; A preparação do canal radicular para receber pino deve preferencialmente se limitar ao preparo feito pelo endodontista, da maneira mais conservadora possível; A indústria de pinos intra-radiculares deve se adaptar à diversidade anatômica dos elementos dentais. REFERÊNCIAS 1. Aquilino SA, Caplan DJ. Relationship between crown placement and the survival of endodontically treated teeth. J Prosthet Dent. 87(3): 256-63. 2. 3. Dammaschke T, Steven D, Kaup M, Ott KH. Long-term survival of root-canal-treated teeth: a retrospective study over 10 years. J Endod. 2003; 29(10): 638-43. Katz A, Wasenstein-Kohn S, Tamse A, Zuckerman O. Residual dentin thickness in bifurcated maxillary premolars after root ca- 81

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