Sentindo-se prejudicada nessa partilha, a Alta Comissão Árabe sai em defesa da população



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Transcrição:

O conflito israelo-palestino: entre passado e presente Ivan Esperança ROCHA 1 Introdução Disputas por territórios são comuns ao longo dos séculos e estiveram ou estão presentes em todos os continentes. Dentre as últimas disputas podemos apontar as que envolvem a República da Sérvia e a República de Kosovo, Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Argentina e Grã-Bretanha, Administração Central Tibetana e República Popular da China, Chipre e Turquia e Peru e Chile. O conflito entre Peru e Chile envolvia uma divisão de espaços marítimos e foi resolvido pela Corte Internacional de Haia, em 27 de janeiro de 2014 2. O diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade Mayor de San Marcos, de Lima, se referiu ao fim da disputa como uma decisão salomônica que favoreceu as duas partes. A referência a Salomão se deve a sua sábia sentença ao resolver a disputa por uma criança entre duas mulheres ocorrida em Jerusalém (1 Rs 3,16-28). No entanto, nenhuma disputa territorial ganhou as proporções assumidas pelo conflito israelo-palestino que envolve o processo de repartição e administração dos territórios definidos na partilha da Palestina pela resolução nº 181 da ONU, de 29 de novembro de 1947, que criou um Estado árabe e outro judeu, levando em consideração as populações que ali tinham se estabelecido historicamente, ou seja, as comunidades judaicas e árabes da Palestina. Sentindo-se prejudicada nessa partilha, a Alta Comissão Árabe sai em defesa da população 1 Departamento de História UNESP Campus de Assis Assis-SP. 2 CARMO, Márcia. Decisão de Haia é chance de Chile e Peru 'enterrarem o passado. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/. Acesso em 23 maio 2015.

palestina, recorrendo da decisão da ONU e ao não ser atendida passa a atacar os territórios de Israel com um exército que reúne soldados da Transjordânia, Egito, Síria, Líbano e Iraque. Instaura-se aí um conflito que se mantém até a atualidade, envolvendo diferentes interesses geopolíticos que ultrapassam inclusive as fronteiras em litígio. Nas inúmeras iniciativas de negociação ninguém ainda se referiu a uma decisão salomônica que pusesse fim às disputas. Não obstante o longo período de lutas em comum de judeus e árabes contra o domínio otomano, desde o início do século XX, judeus e palestinos passam a defender projetos nacionais amparados em narrativas e valores que tentam justificar um domínio completo e exclusivista sobre o território da Palestina 3. Desse modo, abandona-se qualquer discurso de autoridade da religião e da tradição, presente na narrativa sobre a descendência comum de árabes e judeus de Abraão, e que indicaria uma possibilidade e até mesmo necessidade de um convívio fraterno entre ambos 4. Busca-se na Antiguidade argumentos históricos e religiosos - para fortalecer, de um lado, o crescente movimento de retorno à Palestina por parte dos judeus e de outro para justificar a presença milenar dos palestinos no território. Assim, a partilha da Palestina entre judeus e palestinos precisa ser entendida como parte de um processo sócio-político, econômico e mental na qual se insere, e ela se ancora numa teia de direitos que supera demandas do presente e se arraiga no passado. No passado, as derrotas infligidas aos judeus por diferentes impérios tinham sido interpretadas pelos profetas como um reiterado castigo pelo desvio de Israel do bom caminho, mas tais derrotas não foram entendidas como uma ruptura definitiva da aliança entre Deus e seu povo. Havia sempre uma esperança de reconstrução do templo e da cidade 3 GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 104-105, jul./dez. 2014. 4 BOM MEIHY, Murilo Sebe. As vezes, somos todos palestinos : O uso político da Questão Palestina por líderes árabes na segunda metade do século XX. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 53, jul./dez. 2014.

de Jerusalém 5. No entanto, esta esperança foi suspensa pela derrota imposta pelos romanos, que ocasionou a segunda destruição do templo, em 70, desencadeando profundas mudanças no judaísmo, e provocando uma larga diáspora no entorno do Mediterrâneo, e que seria ampliada após a derradeira rebelião contra o domínio romano, liderada por Bar Kochba, em 135 d.c. A obra A Guerra Judaica, escrita por Flavio Josefo, é um marco na compreensão do conflito com os romanos. A destruição do templo e da própria cidade de Jerusalém pelos romanos, em meados do século I, determinou o início ou pelo menos a ampliação da diáspora israelita, principalmente em direção a Roma. Dalí ocorreu uma migração para toda a Europa, de onde partiria, no século XIX, o movimento de retorno à Palestina que desembocou no processo de partilha proposto pela ONU, em 1947. Assim, a análise da documentação antiga deve-se somar à análise da documentação contemporânea para aprofundar o conhecimento do embate que envolve o confronto entre Israel e palestinos. Os esforços envidados pelos judeus para retornar à região de sua origem se daria a partir do recrudescimento do antissemitismo em finais do século XIX, culminando com a criação do estado de Israel. Deve-se frisar que, antes da partilha, os judeus já haviam comprado vastas áreas do território palestino, com o apoio das camadas judaicas mais ricas, como o da poderosa família dos Rothshield. Apenas criada, a Organização das Nações Unidas ONU teve como um de seus primeiros desafios decidir sobre o território da Palestina que tinha saído do controle Império Otomano e passado para o polêmico Mandato Britânico, de 1922 a 1947. Deve-se sinalizar que, já em 2 de novembro de 1917, durante a Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra por meio de seu Ministro de Relações Exteriores, Arthur Balfour, tinha se 5 SORJ, Bernardo. Geopolítica e cultura: a trajetória de Israel. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 60, jul./dez. 2014.

manifestado favorável ao estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o Povo Judeu " (Declaração Balfour). No entanto, a ONU voltou a se pronunciar reiteradas vezes sobre essa partilha, principalmente no que diz respeito à violação das fronteiras definidas por ela definidas. Quase sempre com intermediação externa, muitos acordos de paz foram propostos, mas com pouco efeito prático 6. A compreensão do conflito israelo-palestino precisa incluir uma avaliação crítica e multifacetada de características não apenas materiais, mas também simbólicas que permeiam, ainda que sem uniformidade, as relações entre judeus e palestinos e, inclusive as relações internas entre grupos de judeus e grupos de palestinos. Além disso, deve-se dizer que a solução do conflito envolve questões externas e disputas entre grupos de judeus e de palestinos. A formação da identidade israelita tinha sido marcada pelo conflito permanente entre as demandas de uma religião monoteísta e a lógica do poder real, vinculado a alianças com outros povos vizinhos e expansão de fronteiras, o que incluía flexibilidade frente a outros cultos 7. Este é um quadro que se repete com a criação do Estado de Israel no século XX. Mantém-se a religião monoteísta, mas há uma lógica de poder que passa pela negociação com seus 6 Camp David (EUA), 1978 - acordo mediado por Carter foi considerado um dos mais bem-sucedidos; Conferência de Madri, 1991 - resultou em um tratado de paz entre Israel e Jordânia em 1994; Acordo de Oslo, 1993 permitiu que israelenses e palestinos reconheceram-se mutuamente em 1993; Camp David (EUA), 2000 tratou de temas como fronteiras, Jerusalém e refugiados, que haviam sido deixados de lado em Oslo; Taba (Egito), 2001 envolveu mais flexibilidade quanto à questão territorial; Iniciativa de Paz Árabe, 2002 - plano saudita indicando interesse árabe em pôr fim às disputas ente israelenses e palestinos; Mapa da Paz, 2003 - O plano proposto por Estados Unidos, Rússia, União Europeia e ONU para negociar a paz no Oriente Médio; Acordo de Genebra, 2003 retoma os conceitos do Mapa da Paz em que a segurança e a confiança precederiam um acordo político; Annapolis (EUA), 2007 - O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, participam de negociações com Estados Unidos, Rússia, União Europeia e ONU e vários países árabes; Acordo mediado pelo Egito para por fim ao conflito na Faixa de Gaza, agosto 2014, depois de 50 dias de combates nos quais mais de 2.100 palestinos, a maioria civis, 64 soldados israelenses e cinco civis morreram. 7 SORJ, Bernardo. Op. cit., p. 57-58.

vizinhos, particularmente os palestinos, e uma relação de proximidade com o islamismo e cristianismo fortemente arraigados em seu território. O iluminismo havia sinalizado para a possibilidade de uma igualdade cidadã para todos, o que inclui os judeus, mas ela ficou vinculada à aceitação de um código legal e à lealdade ao estado nacional, o que provocou o enfraquecimento da autonomia comunitária e do poder rabínico sobre a comunidade judaica. Os valores liberais provocam o surgimento de novas versões religiosas com flexibilização de normas e ritos do judaísmo 8. É nesta esteira que surge o judaísmo reformista, ou judaísmo progressista que passa a defender uma adaptação ao mundo circunstante e uma maior proximidade entre judeus e não-judeus, e entre seus valores espirituais. Passa-se a acreditar que o destino do povo judeu não se encontrava exclusivamente nas mãos de Deus, mas que era necessário dar um maior espaço à capacidade humana de construir sua história 9. Mas a propalada igualdade cidadã começa a ruir, quando, em fins do século XIX, começam a ser promovidos perseguições e massacres de judeus. É nesse momento que surge o Sionismo que passa a considerar a criação de um estado judeu, com uma saída definitiva para o estado de diáspora e para a forte assimilação externa que descaracterizava a identidade israelita do período. Se por um lado, havia uma forte influência do judaísmo reformista no sionismo, por outro também reemerge a ideia de Terra Prometida da tradição judaica antiga. Assim, é preciso dizer que a forma de interpretar o processo de criação de um estado judeu não foi unívoca. Houve posições religiosas mais radicais que não aceitaram o caminho político de criação do Estado de Israel por defenderem que os judeus seriam conduzidos à terra prometida pelo Messias, quando este viesse. O sionismo foi considerado como uma violência secularizada ao sagrado 10. É o caso dos Neturei-Karta, termo aramaico para Guardiões da Cidade. Trata-se de um grupo de judeus ortodoxos, surgido na década de 8 SORJ, Bernardo. Op. Cit. p. 64. 9 SORJ, Bernardo. Op. cit. p. 65. 10 MORAES, Luís Edmundo de Souza. Pode haver racismo na esquerda? Um estudo de caso. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 221, jul./dez. 2014.

1940, em Jerusalém e que, apesar de minoritário, se opôs ao projeto sionista de criação do Estado de Israel, e inclusive denunciou e continua denunciando atividades de Israel contra palestinos. Ele se opõe ao Estado de Israel porque o considera contrário à própria Lei Judaica e não se sente representado por ele 11. Por outro lado, grupos de judeus ultraortodoxos (haredim), em forte processo de expansão 12, defendem que a Palestina é a terra prometida aos judeus e é um direito exclusivo de Israel. São membros desses grupos que se negam a acatar ordens do governo israelense para desocupar assentamentos em territórios palestinos. Visões pragmáticas e religiosas estiveram, portanto, presentes no projeto de criação do Estado de Israel e se mantêm representadas por grupos de judeus e por membros do parlamento israelense, o Knesset. São elas que dão o tom de posições mais à direita e à esquerda na avaliação dos processos de negociações com os palestinos. O impasse na busca de soluções duráveis esbarra em duas posições antagônicas: de um lado a onipresente memória da Shoah (referência à perseguição e aniquilação dos judeus pelo nazismo) que se contrapõe à Nakba ( a catástrofe ) (termo utilizado pela historiografia árabe para se referir à derrota palestina no conflito com Israel, de 1947 a 1949) 13. A Shoah e a Nakba se tornam ideias marcantes dos discursos públicos nas duas sociedades para justificar estratégias ou práticas político-militares 14. Se para os judeus a tragédia da Shoah é apropriada como um evento de ruptura definitiva com a diáspora e o exílio judaicos, para os palestinos, a Nakba é compreendida como uma tragédia nacional que marca a expulsão, o exílio e o início da diáspora palestina (SAID, 11 WHAT IS THE NETUREI KARTA? Disponível em: <<http://www.nkusa.org>>. Acesso em 20 maio 2015. 12 Há uma explosão quantitativa dos judeus ultraortodoxos, pois entre eles há uma média de 8,51 filhos por mulher. Enquanto isso os judeus secularistas possuem a mais baixa taxa de crescimento de todos, e estão se tornando uma minoria em Israel DEMANT, Peter. Israel: a crise próxima. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 81, jul./dez. 2014. 13 GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 104, jul./dez. 2014. 14 ACHCHAR, Gilbert. The Arabs and the Holocaust: The Arab-Israeli War of Narratives. Londres: Saqui, 2011. Apud GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais, Op. cit., p. 106.

2007) 15, uma diáspora desconhecida até o ano de 1947 16 Concluindo, pode-se dizer que há um imbricamento de antigos e novos elementos sóciopolíticos e simbólicos na discussão da questão palestina que precisam ser levados em consideração na análise e encaminhamento de possíveis acordos duradouros que sejam considerados vantajosos para ambas as partes e que sejam construídos e negociados diretamente entre judeus e palestinos dados os parcos resultados auferidos por intermediações externas (cf nota 6). BIBLIOGRAFIA ACHCHAR, Gilbert. The Arabs and the Holocaust: The Arab-Israeli War of Narratives. Londres: Saqui, 2011. Apud GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 106, jul./dez. 2014. CARMO, Márcia. Decisão de Haia é chance de Chile e Peru 'enterrarem o passado. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/. Acesso em 23 maio 2015. DEMANT, Peter. Israel: a crise próxima. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 72-103, jul./dez. 2014. DUPAS, G., VIGEVANI, T. (orgs.) Israel e Palestina. A construção da paz vista de uma perspectiva global. São Paulo; Ed. UNESP, 2002. GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 104-121, jul./dez. 2014. JOSEPHUS. The Jewish War. Trad. H. St. J. Thackeray. Cambridge: Harvard University Press, 1989, 2 v. 15 SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente Como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Apud GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais. Op. cit., p. 107. 16 KHALID, Rashid. Palestinian Identity: The Construction of Modern National Consciousness. Nova York: Columbia, 1997, p. 35-63, apud GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais. Op. Cit. p. 111.

KHALID, Rashid. Palestinian Identity: The Construction of Modern National Consciousness. Nova York: Columbia, 1997, p. 35-63, apud GHERMAN, Michel. Entre a Nakba e a Shoá: catástrofes e narrativas nacionais. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 111, jul./dez. 2014. MORAES, Luís Edmundo de Souza. Pode haver racismo na esquerda? Um estudo de caso. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 217-249, jul./dez. 2014. SAID, Edward. Orientalismo: O Oriente Como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. SORJ, Bernardo. Geopolítica e cultura: a trajetória de Israel. História (São Paulo) v.33, n.2, p. 57-71, jul./dez. 2014. What Is the Neturei Karta?. Disponível em: <<http://www.nkusa.org>>. Acesso em 20 maio 2015.