Aparecida, aspectos históricos de uma devoção

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Artigos ANNALES - ISSN 2526-0782 V.2 N.4 (2017): 5-14 Aparecida, aspectos históricos de uma devoção Ney de Souza * RESUMO: Este estudo é parte de uma pesquisa sobre a devoção de Nossa Senhora Aparecida no Brasil que foi apresentado no V Colóquio de Teologia e Pastoral organizado pelo Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA), PUC Minas, FAJE e Centro Loyola de Belo Horizonte. O texto apresentará aspectos do percurso histórico desta devoção e alguns elementos da pesquisa de campo que está em fase de conclusão. O objetivo principal é propor uma reflexão histórica sobre a formação religiosa crítica da população de fiéis católicos no país. Em vários locais das atividades pastorais da Igreja católica sempre é feita a afirmação que as práticas religiosas dos fiéis carecem de conteúdo doutrinal. Se a pesquisa revelar que o discurso dos católicos não condiz com o conteúdo das temáticas religiosas e teológicas da Igreja católica é necessário revitalizar de maneira urgente uma formação religiosa crítica permanente de todo o corpo institucional religioso católico, não somente dos fiéis. PALAVRAS-CHAVE: Aparecida, Igreja católica, Brasil, devoção mariana. * Pós-doutorado em Teologia PUC Rio. Doutor em História Eclesiástica PUG Roma, registro USP. Professor e pesquisador PUC SP. Líder do Grupo de Pesquisa Religião e Política no Brasil Contemporâneo. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 5

1. Aspectos gerais das origens da religiosidade popular brasileira A religiosidade popular no Brasil do século XXI tem suas raízes fincadas na sociedade religiosa medieval (PIERINI, 1996, p. 120-125). As tradições populares religiosas lusitanas desembarcaram neste território no século XVI nos desdobramentos da conquista e catequização das culturas pré-cabralinas. Essas tradições europeias imprimiram sua marca profunda nas populações locais e, na sua continuidade, se misturou com as tradições religiosas indígenas e africanas (AZZI, 2008, p. 13-66). Essa sociedade religiosa medieval tinha um sentido imediato do poder de Deus, de sua providência, da profunda unidade do histórico e do meta-histórico. Havia uma grande e expressiva fecundidade representativa de seus elementos religiosos através de procissões, romarias, festas e devoções variadas. Num segundo momento da catequização, em novo contexto histórico, surgem as ordens mendicantes e a população se organiza numa infinidade de confrarias e irmandades visando uma pretensa comunhão cultural e as obras de misericórdia. As representações cristológicas assumem um acento mais dramático, centradas principalmente na paixão. A piedade popular muito trinitária e mariana, se orienta para os mistérios da Imaculada e da Assunção. Sob o signo do Concílio de Trento (1545-1563) o barroco estabelece-se em continuidade com o medievalismo popular. Neste contexto do Brasil colonial, sob a vigência do padroado português (SOUZA, 2002, p. 683-694) acontece o fato do encontro de uma imagem de Nossa Senhora da Conceição no vale do Paraíba, interior de São Paulo. 2. A devoção mariana de Aparecida, aspectos históricos O início desta devoção à Nossa Senhora da Conceição Aparecida remonta ao ano de 1717. No dia 17 de outubro deste ano os pescadores Domingos Garcia, João Alves e Filipe Pedroso encontraram a pequena imagem no Porto de Itaguaçu, que pertencia à Vila de Guaratinguetá, localizada entre São Paulo e o Rio de Janeiro. Esse local era caminho dos bandeirantes e tropeiros em busca do ouro recém descoberto, no início do século XVIII, nas montanhas e rios de Minas Gerais. Os pescadores realizavam o seu trabalho com o intuito de fornecer peixes para a festa que a Câmara da Vila de Guaratinguetá iria oferecer para o conde de Assumar, recém-nomeado governador da Capitania. O conde passaria por ali em direção às Minas Gerais. Na Consulta do Conselho Ultramarino de 22 de dezembro de 1716, por despacho de Dom João V, Rei de Portugal, foi nomeado Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 6

Governador e Capitão Geral da Capitania de São Paulo e das terras de Minas Gerais, que até então constituíam uma só Província. Antes de terminar o Governo, em 1721, efetivou-se em 1720 o desmembramento de São Paulo e Minas Gerais. O novo governador recebeu o título de Conde de Assumar em 1718, concedido durante a sua estada no Brasil; mais tarde Marquês de Castelo Novo, Marquês de Alorna e, após sua estada em Minas Gerais, Vice-Rei da Índia (PASIN, 2016, p. 20). Não era temporada de pesca e, após uma noite inteira de trabalho, os pescadores nada conseguiram. Devido a isso, invocaram Nossa Senhora. Na rede não veio peixe, mas o corpo de uma imagem da Virgem da Conceição. Na segunda tentativa de pescaria encontraram a cabeça da santa. Na terceira vez, ao jogarem as redes, foram surpreendidos pela enorme quantidade de peixes pescados. A pesca abundante foi considerada por eles uma graça da Virgem....passando por esta Vila para as Minas o Governador, delas e de São Paulo, o Conde de Assumar, Dom Pedro de Almeida, foram notificados pela Câmara os pescadores para apresentarem todo o peixe que pudessem haver para o dito Governador. Entre muitos, foram à pesca Domingos Martins Garcia, João Alves e Felippe Pedroso, em suas canoas; e principiando a lançar as redes no porto de José Corrêa Leite, continuaram até o porto de Itaguaçu, distância bastante, sem tirar peixe algum, e lançando João Alves a sua rede de arrasto, tirou o corpo da Senhora, sem a Cabeça; lançando mais abaixo outra vez a rede, tirou a Cabeça da mesma Senhora, não se sabendo nunca quem ali a lançasse. Guardou o inventor esta imagem em um tal qual pano, e continuando a pescaria, não tendo até então tomado peixe algum, dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lanços, que, receosos, ele e os companheiros, de naufragarem pelo muito peixe que tinham nas canoas, se retiraram às suas vivendas, admirados deste sucesso (LIVRO DO TOMBO, f. 77). De 1717 a 1732 a imagem permaneceu na casa de Felipe Pedroso (PASIN, 2016, p. 30). Ali a vizinhança se reunia para rezar. O número de devotos cresceu e a família construiu um oratório no Porto de Itaguaçu. Em pouco tempo o local não mais comportava a quantidade de fiéis. O vigário, contra a vontade da família, iniciou a construção de uma capela no alto do morro dos coqueiros. Este templo foi inaugurado em 1745, mesmo ano da criação da diocese de São Paulo (SOUZA, 2004, p. 128-135). Para esta capela foi transferida a imagem da santa. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 7

Vários relatos ficaram famosos, porém um deles está ligado à memória de muitos fiéis. A temática era e é importante pois é diretamente ligada à escravidão e seu desdobramento na sociedade hodierna da desigualdade social. Na metade do século XIX, em pleno período imperial brasileiro (1822-1889), o eixo econômico já havia se deslocado do Nordeste açucareiro e do ouro das Minas Gerais para o Vale do Paraíba com a sua produção cafeeira. A região cresceu e enriqueceu devido a este novo elemento que é o café. A mão de obra escrava era imensa na quantidade e na exploração por parte dos ricos da região. Muitos e muitos negros foram trazidos da África para suprir a falta de mão de obra. Corre o ano de 1850 e desde 1831 era ilegal o tráfico negreiro. Isto não impedia o comércio de escravos vindos da África. Com a lei Euzébio de Queiroz de 1850, baniu-se definitivamente o tráfico transatlântico. É evidente que a Inglaterra teve um papel especial nesta ação, tudo devido a seu interesse expansionista industrial. Começa, assim, o tráfico interno: do Nordeste açucareiro para o sudeste cafeeiro. A narrativa que está na memória de inúmeros fieis é a do escravo fugido, mas recuperado e algemado que pede para orar diante da capelinha da virgem Aparecida. Naquele momento caem as algemas de seus braços, passou Nossa Senhora a ser associada à denúncia da condição miserável dos escravos, mais da metade da população brasileira. Um outro fator importante é a localização de Aparecida. A localização geográfica de Aparecida, diante deste novo eixo econômico, é de enorme importância para o fluxo de fiéis que aumentara e muito nas décadas seguintes. A estrada de ferro D. Pedro II que começou a ser construída em 1855 colocava Aparecida em seu traçado. A estrada foi projetada para ligar Rio de Janeiro a São Paulo com um ramal para Minas Gerais. A Estação de Aparecida foi inaugurada no dia 3 de julho de 1887. Os romeiros utilizavam muito este meio de transporte, com destino para a estação de trem norte, em São Paulo. Mesmo descendo na Estação de Aparecida, ficou conhecida como Aparecida do Norte (PASIN, 2016, p. 85). Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) Aparecida está ligada ao Rio de Janeiro e a São Paulo pela Rodovia Presidente Dutra. Certamente estes fatores levaram o arcebispo de São Paulo D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota (1944-1964) a tomar a decisão de construir uma nova basílica a partir de 1955. O arquiteto Benedito Calixto a projetou idealizando um edifício em formato de cruz grega, capaz de abrigar 45 mil pessoas, com 173 metros de comprimento por 168 metros de largura; as naves laterais medem 40 metros e a cúpula tem 70 metros de altura. Em 1908 o papa Pio X concedeu o título de Basílica Menor (quando a Igreja está fora de Roma, independente de seu tamanho) à Aparecida. Neste processo histórico outro bispo exerceu um papel de relevância, D. Sebastião, cardeal Leme, arcebispo do Rio de Janeiro. O cardeal solicita ao Papa Pio XI que Aparecida fosse declarada padroeira do Brasil (tentativa de união Igreja e Estado, desfeita formalmente com a extinção do padroado em 1889 e a introdução do Estado laico com a Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 8

Constituição civil de 1891). Através do decreto papal de 16 de julho de 1930 Aparecida é declarada a Padroeira do Brasil (Arquivo da Cúria Metropolitana de Aparecida, papéis avulsos, apud PASIN, 2016, 218). Um grandioso evento aconteceu no Rio de Janeiro cercado de milhares de fiéis na oficialização de Aparecida Padroeira do Brasil. O evento aconteceu diante do governo e seus ministros. O acontecimento influenciará a nova Constituição civil de 1934 em relação à primeira republicana de 1891, está última menos laicista. Exemplo de uma tentativa de cristianizar a legislação laica. O receio de grande parte do episcopado era o comunismo, na Europa havia grandes perseguições à Igreja católica. O esforço do cardeal Leme era voltar à nação católica, elementos do padroado cristandade presentes no contexto. Sem dúvida a presença dos missionários redentoristas em Aparecida é significativo para esta história (PASIN, 2016). D. Lino Deodato, bispo de São Paulo, os trouxe da Alemanha em 1894 (processo de reforma do catolicismo e romanização). Uma das primeiras atividades foi editar o Jornal Santuário e o Manual do Devoto de Nossa Senhora Aparecida. Em 1951 foi criada a Rádio Aparecida, em 2005 foi a vez da criação da TV Aparecida. Em 1958, o papa Pio XII cria a arquidiocese de Aparecida com território desmembrado da Arquidiocese de São Paulo e da Diocese de Taubaté. Por ocasião dos 250 anos da devoção, em 1967, o papa Paulo VI ofertou ao Santuário a Rosa de Ouro (JUBILEU, 1970, 56-60). Em 1980, quando da sua primeira viagem ao Brasil, o papa João Paulo II consagrou a Basílica. Através da lei número 6802, de 30 de junho de 1980, o governo brasileiro reconhece Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil e decreta como feriado nacional o dia de sua festa, 12 de outubro (PASIN, 2016, p. 328-329). 3. Entrevista sobre a devoção a Aparecida A pesquisa ainda está em andamento. O que será apresentado a seguir, portanto, é seu resultado parcial. Importante frisar que os entrevistados assinaram um documento autorizando a divulgação parcial ou na integra de sua entrevista. a) Local de origem e perfil dos entrevistados Essas informações iniciais são importantes para verificar a localização geográfica de origem do entrevistado, sabendo assim sua região de nascimento no país e ao mesmo tempo sua idade, gênero, estado civil. Local de origem São 502 entrevistas até o momento (maio 2017). São Paulo (capital e interior); Rio Grande do Norte (Natal); Goiás (Goiânia); Minas Gerais (São Lourenço, Mamonas, Monte Azul, Montes Claros): Brasília. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 9

Maioria absoluta Mulheres Idade Nesta ordem de maioria para minoria: 50 a 60; 40 a 50; 20 a 30; 30 a 40; 60 a 70; 70 a 80; 15 a 20; 80 a 90; 4 não forneceram. Estado civil Nesta ordem de maioria para minoria: Casado, Solteiro, Divorciado, Outros, não forneceu. 1) O que você sabe sobre a História de Nossa Senhora Aparecida? As respostas, em geral, são bastante superficiais. Revelam uma ausência de formação religiosa crítica sobre as raízes da devoção à Aparecida. Várias respostas com pouquíssimas informações. Poucos tem um conhecimento exato das origens históricas e apresentam somente alguns detalhes. Uma resposta, por exemplo: não sei nada. Outra resposta: bastante coisa e pouco. A resposta que revela saber muito, não diz o que é esse muito, ou seja, há uma dificuldade de elencar o que se sabe, se é que se sabe. O que mais aparece nas respostas: Pescadores encontraram a imagem no Rio Paraíba (cabeça, corpo), na época da escravidão. Dificuldades na pescaria Imagem quebrada de cor escura, imagem negra (15 entrevistados) Maior santuário mariano do mundo Alguns contam a sua própria história Curiosidades (respostas dos entrevistados) Apareceu na época do Império Nossa Senhora Aparecida está em todos os países do mundo Nossa Senhora Aparecida apareceu em diversas localidades ao redor do mundo em momentos importantes da história Apareceu no rio Jordão Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 10

Imagem encontrada pelos índios no Rio Amazonas Imagem de madeira Os jovens aprenderam na catequese e crisma...se afastaram da Igreja e por isso sabem pouco Sei que foi encontrada, mas nunca se soube a sua história Apareceu para crianças Só sei de boatos que a imagem apareceu no rio Pirapora Manteve-se imaculada até o nascimento dele. Como é possível, previamente perceber é que algumas respostas são inconclusivas, erradas e com informações desencontradas. 2. Se você é devoto, como realiza a sua prática devocional? a) não sou devoto (42 respostas) * creio somente no sacrifício vivo de Jesus na cruz * creio somente nas sagradas escrituras * acredito ser devoto de nacionalidade, mas fiel não * quando troco de carro vou lá benzer as chaves e solicito sua benção, amparo e proteção b) sou devoto Vivendo o evangelho e praticando o bem Orações Terço Visita à Basílica Imagem em casa TV Aparecida (missas e terço) Consagração a Nossa Senhora Romaria a pé Congregado mariano Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 11

Terço comunitário Novenas Procissões Festas Velas Promessas Missas Contribuição campanha dos devotos Rosário Oficio de Nossa Senhora Estudos em grupo sobre Maria Tatuagem nas costas Revista de Aparecida e ajuda financeira 1. Conhece outros devotos de Aparecida? Como realizam sua devoção? A maioria conhece. Duas repostas fizeram está observação: conheço somente católicos não praticantes. As outras respostas são basicamente as mesmas da anterior. 2. Já aconteceu algum milagre em sua vida? Já ouviu relatos de milagres? Conte. Ainda não foram lidas as respostas para essa pergunta. 3. O que pensa sobre a permissão dada pelo arcebispo de São Paulo e Aparecida para o enredo desfile de Carnaval sobre Aparecida em 2017? As respostas estão basicamente empatadas (a favor e contra). Uma parte não vê nenhum problema na permissão. Alguns acrescentam um sim com algumas observações. Faz parte da cultura Respostas sim e não Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 12

Não conheço o assunto Manteve o respeito Sempre acatar a autoridade da Igreja mesmo sendo contra. Igreja está no controle. Não ofensivo Estar onde os pecadores estão. Onde passa os pecadores passa os santos Regras impostas pela igreja Nossa Senhora desceu à Avenida e foi ao encontro do povo A outra parte coloca inúmeras restrições mesmo tendo uma autoridade eclesiástica aprovado. Maneira errada de propagar a fé Carnaval é depravação Não misturar com profanação Vai contra os dogmas Foi somente para promover padres famosos Coisas de Deus e coisas do mundo Vergonha de ser católico Este arcebispo devia ser retirado da Igreja. Com certeza recebeu propina para fazer isto Existem outros interesses neste ato Ridículo Todo ano vai homenagear um santo (?) Não gostei e Nossa Senhora também não gostou Um grupo minúsculo disse que não pensa nada ou desconhece a autorização, o evento. Outras respostas Não vejo os arcebispos com autoridade para permitir ou não tal coisa. Carnaval é da elite. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 13

Houve vantagens para os arcebispos? Não entendo para que precisava de permissão. Seria desrespeito negar a permissão. A negação diminuiria a arrecadação da campanha dos devotos? De imediato salta aos olhos que nas repostas negativas o popular não combina com o sagrado. O que dizer das músicas mais cantadas de Nossa Senhora serem populares (Roberto Carlos, cubra-me com teu manto de amor e de Renato Teixeira, sou caipira Pirapora, Nossa Senhora...)? A pesquisa continuará e em breve apresentará um resultado final, porém já na sua fase parcial se percebe as deficiências da instituição religiosa católica na formação de seus fiéis no Brasil. Referências AZZI, R. A Igreja católica na formação da sociedade brasileira. Aparecida: Santuário, 2008. JUBILEU de ouro e Rosa de ouro. Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida. Aparecida: Oficina Gráfica Editora Santuário de Aparecida, 1970. LIVRO DO TOMBO da Paróquia Santo Antônio de Guaratinguetá, f. 77, verso. PASIN, T. G. Senhora Aparecida romeiros e missionários redentoristas na história da Padroeira do Brasil. Aparecida: Santuário, 2016. PIERINI, F. L età medievale. Corso di storia della Chiesa. II. Torino: San Paolo, 1996. SOUZA, N. (org.). Catolicismo em São Paulo. 450 anos da presença do catolicismo 3m São Paulo (1554-2004). São Paulo: Paulinas, 2004. SOUZA, N. Os caminhos do padroado na evangelização do Brasil. In: REB 247 (2002) 683-694. Annales, Belo Horizonte, v.2 n.4 (2017) 14