VALIDAÇÃO DA DIAGNOSE DE FALHAS DE COMBUSTÃO (MISFIRE) PARA OBDBR-2 EM VEÍCULOS FLEX Alexandre Moura da Silveira, Diego Ramos, Sandra Cruz Domahovski, Adriano Castro, François Vaxelaire Renault do Brasil E-mails: alexandre.m.silveira@renault.com, diego.ramos@renault.com, sandra.domahovski@renault.com, adriano.castro@renault.com, francois.vaxelaire@renault.com RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar a metodologia de validação da calibração de diagnose de falhas de combustão (misfire) requerida pela legislação OBDBr-2. Como a estratégia (algoritmo de detecção) básica foi concebida para as normas Européias e combustível não alcoolizado, no caso da Renault, o interesse maior é verificar o seu comportamento frente às especificações locais e em coerência com a norma a ser atingida, OBDBr-2. Esta norma entra em vigor à partir do início de 2010 e obriga o monitoramento permanente do motor, alertando o condutor (através de uma indicação no painel) quando houver o risco do aumento de emissões de gases gerados pela degradação ou falhas da combustão. INTRODUÇÃO: LIM Lâmpada indicadora de mau funcionamento O controle de emissões de poluentes, provenientes da combustão dos veículos automotores, tem cada vez mais a atenção das autoridades mundiais e por consequência das brasileiras. Com a instituição do PROCONVE (Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores) em 1986, iniciou-se no Brasil o controle de emissões veiculares e os limites de emissões permitidos pelas autoridades brasileiras tem se tornado cada mais restritos.
CO (g/km) 2,5 EMISSÃO (g/km) 30 25 20 15 10 5 0 CO (g/km) 1989 1992 1993 1994 1997 2003 2005 2006 2007 2009 2009 2 1,5 1 0,5 0 HC (g/km) NOx (g/km) 1989 1992 1993 1994 1997 2003 2005 2006 2007 2009 2009 Limites de emissões para motores ciclo OTTO Fonte: www.cetesb.sp.gov.br (a partir de 2005 o limite de emissões para hidrocarbonetos passou a ser sobre o NMHC) No entanto, os veículos podem ter seu sistema de controle de emissões degradado por força de vários fatores (combustíveis alterados, falta de manutenção, etc.) e com o uso as emissões de poluentes podem se elevar. Neste contexto surgiu a necessidade de estabelecer um sistema de diagnose de bordo que possibilite a identificação de falhas em componentes do sistema de controle de emissões que afetam as emissões de poluentes atmosféricos. Neste artigo trataremos particularmente do diagnóstico da falha de combustão ou também conhecido como misfire. 1. Estado da arte da legislação de OBD no Brasil para veículos flex: A legislação de OBDBr-2 que entrará em vigor no Brasil a partir de 2010, tem como base a norma em vigor na Europa, o EOBD, com algumas alterações em função das particularidades do mercado local. A principal diferença do sistema OBDBr-2 em relação ao EOBD é a possibilidade dos veículos brasileiros funcionarem com E22, E100, ou qualquer mistura destes combustíveis, tornando as estratégias de monitoramento mais complexas. A norma OBD-Br2 prevê que o diagnostico de misfire esteja ativo durante todo o funcionamento do motor. O diagnostico poderá ser suspenso apenas quando estivermos em fase de adaptação (aprendizagem) de combustível. Um veículo com falhas de combustão deve ser diagnosticado antes que as emissões atinjam os limites estabelecidos pela norma e verificados no ciclo normalizado pela NBR6601 (FTP75). CO NMHC NOx 4,11 g/km 0,3 g/km 0,75 g/km Limites de emissões OBD Br2 Fonte: Instrução normativa OBD Br2 2. O que é uma falha de combustão ou misfire? Um motor, em seu funcionamento normal e calibrado pela equipe de engenheiros da fábrica, apresenta valores de potência e torque bem característicos dentro de sua zona de funcionamento em termos de carga e rotação. Todo comportamento fora da especificação deve ter a sua causa investigada.
A causa de uma queda de rendimento de um motor, momentaneamente ou de forma permanente, pode ter inúmeras razões, por exemplo, um combustível que queima mal, uma vela de ignição gasta ou queimada, uma válvula injetora bloqueada, etc. Todas as causas que geram a perda de rendimento de um motor são consideradas como falhas de combustão ou misfire. Desta maneira tem-se que para uma quantidade de mistura ar/combustível admitida por um motor numa dada condição de carga e rotação espera-se uma resposta em forma de torque, se o valor obtido não for satisfatório, a estratégia de diagnóstico de misfire a interpretará como uma falha de combustão. 3. Por que a detecção da falha de combustão é necessária e como é realizada? Para o condutor a falha de combustão é traduzida como falta de rendimento do seu veículo, mas devemos lembrar que para cada condição de carga e rotação do motor uma quantidade de mistura ar/combustível foi calculada para ser admitida. Se a combustão dos gases não gerou o torque esperado é porque temos ainda uma parcela da mistura que não foi corretamente queimada. Esta parcela da mistura é rejeitada na fase da exaustão no ciclo OTTO e jogada para a atmosfera, fazendo assim aumentar os níveis de emissões de HC, NMHC por conseqüência e CO (provenientes de uma combustão incompleta). O gráfico abaixo demonstra a evolução das emissões dos gases com o aumento da taxa de falha de combustão. Emissões Relativas Limite EOBD HC Nominal CO NOx Taxa de misfire Taxa misfire Emissões Gráfico de evolução das emissões em função da taxa de misfire Fonte Formation_MAP_OBD_FR_RTA A detecção do misfire é realizada de forma permanente em um motor após sua partida. Somente é permitida a suspensão da detecção durante a fase de adaptação de combustível em motores flex (Texto OBD Br2, anexo I Definições, 2.3.7).
Como já mencionado anteriormente, um motor pode ser caracterizado em termos de nível de torque para todas as condições de carga e rotação. O torque medido no volante do motor varia também em função do combustível utilizado. Características como calor latente de evaporação e índice de octanas influenciam diretamente na obtenção do torque, diferenciando o comportamento do motor quando estivermos consumindo E22 e quando estivermos com E100. Conhecendo estes dados podemos avaliar seu comportamento e através da velocidade angular do volante motor (variação de velocidade aceleração rotação/min2) teremos a capacidade de identificar uma falha de combustão isoladamente para cada um dos quatro cilindros.
Valor do Torque Conhecido MISFIRE Tempo Princípio de funcionamento da estratégia de detecção de misfire O torque instantâneo fornecido pelo motor e lido por meio da velocidade angular do volante motor é comparado a um valor de referência, se estiver abaixo do especificado será considerado como misfire. De acordo com a norma OBDBr-2 um motor deve ser monitorado em permanência de forma a alertar o condutor antes que exceda os níveis de emissões de poluentes mostrados anteriormente. A certificação é realizada com um veículo sobre o ciclo padrão de emissões, que no Brasil é adotado o FTP75. Ciclo FTP75 Fonte Norma NBR6601 Abaixo vemos a figura onde observamos a zona de carga e rotação do motor dentro da qual existe a obrigatoriedade do diagnóstico do misfire.
CARGA DO MOTOR REGIÃO DE DETECÇÃO DE MISFIRE Pressão no valor de torque positivo + 13,33 KPa P3 Curva de torque positivo P1 P2 Regiões desabilitadas P2 N1 0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 ROTAÇÃO DO MOTOR Zona de funcionamento do motor onde a detecção do misfire deve estar ativa - Fonte: Instrução normativa OBD Br2 4. Metodologia de calibração: Nesta parte faremos a diferenciação entre a caracterização do sistema e a posterior validação da calibração. 4.1. Calibração: Para que tenhamos uma correta interpretação de uma falha de combustão é necessário conhecermos o motor em toda sua condição de carga e rotação. Não só o torque em combustão normal é caracterizado, mas também em corte de injeção para que saibamos reconhecer um torque resistivo residual. Nesta fase do desenvolvimento o motor deverá ser colocado em todas as condições de pressão de admissão (carga) e rotação para estabelecermos os valores de referência em termos de torque, para serem comparados com os valores de torque lidos a partir do volante motor, aí a estratégia de detecção de misfire estará apta a identificar o que é combustão normal e o que é verdadeiramente misfire. Mas um motor não possui todas as suas combustões com o mesmo exato valor, mesmo que esteja em condições controladas e estáveis. Esta dispersão é chamada de aciclismo e deve ser levado em conta na estratégia. Abaixo vemos uma figura que ilustra a dispersão do valor do torque em uma dada condição de carga e rotação de um motor.
Caracterização do torque em combustão e misfire Uma caracterização de torque deve ser extremamente precisa para podermos ter confiança na detecção do misfire. Caso esta caracterização tenha problemas poderemos ter mais tarde a ocorrência da falsa detecção de um misfire ou a não detecção de um misfire. Como anteriormente mencionado um mesmo motor pode apresentar comportamentos diferenciados em termos de torque quando estiver funcionando em E22 ou E100. Então, além de termos a necessidade de caracterização correta do torque num ponto determinado, deveremos estar certos da correta interpretação da taxa de álcool presente no combustível (aprendizagem) para evitarmos a falsa detecção e a não detecção. A falsa detecção de um misfire pode gerar um alerta ao condutor que seu veículo está emitindo acima dos limites regulamentado quando na verdade não está. O alerta será fruto de uma interpretação errônea da estratégia de detecção do misfire que identificou uma falha de combustão quando na verdade o motor estava em seu funcionamento normal. Este comportamento pode levar à visitas desnecessárias à concessionária e o aumento do custo de garantia. No outro extremo a não detecção é identificada quando temos verdadeiramente um comportamento degradado do motor, gerando o misfire, e que não é identificado pela estratégia, tendo nesta condição o risco do verdadeiro aumento das emissões sem a correta identificação e alerta ao condutor. Neste caso o veículo estará fora das especificações da lei de emissões OBD e o fabricante sofrerá sanções. A questão do compromisso entre a falsa detecção e a não detecção será avaliada e tratada no período da validação da calibração. 4.2. Comentário sobre o álcool:
Existem diferenças significativas entre a combustão do álcool e da gasolina (calor latente, velocidade de chama, etc.), e por este razão perceberemos que a caracterização do comportamento do motor em termos de torque terá uma influência direta do combustível que está sendo utilizado. Como o condutor está livre para escolher o combustível para abastecer seu veículo poderemos ter teores de álcool que vão variar entre E22 até E100 (100% álcool) para serem monitorados em termos de torque gerado pelo motor, e as diferenças de comportamento de cada combustível deverá também ser tomada em conta. 4.3. Validação da calibração: A validação é parte fundamental para assegurarmos o correto funcionamento do diagnóstico do misfire. Como mencionado anteriormente, a calibração final deverá se comportar de maneira a não nos fornecer falsas detecções e nem não detecções nas diversas condições de funcionamento (partida à frio, aquecimento motor, transitórios e estabilizados) e em toda a faixa de combustível (entre E22 e E100). O processo de validação de detecção de misfire Renault é realizado de forma estatística, com base em dados obtidos sobre vários veículos de desenvolvimento. Um ciclo padrão é estabelecido de forma a conter as condições mais adversas e representativas de um condutor normal qualquer. Este ciclo simula, então, a utilização de condutor comum tais como: rodovia, trânsito, aclives e declives, etc. Durante este ciclo de condução é feita uma aquisição (via acesso ECU) dos valores de torque medidos no volante motor, valores de referência e outros parâmetros (velocidade, rotação, pressão da admissão) de forma a poder identificar um ponto crítico em termos de detecção de misfire. Ao final de um ciclo de condução teremos aproximadamente 30 minutos de aquisição (para cada ciclo) e estes dados serão tratados de forma estatística como segue. É previsto que este ciclo seja repetido nas mais variadas condições de aprendizagem de taxa de álcool para podermos avaliar de forma segura as diferenças associadas a cada tipo de combustível. Pontos particulares: Fase aquecimento motor: É impressindível que na validação da calibração seja levado em conta a fase de aquecimento do motor, por termos condições não propícias à combustão, esta fase pode interferir no diagnóstico. Aspectos como a temperatura do combustível e temperatura das paredes da câmara de combustão têm forte influenca no torque gerado, que não tratados corretamente podem comprometer a qualidade da detecção do misfire. Fase de reaspiração ou Blow-by:
Em função da temperatura de partida e a necessidade de enriquecimento da mistura ar/combustível a frio podemos ter combustível não queimado diluído no óleo lubrificante do motor. Esta quantidade de combustível é reaspirada durante a fase de aquecimento do motor atrevés do blow-by. Durante esta fase o vapor de combustível aspirada pelo blow-by interfere na riqueza global admitida pelo motor e pode mascarar a medição de torque, comprometendo a qualidade do diagnóstico do misfire. 4.4. Ferramenta de validação e análise: As validações e análises são feitas a partir da aquisição dos parâmetros da ECU do motor. Esta aquisição é tratada de forma a nos indicar os risco de falsa detecção associados à calibração. Uma ferramenta interna Renault foi desenvolvida de forma a tratar a aquisição realizada e identificar pontos críticos de detecção. Esta ferramenta baseia-se na distribuição estatística de um dado ponto (carga e rotação) estabelecendo o risco de uma falsa detecção comparando o valor lido como torque no volante motor e comparando com o valor de referência. De forma geral, o torque lido no motor para cada ponto de funcionamento (carga e rotação) é avaliado em termos de dispersão e comparado ao seu valor de referência, assim, estatisticamente, teremos o resultado para o risco de falsa detecção do misfire. Baseado em seu resultado gráfico será tomada a decisão com base na qualidade do diagnóstico fornecido pela ferramenta.
Avaliação distribuição do torque em um poto dado Avaliação dos pontos críticos
CONCLUSÃO O diagnóstico das falhas de combustão (misfire) é obrigatório a partir de 2010 e regulamentado pela norma OBDBr-2. A norma exige que o diagnóstico seja feito em toda a faixa de teor de álcool na gasolina entre E22 e E100. Este diagnóstico deverá levar em conta as diferenças entre a combustão do álcool e da gasolina de forma confiável. É imprescindível que o sistema seja corretamente caracterizado em termos de torque para que a correta detecção do misfire. A calibração final será um compromisso entre a falsa detecção e a não detecção baseado na amostragem estatística obtida sobre os meios de ensaio. REFERÊNCIAS [1] VAXELAIRE, François; Formation MAP OBD essence [2] Norma NBR6601 [3] Instrução Normativa OBD Br2 20_08_ texto obd br2_ final_rev [4] Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores - Proconve. Disponível em http://www..cetesb.sp.gov.br. Acesso em: 19/06/2009