Variação temporal nos efeitos da visitação de nectários extraflorais de Qualea multiflora

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Variação temporal nos efeitos da visitação de nectários extraflorais de Qualea multiflora Mart. (Vochysiaceae) por diferentes espécies de formigas no Cerrado Luís Paulo Pires 1 Email: lpaulopires@yahoo.com.br Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Biologia, Laboratório de Ecologia Comportamental e de Interações. Rua Ceará Umuarama. CEP: 38400-902 Uberlandia, MG Brasil Kleber Del-Claro 2 Resumo: A associação entre formigas e plantas portadoras de nectários extraflorais (NEFs) são um exemplo clássico de mutualismo intra-específico. Vários autores têm demonstrado que esta associação é benéfica às plantas, na qual as formigas utilizam-se do néctar como fonte de alimento e em contrapartida defendem a planta hospedeira. Neste sentido, o presente trabalho avaliou os resultados obtidos por Del-Claro et al. (1996), questionando se os benefícios observados para Qualea multiflora em sua interação com formigas se mantêm ao longo do tempo na mesma área de estudo. Os resultados demonstram os gêneros de formigas Crematogaster, Cephalotes e Camponotus como os principais visitantes das plantas. Além disso, embora não haja diferença significativa na presença de herbívoros entre ramos tratamento e controle, as folhas dos ramos aos quais as formigas tiveram acesso apresentaram, em ambos os períodos de análise, porcentagens médias de herbivoria significativamente menores do que os ramos isolados, o que mostra que as formigas defendem as partes vegetativas de Qualea multiflora enquanto forrageiam pelos seus nectários. Apesar das diferenças na herbivoria entre ramos isolados e não-isolados, as médias de herbivoria foram pequenas. Observou-se ainda uma alta porcentagem média de ferrugem na superfície foliar das plantas, sendo que ramos isolados apresentaram uma menor porcentragem média de ferrugem do que os ramos não isolados, fator que indica que as formigas podem atuar como dispersoras dos esporos dos fungos pela planta. A alta concentração de ferrugem na superfície foliar pode ser um fator que inibe a ação dos herbívoros, reduzindo a qualidade nutricional das folhas. Palavras-chave: interações, nectários extraflorais, Qualea multiflora, formigas, Cerrado. 1. INTRODUÇÃO O mutualismo intra-específico facultativo consiste na troca de produtos e serviços entre duas espécies distintas (Boucher et al.1984). Formigas que visitam plantas portadoras de nectários extraflorais (NEFs) são um exemplo clássico deste tipo de interação (Miller, 2007). Estas glândulas secretoras de néctar situadas fora das partes florais das plantas atraem muitos grupos de formigas (Oliveira & Brandão, 1991) e vários autores têm demonstrado que esta associação é benéfica às plantas. Neste caso, as formigas utilizam-se do néctar como fonte de alimento e em contrapartida defendem a planta hospedeira, atuando como predadores de diversos grupos de herbívoros (Buckley, 1983). Entretanto, os benefícios da produção de NEFs podem estar condicionados a diversos fatores, entre os quais a diversidade de formigas associadas, o que tem recebido destaque em estudos recentes (e.g. Bronstein, 1998). Plantas de uma mesma espécie portadora de nectários tendem a ser visitadas por múltiplas espécies de formigas (Rudgers & Gardener, 2004) e estudos têm revelado que elas diferem quanto à sua 1 Discente do Instituto de Biologia 2 Docente do Instituto de Biologia 1

capacidade de proteção anti-herbívoros (Mody & Linsenmair, 2004; Frederickson, 2005; Ness et al. 2006). O Cerrado brasileiro tem sido palco de alguns estudos no que tange à interação entre formigas e plantas portadoras de NEFs (Del-Claro, 2004; Oliveira & Freitas, 2004). Del-Claro et al. (1996) demonstraram que as formigas visitantes dos nectários extraflorais de Qualea multiflora (Vochysiaceae) protegem a planta, atacando os herbívoros e aumentando a produção de frutos. Sabendo-se que as interações ecológicas estabelecidas entre as espécies são evolutivamente maleáveis e que podem apresentar alterações em pequenos intervalos de tempo (Thompson, 1999), o presente trabalho avaliou os resultados obtidos por Del-Claro et al. (1996), questionando se os benefícios observados para a planta em sua interação com formigas se mantêm ao longo do tempo (mais de dez anos) na mesma área de estudo, levando-se em consideração as perturbações ambientais ocorridas, principalmente a ação do fogo. Pesquisas a cerca das interações em ecossistemas naturais, principalmente os tropicais, têm demonstrado que elas desempenham um papel fundamental para a manutenção da biodiversidade nesses sistemas (Del-Claro, 2004). Entender as interações entre plantas com NEFs e formigas, bem como os fatores que influenciam nesta interação e o efeito da variação temporal sobre eles, é de grande importância para o conhecimento sobre a evolução e a biodiversidade das interações em ambientes naturais (Thompson, 2005). Estes estudos permitem o desenvolvimento da compreensão do funcionamento e da manutenção das redes ecológicas, convergendo-se, em última análise, para a preservação da biodiversidade (e.g. Del-Claro, 2004). 2. OBJETIVOS: Os objetivos deste trabalho foram: verificar se os benefícios da interação entre Qualea multiflora e formigas observados por Del-Claro et al. (1996) se mantiveram ao longo do tempo na mesma área de estudo; avaliar se as espécies de formigas encontradas diferem das observadas por Del-Claro et al. (1996); identificar os principais herbívoros da planta, a nível de Ordem; identificar os fatores que influenciam nos padrões de herbivoria, aumentando ou diminuindo a porcentagem de área foliar perdida; e discutir os resultados encontrados com base nos efeitos da variação temporal. 3. MATERIAIS E MÉTODOS O estudo foi realizado na área de cerrado sensu stricto (Oliveira-Filho & Ratter, 2002) da reserva ecológica do Clube de Caça e Pesca Itororó de Uberlândia (CCPIU) MG (18 59 S; 48 18 W), tendo início em Abril de 2008 e término em Maio de 2009. Foram marcados dezenove indivíduos (n=19), de Q. multiflora com tamanhos semelhantes (1-2 metros de altura). As plantas apresentaram faixa etária e estado fenológico semelhantes, minimizando as chances de variações fenológicas entre os indivíduos marcados terem influência nas possíveis diferenças observadas. Em cada planta marcada foram escolhidos quatro galhos com arquitetura e fenologia semelhantes, os quais foram divididos em ramos controle (dois) e tratamento (dois) por sorteio, totalizando trinta e oito pares experimentais. Os ramos do grupo tratamento receberam a resina Tanglefoot na sua base, que funciona como uma barreira física que impede o acesso de formigas. Para impedir o acesso das formigas por outras vias de acesso, todos os ramos ou estruturas próximas, provenientes de outras plantas, que possibilitavam a subida das formigas, foram removidos. As plantas foram 2

checadas semanalmente para certificar-se que as formigas foram realmente excluídas dos grupos tratamento. A estimativa de perda de área foliar foi feita por comparação entre a área total da folha e a área perdida, conforme. Os danos observados foram divididos nas seguintes categorias: 0) 0%; 1) de 1-6%; 2) de 7-12%; 3) de 13-25%; 4) de 26-50%; 5) mais de 50% de dano. As folhas de Q. multiflora experimentais foram escolhidas em três alturas diferentes na planta, sem que tenham sido arrancadas. Foram analisadas nove folhas por planta, sendo três em ramos tratamento e seis em ramos controle. As folhas observadas são sempre de um mesmo ramo para evitar que diferenças na jovialidade das mesmas influenciem nos resultados finais. Para todas as plantas, o início da quantificação da herbivoria (t 0 ) coincidiu com o período de folhação de Q. multiflora, ou seja, o dano herbivórico inicial, para todos os indivíduos, foi zero. As demais quantificações ocorreram três (t 1 ) e seis meses (t 2 ) após a primeira. A quantificação de formigas e herbívoros nas plantas experimentais foi feita através da observação de cada indivíduo experimental por um período de quinze minutos, a cada duas semanas, contabilizando-se cada formiga e/ou herbívoro encontrado durante a observação. A identificação das espécies de formigas encontradas durante a quantificação deu-se por comparação com as espécies identificadas previamente, coletadas em plantas não experimentais. Os herbívoros foram classificados em ordens. Além disso, quantificou-se a presença de aranhas por plantas, a fim de se investigar o possível papel desempenhado por elas na defesa da planta contra herbívoros. Outra medida tomada em campo foi a porcentagem de ferrugem na área foliar. Para tal, seguiu-se a mesma metodologia utilizada para a quantificação da herbivoria foliar, considerando-se as áreas atingidas por ferrugem como partes perdidas nas folhas. As mesmas categorias foram utilizadas para a divisão da porcetagem de dano foliar. Os dados foram analisados por comparação de médias. Após testada a normalidade, utilizou-se ANOVA para medidas repetidas medidas para os casos positivos e Kruskall- Wallis e U de Mann-Whitney para os casos negativos. 4. RESULTADOS Foram encontradas 383 formigas de oito espécies diferentes em Q. multiflora durante o período de estudo. O gênero Crematogaster (45.69%) foi o mais abundante em Qualea multiflora, em número de indivíduos, seguido dos gêneros Camponotus (28.46%) e Cephalotes (21.93%), respectivamente. No entanto, Crematogaster ocorreu em apenas uma planta, enquanto Camponotus aparece em todos os indivíduos amostrados, sendo assim um dos gêneros mais comuns. Ao todo, foram encontrados 115 herbívoros atacando a planta, representados pelas seguintes ordens: Coleoptera (37.91%), Lepidoptera (18,26%), Hemiptera (26.09%), Ortoptera (10.34%) e Diptera (7,83%). 3

Figura 1: Abundância absoluta de diferentes espécies de formigas visitantes de Qualea multiflora. Os dados da herbivoria foliar por planta foram convertidos em arco-seno, que os tornaram positivos para o teste de normalidade. Os resultados da herbivoria foliar por planta mostrou uma diferença altamente significativa, em ambos os períodos, na herbivoria em ramos com e sem formigas (F=654.924; p<0.0001, ANOVA para medidas repetidas), sendo que a maior herbivoria ocorreu nos grupos tratamento (µ=3.228±0.439 para t 1 e µ=5.789±0.667 para t 2; µ±1dp) e os menores nos ramos controle (µ=1.337±0.244 para t 1 e µ=3.991±1.334 para t 2 ; µ±1dp). 7 Média de Herbivoria 6 5 4 3 2 1 0 *p<0,0001 Sem formigas Com formigas Três meses Seis meses Figura 2: Médias de herbivoria nos tempos 3 e 6 meses em ramos com e sem formigas Não houve diferença signifitiva para a quantidade de herbivoros em ramos controle e tratamento (U=166; p=0.879, teste U de Mann-Whitney), bem como para a quantidade de aranhas nos mesmos grupos (U=126.5; p=0.2613; teste U de Mann-Whitney). 4

Médias por plantas 6 5 4 3 2 1 Sem formigas Com formigas 0 Herbívoros Aranhas Figura 3: Número médio de herbívoros e aranhas em Qualea multiflora. Além disso, houve diferença significativa (U=113; p=0.048; teste U de Mann-Whitney) na porcentagem de ferrugem foliar entre os grupos experimentais, sendo que os ramos controle apresentaram, em média, maior porcentagem de ferrugem (µ=39.47±2.59) do que os ramos tratamento (µ=32.28±2.205). 45 Porcentagem média de ferrugem 40 35 30 25 20 15 10 5 0 Sem formigas Com formigas Figura 4: Porcentagem média de ferrugem na superfície foliar de Qualea multiflora. 5. DISCUSSÃO A ocorrência do gênero Camponotus como um dos mais comuns nas plantas corrobora estudos anteriores realizados no cerrado (Del-Claro et al 1996; Korndörfer & Del-Claro 2006; ver também Rico-Gray & Oliveira 2007, para uma revisão). A presença de um número maior de algumas espécies de formigas, como Crematogaster, é justificada pelo comportamento dessas 5

formigas de nidificar em ramos ocos das plantas que utilizam ou muito próximas dessas (Hölldobler & Willson, 1990), bem como pelo forrageamento em grandes números na planta. Neste estudo os ninhos das formigas deste gênero estavam na mesma planta, sendo portanto, uma formiga muito abundante, porém não comumente encontrada em outros indivíduos. Variação temporal nos resultados de associações mutualísticas entre animais e plantas, dependente de variação nas propriedades fenológicas, de fatores bióticos e abióticos, devem ser consideradas quando se explora a história natural de um mutualismo (e.g. Bronstein 1998; Bronstein & Barbosa 2002; Thompson 1999; Del-Claro 2004; Rico-Gray & Oliveira, 2007; Del- Claro & Torezan-Silingardi, 2009). A relação entre formigas e Qualea multiflora no cerrado se mostrou persistente ao longo do tempo no que se refere à proteção das formigas as partes vegetativas das plantas contra a ação de herbívoros mastigadores. Os resultados corroboram Del- Claro et. al. (1996). No entanto, os resultados não mostraram diferenças na produção de frutos (razão frutos por botões) entre os ramos com e sem formigas, contrariando as observações de Del- Claro et. al (1996). Esta diferença pode ter ocorrido por diversas razões. Nos anos do presente estudo, o principal herbívoro floral de Qualea multiflora, o besouro Macrodactylus pummilio (Melolontinae) não atacou as flores da planta. A fenologia floral da espécie foi também distinta do esperado. Dados da literatura apontam um longo período de florescimento para a espécie, de dois a três meses (Silva Júnior, 2005) durante a execução deste estudo todo o florescimento da planta ocorreu em aproximadamente vinte dias. Fungos endofíticos surgiram em abundância nas plantas, atacando as folhas, fato não observado em estudo anterior (Del-Claro et al 1996). A maior ocorrência de fungos em ramos atendidos por formigas sugerem que estes insetos possam ser os vetores ou auxiliar no espalhamento dos esporos e na contaminação das plantas (e.g. Hölldobler & Wilson, 1990). 6. CONCLUSÕES Embora a análise estatística dos dados não tenha apresentado diferenças significativas no que diz respeito à presença de herbívoros ou aranhas em ramos com ou sem formigas, nota-se que a herbivoria foi significativamente menor nos ramos onde as formigas estiveram presentes. Tais resultados reforçam as observações feitas por Del-Claro et. al. (1996), isto é, que as formigas que utilizam os nectários extraflorais de Q. multiflora defendem a planta contra herbívoros, e demonstram que o processo de coevolução entre as espécies em questão e as interações estabelecidas entre elas são de extrema importância para a sua manutenção no Cerrado e não sofreram grandes transformações em resposta às perturbações ambientais ocorridas ao longo do tempo entre as pesquisas. Além disso, os dados mostram que a herbivoria é significativamente menor que a quantidade de ferrugem nas folhas e que esta é maior naqueles ramos onde as formigas estão presentes. Tais dados sugerem que o fungo que causa a ferrugem foliar pode ser veiculado na planta pelas formigas e que a alta concentração de ferrugem na planta torna as folhas menos atrativas aos herbívoros, reduzindo a herbivoria. 7. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e à UFU pelo apoio financeiro, segundo o edital CNPq/UFU - anuênio 2008/2009 - e à FAPEMIG pelo auxílio para a divulgação dos resultados e discussões em eventos nacionais. 8. REFERÊNCIAS Boucher, D. G.; James, S.; Kresler, K. 1984. The ecology of mutualism. Annual Review of Ecology and Systematics, Vol. 13, pp. 315-347. Bronstein, J. L. 1998. The contribution of ant-plant protection studies to our understanding of mutualism. Biotropica, Vol. 30, pp. 150-161. 6

Bronstein, J.L. and P. Barbosa. 2002. Multitrophic/multispecies mutualistic interactions: the role of non-mutualists in shaping and mediating mutualisms, p. 44-66. In: T. Tscharntke & B.A. Hawkins (eds.), Multitrophic Level Interactions. Cambridge, Cambridge University Press, 587p. Buckley, R. C. 1983. Interaction between ants and membracid bugs decreases growth and seed set of host plant bearing extrafloral nectaries. Oecologia, Vol. 58, pp. 132 136. Del-Claro, K. 2004. Multitrophic relationships, conditional mutualisms, and the study of interaction biodiversity in tropical savannas. Neotropical Entomology, Vol. 33, n. 6, pp. 665-672. Del-Claro, K.; Berto, V.; Réu, W. 1996. Effect Of Herbivore Deterrence By Ants On The Fruit Set Of An Extrafloral Nectary Plant, Qualea multiflora (Vochysiaceae). Journal of Tropical Ecology, Aberdeen, Vol. 12, pp. 887-892. Del-claro, K. and Torezan-Silingardi, H.M. 2009. Insect-Plant Interactions: New Pathways to a Better Comprehension of Ecological Communities in Neotropical Savannas. Neotropical Entomology, Vol. 38, n.2, pp.159-164. Frederickson, M. E. 2005. Ant species confer different partnerbenefits on two neotropical myrmecophytes. Oecologia, Vol. 143, pp. 387-395. Hölldobler, B., Wilson, E.O. 1990. The Ants. Harvard Univ. Press, Cambridge, MA. 732p. Korndörfer, A.P. & Del-claro, K. 2006. Ant defense versus induced defense in Lafoensia pacari (Lythraceae), a myrmecophilous tree of the Brazilian cerrado. Biotropica, Vol. 38, n. 6, p. 786-788. Miller, T.E.X. 2007. Does having multiple partners weaken the benefits of facultative mutualism? A test with cacti and cactus tending ants. Oikos, Vol. 116, n.33, pp. 500-512. Ness, J. H.; Morris, W.F.; Bronstein, J.L. 2006. Variation in mutualistic potential among ant species tending extrafloral nectaries of Ferocactus wislizeni. Ecology, 87, pp. 912-921. Oliveira, P.S. & Brandão, C.R.F. 1991. The ant community associated with extrafloral nectaries in the Brazilian Cerrados, p. 198 212. In: D.F.Cutler & C.R. Huxley (eds.). Ant-Plant Interactions. Oxford Univ. Press, Oxford, 601p. Rico-Gray, V. and Oliveira, P.S. 2007. The ecology and evolution of ant-plant interactions. The University of Chicago Press, Chicago, 331p. Silva Júnior, M.C. 2005. 100 Árvores do Cerrado: Guia de Campo. Brasília: Rede de Sementes do Cerrado. 278p. Thompson, J.N. 1999. The evolution of species interactions. Science, Vol. 284, pp. 2116-2118. Thompson, J.N. 2005. The Geographic Mosaic of Coevolution. University of Chicago Press. 400p. Temporal variation in the effects of visitation of extrafloral nectaries of Qualea multiflora Mart. (Vochysiaceae) by different ant species in Cerrado Luís Paulo Pires Email: lpaulopires@yahoo.com.br Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Biologia, Laboratório de Ecologia Comportamental e de Interações. Rua Ceará Umuarama. CEP: 38400-902 Uberlandia, MG Brasil Kleber Del-Claro Abstract: Interactions between ants and plants bearing extrafloral nectaries (EFNs) are an elucidative example of intra-specific mutualism. Many authors have shown that this assemblage is profitable to plants, once nectar-gathering ants forage while defending their host plants against several herbivores. In this sense, this study assessed the results presented by Del-Claro et al. (1996), questioning if the observed benefits to Qualea multiflora in its interaction with different ant 7

species remain over time in the same study area. The results presented show genus Crematogaster, Cephalotes and Camponotus as the major ant visitors to the plant. Furthermore, although there is no mean difference in the number of herbivores in treatment and control branches, leaves of those branches to which ants had access showed lower mean herbivory percentages than ant-isolated branches, which indicates that ants defend the vegetative parts of Qualea multiflora. It was also observed a high rust percentage in leaves surface, with higher mean values found on non-isolated branches, which suggests that ants may be potential dispersers of fungus spores. High percentages of fungus on leaf surface maybe a factor deterring herbivory, reducing leaf nutritional properties. Key-words: interactions, extrafloral nectaries, Qualea multiflora, ants, Cerrado. 8