Sororidade - A essência e limite do conceito de solidariedade entre as mulheres

Documentos relacionados
Declaração do 1º Encontro Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas

Com a palavra, as mulheres do movimento LGBT

Assistente social fala sobre sua experiência no TJMG

Cellos repudia juiz que concedeu liminar parcial para tratar homossexualidade

CONFERÊNCIA REGIONAL DE POLÍTICAS PARA MULHERES

Simpósio internacional debate trabalho e formação profissional

Palmas sedia o 41º Encontro Nacional CFESS- CRESS

entrelace com a luta de classes o que nos distingue das demais concepções feministas que se apresentam para a juventude, é a radicalidade o fio condut

CRESS-MG pela Consciência Negra - Leia a entrevista com militante do movimento negro

Serviço Social na Previdência é tema de Seminário Nacional

BH sedia 42º Encontro Descentralizado dos CRESS da Região Sudeste

Análise Social 3. Desigualdades Sociais ESCS Sistemas de desigualdades

Bebês são retirados das mães nas maternidades de BH

As cores da violência de gênero - As negras ainda são as maiores vítimas

ATUAÇÃO PROFISSIONAL CRIANÇAS ADOLESCENTES ADULTOS IDOSOS

*Formação docente e profissional

O FEMINISMO DE CATHRINE MACKINNON DESEJO E PODER

Para a erradicação da violência doméstica e sexual - Nalu Faria 1

DESIGUALDADES DE GÊNERO E FORMAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL. Resumo: O debate sobre gênero no Brasil se incorporou às áreas de conhecimento a partir do

Disciplina: Ética e Serviço Social. Professora Ms. Márcia Rejane Oliveira de Mesquita Silva

Aborto em foco - Posicionamento do Conjunto CFESS/CRESS

Livraria online traz títulos diversos para esquerdistas e simpatizantes

ANAIS DO II SEMINÁRIO SOBRE GÊNERO: Os 10 anos da lei Maria da Penha e os desafios das políticas públicas transversais

Se o trabalho não avança, autonomia feminina não se dá plenamente"

Movimentos Sociais e Educação Popular na América Latina Perspectivas e desafios da atualidade

Eixo Temático: Temas Transversais

Referência Bibliográfica: SOUSA, Charles Toniolo de. Disponível em <

Compreender o conceito de gênero e as questões de poder implícitas no binarismo;

Pesca: Atividade Exclusivamente Masculina?

OS PRINCÍPIOS DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E OS REBATIMENTOS NO SERVIÇO SOCIAL

MOVIMENTOS SOCIAIS. Prof. Robson Vieira da Silva Sociologia 1º ano - UP

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NÃO É SÓ MAIS UMA VIOLÊNCIA. É VIOLÊNCIA DE GÊNERO!

Você já ouviu falar sobre a IGUALDADE DE GÊNERO? Saiba do que se trata e entenda o problema para as crianças, jovens e adultos se essa igualdade não

Confira a análise feita por Andréia Schmidt, psicóloga do portal, das respostas apresentadas às questões.

[2012] Economia Solidária: bem viver, cooperação e autogestão para um desenvolvimento justo e sustentável

Interfaces da Questão Social, Gênero e Oncologia

Assistente Social: quem é e o que faz

ANAIS DO II SEMINÁRIO SOBRE GÊNERO: Os 10 anos da lei Maria da Penha e os desafios das políticas públicas transversais

04/02/2014. Por Maria Júlia Montero. Da Marcha Mundial das Mulheres

PLANO DE CURSO DISCIPLINA: SOCIOLOGIA ANO: 2016 PROFESSORA: LILIANE CRISTINA FERREIRA COSTA

Campanha de Respeito à Mulher Seja protagonista desta causa!

EMENTAS DAS DISCIPLINAS

Educação e Inclusão. Fundamentos Filosóficos e Sociológicos da Educação Semana VI. Prof. Ms. Joel Sossai Coleti

Mulheres. da Enecos. Cartilha de. Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente. diferentes e totalmente livres.

A História da Psicologia Social

PRINCÍPIOS ÉTICOS FUNDAMENTAIS Fábio Konder Comparato. I Introdução

MULHER, UMA PROFISSÃO SECUNDÁRIA

SEMANA 5 DISCRIMINAÇAO DE GÊNERO NO CONTEXTO DA DESIGUALDADE SOCIAL ÉTNICO-RACIAL

Eixo Temático: Política Social e Trabalho

Debate esclarecedor marca evento sobre Serviço Social e Comunicação

MATRIZ DE REFERÊNCIA DE HISTÓRIA - ENSINO FUNDAMENTAL

RELAÇÕES DE GÊNERO NA CATAÇÃO SONIA DIAS EXPOCATADOR SÃO PAULO, 18/12/14

UnitedHealth Group Our Culture Video Portuguese

DISCUTINDO VIOLÊNCIA DE GÊNERO NA ESCOLA: REFLEXÕES E EXPERIÊNCIAS

Tema em Questão. Um passo por vez. Lays Souza & Acsa Torres

Aula 1 O processo educativo: a Escola, a Educação e a Didática. Profª. M.e Cláudia Benedetti

CRIAÇÃO DO CODIM RIO- 14 DE JULHO DE Saudar a Vereadora Tânia Bastos, Presidenta da Comissão de Mulheres da Câmara de Vereadores

Relações raciais e educação - leis que sustentaram o racismo e leis de promoção da igualdade racial e étnica 23/06

Cartilha de Prevenção às Violências Sexistas, Homofóbicas e Racistas nos Trotes Universitários

I CICLO DE ESTUDOS ODS - INFORMATIVO 4 III ENCONTRO GÊNERO

Gestão democrática e transparente é pauta do 7º Seminário Administrativo-Financeiro do Conjunto CFESS-CRESS

O que é? Ideia central de um parágrafo. Como desenvolvê-lo?

Violência no trabalho. Mara Feltes, secretária de mulheres da Contracs

Palavras-chave: Gênero. Educação do Campo. Divisão sexual do trabalho.

LONGE DEMAIS DAS CAPITAIS: O SECRETÁRIO EXECUTIVO NA PERIFERIA DA PERIFERIA DO CAPITAL

Desenvolvimento Pessoal e Empregabilidade.

Educação, articulação e complexidade por Edgar Morin. Elza Antonia Spagnol Vanin*

Fórum Social Mundial Memória FSM memoriafsm.org

P á g i n a 1. Caderno de formação #4

EMENTÁRIO DAS DISCIPLINAS DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL (Currículo iniciado em 2015)

Convite. Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião. Só que bola, papagaio, pião de tanto brincar se gastam.

GÊNERO, POLÍTICAS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL

Ajude a construir a creche da Ocupação Eliana Silva em BH

PRECARIZACÃO DO TRABALHO E SAÚDE DAS MULHERES NO CONTEXTO DE POLÍTICAS DE AJUSTE NEOLIBERAL

O MUNDO DAS MULHERES Alain Touraine

PLATAFORMA PARA CANDIDATAS A VEREADORAS E A PREFEITAS

GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA PÓS-ESTRUTURALISTA

SONHO BRASILEIRO BOX 1824 UMA NOVA MANEIRA DE PENSAR O MUNDO

ANAIS DO II SEMINÁRIO SOBRE GÊNERO: Os 10 anos da lei Maria da Penha e os desafios das políticas públicas transversais

O CAPITALISMO ESTÁ EM CRISE?

CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADO

A estrutura social e as desigualdades

PIERRE BOURDIEU PODER SIMBÓLICO

A banalização da violência contra as mulheres e a cultura do estupro no Brasil

Unidade II PERSPECTIVAS PROFISSIONAIS. Prof. José Junior

IGUALDADE NÃO É (SÓ) QUESTÃO DE MULHERES

A decência do trabalho nosso de cada dia

Conceito de Gênero e Sexualidade no ensino de sociologia: Relato de experiência no ambiente escolar

Prof. Maria Emilia Nunes Rodrigues Arenas Secretaria Municipal de Educação São José do Rio Preto - SP

MANIFESTO DA ABEPSS 15 DE MAIO DIA DA/O ASSISTENTE SOCIAL 2013

MÍDIA KIT Cachos e Fatos

Secretaria de Políticas para as Mulheres. Coordenação de Educação e Cultura

RESENHAS Cadernos de Pesquisa v.44 n.151 p jan./mar

O CURRÍCULO CULTURAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA E O ACOLHIMENTO DAS DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA

SIG Colaborativo em Saúde do Trabalhador. Estado e Saúde: desafios a implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e Trabalhadora

PROGRAMA DE ERRADICAÇÃO E COMBATE AO TRABALHO INFANTIL. Araucária 2016

SUMÁRIO DETALHADO 1 A PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA...1

Transcrição:

Sororidade - A essência e limite do conceito de solidariedade entre as mulheres A sororidade é a ideia de que juntas as mulheres são mais fortes. No contexto do feminismo, a sororidade se trata da solidariedade feminista no combate à rivalidade e à competição pregadas pelo machismo.na Semana das Mulheres, o CRESS-MG propõe convidou a assistente social Isabela Costa, mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, professora substituta da Faculdade de Serviço Social da mesma instituição e militante do Coletivo Terra Roxa e da Marcha Mundial das Mulheres, para tratar sobre alguns pontos do movimento feminista - em especial, o conceito e os limites da sororidade -, e sua interface com o Serviço Social. Confira aqui todo o conteúdo especial do CRESS-MG para o Dia das Mulheres!Vivemos em uma sociedade machista e patriarcal. Como isso determina o ódio e o revanchismo entre as próprias mulheres?exatamente, a sociedade em que vivemos é machista e patriarcal. Assim, a ideologia dominante também é machista e patriarcal. Isso significa que as relações de dominação de um sexo sobre o outro estão presentes em todos os âmbitos da vida social. Estas relações estão arraigadas em nossa formação social, influenciando também a construção dos indivíduos, que desde a infância são ensinados a reproduzir formas de ser e de pensar sexistas, ou seja, que conferem privilégios a um sexo (homens) em detrimento da subordinação do outro (mulheres). Nesse sentido, apesar de se tratar de um fenômeno estrutural (patriarcado), o machismo tem como agente opressor preferencial os homens, que por várias determinações - sociais, culturais, econômicas e políticas - ainda gozam de certo poder sobre as mulheres. Basta vermos os números alarmantes de violência contra a mulher praticada por homens em suas várias formas: psicológica; física; sexual; dentre outras. É importante ressaltar que as mulheres têm resistido

ideologia já enraizada no imaginário social não precisa da presença de um homem para ser disseminado. Vemos a discriminação de gênero ser reproduzida por diversos sujeitos sociais, inclusive pelas próprias mulheres Por outro lado, o machismo, enquanto ideologia já enraizada no imaginário social não precisa da presença de um homem para ser disseminado. Essa é uma face cruel desse processo, pois vemos a discriminação de gênero ser reproduzida por diversos sujeitos sociais, inclusive pelas próprias mulheres.apesar disso, não podemos culpabilizá-las individualmente, pois como eu disse, trata-se de um fenômeno social. O que precisamos é modificar as formas de ser e de pensar da sociedade em favor da equidade entre os sexos e de outras transformações extremamente necessárias e que vão além disso.é triste quando alguém diz que é machista porque a mãe o criou assim ou as mulheres são mais machistas que os homens, para desqualificar a atuação do movimento feminista. Isso é muito simplista e fica totalmente na aparência do fenômeno. As mulheres, sem dúvida, são as maiores interessadas no rompimento com essa lógica patriarcal, estejam cientes disso ou não. Cada uma tem seu processo de consciência em relação ao feminismo.quais as principais consequências sociais dessas relações de competitividade entre as mulheres?a principal consequência é que, na medida em que estamos envolvidas em algum tipo de disputa fomentada pelo machismo, nós não nos identificamos enquanto um sujeito coletivo. Isso nos fragiliza e nos enfraquece enquanto sexo, tanto no nosso cotidiano e vida pessoal, quanto na luta feminista de uma forma mais ampla.já somos atacadas de diversas formas pelo machismo e pela misoginia nos mais diversos espaços da sociedade. Quanto mais divididas estivermos, mais difícil será fazer frente à violência sexista, avançar na conquista de mais direitos, espaços de poder e autonomia sobre nossas vidas e corpos; dentre várias outras questões para as quais o movimento feminista nos chama a atenção. Do que se trata a sororidade e qual sua importância na luta pelos direitos feministas?

com todas. Acredito que sororidade seja isso. É entender que nós mulheres sofremos discriminações e violências que são determinadas nessa sociedade pelo nosso sexo (algo que não é só um dado biológico, mas também construção social, histórica e cultural). Diante disso, temos que nos solidarizarmos umas com as outras e nos unirmos para fazer frente ao machismo de forma coletiva.a expressão máxima desse processo é o movimento feminista, essencial para avançarmos na conquista dos direitos femininos. Ele não é coisa do passado, como muitos pensam... Enquanto houver machismo, o feminismo será imprescindível.é importante destacar que não queremos criar dicotomias ou guerra dos sexos, como muitos nos acusam. Temos consciência de que as relações entre os sexos são relações conflitantes, mas isso não quer dizer de forma nenhuma que acreditamos que os homens sejam o centro do problema. Eles, inclusive, podem ser aliados da luta feminista, apesar de o protagonismo das mulheres ser um princípio do qual não abrimos mão.quais os limites do conceito de sororidade, visto que ele pode ocultar, no movimento feminista, questões de classe, cor e mesmo de identidade de gênero?acredito que esse conceito tem seu limite, já que um sentimento indiscriminado de solidariedade entre as mulheres não é suficiente para mudar a realidade. Ao analisarmos a sociedade de uma forma mais ampla vemos que várias instituições são responsáveis por reproduzir a ideologia dominante, dentre elas o Estado, as escolas, as religiões, as famílias, as empresas etc. Estamos falando de espaços de poder, que são usados como ferramentas para exploração e dominação da classe trabalhadora em toda sua heterogeneidade, inclusive das mulheres.portanto, não podemos nos furtar de compreender as diversas formas de opressão presentes nessa sociedade, determinadas por sexo, classe, raça/etnia, identidade de gênero, orientação sexual e geração dos sujeitos. O movimento feminista deve, inclusive, se debruçar para compreender como essas outras determinações se relacionam com a questão do sexo. Sem isso nossa atuação será limitada, até porque a diversidade é algo presente no movimento. É

tarefa do feminismo se preocupar não só com a questão das mulheres, mas buscar contribuir com a emancipação de todos os sujeitos que possuem uma condição subalterna.temos a consciência de que nós não conseguiremos nos emancipar nessa sociedade capitalista, patriarcal e racista, que só se fortalece cada vez mais com a reprodução dessas formas de opressão.portanto, acredito que a luta feminista deve ser antipatriarcal, antirracista e anticapitalista. Isso vai para além de simplesmente mudar as mentalidades, com estratégias como a sororidade, por exemplo. Estamos falando em mudar a sociedade em termos estruturais e não só (mas também) culturais. Como a sororidade pode contribuir para a atuação profissional em categorias majoritariamente femininas, como é o caso do Serviço Social?Creio que o primeiro passo seja ter a clareza de que ser uma profissão majoritariamente feminina não é uma simples coincidência, algo que pode ser ignorado pelos(as) profissionais. É algo construído historicamente. Assim, é preciso compreender como essa marca de gênero perpassa o modo de ser dessa profissão e quais rebatimentos isso tem para a categoria em questão.sabemos que essas profissões femininas estão dentre as mais desprestigiadas em termos de status social e remuneração, o que não ocorre por acaso. Além disso, estão ligadas em sua maioria aos trabalhos de cuidado, educação, orientação, assistência aos setores vistos como mais fragilizados da sociedade, atribuições esperadas de nós no espaço da família. Ou seja, o que é determinado socialmente a nós na sociedade patriarcal para o espaço privado, tem sua extensão no espaço público.no caso do Serviço Social, creio que já estamos avançando em produções acadêmicas e discussões nesse sentido, mas ainda há muito que se desenvolver. Para além da solidariedade feminista, diria que é fundamental o desenvolvimento de uma consciência feminista entre as assistentes sociais.destaco, assim, a importância de nossa articulação enquanto categoria com o movimento feminista. Creio que só temos a ganhar. Isso pode contribuir para conseguirmos romper com a nossa herança conservadora, que perpassa também pelo

machismo, negando na intervenção profissional posturas discriminatórias e garantindo o

direcionamento presente em nosso projeto ético-político, a favor da construção de uma nova ordem societária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero (CFESS, 1993). Além disso, podemos nos fortalecer na luta pela legitimação e valorização da profissão, demarcando nosso lugar na sociedade e nos diversos espaços sócio-ocupacionais em que estamos inseridos. Leia mais:a solidariedade entre mulheres não pode mascarar a luta de classesbanalização do termo sororidadeimagens: Não me Kahlo e Empodere Duas Mulheres CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL DE MINAS GERAIS CRESS 6ª Região www.cress-mg.org.br www.facebook.com/cressmg cress@cress-mg.org.br 31. 3226-2083 (sede)