Avaliação das populações e reprodução em cativeiro de Mexilhões-de-Rio no âmbito do projecto LIFE+ Ecótono

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Transcrição:

PROJECTO LIFE ECOTONO Gestão de habitats ripícolas para a conservação de invertebrados ameaçados Avaliação das populações e reprodução em cativeiro de Mexilhões-de-Rio no âmbito do projecto LIFE+ Ecótono RELATÓRIO FINAL Life10/NAT/000073 Joaquim Reis 30 de Outubro de 2015

1. RIO PAIVA (MARGARITIFERA MARGARITIFERA) 1.1. Introdução Previamente ao início do projecto, Reis (2003) refere que a população de Margaritifera margaritifera do rio Paiva contaria com cerca de 500 exemplares distribuídos por pouco mais de 10 Km de rio, entre as localidades de Castro Daire e Ester. Esta estimativa não se baseava em qualquer metodologia quantitativa, sendo apenas baseada nas capturas por unidade de esforço efectuadas nas estações de amostragem de Castro Daire e Ester, assim como da ausência de capturas noutras duas estações. Um dos objectivos do projecto em curso passava portanto por determinar com rigor, baseado em metodologias quantitativas, os efectivos populacionais e sua distribuição no rio. Adicionalmente pretendia-se confirmar o carácter envelhecido da população indicado por Reis (2003), fruto do reduzido recrutamento causado pela ausência de densidades importantes de Salmo trutta. Em todo o caso, a população do rio Paiva evidencia uma regressão cuja dimensão importa esclarecer. Essa regressão será causada sobretudo pela redução da população de Salmo trutta fario, o hospedeiro dos gloquídios desta espécie, uma vez que o rio Paiva apresenta em geral boa qualidade para M. margaritifera. A população poderá pois beneficiar das acções de melhoria de habitat que também favorecem o seu hospedeiro, assim como de acções de reforço da população de truta. No entanto, a recuperação de M. margaritifera pode ser potenciada e acelerada através de um programa de reprodução em cativeiro e reforço com os juvenis assim criados. Serão apresentados os resultados relativos a este objectivo do projecto, obtidos durante as épocas reprodutoras de 2012/2013, 2013/2014 e 2014/2015. 1.2. Caracterização da Situação de Referência 1.2.1. Metodologia Dada a natureza extremamente agregada da distribuição desta espécie no rio, associada à sua escassez, optou-se por adoptar uma metodologia de inventário exaustivo em estações de amostragem ao longo do rio, ou seja, buscas em toda a extensão de cada estação localizando todos os exemplares visíveis (ver localização das estações da Figura 1). As buscas foram efectuadas usando uma luneta de Kalfa ou através de snorkeling em águas pouco profundas (até 1 m de profundidade) e através de mergulho com escafandro autónomo caso a profundidade fosse superior. Os exemplares localizados foram marcados individualmente, utilizando etiquetas de plástico numeradas, coladas à superfície da concha com cola epóxica. A longo prazo esta estratégia permitirá igualmente determinar a dimensão total da população (visível + não visível em determinado momento) ao ser aplicada nos mesmos locais em vários anos sucessivos e identificando exemplares não localizados anteriormente, assim como determinar parâmetros como mortalidade e crescimento. Todos os exemplares foram medidos 2

(comprimento máximo) de forma a construir histogramas representativos da estrutura populacional. Figura 1. Localização das estações de amostragem ao longo do rio Paiva. Tendo em conta as características do rio e as abundâncias de M. margaritifera detectadas, as estações de amostragem foram agrupadas em troços de rio relativamente homogéneos com base nesses critérios. Em cada troço foi então estimada a abundância total da espécie, tendo em conta o número total de capturas na extensão total amostrada e a extensão total do troço de rio. 1.2.2. Resultados e Discussão Foram encontrados exemplares de M. margaritifera em 12 das 16 estações de amostragem prospectadas, numa extensão de 68,5 Km do rio Paiva (Tabela 1). O número de exemplares encontrados em cada estação foi extremamente variável (entre 1 e 112), não estando relacionado com a extensão de rio amostrada (entre 100 e 660 metros). Nas estações dos troços mais a jusante os exemplares encontram-se extremamente agregados, sendo comum não encontrar qualquer exemplar em extensões de várias centenas de metros.com base nestas observações foram identificados 6 troços de rio com características populacionais bem diferenciadas (Tabela 2). O estudo efectuado permitiu obter uma nova estimativa dos efectivos populacionais para a totalidade do rio Paiva de 1650 exemplares. É também relevante notar que foram encontrados exemplares em 2 canais adjacentes ao rio, localizados após a praia fluvial de Folgosa (13) e em Reriz (20). 3

Tabela 1. Número de exemplares de M. margaritifera localizados em cada estação de amostragem do rio Paiva. Troço Estação Localidade Coordenadas Extensão N Longitude Latitude Amostrada Montante P1 Mões 7 51'42.27"W 40 51'27.79"N 170 13 P2 Canado 7 51'14.59"W 40 52'21.22"N 290 4 P3 Poldras 7 52'26.77"W 40 52'53.03"N 360 13 P4 Granja 7 54'0.61"W 40 53'8.68"N 215 10 Folgosa P5 Folgosa 7 54'38.36"W 40 53'16.88"N 440 112 Mosteiro P6 Mosteiro 7 55'29.90"W 40 53'17.84"N 300 4 Castro Daire P7 Poço dos Molgos 7 56'33.57"W 40 53'56.99"N 100 0 Ester P8 Reriz 7 59'25.40"W 40 54'43.32"N 180 5 P9 Cabaços (Ester) 8 0'33.71"W 40 54'31.79"N 660 23 P10 Parada de Ester 8 3'51.60"W 40 54'59.81"N 400 44 Jusante P11 Meã 8 4'31.81"W 40 56'0.82"N 400 4 P12 Lodeiro 8 6'15.06"W 40 56'10.89"N 270 1 P13 Janarde 8 8'52.88"W 40 55'42.60"N 100 0 P14 Areinho 8 10'35.36"W 40 57'8.98"N 280 0 P15 Praia do Vau 8 11'21.36"W 40 58'36.74"N 100 0 P16 Várzea 8 14'24.29"W 41 1'35.74"N 200 1 Foram marcados individualmente 241 exemplares. As figuras 2 e 3 representam a estrutura populacional baseada nesses exemplares, para todo o rio Paiva (Figura 2) e para 3 zonas ao longo do rio, que aglomeram todos os troços a jusante da folgosa (Figura 3). Confirma-se o envelhecimento da população, não tendo sido detectados exemplares menores que 50 mm. Para além disso, torna-se mais evidente esse envelhecimento progressivamente a jusante (Figura 3), devido ao progressivo aumento da escassez de trutas. Note-se também, na sequência desta conclusão, a razoável abundância de exemplares jovens (menores que 70 mm) presentes nas zonas mais a montante. Tabela 2. Características da população de M. margaritifera em cada troço do rio Paiva. Troço de Rio Extensão N (Km) Total Característica da População Densidade moderada, exemplares relativamente Montante 10 386 dispersos, presentes junto às margens ou atrás de rochas e pequenas ilhas. Folgosa 0,4 112 Elevada densidade, relativamente dispersa mas mais concentrada nalgumas zonas. Mosteiro 1,6 21 Densidade baixa; aumento da natureza rochosa do leito e impactos antrópicos (construções e efluentes). Castro Daire 6,8 0 Densidade muito baixa provavelmente devida à natureza rochosa do substrato e impactos antrópicos. Ester 17 985 Densidade moderada, muito concentrada em núcleos populacionais muito localizados. Jusante 32,7 145 Densidade baixa a muito baixa, correspondente ao limite jusante da população. Na última estação de amostragem coabita com Anodonta anatina. 4

Figura 2. Estrutura populacional de M. margaritifera no rio Paiva. MONTANTE 5

FOLGOSA JUSANTE Figura 3. Estrutura populacional de M. margaritifera na praia fluvial da Folgosa, assim como a montante e jusante da mesma. Os resultados obtidos em termos de abundância e estrutura populacional comprovam a regressão desta população com várias décadas de duração, conduzindo a menor densidade do que seria expectável e a núcleos populacionais dominados por indivíduos envelhecidos. Com base nestes resultados identificou-se a zona média (Troços Folgosa Ester) como a que maior benefício pode trazer à população em caso de intervenções de melhoria de habitat, reforço de população de truta e introdução de juvenis de M. margaritifera criados em cativeiro. 1.3. Reprodução em Cativeiro 1.3.1. Infecção de Trutas e Obtenção de Juvenis 6

1.3.1.1. Metodologias Para o programa de reprodução em cativeiro foram adquiridas comercialmente em cada ano cerca de 100 trutas Salmo trutta fario e instaladas em raceways em sistema aberto na estação aquícola de Campelo (Figura 4). No final do Verão iniciou-se a monitorização de M. margaritifera no rio Paiva de forma a detectar fêmeas com gloquídios. As fêmeas com gloquídios foram transportadas para Campelo e o estado de maturação dos mesmos foi avaliado verificando a actividade de abertura e fecho das valvas quando em contacto com uma solução salina (NaCl). Uma vez comprovado o seu estado de maturação, obtiveram-se os restantes gloquídios de cada fêmea colocando-a num espaço confinado com água, para que os libertasse naturalmente. Os gloquídios de 2 a 3 fêmeas foram misturados com um máximo de 50 trutas de cada vez em cerca de 10 litros de água durante 10 minutos. Após este período as trutas e mexilhões foram transferidos para raceways, enterrando os mexilhões em areia de rio contida em pequenos recipientes plásticos. O sucesso da operação foi comprovado em 2012 ao fim de 3 dias, sacrificando uma truta de cada raceway e observando as suas brânquias à lupa. Os gloquídios observados foram contados e comprovou-se se se encontravam enquistados. O número de mexilhões e trutas utilizados em cada ano é apresentado na Tabela 3. Tabela 3. Número de M. margaritifera fêmeas e de trutas Salmo truta fario utilizados em cada ano para a obtenção de mexilhões juvenis. 2012/2013 2013/2014 2014/2015 Data Infecção 21 Setembro 5 Outubro 27 Setembro M. margaritifera progenitores 12 7 7 N Trutas infestadas 125 93 155 As trutas foram mantidas nas raceways durante todo o Inverno e alimentadas regularmente com comida comercial. A temperatura da água foi registada diariamente, e o valor Day- Degrees (somatório das temperaturas diárias desde a infecção) calculado regularmente. As brânquias das trutas mortas durante este período foram observadas com a ajuda de uma lupa binocular, verificando a evolução da infecção com gloquídios. O momento da caída de juvenis foi estimado a partir da bibliografia disponível (Thomaset al. 2010, Taeubertet al. 2013). Ao aproximar-se esse momento no início da Primavera, as trutas foram transferidas para tanques cónicos com sistema semi-aberto, preparados para a recolha de juvenis (Figura 5). Estes tanques foram equipados com crivos de malha de 150 µm por onde a água de saída passa. As trutas foram colocadas em três tanques segundo a sua dimensão, uma vez que o crescimento durante o Inverno foi desigual. Os juvenis recolhidos neste sistema foram contados diariamente com a ajuda de uma lupa binocular (Leica EZ4 HD). As trutas foram mantidas nas raceways durante todo o Inverno e alimentadas regularmente com comida comercial. A temperatura da água foi registada diariamente, e o valor Day- Degrees (somatório das temperaturas diárias desde a infecção) calculado regularmente. As brânquias das trutas mortas durante este período foram observadas com a ajuda de uma lupa binocular, verificando a evolução da infecção com gloquídios. O momento da caída de juvenis 7

foi estimado a partir da bibliografia disponível (Thomaset al. 2010, Taeubertet al. 2013). Ao aproximar-se esse momento no início da Primavera, as trutas foram transferidas para tanques cónicos com sistema semi-aberto, preparados para a recolha de juvenis (Figura 5). Estes tanques foram equipados com crivos de malha de 150 µm por onde a água de saída passa. As trutas foram colocadas em três tanques segundo a sua dimensão, uma vez que o crescimento durante o Inverno foi desigual. Os juvenis recolhidos neste sistema foram contados diariamente com a ajuda de uma lupa binocular (Leica EZ4 HD). Figura 4. Raceways onde foram efectuadas as infecções e mantidas as trutas durante o Inverno. Figura 5. Tanques de fundo cónico para a recolha de juvenis recém libertados do hospedeiro. 8

1.3.1.2. Resultados e Discussão Passados três dias da infecção verificou-se que as trutas sacrificadas em 2012 continham aproximadamente 900 gloquídios cada (entre 38 e 170 gloquídios por arco branquial), todos enquistados (Figuras 6 e 7). Ao longo da fase parasitária morreram um máximo de 30 trutas (em 2012/2013), tendo sido verificado que todas se encontravam infectadas com valores muito semelhantes ao inicial. Não foi detectada qualquer variação ao longo do tempo na taxa de infecção. Os gloquídios evidenciaram um crescimento contínuo ao longo desta fase (Figura 8). Os juvenis começaram a cair entre o fim de Março e princípio de Abril, dependendo do ano (Tabela 4), tendo decorrido um mínimo de 1.743 DD e 171 dias (em 2013/2014) desde a infecção, sendo estes valores inferiores aos conhecidos para outros países europeus (Thomaset al. 2010; Taeubertet al. 2013). Este facto pode ser explicado pelas temperaturas mais elevadas registadas durante o Inverno em Portugal, e em particular no Inverno de 2013/2014 (Figura 9). Foram recolhidos juvenis diariamente durante dois a três meses. No entanto em todos os ciclos reprodutores, 90% ou mais juvenis foram recolhidos durante o 1º mês (Figuras 10 a 12), apesar de em 2014 se ter registado um padrão algo distinto, fruto provavelmente das temperaturas mais elevadas do Inverno. Tabela 4. Duração do processo de metamorfose e número de juvenis obtidos. 2012/2013 2013/2014 2014/2015 1º Dia Caída 15 Abril 24 Março 7 Abril Último Dia Caída 14 Junho 14 Maio 7 Julho Dias 206 a 267 171 a 222 193 a 284 Day-Degree (DD) 2.200 a 2.966 1.743 a 2.405 2.063 a 3.546 Total Juvenis 85.242 75.365 65.344 9

Figura 6. Aspecto de arco branquial de truta com gloquídios de M. margaritifera após 3 dias da infestação na estação aquícola de Campelo. Figura 7. Detalhe de filamentos branquiais de truta com gloquídios de M. margaritifera enquistados. 10

Temperatura (ºC) Figura 8. Filamentos branquiais de truta com gloquídios de M. margaritifera enquistados dois meses após a infecção. 2012/2013 2013/2014 2014/2015 25 20 15 10 5 0 Figura 9. Variação da Temperatura durante os 3 ciclos reprodutores. 11

Número de Juvenis Acumulado Número de Juvenis Diário Figura 10. Número de juvenis diários e acumulados obtidos em 2013. 80000 70000 60000 50000 40000 30000 20000 10000 0 24-03-2014 08-04-2014 23-04-2014 08-05-2014 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 Número de Juvenis Acumulado Número de Juvenis Diário Figura 11. Número de juvenis diários e acumulados obtidos em 2014. 12

Número de Juvenis acumulado Número de Juvenis Diário 70000 60000 50000 40000 30000 20000 10000 4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500 0 07-04-2015 07-05-2015 07-06-2015 07-07-2015 0 Número de Juvenis Acumulado Número de Juvenis Diário Figura 12. Número de juvenis diários e acumulados obtidos em 2015. 1.3.2. Sobrevivência, Crescimento e Libertação de Juvenis 1.3.2.1. Metodologias Os juvenis recolhidos foram colocados em diferentes condições de crescimento, resumidas na Tabela 5. No caso dos sistemas fechados, foram testadas várias alternativas para a alimentação: uso de algas (Scenedesmus sp. e Nanochloropsis sp.) e detritos (locais e recolhidos em lameiros). Foram testadas várias concentrações e combinações dos distintos alimentos. Os juvenis mantidos desta forma foram contados semanalmente e medidos com recurso a uma lupa binocular. Os juvenis mantidos em sistemas abertos ou dispositivos de retenção no rio foram contados e medidos com menor regularidade. Os juvenis foram libertados no rio após um mínimo de 4 semanas de crescimento controlado, deixando-os assentar e enterrar no substrato por si só em locais pré-determinados. 13

Tabela 5. Cultivo de juvenis de M. margaritifera em distintos sistemas. Sistema Tipo Corrente Alimentação 2013 2014 2015 Buddensiekem rio Aberto Sim Não 1.500 0 0 Buddensiekem Raceway Aberto Não Não 5.107 0 0 Raceway exterior com areia Aberto Não Não 43.067 0 0 Raceway interior com areia Aberto Sim Não 0 0 56.385 Racewayinterior sem substrato Aberto Sim Não 4.119 0 0 Tuperwares Fechado Não Sim 31.275 51.555 8.959 Baldes Fechado Sim Sim 0 19.538 0 1.3.2.2. Resultados Os resultados mostram uma sobrevivência e crescimento dos juvenis muito variável ainda que nas mesmas condições. Em 20 semanas alguns juvenis chegam a alcançar 1,4mm de comprimento (Figura 13), o que constitui um crescimento significativo e que aponta para uma boa probabilidade de sobrevivência. Os juvenis colocados em placas de Buddensiek quer no rio quer em raceways não sobreviveram a longo prazo (Tabela 6), reforçando a utilidade desta técnica apenas para uma fase mais adiantada do desenvolvimento dos juvenis. Nas raceways exteriores com areia também não se verificou a sobrevivência de juvenis a longo prazo, facto que poderá estar relacionado com a ausência de corrente e elevada deposição de sedimentos e algas sobre a areia. A sobrevivência dos juvenis criados em 2012 em sistemas fechados (tupperwares) com uma combinação de algas (Scenedesmus sp. e Nanochloropsis sp.) foi superior a outras combinações testadas (Tabela 6), pelo que nos anos seguintes os juvenis criados em sistemas fechados foram alimentados apenas com essa combinação. Apesar disso os resultados utilizando esta mesma técnica em 2014 e 2015 não produziu resultados tão satisfatórios (Tabela 6), sendo desconhecida a causa. Em compensação, os resultados obtidos para os sistemas fechados com circulação (baldes) em 2014 foram próximos dos melhores resultados obtidos em 2013. Os resultados mais promissores foram no entanto obtidos na raceway interior com substrato em 2015, verificando-se uma sobrevivência de 13% ao fim de 8-10 meses, o que equivale a 7.500 juvenis. É de notar ainda que estes juvenis têm quase todos mais de 1 mm, chegando alguns a superar 2,5 mm (Figura 14). 14

Figura 13. Crescimento dos juvenis de Margaritifera margaritifera em sistema fechado. Tabela 6. Sobrevivência de juvenis em diferentes sistemas. Sistema Semanas após caírem 2 4 8 12 20 10 Meses Buddensiek em rio -- -- -- -- -- 0 Buddensiek em Raceway -- -- -- -- -- 0 Raceway exterior com areia -- -- -- -- -- 0 Raceway interior com areia -- -- -- -- -- 13% Raceway interior sem areia 72% 48% 24% 6% -- -- Tuperwares 2013 Algas Combinadas Nanochloropsis Algas + Detritos Locais Algas + Detritos Lameiro 2014 Algas Combinadas 2015 Algas Combinadas 91% 40% 64% 83% 69% 76% 12% 37% 53% 45% 28% 1% 8% 13% 15% 14% 1% 3% 11% 47% 27% -- -- -- -- Baldes 77% 67% 28% -- -- -- -- 5% -- -- -- -- -- -- -- -- -- 15

Figura 14. Dimensões dos juvenis criados na raceway interior com areia (amostra). Os resultados de cultivo obtidos nos vários anos permitiram proceder à libertação de juvenis no rio Paiva, após um período variável de crescimento controlado. Em 2013 e 2014 esse crescimento foi efectuado em sistemas fechados (tupperwares), ao passo que em 2015 a libertação baseou-se nos exemplares criados na raceway interior em 2015 (Tabela 7). Tabela 7. Exemplares de M. margaritifera libertados no rio Paiva. 2013 2014 2015 Idade na libertação 17 a 20 Semanas 4 Semanas 8 a 10 Meses Locais de libertação Folgosa -- 1.000 -- Canal Reriz 604 1.000 7.500 Cabaços (Ester) -- 1.000 -- Parada de Ester -- 1.000 -- 16

2. RIO TORGAL (UNIO TUMIDIFORMIS) 2.1. Introdução A população de Unio tumidiformis no rio Torgal era antes do projecto muito pouco conhecida, assumindo-se que fosse extremamente reduzida. No entanto, o facto de nunca ter sido alvo de estudos específicos havia impediu a avaliação rigorosa do estado de conservação da mesma. Um dos objectivos foi portanto obter informação rigorosa sobre a distribuição e densidade da espécie neste rio. Um dos motivos para a escassez da espécie é a falta de pegos permanentes, ou seja, de zonas onde em anos de seca severa se mantém água e onde o habitat é muito estável. Sabe-se de estudos anteriores focando outras espécies aquáticas que apenas alguns pegos no seu curso médio se mantêm estáveis ano após ano. Estes são os únicos locais onde os mexilhões-de-rio podem sobreviver e completar o seu ciclo de vido, pelo que um dos objectivos principais do projecto foi a identificação destes locais. A criação de outras massas de água permanentes associada ao seu povoamento com juvenis criados em cativeiro torna possível um melhoramento da população a curto/médio prazo. 2.2. Caracterização da Situação de Referência 2.2.1. Metodologia Em 2012 o rio foi visitado em locais sucessivos no pico do Verão, não só procurando mexilhões, mas também identificando zonas secas do rio ou potencialmente secas em anos extremos do ponto de vista hidrológico. Os mexilhões foram localizados visualmente com uma luneta de Kalfa, snorkeling ou mergulho com escafandro autónomo (no caso da visibilidade ser reduzida). Posteriormente, em 2013 e 2014, foi efectuada a prospecção exaustiva do troço de rio entre a ponte da EN120 (37 37'57,72"N; 8 37'37,29"W) e o pego das Laimas (37 39'50,40"N; 8 37'25,23"W), numa extensão total de 5.600m. Este troço corresponde a toda a zona considerada favorável à ocorrência de Náiades assim como parte da zona a montante (ver Figura 15). 2.2.2. Resultados e Discussão Apenas foram localizados exemplares de Unio tumidiformis em 450 metros de rio, estando a maioria presentes em 150 metros que compreendem o Pego das Pias e os 2 pegos imediatamente a jusante. A distribuição das restantes espécies de Náiades (Anodonta anatina, Potomida littoralis e Unio delphinus) coincide com a de U. tumidiformis mas estende-se por mais 400 metros a jusante. Não foi encontrada qualquer Náiade a montante ou jusante deste troço de rio, embora ocasionalmente se tenham encontrado conchas vazias a jusante. Entre 2012 e 2014 foram encontrados e marcados 159 exemplares da espécie (Tabela 8 e Figura 16). 17

Figura 15. Zona prospectada do rio Torgal, com destaque para o Pego das Pias (área destacada). As zonas vermelhas (a montante) e azul (a jusante) consideram-se desadequadas para os mexilhões de rio, quer por apresentar pouca água (a montante), quer pela crescente influência das marés (a jusante). A zona amarela possui as características indicadas para a presença da espécie, necessitando no entanto de maior estabilidade dos pegos nos anos secos. Tabela 8.Capturas totais de U. tumidiformis durante o projecto. *prospecção prévia. 2012 2013 2014 Exemplares novos 6* 88 56 Recapturas -- -- 9 Total 6* 88 65 O número de recapturas foi muito reduzido (apenas 9 de 94 possíveis, ou seja, 10%), o que, assumindo que não existem perdas de etiquetas, poderá ser o resultado da combinação de uma elevada proporção de exemplares crípticos (exemplares não visíveis por estarem totalmente enterrados ou ocultos por pedras, folhas, etc.) e elevada mortalidade. De facto, estudos prévios apontam para que nalgumas populações o número de exemplares totalmente enterrados superar os 50% (Reis, não publicado), e para que o ciclo de vida desta espécie seja curto com elevadas taxas de substituição (Reis & Araújo 2016). O elevado número de novas capturas em 2014 parece apoiar estas observações, uma vez que correspondem a exemplares que já estavam presentes em 2013 mas não foram detectados. Não é por isso possível com base nestes dados produzir uma estimativa exacta do efectivo populacional, mas parece razoável que a população poderá superar os 200 exemplares. 18

Figura 16. Unio tumidiformis capturados no Pêgo das Pias no rio Torgal. A análise da distribuição de frequências de comprimentos dos exemplares encontrados em 2013 e 2014 (Figura 17) aponta para uma população bem estruturada e dinâmica. Figura 17. Estrutura populacional de U. tumidiformis no rio Torgal com base nos exemplares encontrados em 2013 e 2014. 19

2.3. Reprodução em Cativeiro 2.3.1. Obtenção de Juvenis 2.3.1.1. Metodologias Para iniciar o programa de reprodução em cativeiro foram seleccionados 100 bordalos (Squalius alburnoides) nascidos em cativeiro na estação aquícola de Campelo. Esta espécie é um dos hospedeiros conhecidos de U. tumidiformis (Reis & Araújo 2009). Estes peixes foram colocados em raceways e alimentados normalmente até serem infectados. Foram capturadas 16 fêmeas grávidas no rio Torgal em Junho de 2013, e colocadas num aquário com substrato arenoso, filtração e 12h de iluminação diária de forma a libertarem os gloquídios naturalmente. Estes foram recolhidos com uma pipeta quando detectados no aquário (operação facilitada uma vez que esta espécie liberta os gloquídios na forma de um pseudoconglutinado). Os gloquídios foram então colocados num balde com cerca de 10 litros de água e 15 a 20 bordalos, mantendo uma oxigenação forte. A duração de cada infecção foi entre 15 a 30 min, comprovando-se a olho a presença de gloquídios nas brânquias dos peixes. Estes foram então imediatamente transferidos para os tanques de recolha de juvenis (ver descrição na secção dedicada a M. margaritifera). No total foram efectuadas quatro operações de infecção distintas. Os peixes não foram alimentados durante a fase parasitária. A temperatura foi medida diariamente, registado o valor de DayDegrees (DD, ver secção relativa a M. margaritifera) e procuraram-se juvenis a partir do segundo dia após a infecção, contando-os diariamente. Em Maio de 2014 foi efectuado um procedimento semelhante ao de 2013, infestando 80 Bordalos com gloquídios de 12 fêmeas de U. tumidiformis em duas operações distintas. Em 2015 optou-se por fazer a infestação de Escalos do Torgal selvagens in-situ, libertando-os de imediato, aumentando artificialmente a taxa de infestação e permitindo que os futuros juvenis sejam dispersos naturalmente pelos movimentos dos peixes. Para este efeito em Junho de 2015 foi efectuada uma operação de infestação in loco de Squalius torgalensis com larvas de Unio tumidiformis, tendo sido utilizados 30 peixes capturados no momento na ribeira do Torgal, com recurso à pesca eléctrica. De salientar que esta foi a primeira operação do género efectuada em Portugal, tendo a mesma contado com a colaboração e o acompanhamento de diversos técnicos do ICNF. 2.3.1.2. Resultados e Discussão Os juvenis começaram a cair entre 9 a 23 dias após a infecção (Tabela 9), estando este valor aparentemente relacionado com a temperatura, como aliás refere Reis et al. (2014). Após iniciar-se a caída, esta prolongou-se por 4 a 19 dias. Os valores de Day-Degrees variam entre 208 e 677, estando em geral em linha com o conhecimento anterior sobre a espécie (Reis et al. 2014); ainda assim, alguns dados registados em 2014 são excepcionais (DD máximo de 677 e 20

19 dias libertando juvenis). No total foram obtidos 25.686 juvenis em 2013 e 5.237 em 2014. Desconhece-se a razão da diferença tendo em conta que a técnica utilizada, número de peixes utilizados e fêmeas grávidas foi semelhante. Tabela 9. Processo de infestação e obtenção de juvenis de U. tumidiformis em cativeiro. 2013-1 2013-2 2013-3 2013-4 2014-1 2014-2 Número de peixes 31 20 30 18 75 5 Dias até primeiros 10 9 10 9 23 18 juvenis Temp. média (ºC) 23,7 22,9 24,0 24,9 15,9 18,6 Dias libertando juvenis 8 7 9 9 4 19 Temp. média (ºC) 25,4 24,8 25,4 25,1 19,9 19,0 Day-Degree (DD) 208-356 216-391 238-391 224-425 370-497 334-677 Total Juvenis 6.567 2.961 9.868 6.290 3.455 1.782 2.3.2. Sobrevivência, Crescimento e Libertação de Juvenis 2.3.2.1. Metodologias Os juvenis foram contados diariamente e colocados em substrato arenoso em raceways (sistema aberto). Parte dos juvenis foram colocados em sistema fechado, em pequenos recipientes com água e alimentados com algas (Scenedes mussp. e Nanochloropsis sp.). Os juvenis colocados em sistema fechados foram contados e medidos semanalmente. Em 2013 procedeu-se a uma libertação de juvenis recém-nascidos, ao passo que em 2014 se libertaram juvenis após um período inicial de crescimento em cativeiro. Os juvenis foram libertados no rio deixando-os assentar e enterrar no substrato por si só em locais prédeterminados. 2.3.2.2. Resultados e Discussão Em 2013 foram colocados 3.756 juvenis em sistema fechado e alimentados com algas. Cerca de 12.000 foram libertados no pego das pias no rio Torgal, tendo os restantes sido colocados em substrato arenoso em raceways da estação aquícola de Campelo. Verificou-se que estes últimos não conseguiram sobreviver a médio-longo prazo, pelo que se descartou a técnica. Em 2014 foram libertados 400 juvenis a jusante do pego das pias em 4 locais ao longo do rio Torgal (zonas verde e amarela na Figura 15). Os restantes juvenis foram criados em sistema fechado e alimentados com algas em Campelo. 21

A sobrevivência dos juvenis em sistema fechado foi muito baixa, sendo praticamente nula a partir da 10ª semana. Ainda assim, foi possível verificar o crescimento dos juvenis neste sistema, sendo como era de esperar mais rápido do que para M. margaritifera. (Figura 18). Muito embora esta seja a primeira experiência de cultivo desta espécie em cativeiro, com a consequente falta de referências para comparação, os valores médios de crescimento obtidos parecem ser demasiado reduzidos para uma espécie de crescimento rápido, evidenciando uma possível limitação nutricional. Futuras experiências deverão considerar testar novas opções de alimentação em cativeiro. Figura 18. Crescimento de Unio tumidiformis nascidos em cativeiro e mantidos em sistema fechado, alimentados com algas. 3. CONCLUSÕES Como resultado deste projecto pode concluir-se que a informação sobre a população de M. margaritífera no rio Paiva e sobre U. tumidiformis no rio Torgal, assim como sobre técnicas de reprodução destas duas espécies em cativeiro sofreu um incremento considerável. Estão agora disponíveis conhecimentos que permitem encarar os programas de reprodução em cativeiro destas duas espécies como ferramentas eficazes na gestão e recuperação das suas populações. Adicionalmente, o projecto permitiu já introduzir um número considerável de juvenis das duas espécies nos rios respectivos, pelo que será possível a curto (caso de U. tumidiformis) e médio (M. margaritífera) prazo aferir a eficácia da aplicação destas técnicas no terreno. 22

BIBLIOGRAFIA Reis, J., R. Araújo 2016.Life history of the freshwater mussel Unio tumidiformis (Bivalvia: unionidae) in a temporary Mediterranean-type stream. Invertebrate Biology 135: 31-35. Reis, J., M.J. Collares-Pereira, R. Araújo. 2014. Host specificity and metamorphosis of glochidia of the freshwater mussel Unio tumidiformis (bivalvia: unionidae). Folia Parasitologica 61: 81-89. Reis J. 2003. The freshwater pearl mussel [Margaritifera margaritifera (L.)] (Unionoida: Bivalvia) rediscovered in Portugal and threats to its survival. Biological Conservation 114: 447-452. Reis J., R. Araújo. Redescription of Unio tumidiformis Castro, 1885 (Bivalvia, Unionidae), an endemism from the south-western Iberian Peninsula. Journal of Natural History 43: 1929-1945. Taeubert J-E., B. Gum & J. Geist 2013. Variable development and excystment of freshwater pearl mussel (Margaritifera margaritifera L.) at constant temperature.limnologica 43: 319-322. Thomas R., J. Taylor & C. Garcia de leaniz 2010. Captive breeding of the endangered freshwater mussel margaritifera margaritifera. Endangered species research 12: 1-9. 23