Quercus suber (sobreiro) Estudo antracológico do Cabeço Redondo, Sobral da Adiça, Moura Paula Fernanda Queiroz TERRA SCENICA TERRITÓRIO ANTIGO relatórios 33-2012
Estudo antracológico do Cabeço Redondo, Sobral da Adiça, Moura Paula Fernanda Queiroz, 2012 Terra Scenica, pfqueiroz@netcabo.pt O presente relatório corresponde ao resultado da identificação botânica de um conjunto de amostras de fragmentos de carvão recolhidas durante os trabalhos de escavação do sítio arqueológico da I Idade do Ferro, pós-orientalizante, do Cabeço Redondo (freguesia do Sobral da Adiça, concelho de Moura). Materiais e Métodos Foi estudado um conjunto de 22 amostras de material vegetal carbonizado, a partir do qual de procedeu à análise e identificação de 322 fragmentos de carvão. Um grupo significativo de fragmentos de carvão de cada amostra, maioritariamente de dimensão superior a 3 mm, foi recolhido e analizado. Os fragmentos de carvão foram partidos à mão segundo as diferentes secções de diagnóstico transversal, radial e tangencial, e observados e diagnosticados sob observação à lupa binocular e microscópio óptico de luz reflectida. A identificação foi auxiliada por material fresco e carbonizado de referência e por bibliografia especializada (Queiroz et Van der Burgh, 1989; Schweigruber, 1990a; 1990b). Resultados Os resultados da identificação botânica indicam-se na tabela I. No gráfico da figura 1 representa-se a percentagem de cada tipo morfológico identificado. Tabela 1. Resultados da identificação taxonómica dos fragmentos de carvão de madeira do sítio arqueológico do Cabeço Redondo.
Figura 1. Carvões de madeira do Cabeço Redondo. Indica-se a frequência relativa de cada tipo morfológico no total das amostras analisadas. Lista dos tipos xilomórficos identificados: Pinaceae: Pinus pinaster (pinheiro-bravo) Pinus pinea (pinheiro-manso) Pinus sp. (pinheiro indeterminado) Fagaceae: Quercus suber (sobreiro) Quercus rotundifolia (azinheira) Quercus coccifera (carrasco) Quercus sp. Oleaceae: Fraxinus (freixo)
Ericaceae: Arbutus unedo (medronheiro) Erica arborea (urze-branca) Erica umbellata (queiró) Erica sp. Cistaceae: Cistus ladanifer (esteva) Breve descrição morfológica: PINACEAE Pinus pinea (pinheiro-manso) Estampa 1 Corte transversal: Madeira sem vasos. Anéis de crescimento distintos. Transição mais ou menos gradual entre a madeira de Primavera e a de Verão. Canais resiníferos presentes. Corte tangencial: Raios com um máximo de 18 células de altura. Raios com canais de resina presentes. Corte radial: Campo de cruzamento radiovascular com cerca de 1 a 2 pontuações mais ou menos circulares, simples, de tipo pinóide. Traqueídos com grandes pontuações areoladas circulares unisseriadas. Raios heterocelulares com células marginais de paredes lisas, não denteadas. Pinus pinaster (pinheiro-bravo) Estampa 1 Madeira sem vasos. Anéis de crescimento distintos. Canais resiníferos presentes. : Raios relativamente curtos, com até 10 células de altura. Raios com canais de resina presentes. : Campo de cruzamento radiovascular com cerca de 3 a 4 perfurações pequenas, mais ou menos circulares, simples, de tipo pinóide. Traqueídos com grandes pontuações areoladas circulares unisseriadas. Raios heterocelulares com células marginais com paredes espessas e denteadas. FAGACEAE Mais de 50% dos restos carbonizados observados correspondem a madeira de Quercus, todos de espécies esclerófilas, pereniformes, estando ausentes da representação antracológica os carvalhos de folha caduca. A identificação taxonómica a um nível específico dentro deste grupo é realizada através da conjugação de dois principais caracteres de diagnóstico o padrão de porosidade e a frequência e dimensão dos raios multisseriados. Descrevem-se seguidamente os tipos xilomorfológicos considerados. Note-se, no entanto, que a franja de distribuição destes caracteres em cada espécie apresenta alguma sobreposição relativamente às outras, pelo que, nalguns casos, não foi possível a atribuição do fragmento a um tipo morfológico determinado. Aparecem assim fragmentos de carvão identificados como Q. suber/rotundifolia e Q. suber/coccifera, dado apresentarem morfologias intermédias. Por outro lado, do total de fragmentos de Quercus, cerca de 6 % apresentavam dimensões muito reduzidas que não permitiram uma identificação a nível sub-genérico.
Quercus suber (sobreiro) Estampa 2 Porosidade semi-difusa. Poros relativamente pouco frequentes, dispostos em filas tangenciais, com uma maior concentração de poros maiores no início do anel de crescimento. Poros diminuindo gradualmente de diâmetro do início para o fim da camada de crescimento. Poros com tilos frequentes. Raios multisseriados muito largos frequentes. Parênquima reticulado. Raios unisseriados abundantes, homogéneos, formados por células aproximadamente circulares em corte tangencial. Raios multisseriados muito largos presentes. Raios homogéneos, formados exclusivamente por células prostradas. Vasos grandes, densamente pontuados, com tilos. Pontuações intervasculares grandes, circulares. Pontuações radiovasculares grandes, opostas, por vezes alongadas radialmente. Placas de perfuração simples. Quercus rotundifolia (azinheira) Estampa 2 Porosidade difusa. Poros muito abundantes, dispostos em grupos radiais. Poros de dimensão uniforme ao longo de toda a camada de crescimento. Parênquima paratraqueal e apotraqueal reticulado. Raios multisseriados muito grandes frequentes. Raios unisseriados abundantes, homogéneos, formados por células aproximadamente circulares em corte tangencial. Raios multisseriados muito largos, com até cerca de 1mm de largura, abundantes. Raios homogéneos, formados exclusivamente por células prostradas. Vasos grandes por vezes com tilos. Pontuações intervasculares grandes. Pontuações radiovasculares grandes, opostas, por vezes alongadas radialmente. Placas de perfuração simples. Quercus coccifera (carrasco) Estampa 3 Porosidade difusa. Poros raros, em esparsas filas radiais. Parênquima paratraqueal e apotraqueal reticulado. Raios multisseriados raros. Raios unisseriados abundantes, homogéneos, formados por células aproximadamente circulares em corte tangencial. Raios multisseriados raros. Raios homogéneos, formados exclusivamente por células prostradas. Vasos grandes por vezes com tilos. Pontuações intervasculares grandes. Pontuações radiovasculares grandes e alongadas, opostas. Placas de perfuração simples. OLEACEAE Fraxinus (freixo) Estampa 3 Porosidade em anel. Poros de Primavera grandes, formando um anel descontínuo. Poros de Verão infrequentes, solitários ou em pequenos múltiplos radiais de 2-3 poros. Parênquima paratraqueal vasicêntrico abundante. Fibras espessas. Raios unisseriados e multisseriados com cerca de 3 células de largura, mais ou menos
fusiformes, formados por células pequenas de contorno circular e células envolventes maiores, circulares a elípticas Raios homogéneos formados por células prostradas. Placas de perfuração simples. Parênquima paratraqueal abundante, formado por células quadrangulares e erectas grandes. ERICACEAE Arbutus unedo (medronheiro) Estampa 4 Porosidade difusa. Poros isolados e em pequenos múltiplos radiais ou ligeiramente oblíquos de 2 a 4 poros. Raios 2 a 4 seriados, relativamente curtos, de contorno fusiforme, com até cerca de 15 células de altura. Raios heterogéneos com células prostradas no centro e 1 a 3 fiadas de células quadradas e erectas nas margens. Vasos com fortes espessamentos espiralados. Pontuações intervasculares circulares, com 5 a 7.5 m. Placas de perfuração simples. Erica arborea (urze branca) Estampa 4 Porosidade difusa. Poros isolados, mais raramente em pequenos múltiplos (2-3) de orientação radial. Poros com até 80 m de diâmetro. Raios unisseriados e multisseriados com até 6 células de largura, e cerca de 15 células de altura. Em fragmentos da toiça basal, raios significativamente mais largos, com até cerca de 18 células de largura. Raios heterogéneos com células prostradas no centro e 1-3 fiadas de células erectas nas margens. Pontuações intervasculares muito abundantes, muito pequenas (cerca de 2 m). Erica umbellata (queiró) Estampa 4 Porosidade difusa. Poros isolados, mais raramente em pequenos grupos radiais de 2 a 3 poros. Poros pequenos com cerca de 20-30 m de diâmetro. Raios 1 a 3 seriados, curtos, com até 10 células de altura. Raios heterogéneos com células prostradas no centro e 1-2 fiadas de células quadradas nas margens. Vasos densamente pontuados, com pontuações circulares, pequenas (cerca de 2 m). CISTACEAE Cistus ladanifer (esteva) Estampa 5 Porosidade difusa. Anéis de crescimento distintos, com uma estreita faixa terminal sem poros. Poros pequenos, com até 20 m de diâmetro, predominantemente solitários.
Raios maioritariamente unisseriados; raios bisseriados também presentes. Fiadas de cristais prismáticos presentes. Raios heterogéneos com 1 a 2 fiadas de células marginais quadrangulares e erectas. Vasos com finos espessamentos espiralados. Cristais prismáticos presentes nas células erectas dos raios. Comentários O elenco de espécies lenhosas identificado nos espectros antracológicos das amostras do Cabeço Redondo não difere significativamente do conjunto dos dados antracológicos já obtido a partir do estudo de outros sítios arqueológicos da margem esquerda do Guadiana. Constacta-se a presença maioritária de madeira de sobreiro, a presença algo abundante de pinheiro manso, freixo, urzes e estevas, e a ocorrência mais rara de madeira de azinheira, carrasco, medronheiro e pinheiro-bravo. A presença maioritária de madeira de sobreiro nestas amostras da I Idade do Ferro poderá estar em concordância com os dados obtidos nas turfeiras do litoral SW, onde se estabeleceu uma periodização paleoclimática para o Holocénico Recente, que se inicia por volta de 3200 BP com uma fase húmida (Mateus, 1992; Queiroz, 1999). Esses dados sugerem uma xerificação da paisagem, com um período mais seco na II Idade do Ferro e início da Época Romana (Mateus, 1992). No Guadiana este diferente carácter pluviométrico traduzir-se-ia porventura na presença maioritária de uma vegetação de carácter mesomediterrânico durante a Idade do Bronze e I Idade do Ferro, com uma presença mais acentuada de sobreiros, e uma expansão da vegetação de carácter bioclimático mais seco, termomediterrânica, com predomínio de azinhais, a partir da II Idade do Ferro e Época Romana. Este cenário parece concordante com o conjunto de resultados antracológicos até agora obtidos nos diferentes sítios arqueológicos da margem esquerda do Guadiana. Referências MATEUS, J.E. (1992) Holocene and present-day ecosystems of the Carvalhal Region, Southwest Portugal. PhD Thesis, Utrecht University, 184 pp. QUEIROZ, P.F. (1999) Ecologia Histórica da Paisagem do Noroeste Alentejano. Tese de Doutoramento, Universidade de Lisboa, 300 pp. QUEIROZ, P.F.; VAN DER BURGH, J. (1989) - Wood Anatomy of Iberian Ericales. Revista de Biologia. Lisboa. 14, p. 95-134. SCHWEINGRUBER, F.H. (1990a) Anatomy of European Woods. Haupt SCHWEINGRUBER, F.H. (1990b) Mikroskopisch Holzanatomie.3 auflege. Eidgenössische Forschungsanstalt für Wald, Schnee und Landschaft. Birmensdorf.
2 1 3 5 4 ESTAMPA I Pinus pinea (pinheiro-manso) 1.. Campos de cruzamento com pontuações pinóides grandes; 2. ; 3.. Paredes das células marginais do raio lisas; Pinus pinaster (pinheiro-bravo) 4.. Raios curtos; 5.. Paredes das células marginais dos raios denteadas.
1 2 3 4 ESTAMPA II Quercus suber (sobreiro) 1.. Porosidade; 2.. Porosidade e raio multisseriado; Quercus rotundifolia (azinheira) 3.. Porosidade e raio multisseriado; 4.. Porosidade.
1 2 5 3 4 ESTAMPA III Quercus coccifera (carrasco) 1.. Porosidade; Fraxinus (freixo) 2. ; 3. ; 4.. Porosidade; 5.. Detalhe poro duplo e parênquima vasicêntrico.
1 2 3 3 ESTAMPA IV Arbutus unedo (medronheiro) 1.. Porosidade; 2.. Espessamentos espiralados; Erica arborea (urze-branca) 3.. Fragmento de toiça basal; Erica umbellata (queiró) 4.. Porosidade.
1 4 2 3 5 ESTAMPA V Cistus ladanifer (esteva) 1.. Porosidade, final do anel sem poros; 2.. Raios 1 e 2 seriados, cristais prismáticos ; 3.. Raios unisseriados e cristais prismáticos; 4.. Raios heterogéneos e espessamentos espiralados; 5.. Raio heterogéneo.